sábado, 27 de dezembro de 2014

Conhecendo Deus e conhecendo a nós mesmos

 


1. Todos os homens vivem para conhecer Deus

Não se pode achar nenhum homem, em parte alguma, por mais incivilizado ou selvagem que seja, que não tenha alguma ideia de religião. Isso porque todos nós fomos criados para conhecer a majestade do nosso Criador e, ao conhecê-la, pensar nela mais elevadamente do que em qualquer outra coisa. Devemos honrar a majestade de Deus com pleno temor, amor e reverência. 

Os incrédulos só procuram apagar toda a lembrança deste senso de Deus, que está arraigado em seus corações. Deixando-os de lado, nós, que alegamos que temos uma religião pessoal, devemos trazer à mente que a presente vida não durará, e logo acabará. Devemos passá-la pensando na imortalidade.

Pois bem, não se pode achar a vida eterna e imortal em parte alguma, exceto em Deus. Segue-se, então, que o principal cuidado e interesse da nossa vida devem consistir em buscar Deus com todo o afeto dos nossos corações, e não pretender encontrar descanso e paz em lugar nenhum, senão unicamente nEle.

2. A diferença entre a religião verdadeira e a falsa

Em geral se concorda que viver sem religião é viver numa verdadeira miséria, e que em nenhum aspecto viver assim é ser melhor que os animais selvagens. Sendo assim, ninguém vai querer ser considerado como uma pessoa inteiramente indiferente a uma religião pessoal e ao conhecimento de Deus.

Entretanto, há muitas diferenças quanto à forma visível que a religião toma. Assim é porque a maioria dos homens não é afetada pelo temor de Deus. Não obstante, querendo ou não, eles não podem escapar da ideia de que existe algum ser divino cujo poder ou os exalta ou os humilha. Essa ideia sempre volta às suas mentes. Impactados pelo pensamento que lhes vem acerca de um poder tão grande, de um modo ou de outro eles o reverenciam. Isso para evitar desprezá-lo demais, temendo provocar a Sua ação contra eles. Contudo, vivendo desordenadamente e rejeitando toda forma de honestidade, eles exibem uma óbvia falta de preocupação com a maneira pela qual desconsideram o juízo de Deus.

Em acréscimo, uma vez que a sua avaliação de Deus é governada pelo tolo, impensado e presunçoso conceito formulado por sua própria mente, e não pela majestade infinita do próprio Deus, eles de fato ficam afastados do Deus verdadeiro. É por isso que, mesmo quando eles fazem reais e zelosos esforços para servir a Deus, isso tudo acaba sendo pura perda de tempo. Não é ao Deus eterno que eles estão adorando, mas, antes, aos sonhos e ilusões dos seus corações.

Bem, existe um temor que, tendo o maior desejo de fugir do juízo de Deus e não podendo fazê-lo, cresce mais que nunca. A verdadeira piedade não está nesse terror. Ela consiste, antes, de um zelo puro e verdadeiro que ama Deus como um Pai de verdade e O contempla como um Senhor de verdade; ela abraça a Sua justiça e detesta mais ofendê-lO do que morrer.

E todos aqueles que têm este zelo não se dispõem a fabricar, imprudentemente, um deus que esteja de acordo com os seus desejos. Em vez disso, eles procuram obter do próprio Deus um verdadeiro conhecimento dEle mesmo, e não o concebem como diferente do que Ele Se revela e do que Ele lhes dá a conhecer.

3. O que devemos saber acerca de Deus

Desde que a majestade de Deus está intrinsecamente acima e além do poder do entendimento humano, e simplesmente não pode ser compreendida por este, devemos adorar a Sua posição exaltada, e não investigá-la criticamente, para que não sucumbamos inteiramente sob tão grande brilho.

Por isso devemos buscar e considerar Deus em Suas obras, as quais, por essa razão, as Escrituras denominam manifestações daquilo que é invisível (Romanos 1: 19, 20; Hebreus 11: 1), porque estas obras retratam para nós o que de outra maneira não poderíamos conhecer do Senhor.

Não estamos falando aqui de especulações vãs e frívolas, coisas que manteriam as nossas mentes num estado de incerteza, mas de algo que é essencial que saibamos - algo que nos faz bem, que estabelece em nós uma piedade sólida e veraz, isto é, fé mesclada com temor.

Então, ao observarmos este universo, contemplamos com êxtase a imortalidade do nosso Deus. É esta imortalidade que dá surgimento ao princípio e à origem de tudo quanto existe. Contemplamos com êxtase a imortalidade do nosso Deus. É esta imortalidade que dá surgimento ao princípio e à origem de tudo quanto existe. Contemplamos com êxtase o Seu poder, que criou um sistema tão vasto e que ora o sustém. Contemplamos com êxtase a Sua sabedoria, que trouxe à existência uma tão grande e variegada fileira de criaturas, e que as governa de maneira finamente equilibrada e ordenada. Contemplamos com êxtase a Sua bondade, que é propriamente a razão pela qual todas estas coisas foram criadas e continuam a existir. Contemplamos com êxtase a Sua justiça, que se desdobra maravilhosamente para a proteção dos bons e para a punição dos maus. Contemplamos com êxtase a Sua misericórdia, que tão gentilmente suporta os nossos pecados tendo em vista exigir que endireitemos as nossas vidas.

É realmente muitíssimo necessário que sejamos instruídos acerca de Deus, e de fato deveríamos deixar que o universo nos fizesse isso. E ele o faria, não fora o fato de que a nossa rude insensibilidade é cega para tão grandiosa luz. Mas não pecamos somente por sermos cegos. Tão grande é a nossa perversidade que, quando ela considera as obras de Deus, não há coisa alguma na qual ela não veja um sentido mau e perverso. Ela põe abaixo toda a sabedoria do céu que, sem essa perversão, fulge tão esplendidamente ali.

Temos, pois, que vir à Palavra de Deus onde, por meio das obras de Deus, Ele é descrito muito bem para nós. Ali as Suas obras não são avaliadas segundo a perversão do nosso julgamento, mas pelo padrão da verdade eterna. Nela aprendemos que o nosso Deus, que é o único Deus, e que é eterno, é a fonte de onde emana toda vida, justiça, sabedoria, força, bondade e misericórdia. Tudo o que é bom, sem absolutamente nenhuma exceção, vem unicamente dEle. E assim é que todo louvor deve, com pleno direito, retornar a Ele.

E, embora todas estas coisas se manifestem claramente em cada parte do céu e da terra, é supremamente na Palavra de Deus que sempre entendemos, verdadeiramente, qual é a meta maior para a qual elas nos fazem avançar, qual é o valor delas e em que sentido as devemos entender. Então nos aprofundamos em nosso próprio ser interior e consideramos como o Senhor exibe em nós a Sua vida, a Sua sabedoria e o Seu poder, e como Ele exerce para conosco a Sua justiça, a Sua bondade e a Sua generosidade.

