terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Fé

A palavra que procede da boca de Deus é o que concede vida ao homem, portanto, a vida proveniente de Deus é concedida através da palavra d’Ele. É a palavra de Deus que possui o poder criativo (bara) e é por intermédio da palavra que o novo homem é gerado em verdadeira justiça e santidade com um novo coração e um novo espírito ( Ef 4:24 ; Is 51:10 ; Ez 36:26 e27 ; 1Pe 1:23 ).
"Inclinai os vossos ouvidos, e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá; porque convosco farei uma aliança perpétua, dando-vos as firmes beneficências de Davi" ( Is 55:3 )

Através do convite: “Inclinai os vossos ouvidos e vinde a mim...” ( Is 55:3 ), Deus prometeu vida aos homens, visto que todos estavam mortos em delitos e pecados “... ouvi, e a vossa alma viverá ( Is 55:3 ).
A bíblia demonstra que todos os homens pecaram e que foram destituídos da glória de Deus ( Rm 3:23 ; Sl 53:3 ), ou seja, o termo ‘morte’ é empregado para fazer alusão à condição pertinente à natureza dos homens herdada de Adão, ou seja, refere-se à separação de Deus.
Por intermédio do profeta Isaias é anunciado que basta dar ouvidos à palavra de Deus que o homem se aproximará d’Ele, ou seja, ‘inclinar’ os ouvidos é o mesmo que dar crédito (ouvir), e então, o homem passa da morte para a vida.
Esta mesma mensagem foi anunciada pelo profeta Moisés quando disse: "E te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná (...) para te dar a entender que o homem não viverá só de pão, mas de tudo o que sai da boca do SENHOR viverá o homem" ( Dt 8:3 ).
A análise destes dois versículos demonstra que a palavra que procede da boca de Deus é o que concede vida ao homem, portanto, a vida proveniente de Deus é concedida através da palavra d’Ele. É a palavra de Deus que possui o poder criativo (bara) e é por intermédio da palavra que o novo homem é gerado em verdadeira justiça e santidade com um novo coração e um novo espírito ( Ef 4:24 ; Is 51:10 ; Ez 36:26 e27 ; 1Pe 1:23 ).
Enquanto Moisés descreveu a justiça da lei ( Rm 10:5 ), a justiça da fé falou por si mesma ensinando ao povo de Israel as seguintes questões: quem subirá ao céu? Ou, quem descerá ao Abismo “Mas a justiça decorrente da fé assim diz:...” ( Rm 10:5 ), pois o espírito de Cristo estava sobre Moisés alertando que os mandamentos segundo a promessa não são penosos ( Ap 19:10 ; 2Pe 1:21 ; 1Jo 5:3 e Dt 30:11 -14 ).
A mesma palavra que foi anunciada que estava perto dos ouvintes da lei, na boca e no coração, é a palavra da fé que o apóstolo Paulo pregou ( Rm 10:8 ), pois todo o que crê, ou antes, invoca a Deus, será salvo ( Rm 10:11 e 12). Basta aos ouvintes da lei darem crédito à palavra de Deus que cumpririam o ordenado por Deus “De novo darás ouvidos à voz do Senhor, e cumprirás todos os seus mandamentos que hoje te ordeno" ( Dt 30:8 ; Is 55:3 ).
O apóstolo Paulo resume esta verdade quando conclui: "De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" ( Rm 10:17 ), pois para invocar é necessário crer, e para crer é necessário ouvir a mensagem daquele que é enviado de Deus ( Rm 10:14 ). O apóstolo evidencia que a mensagem da fé, cujo tema é Cristo, é essencial para que o homem creia, pois exclusivamente através do Verbo encarnado viverá o homem.
O que os profetas Moisés, Habacuque e Isaias, bem como o apóstolo Paulo evidenciaram? Que o querigma, a palavra, a mensagem, as boas novas do evangelho é a ‘fé’ pela qual o homem viverá. O que faz o homem ter vida perante Deus é o poder que há em sua palavra ( Jo 1:12 ), que é Cristo, o Verbo encarnado, tema central do evangelho e poder de Deus para salvação dos que creem ( Rm 1:16 ).
O apóstolo Paulo assim descreve a ‘fé’ pela qual o homem obtém vida: "Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar" ( Gl 3:23 ). A ‘fé’ que havia de vir e que havia de ser manifesta não contempla outra interpretação: a fé é Cristo.
A ‘fé’ que havia de se manifestar é Cristo, pois todos os que jazem mortos em delitos e pecados, ao ouvirem a voz do Filho viverão por Ele.
Esta verdade contraria muitos eruditos que dizem que a regeneração precede a fé sob o argumento de que os homens estão mortos espiritualmente e incapazes de ouvir e atender a voz de Deus “A menos que a regeneração ocorra primeiro, não há possibilidade de fé” Sproul, R. C., O Mistério do Espírito Santo, Tyndale House, 1990 – Disponível na Web sob o título ‘A regeneração precede a fé’ – Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto.
Jesus deixa claro que os mortos podem ouvir a sua voz, e muito mais, ainda que estejam mortos, se crerem, viverão "Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá" ( Jo 11:25 ); "Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão" ( Jo 5:25 ).
Como aquiescer a declaração de Sproul, uma vez que a ‘fé’ que foi revelada na plenitude dos tempos, que é Cristo, é pré-existente.
Interpretar alguns textos bíblicos, em que o termo ‘fé’ é empregado como ‘querigma’, como se fizesse referencia à disposição interna do indivíduo em crer, trás distorções e um prejuízo incomensurável a compreensão do evangelho.
Quando lemos: "E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé" ( Gl 3:11 ), o apóstolo contrapôs a matéria do antigo testamento com a do novo:
a) o da lei, que resume-se em maldição para aqueles que não a cumprirem, e remete às obras “Ora, a lei não é da fé; mas o homem, que fizer estas coisas, por elas viverá” ( Gl 3:12 ; Dt 27:26 ), e;
b) o da fé, que resume-se na bênção proveniente do evangelho, e o homem descansa na esperança proposta ( Gn 12:3 ; Gl 3:8 -9).
O capítulo 3 de Gálatas consiste em uma análise quanto às implicações da lei e do evangelho. Embora o apóstolo aborde no verso 6 a crença de Abraão, contudo o capítulo foi redigido de modo a contrastar a lei e a ‘fé’ como querigma, e não como crença particular.
De igual modo, o escritor aos Hebreus cita a passagem de Habacuque enfatizando que os cristãos pertencem à fé para a conservação da alma (O termo conservação é utilizado como manutenção, contrastando com destruição) “Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição; somos entretanto, da fé, para a conservação da alma” ( Hb 10:39 ) ARA – Texto equivalente ao do novo Testamento Interlinear Grego – Português.
Outras versões rezam: “Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que creem para a conservação da alma” ( Hb 10:39 ), enfatizando a crença do homem em lugar de destacar a mensagem que os apóstolos anunciaram, como acertadamente faz a versão ARA.
Se o leitor não for criterioso, fará uma má leitura dos versículos e cometerá um equivoco na interpretação, pois em um mesmo contexto o termo ‘fé’ pode assumir conotações distintas, como verificaremos nas passagens bíblicas a seguir: “Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas” ( Rm 3:21 ).
É necessário fazer as seguintes indagações ao texto: O que se manifestou sem a lei? O que têm o testemunho da lei e dos profetas? A resposta decorre do expresso por Paulo aos Gálatas: "Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei, e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar" ( Gl 3:23 ).
Cristo foi manifesto e, somente Ele tem o testemunho da lei e dos profetas, sendo Ele a ‘fé’ que foi manifesta e, somente Ele é o possuidor do testemunho da lei e dos profetas. Cristo é a justiça de Deus manifesta aos homens e, exclusivamente no evangelho o homem descobre Cristo como a justiça de Deus ( Rm 1:16 -17).
Por causa da complexidade do que expôs no verso 21, do capítulo 3 de Romanos, o apóstolo faz um adendo explicativo no verso seguinte e, novamente expõe esta verdade: “Isto é, a justiça de Deus...” ( v. 22).
O Novo Testamento Interlinear Grego – Português, no verso 22 reza da seguinte maneira: “... justiça[2] e[1] de Deus mediante (a) fé de Jesus Cristo para todos os que creem” (v. 22). Observe que a ‘fé’ que o apóstolo faz referência é de Cristo, ou seja, pertence a Ele, pois Ele é o autor e consumador dela. Logo a seguir, tem-se o verbo ‘crer’, que se refere à disposição interna do homem em confiar.
A frase fica sem sentido quando se atribui ao termo ‘fé’ o mesmo sentido do verbo ‘crer’, como se lê a seguir: “... justiça[2] e[1] de Deus mediante (a) crença de Jesus Cristo para todos os que creem” (v. 22). Parafraseando o apóstolo Paulo, teríamos: “... a justiça de Deus mediante o evangelho (fé) de Jesus Cristo para todos os que creem”.
A justiça de Deus é mediante o evangelho, a ‘fé’ pela qual os cristãos são exortados a batalharem e que foi manifesta aos homens ( Jd 1:3 ; Gl 3:2 e Gl 3:23 ). Esta mesma ‘fé’ assegura justificação àqueles que creem, sejam eles judeus ou não.
Qual o objetivo desta análise?  Buscar uma interpretação correta do verso 26, do capítulo 3 de Romanos:
“... para a demonstração da justiça dele em o presente tempo, para ser ele justo e o que justifica o (que é) de (a) fé de Jesus” ( Rm 3:26 ) - Novo Testamento Interlinear Grego - Português.
O verso destaca que Deus justifica os que são (pertencem a) da fé, o que contrasta com a condição daqueles que são da lei. Enquanto os que são da fé são justificados porque creem (descansam) na justiça que se manifestou, os que são da lei tropeçam porque se propuseram a trabalhar.
O apóstolo Paulo não tinha do que se envergonhar do evangelho, pois ele é anterior e superior a lei: "Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé" ( Rm 1:17 ).
A ênfase da fala do apóstolo consiste em demonstrar que o cristão obtém vida através do evangelho, ou seja, através da palavra de Deus, que é a ‘fé’ enquanto querigma, posicionamento que contraria a idéia de que a justificação é proveniente da disposição interna do indivíduo em crer “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé” ( Rm 16:25 -26).
A ‘fé’ que foi entregue aos santos ( Jd 1:3 ), é descrita pelo apóstolo dos gentios como: a) Meu evangelho; b) A pregação de Jesus; c) A revelação do mistério que esteve oculto desde tempos eternos; d) Manifestou-se agora; e) Foi notificado pelas escrituras dos profetas; f) É segundo o mandamento de Deus, e; g) Foi revelado a todas as nações para obediência.
O apóstolo dos gentios demonstra que a pregação de Jesus não difere da mensagem contida no ‘seu’ evangelho, ou seja, a pregação de Jesus e o ‘evangelho’ do apóstolo diz do mesmo mistério que esteve oculto desde os tempos eternos. O que foi ‘notificado’ pelas escrituras (lei, salmos e profetas) e, que agora se manifestou, é o mesmo que: a) o mistério revelado; b) a pregação de Cristo, e; c) o evangelho de Paulo.
Cristo é a palavra encarnada manifesta aos homens na plenitude dos tempos, sendo ele mesmo o tema da pregação que foi confiada aos apóstolos. A pregação do apóstolo Paulo é conforme o mandamento de Deus, uma vez que somente é possível obedecer ao mandamento de Deus através da ‘fé’ (querigma), ou seja, através do evangelho de Cristo. Deus estabeleceu o único modo de o homem cumprir o exigido por Ele: obediência da fé “De novo darás ouvidos à voz do Senhor, e cumprirás todos os seus mandamentos que hoje te ordeno” ( Dt 3:8 ).
Qual o mandamento de Deus? Que os homens creiam naquele que Ele enviou ( 1Jo 3:23 ). É por isso que Cristo se manifestou, pois ao crer n’Ele, o homem também crê no Pai que o enviou "E Jesus clamou, e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas naquele que me enviou" ( Jo 12:44 ). Cristo é a ‘fé’ que havia de se manifestar, o Verbo manifesto em carne, do qual o profeta Moisés disse que, de tudo o que procede da boca de Deus viverá o homem "Mas a seu tempo manifestou a sua palavra pela pregação que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salvador" ( Tt 1:3 ).
Portanto, faz-se necessário observar que, na bíblia, como em outras literaturas, há o emprego de figuras de linguagem, sendo o termo ‘fé’ empregado muitas vezes para fazer referência ao conteúdo da mensagem do evangelho. Tal figura de linguagem consiste em substituir um nome (evangelho) por outro (fé), em virtude de haver entre os termos forte associação de significado (fé e evangelho).
A figura de linguagem que ocorre com o terno ‘fé’ e ‘evangelho’ denomina-se metonímia e, refere-se ao recurso de substituir a causa (evangelho, fé, Cristo) pelo seu efeito (crer, salvação, redenção), ou vice-versa.