4. O que devemos saber acerca do homem

No princípio, o homem foi formado à imagem e semelhança de Deus, para que admirasse o seu Criador na dignidade da qual Deus tão nobremente o investira, e o honrasse com a adequada gratidão.

Mas o homem, confiando na enorme excelência da sua natureza e esquecendo de onde viera e por quem continuava a existir, empenhou-se em exaltar-se independentemente do Senhor. Por isso teve que ser despojado de todos os dons de Deus dos quais estultamente se orgulhara, a fim de que, privado de toda glória, conhecesse este Deus que o enriquecera tanto com o Seus generosos dons e que ele se atreveu a desprezar.

Por essa causa, todos nós - que devemos a nossa origem aos descendentes de Adão, e em quem a semelhança com Deus foi apagada - somos carne oriunda de carne. Sim, pois, apesar de sermos constituídos de alma e corpo, nuca sentimos nada senão a carne. O resultado é que, seja qual for o aspecto do homem pelo qual o observemos, é-nos impossível ver nele outra coisa além daquilo que é impuro, irreverente e abominável para Deus. Porquanto a sabedoria do homem, cega e mergulhada em numerosos erros, posta-se contra a sabedoria de Deus; a vontade, iníqua e cheia de afetos corruptos, odeia a justiça de Deus mais do que qualquer outra coisa; e o poder humano, incapaz de qualquer bem, seja este qual for, inclina-se desenfreadamente para a iniquidade.

5. O livre-arbítrio

As Escrituras asseveram muitas vezes que o homem é escravo do pecado. O que isso significa é que sua mente acha-se tão longe da justiça de Deus que só pensa, deseja e empreende o que é mau, perverso, iníquo e sujo; pois o coração, cheio do veneno do pecado, não pode emitir nada senão frutos do pecado.

Todavia, não devemos pensar que existe uma imperiosa necessidade impelindo o homem a pecar. Ele peca com pleno acordo da sua vontade, e ele o faz avidamente, seguindo suas próprias inclinações.

A corrupção do seu coração indica que o homem tem forte e persistente ódio a toda a justiça de Deus. Acresce que ele se vota a toda espécie de mal. Por causa disso se diz que ele não tem livre poder de escolha entre o bem e o mal - não tem o chamado livre-arbítrio.

6. O pecado e a morte


Nas Escrituras, pecado significa tanto aquela versão da natureza humana que é a fonte de todo erro e vício, como os maus desejos que daí nascem, e também os atos injustos e vergonhosos que brotam desses desejos: homicídios, roubos, adultérios e outras coisas do gênero.

Todos nós, então, pecadores que somos desde o ventre de nossa mãe, nascemos expostos à ira e à retribuição de Deus.

Tornando-nos adultos, aumentamos sobre nós - mais pesadamente - o juízo de Deus.

Finalmente, no transcurso de toda a nossa vida, aceleramos os passos para a morte.

Pois não há dúvida de que a justiça de Deus acha toda iniquidade repugnante. Que podemos esperar, então, da face de Deus - nós, pessoas miseráveis, sobrecarregadas por tão grande peso do pecado e corrompidas por inumeráveis impurezas - senão que a Sua justa indignação com toda a certeza nos vai fazer corar de vergonha?

Temos necessidade de conhecer esta verdade, muito embora ela ponha abaixo o homem pelo terror e o esmague pelo desespero. Despojados da nossa justiça própria, escoimados de toda a nossa confiança em nossas forças, distanciados de toda a esperança de sequer ter vida, o entendimento da nossa própria pobreza, miséria e desgraça dessa forma nos ensina a prostrar-nos diante do Senhor. Mas, reconhecendo a nossa iniquidade, a nossa falta de poder e a nossa ruína, aprendemos a dar-lhe toda a glória por Sua santidade, por Seu poder e por Sua obra de salvação.

7. Como somos conduzidos à salvação e à vida

Este conhecimento de nós mesmos, se entrou realmente em nossos corações, mostra-nos a nossa nulidade e, por seu intermédio, o caminho para o verdadeiro conhecimento de Deus é facilitado para nós. E o Deus de quem estamos falando já abriu para nós, digamos assim, uma primeira porta para o seu reino quando destruiu estas duas pragas medonhas: o sentimento de segurança quando defrontados por Sua retribuição, e uma falsa confiança em nós mesmos. Pois é depois disso que começamos a elevar os nossos olhos para o céu, olhos anteriormente fitos e fixos na terra. E nós, antes acostumados a buscar descanso em nós mesmos, anelamos pelo Senhor.

E também, por outro lado, embora a nossa iniquidade mereça algo inteiramente diferente, este Pai misericordioso, por Sua estupenda bondade, revela-se então voluntariamente a nós, que dessa forma nos sentimos aflitos e abatidos pelo medo. E, fazendo uso desse meios, que Ele sabe ser úteis para nós, em nossa fraqueza Ele nos chama de volta do rumo errado para o caminho certo, da morte para a vida, da ruína para a salvação, do domínio do diabo para o Seu próprio domínio.

A todos aqueles a quem Lhe apraz restabelecer como herdeiros da vida eterna o Senhor ordenou, como primeiro passo, que sejam afligidos em sua consciência, curvem-se sob o peso dos seus pecados e passem a viver no temor do Seu nome. Portanto, para começar, Ele nos expõe e Sua Lei, a qual nos conduz a esse estado.

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Fonte: João Calvino, A Verdade Para Todos os Tempos, PES, pp. 13-22.
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Culto Familiar


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Existem algumas ordenanças exteriores e meios de graça muito importantes que estão nitidamente implícitos na Palavra de Deus – mas para a prática destes nós temos pouco, quando algum, direcionamento e preceitos positivos; mas, nos é dado a obtê-los a partir do exemplo de homens santos e a partir de diversas circunstâncias secundárias. Uma importante finalidade é respondida por este arranjo: desta forma é feito o julgamento do estado de nossos corações. Isto serve para fazer evidente, se por um comando expresso não possa ser exigido o seu cumprimento, cristãos professos negligenciarão um dever claramente implícito. Deste modo, mais do estado real de nossas mentes é revelado, e isto torna manifesto se temos ou não um amor ardente a Deus e ao Seu serviço. Isto se aplica tanto ao culto público quanto ao familiar. Ainda assim, não é de todo difícil comprovar a obrigação da piedade doméstica.