Quando o apóstolo dos gentios diz: ‘a fé que havia de se manifestar’, temos a substituição do nome do autor da obra pela obra do autor, pois sabemos que Cristo é o autor e consumador da fé.
A metonímia como recurso linguistico faz com que um mesmo termo passe a amalgamar significados distintos. Por exemplo, a palavra ‘fé’, dependendo do contexto, pode significar ‘acreditar’, ‘confiar’, ‘crer’, ou significar ‘evangelho’, ‘mensagem’, ‘pregação’, ‘boas novas’, etc.
É por isso que o apóstolo Paulo diz que a justiça de Deus se descobre no evangelho, que é de fé (evangelho) em fé (crença), ou seja: primeiro o querigma, depois a crença. Sem as garantias contidas e reveladas na mensagem do evangelho é impossível que o homem venha a confiar em Deus para salvação.
A mensagem do evangelho expressa a fidelidade de Deus e, sem Deus não há nada firme em que o homem possa crer para salvação. A crença do homem surte efeito para salvação somente quando repousa nas garantias estabelecidas na mensagem do evangelho ( Rm 10:14 ). Deus prometeu e, Ele é o garantidor da promessa. A promessa, por sua vez é firme, porque Deus é fiel e poderoso para cumpri-la.
O evangelho é a fé que havia de se manifestar. A fé consiste nas boas novas do reino, sendo Cristo o tema central, a palavra de Deus encarnada. Sem a fé manifesta é impossível ao homem ter fé (crer), pois o que torna a crença do homem viável para a salvação é a obra redentora de Cristo.
Neste sentido temos que Cristo, a fé manifesta, precede a regeneração, pois é o tema da mensagem que provoca a mudança de compreensão (metanóia) no homem. Sem a pregação da mensagem que diz que Cristo morreu e ressurgiu dentre os mortos, não há como crer para justiça e nem como confessar para salvação ( Rm 10:10 ), pois o homem só admite (confissão) que é pecador quando ouve a mensagem do evangelho e, só admite (confissão) que Cristo é o Filho do Deus vivo quando crê na mensagem do evangelho.
Não saber diferenciar quando o termo ‘fé’ refere-se ao querigma e quando o mesmo termo refere-se à confiança produzida no cristão, produz um entendimento distorcido da verdade do evangelho, como se verifica na colocação do Dr. Louis Berkhof : “... Quer dizer que a fé nunca é apresentada como a base da nossa justificação. Se fosse, a fé teria que ser considerada como uma obra meritória do homem. E isto seria a introdução da doutrina da justificação pelas obras, à qual o apostolo coerente e consistentemente se opõe...” Berkhof, Louis, Teologia Sistemática, pág. 514-528, Editora Cultura Cristã - Grifo nosso.
O apóstolo Paulo afirma categórica e taxativamente que, Deus justifica a circuncisão e a incircuncisão mediante a fé “Visto que Deus é um só, que justifica pela fé a circuncisão, e por meio da fé a incircuncisão” ( Rm 3:30 ), como o eminente doutor pode dizer que a ‘fé’ nunca é apresentada como a base da nossa justificação?
Quando o termo ‘fé’ significa querigma, certamente a fé é a base da justificação, pois Deus demonstrou a sua justiça no tempo presente, para que Ele seja justo e o que justifica os que pertencem à fé ( Rm 3:26 -27).
Cristo é a base da justificação, pois Ele é a fé pela qual viverá o homem. A não compreensão da natureza da fé como querigma e da fé como crença leva à afirmação descabida de que a fé nunca é a base da justificação e, o erro soma-se a outros, sendo um deles a ideia de que a fé como ‘confiança’, ‘crença’ teria que ser considerada como uma obra meritória.
Que mérito tem uma pessoa que acredita em alguém que é fidedigno? Que mérito há em clamar a Deus por salvação? "Digna-te, SENHOR, livrar-me: SENHOR, apressa-te em meu auxílio" ( Sl 40:13 ).
Se existe uma obra realizada, esta pertence a quem prometeu, portanto, merecedor da confiança daquele que crê. Com relação ao evangelho de Cristo não há o que se falar em jactância por parte de quem crê “Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé” ( Rm 3:27 ). Só por estar no evangelho qualquer jactância é excluida, pois só na carne há jactância, pois no Espírito não sequer sombra de altivez.
Entender que a crença do cristão, que decorre da ‘fé’ (evangelho) teria a possibilidade de ser meritória, uma obra ou um modo de colaborar na salvação por parte de quem é alcançado pelo evangelho é transtornar a mensagem da fé, pois não há que se falar em mérito por parte de quem invoca a Deus segundo o evangelho do seu Filho, antes o mérito está n’Ele que é fiel e propôs salvar todos os que O invocam "Porque todo aquele que invocar o nome do SENHOR será salvo" ( Rm 10:13 ; Jl 2:32 ).
Aquele que confia no evangelho não executa, não auxilia e nem concede nada a Deus que fez a promessa, visto que, quem prometeu é fiel e digno de toda confiança. Quando alguém crê em Deus, o mérito é d’Ele, por ser fiel e imutável, e não daquele que confia. Se alguém confia em Deus é porque Deus é digno desta confiança por sua própria virtude, poder "Que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo" ( 1Pe 1:5 ).
Ou seja, mediante o querigma os cristãos estão seguros na virtude de Deus, que é fiel e imutável, portanto, não há mérito algum em quem deposita em Deus a sua confiança. Que virtude ou poder possui quem crê na salvação proposta em Cristo, a fé manifesta aos homens?
Quando temos o termo ‘fé’ associado à ideia de evangelho, ‘palavra da fé’, certo é que tal ‘fé’ á a base da justificação, pois somente após ouvi-la o homem crê ( Rm 10:10 ), porém, se o termo ‘fé’ fizer referência ao ‘ato’ de descansar, crer, tal disposição não é a base da justificação. Por outro lado, quando o homem crê, ouve, invoca ao Senhor, não há nem sombra de obra ou méritos por parte do homem.
Por não levar em conta o exposto acima, Berkhof diz: “Na verdade se nos diz que a fé que Abraão tinha lhe foi imputada para justiça, Rm 4.3, 9, 22; Gl. 3.6, mas, em vista da argumentação completa, isto certamente não pode significar que, no caso dele, a fé propriamente dita, como obra, tomou o lugar da justiça de Deus em Cristo” Idem - grifo nosso.
Jamais podemos considerar a disposição de Abraão em crer como obra, pois a obra vincula-se à carne, e a certeza que Abraão possuía decorria da promessa e do poder de Deus ( Rm 4:20 -21), o que excluiu completamente a carne e as suas obras ( Rm 4:1 -2). Segundo a carne Sara era estéril e Abraão, mesmo podendo ter filhos, com relação a Isaque teve que recobrá-lo dentre os mortos, logo a jactância pertinente a carne foi excluída "Sendo-lhe dito: Em Isaque será chamada a tua descendência, considerou que Deus era poderoso para até dentre os mortos o ressuscitar" ( Hb 11:18 ).
Não há distinção entre aqueles que pertencem à fé, pois são benditos como o crente Abraão ( Gl 3:9 ), pois vivem segundo a palavra de Deus e não confiam da carne ( Rm 8:4 ).
O evangelho que lhe foi anunciado primeiramente a Abraão: ‘Em ti serão benditas todas as nações’ ( Rm 3:8 ), é o mesmo evangelho, a pregação da fé, que tem como tema central o Descendente, que é Cristo, é a fé da qual todos os que creem são participantes ( Gl 3:2 e 4).
Abraão foi justificado porque creu na promessa que Deus lhe fez e ao seu Descendente, sendo que, mesmo que Abraão não permanecesse fiel, o seu Descendente, que é Cristo, em tudo foi fiel e digno da bem-aventurança prometida ( Gl 3:16 ). Abraão foi justificado quando creu porque ao crer tornou-se participante da promessa. O evangelho diz de Cristo e Ele é a base da justificação e o homem, por sua vez, torna-se participante de Cristo quando confia "Porque nos tornamos participantes de Cristo, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim" ( Hb 3:14 ).
A obediência de Cristo foi a base da justificação de Abraão, pois ao crer na palavra de Deus acerca do seu Descendente, que é Cristo, Abraão tornou-se participante da bem-aventurança conquistada pelo seu Descendente. O Descendente de Abraão foi fiel em toda a sua casa como Filho e, quando o homem crê n’Ele, torna-se participante da sua vida e justiça ( Cl 2:9 -10).
Deus dá do seu Espírito e obra maravilhosamente para com o homem através da pregação da ‘fé’ ( Gl 3:5 ), e Abraão creu em Deus. Por crer em Deus segundo o evangelho que lhe foi anunciado, Abraão passou a viver para Deus, sendo declarado justo, segundo a palavra que diz: o justo viverá da fé ( Gl 3:11 ), pois a justificação é de vida "... por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida" ( Rm 5:18 ).
Portanto, o justo vive em decorrência da ‘fé’ que se revelou, e não em função da sua crença, como alguns pensam. Embora o cristão receba o testemunho de que é justo por crer ( Hb 11:4 ), contudo só é possível agradar a Deus através de Cristo ( Hb 11:6 ).
As palavras pisteuo (crer) e pistis (fé) denotam originalmente o relacionamento de confiança entre duas partes num acordo, porém, elas são intercambiáveis dependendo do contexto. A ‘fé’ que Jesus faz referencia em Lucas 18, verso 8 aponta para a mensagem de Cristo “Quando vier o Filho do homem, achará fé na terra” ( Lc 18:8 ), assim como em Romanos 1, verso 5 e, em Gálatas 1, verso 23.
Quando o escritor aos Hebreus define a fé, por certo que não fala da disposição interna do homem, antes da palavra de Deus, visto que só em Deus as coisas esperadas são certas, mesmo quando não são visíveis e, é por intermédio desta fé que os antigos receberam testemunho.
Portanto, a crença do homem é anterior à regeneração e decorre da mudança de concepção do homem quando alcançado pelo evangelho (metanóia), tendo em vista que o homem só crê para salvação após ouvir a mensagem da fé, que promove a mudança de concepção e a regeneração do homem “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre (...) Mas a palavra do SENHOR permanece para sempre. E esta é a palavra que entre vós foi evangelizada” ( 1Pe 1:23 -25).
A palavra que é evangelizada tem por alvo aqueles que jazem nas trevas em delitos pecados e, após crer, aquele que estava vivo (unido) para o pecado e morto (separado) para Deus é crucificado com Cristo, sepultado e ressurge juntamente com Cristo, instante em que este novo homem é declarado justo, contrastando com o velho homem que foi crucificado, pois aquele jamais seria justificado por Deus "Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá" ( Jo 11:25 ).
Não há qualquer mérito por parte do justificado, pois o que Deus declara acerca do novo homem não tem em vista ações, obras, comportamento ou moral, e sim a nova vida da qual é participante por Cristo. Deste modo não há contradição nenhuma em Deus ser justo e justificador, pois Deus não justifica o ímpio, antes abate-o juntamente com Cristo, cria um novo homem e declara justo o novo homem, pois a justificação é de vida ( Rm 5:18 ).
Portanto, o homem viverá da fé, que é Cristo, conforme os escritores do novo testamento interpretaram Habacuque: "Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé" ( Rm 1:17 ); "Mas o justo viverá da fé; E, se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele" ( Hb 10:38 ); "E é evidente que pela lei ninguém será justificado diante de Deus, porque o justo viverá da fé" ( Gl 3:11 ).
Quando o profeta Habacuque disse que, pela sua fé o justo viverá, a ênfase está na condição do homem que é justo, portanto, vive pela fé que lhe foi dada, logo lhe pertence, e não por causa da sua própria confiança "Eis que a sua alma está orgulhosa, não é reta nele; mas o justo pela sua fé viverá" ( Hb 2:4 ); "Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta, também viverá por mim" ( Jo 6:57 ).
Enquanto os apóstolos destacaram a pessoa de Cristo, o profeta Habacuque destaca a condição do justo por estar unido a fé que havia de se manifestar "E isto digo, conhecendo o tempo, que já é hora de despertarmos do sono; porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé" ( Rm 13:11 ); "E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um" ( Jo 17:22 ; Hb 3:14 ).
Após anunciar Cristo, o eunuco manifestou o desejo de ser batizado, e disse Felipe “É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus" ( At 8:37 ). Sem a pregação da ‘fé’ segundo o que profetizou Isaias e foi explicado por Felipe ( At 8:35 ), jamais o eunuco responderia por si mesmo: “Creio que Jesus é o Filho de Deus”.

Nem os "loucos" errarão o caminho

Muitos se dizem cheios do Espírito, mas se fosse verdade, seriam capazes de compreender e interpretar as Escrituras (Salmos, Profetas e a Lei) do mesmo modo que o apóstolo Pedro, que após ser revestido de poder, anunciou Cristo aos seus compatriotas utilizando-se dos salmos ( At 2:30 -35).
 “E ali haverá uma estrada, um caminho, que se chamará o caminho santo; o imundo não passará por ele, mas será para aqueles; os caminhantes, até mesmo os loucos, não errarão” ( Is 35:8 )
Há uma onda crescente de cristão se auto intitulando ‘loucos’ por Cristo. É coerrente esta atitude à luz das escrituras?
O apóstolo Paulo argumentou que o mundo não conheceu a Deus por sua própria sabedoria ( Jo 1:10 ; 1Co 1:21 ), pois para os judeus Jesus era escandalo e, para os gregos, loucura ( 1Co 1:23 ). Porém, o fato é que Jesus é poder e sabedoria de Deus, sendo que, o que os homens ignorantes denominam ‘loucura’ é muito mais sábio que a sabedoria dos homens ( 1Co 1:25 ).
Para os que perecem a palavra da cruz de Cristo é loucura, mas para os que creem, poder de Deus ( 1Co 1:18 ). Diante do evangelho de Cristo, o sábio, o escriba e o inquiridor deste século, tiveram a sua sabedoria e inteligência destruidas, visto que Deus salva os crentes pela pregação, a qual os sábios e escribas chamam de loucura "Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente" ( 1Co 2:14 ).
Certa feita o apóstolo Paulo disse que os apóstolos eram loucos por amor a Cristo ( 1Co 4:10 ), e de modo irônico, evidenciou como prova o fato de os apóstolos não serem sagazes como eram alguns dos seus interlocutores, visto que alguns cristão se diziam fortes, ilustres, nobres, enquanto os apóstolos eram fracos, vis, desprezíveis ( 1Co 4:10 ).
Diferente de muitos, os apóstolos sofriam fome, sede, nudez, injurias e não possuiam pousada certa. Além de se deixarem gastar em prol do evangelho, se afatigavam no trabalho diário e, quando injuriados, bendiziam; se eram perseguidos, resignavam-se em sofrer; quando difamados, consolavam. Atitudes como estas ou é demontração de amor por Cristo, ou desvairo ( 1Co 4:10- 13).
O termo ‘loucura’ foi utilizado para expressar o grau de comprometimento que os apóstolos tinham ao servir a Deus, porém, apesar da aparente loucura para os que estavam de fora, eles conservavam o juízo em função dos cristãos, visto que o amor de Cristo os contrangia "Porque, se enlouquecemos, é para Deus; e, se conservamos o juízo, é para vós" ( 2Co 5:13 ).
Poucos querem sofrer as agruras que os apóstolos suportaram por causa do evangelho, porém, querem gloriar-se quando se apresentam como ‘loucos’ ( 2Co 5:12 ).
Os erros, as incoerrencias, as discrepancias, as falsas doutrinas, etc., decorrem da má interpretação que fazem da bíblia. E, tanto mais a passagem bíblica é citada, quanto mais é divorciada do seu contexto.
Há muitos que dispõe de uma facilidade sobrenatural em citar as escrituras fora do contexto, a exemplo do que fazem com as frases seguintes: ‘E um ao outro ajudou e ao seu companheiro diz esforça-te’; ‘maldito o homem que confia no homem’; ‘a letra mata, mas o espírito vivifica’, ou ‘nem os loucos errarão o caminho’, etc.
Quem são os loucos que não errarão o caminho? Qual é a loucura em questão? Que dizer da citação de Isaias 38, verso 8: “E ali haverá uma estrada, um caminho, que se chamará o caminho santo; o imundo não passará por ele, mas será para aqueles; os caminhantes, até mesmo os loucos, não errarão” ( Is 35:8 ). As respostas para estas questões devem ser fornecidas pela bíblia. Não podemos aquiecer de uma resposta fora das Escrituras.
O termo hebraico traduzido por ‘louco’ no verso em comento diz de estultícies, imprudência, daquele que é avesso à prudência, ao entendimento, ou seja, não diz do resultado da doença mental, a insânia.
É renitente os profetas de Deus definirem o povo de Israel de estultos por causa da temosia e rebeldia.
Dentre eles, vaticinou o profeta Jeremias que havia loucura nos profetas, pois não foram enviados por Deus ( Jr 23:21 ). Os profetas falavam segundo a imaginação de suas mentes ( Jr 23:26 ), engedravam e anunciavam mentiras segundo os seus corações "Nos profetas de Samaria bem vi loucura; profetizavam da parte de Baal, e faziam errar o meu povo Israel (...) Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas, que entre vós profetizam; fazem-vos desvanecer; falam da visão do seu coração, não da boca do SENHOR" ( Jr 23:13 e 16).
O profeta Isaias demonstra que Deus mesmo transtornava os inventores de mentiras, convertendo em loucura a sabedoria deles "Que desfaço os sinais dos inventores de mentiras, e enlouqueço os adivinhos; que faço tornar atrás os sábios, e converto em loucura o conhecimento deles" ( Is 44:25 ).
O salmista também fez referência aos loucos: “DISSE o néscio no seu coração...” ( Sl 53:1 ). Num primeio momento poderia se imaginar que os nécios são os ateus, porém, o contexto diz de pessoas que se alimentavam do povo de Deus como se fossem pão. Este salmo aponta como néscios os lideres de Israel, pois embora tivessem contato com a veerdade, cometiam a loucura de negligenciá-la “Acaso não têm conhecimento os que praticam a iniquidade, os quais comem o meu povo como se comessem pão? Eles não invocaram a Deus ( Sl 53:4 ).
O apóstolo Paulo após citar o Salmo 53 para demonstrar que tanto judeus quanto gentios estão debaixo do pecado ( Rm 3:9 ) concluiu dizendo que ‘tudo o que a lei diz, diz aos que estavam sob a lei’, para que os judaizantes entendessem que os judeus também se desviaram e não buscavam a Deus "Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus" ( Rm 3:19 ).
Neste sentido, vários salmos protestavam contra o povo de Israel rotulando-os de loucos: "Disse eu aos loucos: Não enlouqueçais, e aos ímpios: Não levanteis a fronte" ( Sl 75:4 ); "O homem brutal não conhece, nem o louco entende isto" ( Sl 92:6); "Atendei, ó brutais dentre o povo; e vós, loucos, quando sereis sábios?" ( Sl 94:8 ).
O profeta Jeremias não passou vontade de chamá-los de loucos: "Deveras o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios, e não entendidos; são sábios para fazer mal, mas não sabem fazer o bem" ( Jr 4:22 ); "Eu, porém, disse: Deveras estes são pobres; são loucos, pois não sabem o caminho do SENHOR, nem o juízo do seu Deus" ( Jr 5:4 ); "Mas eles todos se embruteceram e tornaram-se loucos; ensino de vaidade é o madeiro" ( Jr 10:8 ).
Porém, em certas profecias Deus promete que chagaria um tempo de refrigério para o povo de Israel. Neste dia ‘nem os loucos errarão o caminho’, ou seja, nem o povo que era cego e surdo, que era contumaz em desviar-se do caminho do Senhor, indo após os seus próprios pensamentos, hão de errar caminho! ( Is 65:2 ; Is 59:10 ).
A passagem bíblica de Isaías 35 faz referencia à restauração de Israel, tempo em que nem o povo que é de dura cervis se desviará do Senhor "Disse mais o SENHOR a Moisés: Tenho visto a este povo, e eis que é povo de dura cerviz" ( Êx 32:9 ).
Os ‘loucos’ que não errarão o caminho diz do povo de Israel. O termo ‘louco’ refere-se a estulticie de Israel, das falsas esperanças dos imprudentes que não se firmavam em Deus, pois tinham contato com a verdade, mas preferiam a mentira. Seguiam os desvários dos seus corações e as instruções erroneas dos videntes e sacerdotes que também profetizavam segundo os seus corações corrompidos.
Eles nunca mais errarão o caminho porque deixarão de ser guiados pelos seus profetas mentirosos "Assim diz o Senhor DEUS: Ai dos profetas loucos, que seguem o seu próprio espírito e que nada viram!" ( Ez 13:3 ); "Chegarão os dias da punição, chegarão os dias da retribuição; Israel o saberá; o profeta é um insensato, o homem de espírito é um louco; por causa da abundância da tua iniqüidade também haverá grande ódio" ( Os 9:7 ).
Dos videntes e dos sacerdotes Deus sempre dizia: "Porquanto fizeram loucura em Israel, e cometeram adultério com as mulheres dos seus vizinhos, e anunciaram falsamente, em meu nome uma palavra, que não lhes mandei, e eu o sei e sou testemunha disso, diz o SENHOR" ( Jr 29:23 ).
A ‘loucura’ dos ‘loucos’ de Israel estava em juntamente seguirem o que Deus não ordenara e, anunciarem o que Deus não dissera. Este era o adultério que Deus condenava veementemente. Observe que a mulher estranha utiliza-se das suas palavras para fazer com que o povo se desviasse da aliança de Deus “Para te afastar da mulher estranha, sim da estranha que lisonjeia com suas palavras; Que deixa o guia da sua mocidade e se esquece da aliança do seu Deus” ( Pv 2:16 -17).