Primeiro considere o exemplo de Abraão, o pai da fé e o amigo de Deus. Foi através de sua piedade doméstica que ele recebeu a bênção do próprio Jeová, “Porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo” (Gênesis 18:19). O patriarca nisto foi elogiado, por instruir seus filhos e servos nos mais importantes de todos os deveres, “o caminho do SENHOR” – a verdade sobre a Sua Gloriosa Pessoa, Seu direito Supremo sobre nós, o que Ele exige de nós. Observem bem as palavras “para que [ele] ordene”, ou seja, ele usaria a autoridade que Deus lhe dera como pai e cabeça de sua casa, para aplicar os deveres da piedade familiar. Abraão também orou com, bem como instruiu a sua família – Aonde quer que fixasse a sua tenda, ali ele “edificou um altar ao Senhor” (Gênesis 12:7; 13:4). Agora, meus leitores, bem podemos perguntar-nos, somos nós a “descendência de Abraão” (Gálatas 3:29) – se nós “não fazemos as obras de Abraão” (João 8:39) e negligenciamos o importante dever do culto em família?

Os exemplos de outros homens santos são semelhantes ao de Abraão. Considere a piedosa determinação de Josué, que declarou a Israel, “porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor” (Josué 24:15). Nem mesmo a elevada posição que ocupava, nem a urgência dos deveres públicos que o pressionavam, distraíram sua atenção do bem-estar espiritual de sua família. Novamente, quando Davi trouxe de volta a arca de Deus para Jerusalém com júbilo e ações de graça, depois do exercício dos seus deveres públicos, ele voltou “para abençoar a sua casa” (2 Samuel 6:20). Além destes eminentes exemplos, podemos citar os casos de Jó (1:5) e de Daniel (6:10). Limitando-nos à somente um [caso] do Novo Testamento, lembramos da história de Timóteo, que foi criado em um lar piedoso. Paulo trouxe à memória a “fé sincera” que havia nele, e acrescentou: “a qual habitou primeiro em tua avó Lóide, e em tua mãe Eunice”. Há aqui uma admiração tal que o apóstolo poderia dizer “E que desde a tua meninice sabes as sagradas Escrituras” (2 Timóteo 3:15)!

Derrama a tua indignação sobre as nações que não te conhecem e sobre os povos que não invocam o teu nome!” Jeremias 10:25. Nós imaginamos quantos de nossos leitores tem ponderado seriamente nestas temíveis palavras! Observem que terríveis ameaças são pronunciadas contra aqueles que negligenciam o culto familiar! Quão inefavelmente grave é descobrir que as famílias que não oram são aqui comparadas aos pagãos, que não conhecem ao SENHOR. Mas, isto não deve nos surpreender. Por que, existem muitas famílias pagãs que se reúnem em adoração aos seus falsos deuses. E eles não envergonham milhares de cristãos professos?

Quão ruidosamente estas palavras deveriam falar a nós. Não é suficiente que oremos individualmente em nossos quartos; também é exigido de nós que honremos a Deus em nossas famílias. A cada dia, todos os familiares devem estar congregados juntos para curvarem-se diante do Senhor – para confessar seus pecados, para dar ações de Graças pelas Misericórdias Divinas, para clamar por Seu auxílio e bênção. Nada deve ser permitido interferir neste dever: todos os demais compromissos domésticos devem ser submetidos a este. O chefe da família deve ser aquele que dirige as devoções – mas se ele estiver ausente – ou gravemente enfermo – ou se não for convertido, então a esposa pode substituí-lo. Sob nenhuma circunstância o culto familiar deve ser omitido. Se pretendemos desfrutar das bênçãos de Deus sobre nossa família – então, façamos com que os membros reúnam-se diariamente para louvar e orar. “Honrarei aqueles que me honram” é a Sua promessa.

Um antigo escritor bem disse, “Uma família sem oração é como uma casa sem telhado, aberta e exposta a todas as tempestades.” Todo o nosso conforto doméstico e misericórdias temporais, emanam da Benignidade do SENHOR. O melhor que podemos fazer em retribuição, é reconhecer agradecidos juntos, Sua bondade para com a nossa família. Desculpas contra o cumprimento deste dever sagrado – são indolentes e inúteis. De que servirá, quando nós prestarmos contas a Deus quanto à mordomia de nossas famílias – dizer que nós não tínhamos tempo disponível, trabalhando muito da manhã até a noite? Quanto mais urgentes são os nossos deveres temporais – maior é a nossa necessidade de buscar auxílio espiritual. Nem tão pouco cristão algum pode alegar que não estava capacitado para tal serviço – dons e talentos são desenvolvidos pelo uso – e não pela negligência.

O culto familiar deve ser realizado reverente, sincera e simplificadamente. Para que então, os pequeninos recebam as suas primeiras impressões e formem a sua concepção inicial a respeito do Senhor Deus.

Precisa-se ter grande cuidado para não dar a eles uma falsa ideia sobre o Caráter Divino, e para isto, deve-se preservar o equilíbrio ao comunicar sobre a Sua Transcendência e imanência, Sua Santidade e Sua Misericórdia, Seu Poder e Sua Ternura, Sua Justiça e Sua Graça. O culto pode ser iniciado com breves palavras de oração invocando a Presença e bênção de Deus. Pode-se seguir com uma pequena passagem da Sua Palavra, com breves comentários sobre a mesma. Dois ou três versos de um Salmo ou hino podem ser cantados. Encerra-se com uma oração de entrega nas Mãos de Deus. Ainda que possamos não ser capazes de orar com eloquência, podemos orar sinceramente. As orações breves são as que geralmente prevalecem. Cuidado para não cansar os mais jovens.

As vantagens e bênçãos do culto familiar são incontáveis.

Primeiro, o culto em família prevenirá muitos pecados. Ele gera temor na alma, transmite um senso da majestade e autoridade de Deus, determina solenes verdades diante da mente, e derrama bênçãos de Deus sobre o lar. Piedade pessoal no lar é um meio mais influente, abaixo de Deus, para estimular a piedade aos pequenos. Crianças são, em grande parte, criaturas de imitação, dedicando-se a copiar o que observam nos outros.

Ele estabeleceu um testemunho em Jacó, e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes; para que pusessem em Deus a sua confiança e não se esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os mandamentos.” (Salmo 78:5-7).

Atualmente, quanto das terríveis condições moral e espiritual das multidões, poderiam ser provenientes da negligência de seus pais neste dever? Como estes que negligenciam o culto a Deus em suas famílias – esperam por paz e conforto nelas? Oração diária em casa é um abençoado meio de graça para dissipar aquelas tristes corrupções das quais nossa ordinária natureza é sujeita.

Finalmente, a oração em família obtém para nós a presença e a bênção do Senhor. Aí está uma promessa de Sua Presença que é particularmente aplicável a este dever, “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.” Mateus 18:20. Muitos têm encontrado no culto familiar, aquele auxílio e comunhão com Deus os quais eles têm buscado, com menor eficácia, na oração particular.