Por interpretar estas passegem do ponto de vista moral e comportamental, o povo de Israel distinguia-se dos outros povos pela sua elevada religiosidade e moralidade, porém, honravam a Deus só com mandamento de homem, mas estavam longe da sua palavra "Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído" ( Is 29:13 ); "Ouvi-me, ó duros de coração, os que estais longe da justiça" ( Is 46:12 ).
Eles eram loucos porque estavam em um caminhos que os conduzia à destruição. O caminho deles era segundo a estultícia deles, porém, os filhos seguiam as palavras de seus pais e se sujeitavam ao mesmo caminho e perdição "Este caminho deles é a sua loucura; contudo a sua posteridade aprova as suas palavras" ( Sl 49:13 ).
Bastava dar ouvidos à palavra do Senhor que deixariam de ser loucos e alcançariam a salvação de Deus "Escutarei o que Deus, o SENHOR, falar; porque falará de paz ao seu povo, e aos santos, para que não voltem à loucura" ( Sl 85:8 ).
É por causa desta realidade que Jesus nomeia os fariseus, escribas, saduceus e o povo de loucos, néscios "Loucos! Quem fez o exterior não fez também o interior?" ( Lc 11:40 ). Com esta atitude, além de repreender seus interlocutores, Cristo estava se identificando como a autoridade que falou por intermédio do profetas. Pois enquanto os profetas falavam em nome do Senhor, Cristo diretamente nomeava os líderes religiosos de loucos "Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro?" ( Mt 23:17 ).
Até mesmo os dois discípulos que estavam no caminho de Emaus, por não crerem em tudo oque os profetas disseram, foram chamados de loucos "E ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram!" ( Lc 24:25 ).
O apóstolo Paulo deixa claro que os líderes de Israel eram instrutores dos néscios e, que os cristãos não deviam portar como os judeus, que eram faltos de entendimento do Espírito "Instrutor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei" ( Rm 2:20 ); "Portanto, vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como sábios" ( Ef 5:15 ).
Jesus chamou o povo de raça de víboras, devido ao vinho da qual era participante “O seu vinho é ardente veneno de serpentes, e peçonha cruel de víboras” ( Dt 32:33). Como o caminho que estavam era de destruição, Deus antecipadamente já os nomeava de Sodoma e de Gomora, pois o juízo já estava estabelecido "Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti" ( Mt 11:24 ); "Ouvi a palavra do SENHOR, vós poderosos de Sodoma; dai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra" ( Is 1:10 ); "Mas nos profetas de Jerusalém vejo uma coisa horrenda: cometem adultérios, e andam com falsidade, e fortalecem as mãos dos malfeitores, para que não se convertam da sua maldade; eles têm-se tornado para mim como Sodoma, e os seus moradores como Gomorra" ( Jr 23:14 ).
O erro persiste, pois muitos hoje se dizem cheios do Espírito, profetizam, operam sinais e maravilhas, orientam seus seguidores a serem cheios do Espírito, no entanto, não conseguem discernir que o vinho que o apóstolo Paulo veta aos cristãos diz do vinho profetizado por Moisés, vinho que um povo louco era participante: “Recompensais assim ao SENHOR, povo louco e ignorante? Não é ele teu pai que te adquiriu, te fez e te estabeleceu? (...) Porque são gente falta de conselhos, e neles não há entendimento. Quem dera eles fossem sábios! Que isto entendessem, e atentassem para o seu fim! (...) Porque a sua vinha é a vinha de Sodoma e dos campos de Gomorra; as suas uvas são uvas venenosas, cachos amargos têm. O seu vinho é ardente veneno de serpentes, e peçonha cruel de víboras” ( Dt 32:6 ; 28 -29 e 32- 33).
Deste vinho também disse o profeta Isaias: "Mas também estes erram por causa do vinho, e com a bebida forte se desencaminham; até o sacerdote e o profeta erram por causa da bebida forte; são absorvidos pelo vinho; desencaminham-se por causa da bebida forte; andam errados na visão e tropeçam no juízo (...) Tardai, e maravilhai-vos, folgai, e clamai; bêbados estão, mas não de vinho, andam titubeando, mas não de bebida forte" ( Is 29:7 e  9).
Em nossos dias muitos se dizem cheios do Espírito, mas se fosse verdade, seriam capazes de compreender e interpretar as Escrituras (Salmos, Profetas e a Lei) do mesmo modo que o apóstolo Pedro, que após ser revestido de poder, anunciou Cristo aos seus compatriotas utilizando-se dos salmos ( At 2:30 -35).
Não é possível estarem cheios do poder e desconhecer que o vinho da contenda diz da doutrina dos ‘loucos’ ( Ef 5:18 ). É impossível ‘nadar’ no Espírito e desconhecer que os sensuais, carnais e que causam dissensão, contenta, são os que não têm o Espírito que vivifica ( Jd 1:19 ). Ou pior, desconhecer que a ‘letra’ que mata diz da doutrina dos ‘loucos’, do vinho da contenda, da instrução dos carnais que se baseiam na velhice da antiga aliança e não no evangelho ( 2Co 3:6 ).
"O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica" ( 2Co 3:6 );
"O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida" ( Jo 6:63 ). 
Qualquer que não reconhece que o Espírito que vivifica diz de Cristo, o poder de Deus, o Verbo encarnado, o Espírito de profecia, a palavra que procede da boca de Deus, a fé foi manifesta, etc. ( Dt 8:3 ; Hc 2:4 ; Is 55:3 ; Gl 3:23 ; Ap 19:10 ), não é de Cristo, ainda que possua aparência de santidade, humildade e de culto aos anjos ( Cl 2:23 ).
Como alguém cheio do Espírito, visto que ser cheio (pleno) do Espírito é o mesmo que ter a palavra de Deus habitando abundantemente o seu ser ( Cl 3:16 ; Ef 5:18 -19 ; Ef 3:19 ), desconhece que as palavras de Cristo é o Espírito que vivifica? "O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida" ( Jo 6:63 ).
As pessoas que comparam comportamento com comportamento e pessoas com pessoas, desconhecem que comparar coisas espirituais com as espirituais significa comparar as palavras de Cristo, que é Espírito, com a palavra dos profetas, porque o Espírito de profecia, que é Cristo, falava através dos profetas ( 1Co 2:13 ; 1Pe 1:11 ).
O que aprenderam do Espírito Santo? Com pode o Espírito de Deus estar neles se não compreendem as escrituras? “Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós” ( Mt 10:20 ; "Mas, quando vier aquele, o Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir" ( Jo 16:13 ).
Será que aprenderam do Espírito Santo que o homem maldito não é o que confia no seu próximo, antes aquele que confia em si mesmo? Será que não percebem que o homem que confia na força do seu braço e rejeita a força, a salvação, do Senhor diz dos loucos de Israel? ( Jr 17:5 ; Pv 6:16 e 19).
Nada aprenderam do Espírito, visto que não seguem a recomendação de não ir além do que está escrito ( 1Co 4:6 ). Vão de mal a pior, pois seguem o desvário de suas mentes carnais, uma vez que estão ‘inchados’ em sua carnal compreensão ( Cl 2:18 ).
Por causa destes erros é que o apóstolo João alertou: “AMADOS, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (  1Jo 4:1 ).
Após observamos que o termo ‘louco’ aplica-se aos judeus pela sua estultice em rejeitar a palavra de Deus, conclui-se que não é coerente um cristão se auto intitular louco, pois o apóstolo Paulo dá orientações aos cristãos para que evitassem comportamentos que levassem a tal impressão por partes dos não crentes "Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos?" ( 1Co 14:23 ).
"Uma pessoa que se arrependeu teme e não peca; 
uma pessoa que não tem a graça de Deus peca e não teme".
(Tomas Watson 1620-1686).

terça-feira, 23 de agosto de 2011

"Aprendi silêncio com os falantes, tolerância com os intolerantes e a gentileza com os rudes; assim,
 estranho, sou ingrato a esses professores."
 Gibran Khalil Gibran (1883-1931)

domingo, 14 de agosto de 2011



Por Albert Mohler Jr.
(Dr. Albert Mohler é o presidente do Southern Baptist Theological Seminary, pertencente à Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos; é pastor, professor, teólogo, autor e conferencista internacional, reconhecido pela revista Times como um dos principais líderes entre o povo evangélico norte-americano).

O mundo editorial vê poucos livros atingirem o status de "sucesso". No entanto, o livro A Cabana, escrito por William Paul Yong, superou esse status. O livro, publicado originalmente pelo próprio autor e dois amigos, já vendeu mais de dez milhões de cópias e já foi traduzido para mais de trinta idiomas. É, agora, um dos livros mais vendidos de todos os tempos, e seus leitores estão entusiasmados.

De acordo com Young, o livro foi escrito originalmente para seus próprios filhos. Em essência, ele pode ser descrito como uma teodicéia em forma de narrativa – uma tentativa de responder à questão do mal e do caráter de Deus por meio de uma história. 

Nessa história, o personagem principal está entristecido por causa do rapto e do assassinato brutal de sua filha de sete anos, quando recebe aquilo que se torna uma intimação de Deus para encontrá-lo na mesma cabana em que a menina foi morta.