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Fonte: Eternal Life Ministries
Tradução: Camila Rebeca Almeida
Revisão: William teixeira

Caio Fábio: Parece, mas não é




Hoje foi ao ar uma entrevista com o Caio Fábio, realizada por Danilo Gentili em seu programa, o The Noite (veja aqui). O Caio foi apresentado como um dos mais polêmicos pastores, até mesmo para os evangélicos. Entenda-se polêmico por herege, e o entrevistado até assumiu isso dizendo que a acusação de heresia é resultante a sua declaração de que o Antigo Testamento caducou. Foi um papo (digamos) interessante, que girou em torno de meia-hora. A entrevista, gravada semanas antes causou um frenesi entre os seguidores do Caio, que divulgaram bastante a entrevista. Afinal, havia muito tempo que ele não tinha espaço na televisão.

Para quem não sabe ou não conheceu, o auge do ministério do Caio Fábio se deu quando ele era um ministro presbiteriano. Viajando por todo o país, lotando igrejas e auditórios, e tendo inúmeros VHS’s e CD’s com seus sermões vendidos, ele havia se tornado uma referência entre os cristãos evangélicos, sobretudo os protestantes históricos. Era uma unanimidade. Mas o Caio de outros tempos caiu, como é passível de acontecer com qualquer um de nós. A questão não foi o seu pecado, mas a forma orgulhosa de não querer ser tratado. O seu orgulho causou a sua ruína ministerial. Ferido, todavia inchado, juntou-se a outros também machucados e criou o Caminho da Graça, para acolher aqueles que se denominam desigrejados. 

Quem não sabe quem ele é fica impressionado, pois sua oratória é das melhores. Outro fator que atrai a simpatia do público são as suas denúncias aos mercadores da fé. Caio começou muitíssimo bem a entrevista. Disse algo que concordo: A igreja brasileira, no geral, é manobrada por pastores mal intencionados e despreza o ensino. Isso é notório, vide as heresias que são denunciadas aqui nesse blog. Ele bateu forte no segmento Neopentecostal, mas bater nos neopentecostais é fácil, pois quem tem um pingo de consciência sabe que suas práticas são antibíblicas. O negócio é defender e preservar a sã doutrina em meio aos heréticos e mercadológicos desvios do neopentecostalismo. E é aqui que o Caio Fábio pisa na bola, e feio.

Durante o programa, algumas bobagens foram ditas (não perderei tempo com a questão dos extraterrestres). Uma delas é que o Antigo Testamento está totalmente invalidado. Isto é uma falácia muito fácil de se resolver. Os 10 mandamentos são uma amostra de que a Lei tem uma parte observada, mesmo nós estando agora sobre a benção da nova aliança. John Piper fala muito bem acerca disto:

1- Os sacrifícios de sangue cessaram, pois Cristo cumpriu tudo para o que eles estavam apontando. Ele foi o sacrifício final, irrepetível, pelos pecados. Hebreus 9:12: “Nem por sangue de bodes e bezerros, mas por seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo efetuado uma eterna redenção”.

2- O sacerdócio que ficava entre o adorador e Deus não existe mais. Hebreus 7:23-24: “E, na verdade, aqueles foram feitos sacerdotes em grande número, porque pela morte foram impedidos de permanecer. Mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo”.

3- O templo físico cessou de ser o centro geográfico da adoração. Agora, o próprio Cristo é o centro da adoração. Ele é o “lugar”, a “tenda” e o “templo” onde encontramos Deus. Portanto, o Cristianismo não tem centro geográfico, nem em Meca, nem em Jerusalém. João 4:21-23: “Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai...Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem”. João 2:19-21: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei...Mas ele falava do templo do seu corpo”. Mateus 18:20: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles”.

4- As leis alimentícias, que colocavam Israel aparte das nações, foram cumpridas e acabadas em Cristo. Marcos 7:18-19: “E ele [Jesus] disse-lhes: Assim também vós estais sem entendimento? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora?... (Assim declarou puros todos os alimentos)”.

5- O estabelecimento da lei civil sobre a base de um povo etnicamente fixado, que foi diretamente ordenada por Deus, cessou. O povo de Deus não é mais um corpo político unificado ou um grupo étnico ou um estado-nação, mas são peregrinos e forasteiros entre todos os grupos étnicos e Estados. Portanto, a vontade de Deus para os Estados não deve ser tomada diretamente da ordem teocrática do Antigo Testamento, mas deve ser agora restabelecida de lugar para lugar e de tempo para tempo, pelos meios que correspondam ao governo soberano de Deus sobre todos os povos, e que correspondam ao fato de que a genuína obediência, enraizada como ela é na fé em Cristo, não pode ser coagida pela lei. O Estado é, portanto, fundamentado em Deus, mas não expressivo da regra imediata de Deus. Romanos 13:1: “Toda a alma esteja sujeita às potestades superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram ordenadas por Deus”. João 18:36: “Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos”. [1]

Estes são os pontos da Lei que não vogam, pois Cristo os cumpriu. Também não estamos mais debaixo de sua condenação. Todavia, sua moralidade não está caduca. É tanto que os apóstolos se valem dos princípios veterotestamentários para trazer ensinamento a igreja do primeiro século. Desprezar todo o Antigo Testamento é ir além do que Jesus e os seus apóstolos fizeram ou ensinaram. Em Mateus 22:37-40, os dois grandes mandamentos ensinados pelo Salvador são do Pentateuco: Levítico 19:18 e Deuteronômio 6:5. Portanto, se nós amarmos a Deus e amarmos ao nosso próximo, estamos cumprindo uma Lei do Antigo Testamento. Prova suficiente para atestar que ele não caducou, como disse o Caio Fábio.

A outra bobagem foi a de relatar uma possível contradição bíblica. Respondendo a uma questão levantada por Gentili sobre os nefilins, Caio Fábio falou sobre Ogue, rei de Basã, e disse que ele era um sobrevivente do dilúvio. O próprio Danilo ficou espantado com isso, pois disse ter aprendido que só Noé e sua família sobreviveram. E o apresentador está correto. A Bíblia é categórica: 

E toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de aves e de gado, e de animais, e de todo réptil que se arrasta sobre a terra, e  cada homem: Tudo estava em suas narinas o fôlego da vida, tudo o que havia na terra seca, morreu.  E cada substância viva foi destruído o que havia sobre a face da terra, o homem e o gado, e os répteis e as aves do céu; e eles foram exterminados da terra, e ficou somente Noé, e os que estavam com ele na arca”. - Gênesis 7:21-23

A lenda de Ogue ter sobrevivido ao dilúvio é folclórica e não histórica. Não há bases bíblicas e arqueológicos que sustentem esta afirmação. Ademais, o Caio Fábio é conhecido por afirmar de maneira axiomática coisas que a Bíblia sequer deixa claro. A regra hermenêutica clássica é a de que a Escritura se auto interpreta. Obviamente, utilizamos recursos como documentos históricos e achados arqueológicos para fazermos uma boa exegese, no entanto estas ferramentas apenas nos servem de apoio aquilo que está biblicamente claro, sendo extremamente perigoso usar de tais recursos para tentar revelar aquilo que Deus soberanamente quis deixar encoberto aos olhos humanos.

No fim da entrevista, vemos um Caio bonachão, falando de suas experiências sexuais de uma maneira vulgar, típico de quem quer se mostrar um cara livre das amarras da religião e parecer descolado. Para atestar sua postura fala que Cristo era alguém tão boa praça que não ligava para o fato de uma pessoa ser gay ou de uma mulher ser p*t*. Este Jesus indulgente também está longe de ser o Cristo da Escritura. É bem verdade que pecadores conviveram com ele, porém todos foram transformados pela Palavra e abandonaram as práticas pecaminosas. 

É extremamente perigoso o discurso liberal do Caio Fábio. Fere a ortodoxia e estimula pessoas a abandonarem a prática de congregar como igreja. Sabemos da imperfeição da natureza humana presente na igreja visível. Só que devemos nos lembrar que a natureza divina da igreja nos levará em triunfo para a glória. E para isso deve haver perseverança no Corpo dos Santos até o fim. Sinceramente, fico triste por ver alguém com o carisma e o intelecto do Caio prestando um desserviço ao Evangelho. Ainda mais quando recordo de que ele já foi um cooperador do mesmo. Para alguns ele continua pastor. Em certo sentido até parece com um, mas não é. Eu, como um jovem aspirante ao Ministério, devo tomá-lo como exemplo de que o importante não é começar bem, mas sim, terminar bem. Tal como Paulo, antes perseguidor da Igreja, tornou-se o principal divulgador do cristianismo e disse convincentemente: 

Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”. - 2 Timóteo 4:7

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Nota:

[1] - John Piper - Como Cristo Cumpriu e Acabou com o Regime do Antigo Testamento

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Fonte: Bereianos

O QUE SERÁ O GALARDÃO?



E eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para retribuir a cada um segundo as suas obras.” (Apocalipse 22.12)
Galardão significa “recompensa”. Mas que tipo de recompensa receberemos?  Ser salvo já não é maravilhoso?A Bíblia menciona galardões que recebemos ainda em vida pela obediência à vontade de Deus. Nem sempre essas recompensas estão relacionadas a coisas materiais: “Depois destes acontecimentos, veio a palavra do SENHOR a Abrão, numa visão, e disse: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande.” (Gn 15.1). Abraão foi um grande exemplo de homem que recebeu grandes recompensas de Deus, tanto materiais quanto espirituais.
Também galardão nos céus. Isso significa uma espécie de recompensa na eternidade. Não sabemos exatamente o que seria essa recompensa, pois a Bíblia fala pouco nesse assunto: “Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós.” (Mt 5.12). Jesus parece também indicar que existem níveis de galardão. Veja a explicação de do Senhor“Quem recebe um profeta, no caráter de profeta, receberá o galardão de profeta; quem recebe um justo, no caráter de justo, receberá o galardão de justo.” (Mt 10.41). 
Paulo fala a respeito de níveis de galardão baseados no esforço e dedicação de cada um: “Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho.” (1Co 3.8). Em Apocalipse Jesus é aquele que distribuirá o galardão tanto àqueles que foram justos e bons trabalhadores quanto àqueles que foram injustos e foram condenados. Cada um receberá a sua recompensa (cf Ap 22.12). É bom deixar claro que esse galardão não é a salvação. Até porque a salvação não é por obras, mas pela graça e mediante a fé (cf Ef 2.8). Parece se tratar de uma espécie de recompensa “extra” que receberemos nos céus ou também, em alguns casos, aqui na terra.
O que poderia ser esta recompensa? Existem teorias quanto a este assunto, acredito que na Glória, não somente desfrutaremos do conhecimento maravilhoso de Deus, mas também  receberemos cargos na “Nova Terra”(cf Is 65.17; 2Pe 3.13). O texto de Isaías diz: “Eles edificarão casas e nelas habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto.” (Is 65.21). Na “Nova Terra” vai existir uma vida de trabalho e alegria. E o Cordeiro será adorado para sempre. Como será? Apocalipse nos diz que pessoas de todas as terras estarão louvando o Cordeiro (cf Ap 7.9). Não creio, de forma alguma, que será um louvor aleatório, sem organização, mas com ordem. Assim penso eu que haverá líderes responsáveis, pessoas com autoridade para liderar. Haverá algum tipo de hierarquia. Isso fica claro quando examinamos a ordem angelical composta de anjos, arcanjos, serafins e querubins. E eles têm suas funções. O pedido feito pela mãe de Tiago e João (cf Mt 20.20-28) parece indicar que os judeus tinham certa expectativa nesse sentido.
Essa hierarquia, não será alimenta por nenhum tipo de intriga, uma vez que não haverá pecados tais como: orgulho, presunção, inveja ou mágoa. Todos estarão plenamente satisfeitos porque o maior galardão do crente será contemplar o Cordeiro assentado junto ao trono de Deus: “Eis que o SENHOR fez ouvir até às extremidades da terra estas palavras: Dizei à filha de Sião: Eis que vem o teu Salvador; vem com ele a sua recompensa, e diante dele, o seu galardão.”(Is 62:11). Possivelmente teremos cargos para servir a Deus na Glória. Mas esses cargos não serão adquiridos por méritos próprios, mas por andar fielmente com Deus! Seja o que for, a verdade é que: “…Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam.” (1 Co 2.9)
O que fica claro é que vale a pena ser fiel ao Senhor! Pois Jesus nos prometeu recompensar os fiéis (v.12b), aqui e na vida futura. Seja o que for o “galardão”, o melhor presente é poder servir ao Senhor sabendo que ele cuida amorosamente de nós. E mesmo sem merecer ele nos recompensa quando somos fiéis. O nosso trabalho na causa do Senhor gera recompensa aqui. Quando falamos do amor de Deus e pessoas se convertem, isso se torna numa recompensa maravilhosa! Ou quando podemos ajudar pessoas que estão passando por alguma dificuldade sendo um instrumento de Deus para abençoar, também consideramos isso uma grande recompensa. E quando Cristo voltar? Com certeza ele vai trazer maiores recompensas! Então seja fiel ao Senhor!!!