Na cabana, "Mack" se encontra com a Trindade divina, onde Deus, o Pai, é representado como "Papai", uma mulher afro-americana, e Jesus, por um carpinteiro judeu, e "Sarayu", uma mulher asiática, é identificada como o Espírito Santo. O livro é, principalmente, uma série de diálogos entre Mack, Papai, Jesus e Sarayu. 

As conversas revelam que Deus é bem diferente do Deus da Bíblia. "Papai" é absolutamente alguém que não faz julgamentos e parece determinado a afirmar que toda a humanidade já está redimida.

A teologia de A Cabana não é incidental à história. De fato, em muitos pontos a narrativa serve, principalmente, como uma estrutura para os diálogos. E estes revelam uma teologia que, no melhor, é não-convencional e, sem dúvida, herética em certos aspectos.
Embora o artifício literário de uma "trindade" não-convencional de pessoas divinas seja, em si mesmo, antibíblico e perigoso, as explicações teológicas são piores. 

"Papai" conta a Mack sobre o tempo em que as três pessoas da Trindade manifestaram-se da seguinte forma: "nós falamos com a humanidade através da existência humana como Filho de Deus". Em nenhuma passagem da Bíblia, o Pai ou o Espírito Santos é descrito como assumindo a forma humana. 

A cristologia do livro é confusa. "Papai" diz a Mack que, embora Jesus seja plenamente Deus, "elenunca usou a sua natureza como Deus para fazer qualquer coisa". Eles apenas viveu do seu relacionamento comigo, da mesma maneira como eu desejo me relacionar com qualquer ser humano". Quando Jesus curou o cego, 

"Ele fez isso como um ser humano dependente que confiava em minha vida e poder para agir nele e por meio dele. Jesus, como ser humano, não tinha qualquer poder em si mesmo para curar alguém".

Embora haja muita confusão teológica a ser esclarecida no livro, basta dizer que a igreja cristã tem lutado por séculos para chegar a um entendimento fiel da Trindade, a fim de evitar esse tipo de confusão – reconhecendo que a fé cristã está, ela mesma, em perigo.

Jesus diz a Mack que ele é "o melhor caminho para qualquer ser humano se relacionar com Papai ou com Sarayu". Não é o único caminho, mas o melhor caminho.
Em outro capítulo, "Papai" corrige a teologia de Mack afirmando: "Eu não preciso punir as pessoas pelos seus pecados. O pecado é a sua própria punição, que devora você a partir do interior. Não tenho o propósito de punir o pecado; tenho alegria em curá-lo". Sem dúvida, a alegria de Deus está na expiação realizada pelo Filho. 

No entanto, a Bíblia revela consistentemente que Deus é o Juiz santo e reto, que punirá pecadores. A idéia de que o pecado é a "sua própria punição" se encaixa no conceito do karma, e não no evangelho cristão.

O relacionamento do Pai com o Filho, revelado em textos como João 17, é rejeitado em favor de uma absoluta igualdade de autoridade entre as pessoas da Trindade. "Papai" explica que "não temos qualquer conceito de autoridade final entre nós, somente unidade". Em um dos mais bizarros parágrafos do livro, Jesus diz a Mack: 

"Papai é tão submisso a mim como o sou a ele, ou Sarayu a mim, ou Papai a ela. Submissão não diz respeito à autoridade e à obediência; é um relacionamento de amor e respeito. De fato, somos submissos a você da mesma maneira".

Essa hipotética submissão da Trindade a um ser humano – ou a todos os seres humanos – é uma inovação teológica do tipo mais extremo e perigoso. A essência da idolatria é a auto-adoração, e essa noção da Trindade submissa (em algum sentido) à humanidade é indiscutivelmente idólatra.

O aspecto mais controverso da mensagem de A Cabana gira em torno das questões do universalismo, da redenção universal e da reconciliação final. Jesus diz a Mack: "Aqueles que me amam procedem de todo sistema que existe. São budistas, mórmons, batistas, islamitas, democratas, republicanos e muitos que não votam ou não fazem parte de qualquer igreja ou de instituições religiosas". 

Jesus acrescenta: "Não tenho desejo de torná-los cristãos, mas quero unir-me a eles em sua transformação em filhos e filhas de meu Papai, em meus irmãos e irmãs, meus amados".

Em seguida, Mack faz a pergunta óbvia: Todos os caminhos levam a Cristo? Jesus responde: "Muitos dos caminhos não levam a lugar algum. O que isso significa é que eu irei a qualquer caminho para encontrar vocês".
Devido ao contexto, é impossível extrair conclusões essencialmente universalistas ou inclusivistas quanto ao significado de Yong. 

"Papai" repreende Mack dizendo que está agora reconciliado com todo o mundo. Mack replica: "Todo o mundo? Você quer dizer aqueles que crêem em você, não é?" "Papai responde: "Todo o mundo, Mack".

No todo, isso significa algo bem próximo da doutrina da reconciliação proposta por Karl Barth. E, embora Wayne Jacobson, o colaborador de Young, tenha lamentado haver pessoas que acusam o livro de ensinar a reconciliação final, ele reconhece que as primeiras edições do manuscrito foram influenciadas indevidamente pela "parcialidade, na época," de Young para com a reconciliação final – a crença de que a cruz e a ressurreição de Cristo realizaram a reconciliação unilateral de todos os pecadores (e de toda a criação) com Deus.

James B. DeYoung, do Western Theological Seminary, um erudito em Novo Testamento que conheceu Young por vários anos, documenta a aceitação de Young quanto a uma forma de "universalismo cristão". A Cabana, ele conclui, "descansa sobre o fundamento da reconciliação universal".
Apesar de que Wayne Jacobson e outros se queixam daqueles que identificam heresia em A Cabana, o fato é que a igreja cristã tem identificado, explicitamente, esses ensinos como heresia. 

A pergunta óbvia é esta: por que tantos cristãos evangélicos parecem ser atraídos não somente à história, mas também à teologia apresentada na narrativa – uma teologia que, em vários pontos, está em conflito com as convicções evangélicas?

Os observadores evangélicos não estão sozinhos em fazer essa pergunta. Escrevendo em The Chronicle of High Education (A Crônica da Educação Superior), o professor Timothy Beal, da Case Western University, argumentou que a popularidade de A Cabana sugere que os evangélicos devem estar mudando a sua teologia. 

Ele cita os "modelos metafóricos não-bíblicos de Deus" no livro, bem como seu modelo "não-hierárquico" da Tridade e, mais notavelmente, "sua teologia de salvação universal".

Beal afirma que nada dessa teologia faz parte das "principais correntes teológicas evangélicas" e explica: "De fato, essas três coisas estão arraigadas no discurso teológico acadêmico radical e liberal dos anos 1970 e 1980 – que influenciou profundamente os feministas contemporâneos e a teologia da libertação, mas que, até agora, teve muito pouco impacto nas imaginações teológicas de não-acadêmicos, especialmente dentro das principais correntes religiosas".

Em seguida, ele pergunta: "O que essas idéias teológicas progressistas estão fazendo no fenômeno da ficção evangélica?" Ele responde: "Desconhecidas para muitos de nós, elas têm estado presente em muitos segmentos liberais do pensamento evangélico durante décadas".

 Agora, ele diz, A Cabana introduziu e popularizou esses conceitos liberais até entre as principais denominações evangélicas.

Timothy Beal não pode ser rejeitado como um conservador e "caçador de heresias". Ele está admirado com o fato de que essas "idéias teológicas progressistas" estão "se introduzindo aos poucos na cultura popular por meio de A Cabana".
De modo semelhante, escrevendo em Books & Culture (Livros e Cultura), Katharine Jeffrey conclui que A Cabana "oferece uma teodicéia pós-moderna e pós-bíblica". 

Embora sua principal preocupação seja o lugar do livro "num panorama literário cristão", ela não pôde evitar o lidar com a sua mensagem teológica.

Ao avaliar o livro, deve-se ter em mente que A Cabana é uma obra de ficção. Contudo, é também um argumento teológico, e isso não pode ser negado. Diversos romances notáveis e obras de literatura contêm teologia aberrante e heresia.

 A pergunta crucial é se as doutrinas aberrantes são características da história ou são a mensagem da obra. Em A Cabana, o fato inquietante é que muitos leitores são atraídos à mensagem teológica do livro e não percebem como ela conflita com a Bíblia em muitos assuntos cruciais.

Tudo isso revela um fracasso desastroso do discernimento evangélico. Dificilmente não concluímos que o discernimento teológico é agora uma arte perdida entre os evangélicos – e esse erro pode levar tão-somente à catástrofe teológica.

A resposta não é banir A Cabana ou arrancá-lo das mãos dos leitores. Não precisamos temer livros – temos de estar prontos para responder-lhes. Necessitamos desesperadamente de uma redescoberta teológica que só pode vir de praticarmos o discernimento bíblico. Isso exigirá que identifiquemos os perigos doutrinários de A Cabana. 

Mas a nossa principal tarefa consiste em familiarizar novamente os evangélicos com os ensinos da Bíblia sobre esses assuntos e fomentar um rearmamento doutrinário de cristãos evangélicos.

A Cabana é um alerta para o cristianismo evangélico. Uma avaliação como a que Timothy Beal ofereceu é reveladora. A popularidade desse livro entre os evangélicos só pode ser explicada pela falta de conhecimento teológico básico entre nós – um fracasso em entender o evangelho de Cristo. A tragédia de que os evangélicos perderam a arte de discernimento bíblico se origina na desastrosa perda do conhecimento da Bíblia. O discernimento não pode sobreviver sem doutrina.
Traduzido por: Wellington Ferreira
Copyright:
© R. Albert Mohler Jr.
Traduzido do original em inglês: The Shack — The Missing Art of Evangelical Discernment.www.albertmohler.com

Por Alan Rennê
Sempre fiquei maravilhado com a perfeição, perspicuidade das Sagradas Escrituras. Não obstante, algumas passagens sempre me intrigaram em razão de debates e discussões prévias a respeito das mesmas. Como exemplo disso, tomo a passagem de Juízes 11.29-40, que narra a história de Jefté, seu voto e sua filha. Especificamente, refiro-me aos versículos 30 e 31: “Fez Jefté um voto ao SENHOR e disse: Se, com efeito, me entregares os filhos de Amom nas minhas mãos, quem primeiro da porta da minha casa sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto”. O verso 39 diz: “Ao fim dos dois meses, tornou ela para seu pai, o qual lhe fez segundo o voto por ele proferido...”. Holocausto? Sacrifício humano?
Teólogos e scholars de todos os segmentos afirmam que, de fato, Jefté não só votou que sacrificaria um ser humano como cumpriu o que prometeu. A Bíblia de Estudo de Genebra, por exemplo, faz o seguinte comentário a respeito da passagem em questão:
Jefté derrotou os amonitas, mas, durante a batalha, fez um voto precipitado ao Senhor, com base no qual foi obrigado a sacrificar sua filha querida como holocausto. Ao contrário dos deuses pagãos, Deus não deveria ser adorado com sacrifícios humanos (Dt 32.17; Sl 106.37-38). O voto imprudente de Jefté mostra como lhe faltava fé para liderar; sem essa fé, sua casa não seria estabelecida.

Dentre os muitos colaboradores responsáveis pelos comentários da Bíblia de Estudo de Genebra, destacam-se homens como Mark Futato (Reformed Theological Seminary), R. Laird Harris (Covenant Theological Seminary), Meredith Kline (Gordon-Conwell Theological Seminary), Tremper Longman III (Westmont College), Raymond C. Ortlund Jr. (First Presbyterian Church of Augusta), Richard L. Pratt Jr. (Reformed Theological Seminary) e Bruce K. Waltke (Reformed Theological Seminary). Não sei exatamente quem escreveu os comentários do livro de Juízes. No entanto, sei que tal interpretação passou pelo crivo do editor responsável pelo Antigo Testamento, o Dr. Bruce K. Waltke, e do editor-geral, o Dr. Richard L. Pratt Jr.

Sempre que lia a passagem em questão me sentia desconfortável com a ideia de que Jefté teria oferecido a sua filha como um holocausto. Eu pensava: “Mas Deus jamais aceitaria um voto nestes termos!” Apesar de não aceitar tal entendimento, eu não dispunha de argumentos exegéticos satisfatórios que fundamentassem minha discordância.
Recentemente, adquiri um livro junto à Reformation Heritage Books, de autoria do Dr. Joel R. Beeke, intituladoContagious Christian Living (Viver Cristão Contagiante). O primeiro capítulo do livro é dedicado à submissão sacrificial da filha de Jefté. Gostaria de compartilhar com o leitor do Cristão Reformado oito razões apontadas pelo Dr. Joel Beeke, que mostram que o voto de Jefté não foi precipitado nem que ele sacrificou a sua própria filha. Mais uma vez, peço que o leitor seja misericordioso com a tradução. Transcrevo na íntegra abaixo:

Compreendendo Mal o Voto de Jefté.
Antes de tirarmos conclusões apressadas, deixe-nos dar uma olhada mais íntima na passagem. Quanto terminarmos, descobriremos que Jefté não fez um voto apressado e tolo, e que ele não ofereceu a sua filha como um holocausto. Isto vai contra algumas antigas interpretações desta história. Alguns comentaristas afirmaram que Jefté viveu em tempos difíceis e que, indubitavelmente, foi influenciado por ideias pagãs, as quais incluíam sacrifícios humanos e suborno aos deuses, a fim de se conseguir seus favores. De acordo com esta antiga visão, Jefté deu vazão a estas ideias pagãs e, por isso, deve ser menosprezado.
Entretanto, examinando esta narrativa de perto, podem ser percebidas oito questões no contexto que, tomadas em conjunto, conduzem-nos para longe daquela suposição de que Jefté sacrificou a sua filha.

Em primeiro lugar, Jefté não era um homem precipitado. Jurar que você sacrificará qualquer pessoa que saia de sua casa para o encontrar pode ser precipitado. Porém, Jefté já tinha provado aos anciãos de Israel e ao rei dos Amonitas que era um homem cauteloso. Um pouco antes, Jefté não atendeu prontamente o pedido dos anciãos para se tornar o líder de Israel, mas, cuidadosamente, os questionou a fim de descobrir, primeiramente, os seus motivos e intenções. Ele também não se precipitou na batalha, mas enviou mensageiros aos Amonitas em uma tentativa de encontrar uma alternativa diplomática em vez da guerra, para pleitear a justiça da causa de Israel.

Segundo, em suas discussões com os Amonitas, Jefté demonstrou sua familiaridade com as Escrituras. Seguramente, então, ele devia ter conhecimento de que Levítico 18.21 e Deuteronômio 12.29-32 proíbem o oferecimento de sacrifícios humanos – especialmente seus próprios filhos – como uma abominação diante de Deus. Em adição, Juízes 11 está colocado em um contexto de reforma. Israel, incluindo Jefté, tinha se arrependido e voltado para – não para longe – o Deus vivo.

Terceiro, quando Jefté fez o seu voto, o Espírito de Deus estava sobre ele. O Espírito o inspiraria a fazer um voto que contrariasse tão claramente a Escritura revelada pelo próprio Espírito? Isso é difícil de acreditar, desde que a Palavra e o Espírito nunca contradizem um ao outro. Também é difícil acreditar que Israel tivesse seguido a Jefté como um líder se ele tivesse desobedecido a Escritura de forma tão notória e se tivesse, de fato, sacrificado a sua filha.

Quarto, olhemos mais de perto Juízes 11.31, que diz: “quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amom, esse será do SENHOR, e eu o oferecerei em holocausto”. Uma possível opção para essa tradução é lembrar que holocausto em hebraico nem sempre significa sacrifício-sangrento. A palavra hebraica também pode significar “total dedicação”. Neste caso, o voto de Jefté teria sido: quem sair da porta da minha casa “será do SENHOR, e eu o oferecerei para uma completa dedicação ao SENHOR”.

Outra questão de tradução nos impede de entender a passagem corretamente. O último verso de Juízes 11 diz que as filhas de Israel iam anualmente para “lamentar” a filha de Jefté. A palavra traduzida aqui como “lamentar” não é traduzida deste modo em nenhum outro lugar na Bíblia. Ao invés disso, ela é entendida como “ensaiar” ou “comemorar”. Assim, as filhas de Israel não lamentaram a morte da filha de Jefté. Elas comemoraram sua dedicação ao serviço de Deus, o qual envolvia a submissão total do seu coração.

Quinto, depois de derrotar os Amonitas e encontrar a filha, Jefté teve bastante tempo para ponderar acerca do que faria. Ele concedeu à sua filha dois meses para que ela lamentasse a sua virgindade. Você não acha que, se realmente Jefté pretendesse sacrificar a sua filha, os sacerdotes de Siló teriam vindo até ele durante aquele tempo a fim de o lembrarem da proibição divina relativa a sacrifício humano?

Sexto, mesmo se o voto de Jefté tivesse sido precipitado, Levítico 5.4-5 lhe oferecia a possibilidade de se arrepender de tal voto e Levítico 27 a possibilidade de Jefté redimir a sua filha mediante o pagamento de um resgate. Mesmo assim, Jefté recusou essas opções.

Sétimo, quando a filha de Jefté foi lamentar por dois meses, ela não lamentou a sua morte iminente, mas sim a sua virgindade perpétua (Juízes 11.38).

Finalmente, note que Jefté é recomendado em vez de ser repreendido na Escritura. Ele governou sobre Israel durante outros seis anos. E 1 Samuel 12.11 menciona Jefté como um dos que mantiveram Israel a salvo. Samuel teria recomendado Jefté se ele tivesse sacrificado a própria filha? Mais importante, Hebreus 11.32 menciona Jefté como um herói da fé em lugar de uma figura pagã desprezível.

Em conclusão, então, Jefté não prometeu matar sua filha, mas a dedicou ao serviço de Deus, o que envolveu o desafio notável da sua virgindade perpétua. É o que diz o versículo 39, que ele levou a cabo o seu voto, mas não adiciona, “e ela morreu”. Ao invés disso, diz que, “ela jamais foi possuída por varão”. Jefté cumpriu o seu voto assim porque a sua filha viveu o resto da vida como uma virgem.
Fonte: Joel R. Beeke, Contagious Christian Living. Reformation Heritage Books and Pryntirion Press, pp. 12-16.
[1] BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, (São Paulo: Cultura Cristã, 2009), 327. Edição Revista e Ampliada.
[2] Conferir também a afirmação de H. A. Hoffner Jr., in Merrill C. Tenney, Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, Vol. 3, (São Paulo: Cultura Cristã, 2008), 394.
 [3] Joel R. Beeke, Contagious Christian Living, (Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books and Brytirion Press, 2009), 12-16. Minha tradução.

Este artigo foi traduzido da HeartCry Magazine (n° 59, Nov – Dez de 2008, p. 8, 9) e publicado com a autorização do Sr. Brad White (Coordenado da South America. HeartCry Missionary Society) a quem agradeço pela amabilidade e atenção com que acolheu minha petição.

Por Paul Washer
Tradução:  Nelson Ávila (Aluno da Escola Charles Spurgeon) 


“Porque não me envergonho do evangelho, pois é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê; primeiro do judeu, e também do grego.” (Romanos 1:16)

A carne de Paulo tinha todas as razões para se envergonhar do Evangelho que ele pregava, pois este contradizia absolutamente tudo que havia sido mantido como verdadeiro e sagrado entre seus contemporâneos. Para o Judeu, era o pior tipo de blasfêmia, pois alegava que o Nazareno que morreu amaldiçoado no Calvário era o Messias. Para os Gregos, era o pior tipo de absurdo, pois alegava que este Messias Judeu era Deus em carne.

Assim, Paulo sabia que sempre que abrisse a boca para falar do Evangelho seria totalmente rejeitado e ridicularizado ao desprezo, a menos que o Espírito Santo interviesse e movesse os corações e mentes de seus ouvintes. Em nossos dias, o Evangelho primitivo não é menos ofensivo, pois ele ainda contradiz cada princípio ou “ismo” da cultura contemporânea – relativismo, pluralismo e humanismo.


Nem Tudo é Relativo
Vivemos numa era de Relativismo – um sistema de crenças baseado na absoluta certeza de que não existem absolutos. Hipocritamente aplaudimos homens por buscarem a verdade, mas clamamos pela execução pública de qualquer um que seja arrogante o bastante para dizer que a encontrou.
Vivemos numa alto-imposta Idade das Trevas, e a razão para isto é clara. O homem natural é uma criatura caída, moralmente corrupta e determinada em sua busca por autonomia (i. é. auto-governo).

Ele odeia Deus porque Ele é justo e odeia Suas leis porque censuram e restringem sua maldade. Ele odeia a verdade porque ela expõe quem ele é e os problemas que ainda permanecem em sua consciência.
Portanto, o homem caído procura empurrar a verdade, especialmente a verdade acerca de Deus, para o mais distante possível de si. Ele irá a qualquer nível para suprimir a verdade; até ao ponto de fingir que tais coisas não existem ou que se existirem, não podem ser conhecidas ou ter qualquer influência sobre nossas vidas.

O caso nunca é o de um Deus que se esconde, mas o de um homem que se esconde. O problema não é o intelecto, mas a vontade. Como um homem que enfia a cabeça na areia para evitar uma cobrança do tamanho de um rinoceronte, o homem moderno nega a verdade de um Deus justo e Seus valores morais absolutos na esperança de aquietar sua consciência e colocar para fora de sua mente o julgamento que ele sabe ser inevitável.
O Evangelho Cristão é um escândalo para o homem e sua cultura porque ele faz aquilo que o homem mais deseja evitar – Ele o desperta de seu sono alto-imposto para a realidade de sua queda e rebelião, e o chama a rejeitar a autonomia e se submeter a Deus através de arrependimento e fé em Jesus Cristo.