Por Rev. Ronaldo P Mendes 

A soberania de Deus: uma doutrina prática e preciosa



Um dos grandes deleites de ministrar em uma igreja durante vinte anos é que você pode ver as pessoas atravessarem as épocas obscuras da vida, dependendo da bondade soberana de Deus e chegando ao outro lado com fé e gozo inabaláveis. A soberania de Deus é uma doutrina muito preciosa. É o caule vigoroso da árvore que impede que a nossa vida seja abalada pelos ventos da adversidade. É a rocha que se ergue para nós em meio ao dilúvio de incerteza e confusão. É o olho do furacão no qual permanecemos firmes com Deus, olhando para o céu azul de sua maestria, quando tudo está sendo destruído. Conheço um hino que diz: “Quando tudo ao redor de minha alma desaparece”, isto é a minha esperança e firmeza.

A palavra “soberania”, tal como a palavra “trindade”, não ocorre na Bíblia. Estou usando-a para referir a esta verdade: Deus está no controle do mundo, desde o conflito internacional mais amplo até à queda de um pequeno pássaro na floresta. Eis como a Bíblia apresenta a soberania de Deus: “Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Isaías 46.9-10). “E, segundo a sua vontade, ele [Deus] opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Daniel 4.35) “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” (Mateus 10.29) “O que ele deseja, isso fará. Pois ele cumprirá o que está ordenado a meu respeito e muitas coisas como estas ainda tem consigo” (Jó 23.13-14). “No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Salmos 115.3). “Aquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Efésios 1.11). “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Romanos 9.15). “Devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo” (Tiago 4.15).

Uma das razões por que esta doutrina é tão preciosa para os crentes é o fato de sabermos que o grande desejo de Deus é mostrar misericórdia e bondade para aqueles que confiam nEle. “Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim. Alegrar-me-ei por causa deles e lhes farei bem... de todo o meu coração e de toda a minha alma” (Jeremias 32.40-41). A soberania de Deus significa que o desígnio dEle a nosso respeito não pode ser frustrado. Nada, absolutamente nada, acontecerá àqueles que Deus ama e que são chamados segundo o seu propósito, exceto o que lhes for profundo e altamente bom. (Romanos 8.28; Salmos 84.11).

Por isso, a misericórdia e a bondade de Deus são os dois pilares de minha vida. São a esperança de meu futuro, a energia de meu serviço, o centro de minha teologia, o vínculo de meu casamento, o melhor remédio para todas as minhas enfermidades, o fortificante de todos os meus desencorajamentos. E, quando eu morrer (em breve ou não), essas duas verdades estarão à minha cabeceira e, com mãos infinitamente fortes e carinhosas, me erguerão à presença de Deus.

George Müller tem sido admirado por cento e cinqüenta anos como um grande homem de fé, por causa das obras que realizou, especialmente os orfanatos em Londres. Nem todos sabem que ele viveu de um modo maravilhoso, em completa dependência da preciosa verdade da soberania de Deus. Quando faleceu a sua esposa, com a qual estava casado havia trinta e nove anos, Müller pregou o sermão do funeral com base no texto de Salmos 119.68: “Tu és bom e fazes o bem”. Ele conta como orou quando descobriu que ela estava com febre reumática:

Sim, meu Pai celestial, os dias de minha querida esposa estão em tuas mãos. Tu farás o que é melhor para ela e para mim, quer seja a vida, quer seja a morte. Se quiseres, restaura a saúde de minha preciosa esposa. Tu és capaz de fazer isso, embora ela esteja tão doente. Mas o que fizeres comigo somente me ajudará a continuar a ser perfeitamente satisfeito com tua santa vontade (Autobiography of George Müller, London: J. Nisbet and Co., 1906, p. 442).

A vontade de Deus foi levá-la. Portanto, com grande confiança na soberana misericórdia de Deus, Müller disse:

Eu aceito. Estou satisfeito com a vontade de meu Pai celestial. Busco perfeita submissão à sua vontade santa, para glorificá-Lo. Honro constantemente Aquele que me afligiu... Sem qualquer esforço, minha alma se regozija na felicidade da amada que partiu. A felicidade dela me dá regozijo... Deus mesmo o fez; estou satisfeito com Ele (Autobiography, p. 444, 440).

Isto expressa a preciosidade da doutrina da soberania de Deus.

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Fonte: desiringGod

Manifestações espirituais do Rei Saul e dos evangélicos




O meu propósito neste artigo não é examinar as duas passagens de 1 Samuel 18.10 e 19.23 detalhadamente, mas quero apenas enfatizar a questão das "manifestações espirituais" que Saul teve após o Senhor tê-lo rejeitado (15.11, 26, 35) e o seu Espírito "ter se retirado dele" (16.14).

Em 1 Samuel 18.10 vemos descrito que, "no dia seguinte, o espírito mau da parte de Deus se apoderou de Saul"que começou a ter "manifestações proféticas" no meio da casa enquanto Davi tocava a harpa, como de costume... Mas adiante, no capítulo 19.23, é dito também que ele(Saul) "foi para Naiote, em Ramá e o Espírito de Deus veio também sobre ele, e ele ia caminhando e tendo manifestações proféticas até chegar a Naiote, em Ramá." (Versão Almeida Século 21) 

Todavia, sabemos pelo contexto de 1 Samuel que Saul nunca foi regenerado, isto é, nunca nasceu do Espírito. Assim como Balaão (Nm 22-24), Judas Iscariotes (Jo 6.70-71; At 1.15-26), Himeneu e Alexandre (1Tm 1.20) e Demas (2Tm 4.10), Saul é um grande exemplo de um falso crente e de que Deus usa descrentes muitas vezes na sua obra para propósitos específicos na vida dos verdadeiros crentes (veja como exemplo Mt 7.21-23)! É bem verdade que o Espírito Santo não se retira do verdadeiro cristão; entretanto, podemos, sim, entristecer o Espírito através de nossos pecados (Ef 4.30) e extingui-lo (1Ts 5.19), que é apagar a chama da sua presença em nós através da prática habitual do pecado, onde ficamos cauterizados e passamos a não mais sentir a sua presença e a alegria da salvação em Cristo Jesus, como aconteceu com Davi, quando pecou contra Deus e escreveu esta experiência no Salmo 51. 

Não obstante, quando é dito que o Espírito Santo se apoderou de Saul (10.6; 11.6), não significa que ele passou a habitar nele, pois se o Espírito Santo habita em alguém, logo esta pessoa foi regenerada e é um verdadeiro crente. Porém, com Saul não foi assim; antes, o Espírito Santo estava sobre ele ou vinha sobre ele em alguns momentos como em (11.6), mas não habitavapermanentementenele. Contudo, depois que o Espírito Santo não vinha mais sobre Saul porque Deus o rejeitou, vemos um fato curioso descrito em 1 Samuel 18.10 e no capítulo 19.23, onde no primeiro texto (18.10) Saul teve "manifestações proféticas" dentro de sua casa influenciado não pelo Espírito Santo, mas pelo espírito mau que vinha da parte do Senhor.  