Nem Todo Mundo Está Certo
Vivemos em uma era de Pluralismo – um sistema de crenças que põe um fim à verdade ao declarar que tudo é verdade, especialmente no que diz respeito a religião. Pode ser difícil para o Cristão contemporâneo compreender, mas os Cristãos que viveram nos primeiros séculos da fé foram verdadeiramente marcados e perseguidos como ateus.

A cultura que os circundava estava imersa no teísmo. O mundo estava cheio de imagens de divindades, e a religião era um negócio florescente. Os homens não apenas toleravam as deidades uns dos outros, mas as trocavam e compartilhavam. O mundo religioso inteiro estava indo muito bem até que os Cristãos apareceram e declararam que, “deuses feitos pelas mãos humanas não são deuses de maneira alguma.”

Eles negaram aos Césares a homenagem que eles exigiam, recusaram-se a dobrar os joelhos a todos os outros, assim chamados, deuses, e confessaram Jesus somente como Senhor de todos. O mundo inteiro olhou de queixo caído para tal arrogância e reagiu com fúria contra a intolerável intolerância Cristã em não tolerar.
Este mesmo cenário é abundante em nosso mundo hoje. Contra toda lógica, dizem-nos que todas as visões concernentes a religião e moralidade são verdadeiras, não importa quão radicalmente diferentes e contraditórias elas possam ser.

O aspecto mais impressionante nisto tudo é que através dos incansáveis esforços da mídia e do mundo acadêmico, esta se tornou rapidamente a visão majoritária. No entanto, o pluralismo não resolve a questão nem cura a doença. Ele apenas anestesia o paciente de modo que ele já não sente ou pensa.

O Evangelho é um escândalo porque desperta o homem de seu sono e se recusa a deixá-lo descansar em tal posição ilógica. Ele o força a chegar a uma conclusão – “Até quando você hesitará entre duas opiniões? Se o SENHOR é Deus, segui-O; mas se é Baal, segui-o.”
O verdadeiro Evangelho é radicalmente exclusivo. Jesus não é “um” caminho, mas “o” caminho, e todos os outros caminhos não são caminho algum. Se o Cristianismo apenas movesse um pequeno passo em direção a um ecumenismo mais tolerante e trocasse o artigo definido “o” pelo artigo indefinido “um”, o escândalo seria removido, e o mundo e o Cristianismo poderiam ser amigos. Em todo o caso, sempre que isso ocorrer, o Cristianismo deixa de ser Cristianismo, Cristo é negado, e o mundo fica sem um Salvador.


O Homem não é a Medida
Vivemos numa era de Humanismo. Ao longo das últimas várias décadas, o homem tem lutado para expurgar Deus de sua consciência e cultura. Ele tem demolido cada altar visível ao “Único Deus Verdadeiro” e erigido monumentos a si mesmo, com o zelo de um fanático religioso. Ele tem administrado de modo a fazer de si mesmo o centro, a medida e o fim de todas as coisas.

Ele louva sua dignidade inerente, demanda homenagem a sua auto-estima, e promove sua auto-satisfação e auto-realização como o bem supremo. Ele justifica sua consciência atormentada como o remanescente de uma religião de culpa antiquada, e desculpa a si mesmo de qualquer responsabilidade pelo caos moral a sua volta, culpando a sociedade, ou pelo menos aquela parte da sociedade que ainda não alcançou sua iluminação.

Qualquer sugestão de que sua consciência possa estar certa em seu testemunho contra ele ou que ele possa ser responsável pelas variações quase infinitas de doenças no mundo é impensável. Por essa razão, o Evangelho é um escândalo para o homem caído, porque ele expõe sua ilusão acerca de si mesmo e o convence de sua queda e culpa. Esta é a essencial “primeira obra” do Evangelho, e este é o motivo pelo qual o mundo detesta tanto a pregação do verdadeiro Evangelho. Ele arruína a festa do homem, chove sobre seu desfile, expõe seu faz-de-conta, e aponta para o fato de que o rei não tem roupas1.

As Escrituras reconhecem que o Evangelho de Jesus Cristo é uma “pedra de tropeço” e “loucura” para todos os homens de todas as épocas e culturas. Portanto, para remover o escândalo da mensagem é preciso anular a cruz de Cristo e seu poder salvífico. Devemos entender que o Evangelho não é apenas escandaloso, mas ele presume ser! Através da loucura do Evangelho, Deus ordenou destruir a sabedoria dos sábios, frustrar a inteligência das maiores mentes, e humilhar o orgulho de todos os homens. A fim de que nenhuma carne possa se gloriar em Sua presença, mas como está escrito, “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor.”

O Evangelho de Paulo não apenas contradisse a religião, filosofia e cultura da época, mas declarou guerra a elas. Ele se recusou a fazer uma trégua ou tratado com o mundo e não aceitaria nada menos que a absoluta rendição da cultura ao Senhorio de Jesus Cristo.
Faríamos bem em seguir o exemplo de Paulo. Devemos ter cuidado para evitar qualquer tentação de conformar nosso Evangelho às tendências da época ou aos desejos de homens carnais. Não temos o direito de diluir sua ofensa ou civilizar suas exigências radicais, a fim de torná-lo mais apelativo a um mundo caído ou membros de igrejas carnais.
Nossas igrejas estão cheias de estratégias para torná-las mais amigáveis por meio de uma reembalagem do Evangelho, removendo a pedra de tropeço, e suavizando a navalha, de modo que possa ser mais aceitável aos homens carnais.

Devemos ser pessoas amigáveis2, mas devemos perceber isto – há um só que busca e Ele é Deus. Se estamos nos empenhando para tornar nossa igreja e mensagem mais acomodáveis, que as acomodemos a Ele. Se estamos nos esforçando para construir uma igreja ou ministério, que o construamos sobre uma paixão por glorificar a Deus, e um desejo por não ofender Sua majestade.

Para o espaço com o que o mundo pensa de nós. Não estamos buscando as honras da terra, mas as honras do céu devem ser o nosso desejo.

1 Referência ao conto do alfaiate que disse ter feito para o rei uma roupa com um tecido que somente poderia ser visto por pessoas inteligentes [N. do T.].

2 A palavra traduzida aqui por “pessoas amigáveis” é “seeker-friendly”, dando a idéia de alguém que busca (“seek”) amigavelmente (“friendly”). Paul Washer faz um trocadilho ao referir-se a Deus como o único que “busca” (“seeker”) [N. do T.].

Hagar



Quem era Hagar?

Por Rodrigo Ribeiro Rodrigues   
Hagar não é muito conhecida do grande público. Se a Bíblia fosse uma novela, ela faria parte daquele grupo de personagens coadjuvantes, que passa toda a história na sombra dos personagens principais.

Esses personagens de segunda linha nunca têm a sua história muito bem contada, ficam sempre em segundo plano. Mas sem eles não haveria história. Mas, de vez em quando, um desses personagens que falam pouco se destaca por sua participação na trama e o grande público começa a conhecê-lo melhor.

Hoje, Hagar, que sempre apareceu em letras pequenas no final da lista de créditos, vai ser o personagem principal de um documentário sobre sua vida.

Hagar era uma jovem natural do Egito. Ela aparece pela primeira vez na Bíblia no capítulo 16 do livro de Gênesis. Hagar era apenas a escrava de Abraão, um homem muito rico, e de sua esposa, Sara. Abraão e Sara eram nômades. Eles não tinham residência fixa. Iam de lugar em lugar procurando pasto para os seus rebanhos e água pra beber.

Quando Hagar entra em cena, Abrão e Sara eram os personagens principais. Fazia 10 anos que eles haviam saído da cidade deles, Ur dos Caldeus, e estavam morando em uma região chamada Canaã.

A escrava natural do Egito, trabalhava para patrões naturais da Caldéia e morava na região de Canaã. Hagar estava há pelo menos 10 anos longe de casa, da família e de sua terra natal.

Fico imaginando quantas vezes na vida nós nos encontramos exatamente como Hagar: Longe da família, dos amigos de infância, da cidade em que nasceu. Um outro sotaque, outros costumes... Nem sempre é fácil lidar com isso! Mas se algumas vezes a distância é física, outras vezes ela é emocional: Moramos na mesma cidade, visitamos a família no final de semana, mas nos sentimos como quem está vivendo longe de casa. Também não é fácil lidar com isso.

Hagar era uma escrava. Ela servia pessoalmente a Sara, uma mulher muito rica. Para chegar a essa posição Ela precisou conquistar a confiança de sua patroa, pois era uma posição de destaque dentre os empregados de Abraão. Hagar deve ter demonstrado competência ao desempenhar suas funções e um temperamento cordato e submisso.

A escravidão era uma prática comum na antiguidade. Embora privar outro ser humano de sua liberdade tenha sido sempre algo inaceitável, a condição dos escravos no antigo oriente não pode ser comparada com a crueldade a que foram submetidos negros e índios nas Américas.

Em várias circunstâncias, no antigo oriente, os escravos eram tratados como membros da família; era perfeitamente possível a um escravo comprar sua liberdade; a eles era dado o direito de possuir propriedades (inclusive outros escravos) e realizar negócios.

A Promessa

Como todo personagem coadjuvante, quando Hagar aparece no capítulo 16 de Gênesis a história já havia começado. É bom que se dê uma olhada nesse começo.

Abraão saiu da cidade de Ur, na Caldéia, porque ele atendeu um chamado de Deus. Abraão creu na promessa feita pelo Senhor de que a descendência dele se tornaria uma grande nação. Deus afirmou, inclusive, que alguns dos descentes de Abraão seriam reis. Além disso, Deus disse que os filhos, netos e bisnetos dele teriam uma terra onde habitariam para sempre.

Alguns detalhes:

• Deus não disse onde era a terra. Disse apenas para Abraão a sair de Ur com a sua família;
• Abraão e Sara, até aquela altura não tinham filhos.
• Abrão tinha 75 anos quando atendeu ao chamado de Deus e Sara, sua esposa, 65.

Dez anos se passaram e nada acontecia. Nenhum filho para começar a descendência prometida. Então Deus chama Abraão e diz: - Abraão, eu lhe darei muito mais bens do que você já tem.

Abrão responde: - Pra quê, Senhor, se eu não tenho herdeiros? Se tudo o que tenho será herdado pelo meu servo, Eliezer?

Mas Deus reafirma suas promessas e reanima Abraão dizendo que ele terá não só um herdeiro mais será o pai de uma grande nação.

O Arranjo

A essa altura, Abraão tinha 85 anos e Sara 75. Há algum tempo ela já havia entrado na menopausa e Abraão não estava exatamente em pleno vigor sexual.

Sara resolve dar um “jeitinho” para que a promessa do Senhor se cumpra. Segundo o costume da época, Ela autoriza e incentiva Abraão a dormir com uma escrava para que o filho gerado por essa relação pudesse ser o herdeiro legítimo do casal, e assim iniciar a descendência prometida por Deus.