Era como se Saul entrasse numa espécie de transe extático; ou como diz um chavão evangélico popular no meio pentecostal e neopentecostal - era como se Saul entrasse no mistério ou no "reteté" e começasse a pular, rodopiar, dançar, falasse em línguas "estranhas" e glorificasse a Deus nesse comportamento aparentemente inusitado; porém, visto como uma manifestação fervorosa por parte de alguns pentecostais e neopentecostais desatentos e sem discernimento espiritual. No entanto, Saul não fez tudo isso influenciado pelo Espírito Santo, mas pelo espírito mau; ou seja, pelo demônio! Já no segundo texto (19.23), Saul teve mais uma manifestação profética, dessa vez influenciado pelo Espírito Santo que veio sobre ele novamente. 

Em vista disso, o que podemos aprender com estas duas passagens de 1 Samuel?

(1) Nem toda experiência espiritual é oriunda do Espírito Santo; influenciada por ele.

(2) Nem toda experiência espiritual é oriunda do demônio; influenciada por ele.

(3) Algumas ou muitas experiências espirituais são de origem psicológica, tendo como influência o ambiente frenético e agitado, as pessoas ao redor tendo supostas experiências espirituais e pela indução das mesmas e do próprio pastor.
 
(4) A verdadeira experiência espiritual impinge a pessoa a se voltar mais para as coisas de Deus, isto é, produz fome por Deus, pela sua palavra, pela a oração e por uma vida mais piedosa.   

(5) Se a experiência espiritual não atrair a pessoa a uma vida mais profunda com Deus na oração, no estudo das Escrituras, no serviço cristão e numa vida piedosa, tal experiência espiritual é falsa e não veio de Deus. Ou veio de um sentimento de emoção reprimido que foi extravasado no culto ou do Diabo! 
 
Que venhamos a discernir entre a verdadeira experiência espiritual da falsa experiência espiritual pautados nas Escrituras, e não nelas mesmas. É a Palavra de Deus que deve nortear toda a nossa vida, e não as experiências espirituais. Se uma experiência espiritual não estiver de acordo com o que diz a Escritura, tal experiência é falsa e deve ser rejeitada. 

Sola Scriptura!!!  

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Nota:  Para uma abordagem mais ampla do assunto experiências espirituais, recomendo a leitura dos livros: "A Genuína experiência espiritual" e"Uma fé mais forte que as emoções", de Jonathan Edwards.

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Fonte: Bereianos

Discipulado intelectual? Pensamento fiel para uma vida fiel


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A narrativa bíblica serve como referência para os princípios cognitivos que permitem a formação de uma cosmovisão autenticamente cristã. Muitos cristãos se apressam em desenvolver o que eles chamam uma "cosmovisão cristã" pela organização das verdades, doutrinas e convicções cristãs separadas com a finalidade de criar fórmulas para o pensamento cristão. Sem dúvida, esta é uma melhor ênfase que se encontra entre tantos crentes que têm pouco interesse pelo pensamento cristão, mas não é suficiente.

Um modelo sólido e rico do pensamento cristão — a qualidade do pensamento que culmina numa cosmovisão centrada em Deus — requer que vejamos toda a verdade como interconectada. Consequentemente, a totalidade sistemática da verdade pode-se remontar ao fato de que o próprio Deus é o autor de toda a verdade. O Cristianismo não é apenas um conjunto de doutrinas, no sentido de que um mecânico opera com um conjunto de ferramentas. Pelo contrário, o Cristianismo é uma cosmovisão completa e o modo de vida que nasce da reflexão cristã a partir da Bíblia e do plano planejado por Deus, conforme revelado na unidade das Escrituras.

Uma cosmovisão centrada em Deus atrai todos os temas, perguntas e preocupações culturais, para uma submissão a tudo o que a Bíblia revela, e caracteriza todo entendimento dentro do objetivo final de permitir a maior glória de Deus. Esta tarefa de levar cativo todo o pensamento a Cristo requer mais do que o pensamento cristão circunstancial e deve-se entender como a tarefa da igreja, e não somente a preocupação dos crentes individuais. A recuperação da mente cristã e o desenvolvimento de uma cosmovisão cristã integral requerem a reflexão teológica mais profunda, a aplicação mais consagrada da erudição, o compromisso mais sensível para compaixão e o valor de enfrentar todas as perguntas sem temor.

O Cristianismo trás ao mundo um entendimento distintivo do tempo, história e o significado da vida. A cosmovisão cristã abrange uma compreensão do universo e tudo o que nele contém, e nisto percebemos muito além do mero Materialismo e nos liberta da prisão intelectual do Naturalismo. Os cristãos entendem que o mundo — inclusive o mundo material, se dignifica com o mesmo fato de que Deus o criou. Ao mesmo tempo, entendemos que devemos ser administradores desta criação, e não devemos adorar as coisas que Deus fez. Entendemos que cada ser humano é feito à imagem de Deus e que Deus é o Senhor da vida em todas as etapas do desenvolvimento humano. Honramos a santidade da vida humana, porque adoramos ao Criador. Da Bíblia, extraímos a informação fundamental de que Deus se deleita na diversidade étnica e racial de suas criaturas humanas, e assim devemos fazê-lo.

A cosmovisão cristã envolve um entendimento distintivo da beleza, a verdade e a bondade, entendendo-se por tais os transcendentais que, na análise final, são uma e a mesma. Portanto, a cosmovisão cristã não permite a fragmentação que elimina o belo do verdadeiro, ou do bom. Os cristãos consideram a administração dos dons culturais — que vão da música e a arte visual até o drama e à arquitetura — como uma questão da responsabilidade espiritual.

A cosmovisão cristã proporciona os recursos autorizados para a compreensão de nossa necessidade da lei e nosso respeito pela ordem. Informados pela Bíblia, os cristãos entendem que Deus inverteu o governo com a responsabilidade urgente e importante. Ao mesmo tempo, os cristãos chegam a compreender que a idolatria e o auto-engrandecimento são tentações que vêm a cada esfera. A partir dos ensinos abundantes da Bíblia referentes ao dinheiro, à cobiça, à dignidade do trabalho, e a importância do trabalho, os cristãos têm muito que abranger a uma compreensão adequada da economia. Aqueles que atuam a partir de uma cosmovisão intencionalmente bíblica não podem reduzir os seres humanos a simples unidades econômicas, senão há de se entender que nossa vida econômica reflete o fato de que estamos feitos à imagem de Deus e, portanto, estão investidos da responsabilidade de serem mordomos de tudo o que o Criador nos concedeu.

A fidelidade cristã requer um profundo compromisso com a séria reflexão moral sobre assuntos da guerra e da paz, a justiça e a equidade e o bem funcionamento de um sistema de leis. Nosso esforço intencional por desenvolver uma cosmovisão cristã nos obriga a voltarmos aos primeiros princípios uma e outra vez, num esforço constante e vigilante para assegurar-se de que os padrões de nossos pensamentos são consistentes com a Bíblia e sua narrativa.