O jeitinho brasileiro é conhecido por todo mundo. O sujeito se aposenta sem ter direito, faz um retorno na rua que não pode, ganha salário sem trabalhar, vende ambulância pelo dobro do preço, recebe doação de bandido, se livra de uma multa de trânsito e compra um DVD da Cassiane por R$ 5,00. A questão é só dar um “jeitinho”. No final, tudo é a bênção de Deus. Se ele está por nós, quem será contra nós?

A barriga de aluguel escolhida por Sara foi Hagar. Mulher, escrava, estrangeira... Não cabia a ela decidir nem sobre seu próprio corpo. Mesmo que não quisesse, seria obrigada a dormir com o patrão para gerar um filho que não seria seu.

Ser privado da própria liberdade é terrível. Quantas vezes nós mesmos já não nos sentimos como Hagar: obrigados a fazer algo que não queremos. Sequer nossa opinião é pedida, apenas a ordem é dada. Como Hagar, muitas vezes cumprimos um papel que não gostaríamos de fazer. Como é difícil lidar com essas situações, não?

Para que o arranjo que Sara bolou pudesse dar certo, era preciso, de acordo com os costumes da época, que Hagar fosse promovida. E ela foi. A própria Sara promoveu a escrava para a posição de segunda mulher de Abrão.

Para entender um pouco melhor essa situação é preciso lembrar que uma das principais funções das mulheres na sociedade patriarcal era gerar filhos. Assim, uma mulher que não pudesse gerá-los sentia-se uma pessoa de 2ª categoria e era quase rejeitada social e religiosamente. Uma vez que os filhos eram reconhecidos como bênçãos de Deus, quem não os tinha é porque não tinha a benção de Deus.

Outra informação que pode ajudar é saber que os filhos eram muito importantes em uma sociedade que dependia do trabalho braçal para comer e proteger-se. Assim, era comum que homens ricos tivessem mais de uma esposa para ter muitos filhos e aumentar a família.

Assim, o filho que seria gerado no ventre de Hagar seria contado como de fosse de Sara. E aí a família que Deus prometera para Abraão poderia começar.

A Disputa

Imagine o quadro:

Abrão agora tem duas mulheres: Sara e Hagar.

• Sara era conhecida em toda parte por sua beleza e lealdade ao marido, mas era estéril;
• Hagar talvez nem fosse tão bela e era uma escrava, mas era bem mais jovem;
• Sara carregava consigo o preconceito do útero vazio;
• Hagar carregava consigo sua condição de estrangeira e escrava;
• Ambas eram mulheres em um mundo de homens;
• Ambas, agora, tinham o mesmo marido.

Acontece o esperado. Hagar fica grávida. Imagino que nenhuma das duas sabia exatamente o que estava sentido quando recebeu a notícia.

Sara deveria ficar alegre. Afinal, o plano dela havia funcionado. Ela tinha ajudado o Senhor a cumprir sua promessa. Se fosse hoje, talvez Sara dissesse: É de Deus!!

Hagar passava por uma tempestade de sentimentos: alegria por saber que não estéril como sua patroa; expectativa sobre sua nova posição de esposa; apreensão pela consciência de que o filho que estava em suas entranhas não seria seu.

Quantas vezes você já se sentiu como Hagar: confusa sobre seus sentimentos? Não se pode dizer a qualquer sentimento para não aparecer. Não dá para escolher o se vai sentir. Mas é possível escolher como lidar com os sentimentos que aparecem.

As reações foram inesperadas. A escrava Hagar, que deveria cumprir seu papel com gratidão e discrição, começa a desprezar sua patroa. Em bom português, Hagar resolveu tirar uma “casquinha” de Sara. A esposa rica e bonita não podia ter filhos, mas a escrava estrangeira agora estava grávida do patrão. Gracejos... Piadinhas entre os empregados... Um carinho na barriga na frente da patroa... Reclamações de enjôo e indisposição... Hagarestava dando o troco.

E você? Já deu o troco para a Sara da sua vida? Quando a se foi explorado, usado ou maltratado por alguém, parece que justifica dá o troco, né? Veja só:

Sara era rica e bonita. Cheia de servos, não precisava fazer nada e ainda tinha um marido que a amava profundamente. Já a coitadinha da Hagar era pobre, não tinha tempo para se cuidar e estava longe da família. Parece com aquelas cenas de novela: É isso aí, Hagar! Mostra para Sara quem é a poderosa!

Mas Hagar não mediu bem seu poder de fogo. Sara era a esposa amada de Abraão, companheira de longos anos e apoiadora fiel. Sentindo-se desprezada pela escrava recém promovida a esposa, Sara vai direto para Abrão e diz:

“Você é que deveria passar a vergonha que eu estou passando! Entreguei a minha criada a você... Dei a ela a honra de ser sua mulher... E veja agora o que aconteceu: Ela me despreza! O Senhor julgue este caso entre nós."

Sara jogou todo o peso de sua posição. O resultado foi líquido e certo. Abraão entregouHagar nas mãos de Sara para que ela fizesse o que achasse melhor.

Segundo os costumes da época, Hagar não poderia mais ser mandada embora. Sara, então, inicia uma batalha pessoal contra a ex-escrava. Ela torna a vida de Hagar bem difícil: tira os privilégios de esposa e lhe devolve a condição de escrava... Coloca Hagar para fazer trabalhos mais pesados... Conta entre os empregado piadinhas sobre os egípcios... Enfim, ela inferniza a vida da escrava até que, sem suportar as humilhações, ela foge para o deserto.

Com certeza você já passou por situações em que se sentiu humilhado. O preconceito em nosso país é como fogo de palha: a gente só vê a fumaça. Humilhado por que é negro... Humilhada porque tem o cabelo ruim... Humilhado porque tem o nariz grande... Humilhada pelos quilos a mais... Humilhado porque falta um dente... Humilhado porque nasceu no interior... Humilhado porque a família é pobre... Humilhado porque gosta de música brega... Humilhado porque é nordestino... Humilhada porque é mulher... Humilhada porque não tem filhos... Humilhada porque ainda não casou... Como você reage a tudo isso?

Hagar. Mulher, escrava, estrangeira, grávida e rejeitada. Emocionalmente, ela estava no fundo do poço. Como muitas mulheres, ela correu para a casa da mãe. O deserto apenas estava no caminho. Foi nessa situação, fugindo de tudo e de todos, que Hagar encontrou o Senhor.

O primeiro encontro

No meio do deserto, provavelmente chorando e lamentando por sua vida desgraçada, pelo sofrimento e pelo abandono em que se sentia, a escrava egípcia ouve uma das palavras mais agradáveis de se ouvir: seu próprio nome. Hagar.

Meus irmãos, minhas irmãs, Deus nos conhece pelo nome. Ele sabe quem somos. Ele nos vê quando a sensação de inadequação toma conta de nós, e Ele nos chama pelo nome. Ouça a voz do Senhor!

Mesmo quando a dor da humilhação é imensa ao ponto de eu mesmo me rejeitar... Quando fugimos em busca de um lugar seguro porque nada nem ninguém parece nos acolher... O Senhor nos chama pelo nome. Ele sabe quem você é.

Em seguida, Hagar é confrontada com sua real situação: serva de Sara. Hagar não deveria fugir dessa realidade, mas aprender a enfrentá-la. Por mais dolorido que fosse, era a verdade. Ela era uma das servas de Sara.

A fuga sempre é um recurso disponível. Se eu não gostei da pessoa, eu fujo; se sou impaciente, eu fujo; se eu me senti rejeitado, eu fujo; se o trabalho é difícil, eu fujo; se o chefe é duro, eu fujo; se é difícil cuidar dos meninos, eu fujo; se a ira me consome, eu fujo; se a esposa é fria, eu fujo; se o marido é grosso, eu fujo; Nem sempre é ir pra longe, às vezes é apenas fugir para dentro de si mesmo.

Depois disso, Hagar é levada a refletir sobre sua própria vida: De onde vens e para onde vais, Agar? Essa é uma pergunta Chave. Quais os propósitos da sua vida? Quais seus objetivos? O que lhe motiva a viver, Hagar?

Hagar, que estava consumida em sua própria dor, em seu abandono. É chamada a pensar sobre a trajetória da sua vida. Nem sempre é fácil fazer isso. Às vezes, o passado nos consome; outras vezes o futuro nos amedronta.

Talvez ainda soluçando, Hagar tem a coragem de pintar seu auto-retrato: sou Hagar, escrava, egípcia, e fujo da presença de Sara, minha senhora.

Não feche os olhos quando o Senhor colocar o espelho diante de você. Ele quer que você enxergue sua real situação e assim como Hagar reconheça a trajetória da sua vida e onde você está.

Quão difícil dever ter sido para ela admitir tudo isso! Mas foi o ponto de partida. Se ela não tivesse tido a coragem para se olhar no espelho, nada mais teria acontecido.

Depois disso, Hagar recebe uma orientação no mínimo estranha: Volte para a sua senhora, submeta a ela.

Talvez fosse razoável que o Senhor lhe dissesse: Hagar, realmente foi um absurdo o que Abraão, e principalmente Sara, fez com você. É uma injustiça e eles vão pagar caro por isso. Aí Hagar, voltaria como uma justiceira de si mesma trazendo castigo pra todo mundo.

Diante da cara de espanto que Hagar fez ao ouvir as orientações, o Senhor explicou os detalhes. Ele não vê apenas os patrões ricos de Hagar. Realmente não era através do filho de Hagar que Deus cumpriria a promessa feita a Abraão, mas o menino no ventre de Hagarnão seria esquecido. Havia um plano para ele.

De repente, aquilo que Hagar estava vivendo, a sua dor, a humilhação pela qual havia passado, tudo seria usada para construir o futuro. Deus tinha um plano. Agar e seu filho faziam parte deste plano.

O menino deveria se chamar Ismael. Ele também seria pai de uma grande nação. De sua descendência surgiriam doze príncipes. Um povo comparado a jumento selvagem, indomável de relacionamento pouco amigável com estranhos. Além disso, a grande nação descendente de Ismael estaria sempre perto do restante da família de seu pai.

Deus constrói o futuro que ele deseja a partir de você. Isso quer dizer que a sua vida faz parte daquilo que o Senhor está realizando. Por isso, antes do desespero ouça o que diz o apóstolo Paulo sobre a questão: 
“... todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus; daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Romanos 8:28

Hagar obedece. Grande dádiva é obedecer. Obedecer é a prova da confiança. A fé se mede pela obediência. Para Hagar obedecer significava voltar para a casa dos patrões, reconhecer seu erro ao fugir, admitir sua posição de escrava, e suportar os possíveis maus-humores de Sara.

Quando Deus lhe encontrou no deserto, chorando e lamentando, o que Ele lhe disse que fizesse? Pra onde você tem que voltar? Com quem você precisa falar? A quem você precisa pedir perdão? O que você precisa reconhecer sobre si mesmo?

Minha oração hoje é que haja espaço em seu coração para a obediência. Obedecer é uma grande dádiva! Hagar obedeceu e Deus cumpriu aquilo que havia prometido. Você também pode obedecer e ter certeza de que o Senhor irá cumprir a vontade Dele em sua vida. 

Fonte: Aristarco Coelho