No contexto do conflito cultural, o desenvolvimento de uma autêntica cosmovisão cristã deve permitir à Igreja do Senhor Jesus Cristo manter um equilíbrio responsável e valente em qualquer cultura, em qualquer período de tempo. A administração desta responsabilidade não é somente um desafio intelectual, senão que determina em grande medida, se os cristãos vivem e atuam ou não, ante o mundo de uma maneira que glorifique a Deus e promova a credibilidade do evangelho de Jesus Cristo. O fracasso nesta tarefa representa um abandono da responsabilidade cristã que desonra a Cristo, debilita a Igreja, e compromete o testemunho cristão.

Uma falha no pensamento cristão é um fracasso do discipulado, porque somos chamados a amar a Deus com nossas mentes. Não podemos seguir fielmente a Cristo sem antes pensar como cristãos. Por outra parte, os crentes não devem ser pensadores alienados que isolados levam esta responsabilidade. Somos chamados para sermos fiéis juntos à medida que aprendemos o discipulado intelectual dentro da comunidade de crentes, a Igreja.

Pela graça de Deus, nos permite amar a Deus com nossas mentes para que lhe sirvamos com nossas vidas. A fidelidade cristã requer o desenvolvimento consciente duma cosmovisão que começa e termina com Deus em seu centro. Somente somos capazes de pensar como cristãos porque pertencemos a Cristo, e a cosmovisão cristã é, enfim, nada mais do que tratar de pensar como Cristo requer que pensemos, com a finalidade de ser o que Cristo nos chama para ser.

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Para a leitura de contexto, consulte:

• R. Albert Mohler, Jr., “The Glory of God and the Life of the Mind,” Quinta-feira, 12 de Novembro, 2010.
• R. Albert Mohler, Jr., “The Knowledge of the Self-Revealing God: Starting Point for the Christian Worldview,” Quinta-feira, 3 de Dezembro, 2010.
• R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: Creation,” Quarta-feira, 15 de Dezembro, 2010.
• R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: Sin and its Consequences,” Quinta-feira, 7 de Janeiro, 2011.
• R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: Redemption Accomplished,” Segunda-feira, 10 de Janeiro, 2011.
• R. Albert Mohler, Jr., “The Christian Worldview as Master Narrative: The End that Is a Beginning,” Quarta-feira, 12 de Janeiro, 2011.

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Fonte: Evangelio segun Jesu Cristo
Tradução: Rev. Ewerton B. Tokashiki. Porto Velho, 9 de Junho de 2014

domingo, 14 de dezembro de 2014

O Espírito de Deus na Tradição Judaica


...e o meu espírito permanecerá entre vós. Ag 2:5

Em poucas linhas, tratar de um tema como este é difícil. Mesmo assim arrisco. Tomarei os termos usados que fazem referência ao Espírito de Deus e o modo com que a literatura judaica os interpretou. Proponho-me a fazer uma exposição de alguns dos aspectos da visão judaica sobre o "Espírito", evitando estabelecer uma relação ou usar critérios que são próprios do cristianismo, sobre o Espírito Santo. Para isso, terei por base citações da Torá (Pentateuco) e dos comentários rabínicos da Escritura, anterior à destruição do Templo (ano 70) e posterior, até a Idade Média. 

O termo "espírito" assume na literatura judaica diversos sentidos, variando com o texto e com o pretexto de seus autores. Mesmo que a tradição judaica interprete a Torá como uma obra unitária, sem emendas, as interpretações feitas pelos mestres permitem-nos compreender o desenvolvimento do termo "espírito" no decorrer da história do povo judeu até os dias atuais. Tais interpretações, mesmo feitas há mais de dez séculos, revelam a sua atualidade e permanência da Palavra na na judaica. No Testamento Judaico (Antigo Testamento) e nos escritos rabínicos, o termo Ruach haKodesh, Espírito Santo (ou Espírito de Deus), foi pouco usado. Usou-se mais o termo ruach, vento, sopro, hálito, fazendo referência ao dom da vida, como um indicativo da origem divina da vida. 

Outro termo usado é Bat Kol, Filha da Voz, ou apenas Kol, a Voz(1), isto é, a Voz de Deus. E também Shechiná, Divina Presença. Este termo foi usado, possivelmente, pela primeira vez, no Targum (tradução) de Onkelos. Na literatura rabínica substituiu as formas antropomórficas da Escritura que expressavam a presença ou a "interferência" de Deus. Logo no princípio da Torá, aparece o termo ruach no sentido de "vento"e "espírito". O conceito religioso judaico de ruach está relacionado com o "hálito", hálito de Deus. Deus enche o universo com o seu hálito de vida, assim, todas as criaturas ganharam vida a partir da vontade do Criador. Ele é fonte de toda a vida. Entre as criaturas e Criador há uma relação de dependência e profunda intimidade:Então IHWH Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente Gn 2:7. 

Desta narrativa muitos são os ensinamentos rabínicos. Tomemos aqui três deles: 
(i) Deus criou o primeiro homem, o homem original (Adam Kadmon) do pó da terra. Para isso Ele pegou pó dos quatro cantos da terra, estabelecendo assim, a universalidade do ser humano.

(ii) Num outro comentário, Deus, ao moldar o homem, usou terra tirada do local onde seria mais tarde construído o altar do Templo(2). Com isto pode-se deduzir o caráter de santidade atribuído ao homem, conceito que se reforçou com a destruição do Templo, daí podem os rabinos afirmar que a destruição do ser humano é comparável à destruição do Templo, tal o grau de santidade atribuído a ele. Com a inexistência do altar, os sacrifícios passaram à própria vida individual e comunitária do povo judeu. 

(iii) Deus modelou pó da terra e insuflou em suas narinas, ora, para insuflar precisou o Criador curvar-se e soprar nas narinas o hálito da vida, isto acusa uma intimidade única com o homem, aquele que recebeu, de um modo especial, o precioso dom da vida, relação: Foi o espírito de Deus que me fez, e o sopro de Shaddai que me animou. Jo 33:4. O "pó da terra" e o "hálito" , estes dois elementos em equilíbrio são constitutivos da natureza humana: matéria e espírito. Assim, o homem não está limitado às coisas inferiores e efêmeras (terrenas), mas também está destinado à coisas superiores, à eternidade(3). As interpretações judaicas que indicam a universalidade, a santidade e a imortalidade do ser humano, apontam também para a superação das barreiras formais da religião, raça, cultura; aludem para um tempo além, a era messiânica. 

O espírito santificador, unificador, e que estará presente na redenção. O vento - Deus, soprou do Leste, no deserto, permitindo a fuga dos o hebreus do Egito: ... E IHWH, por um forte vento oriental (4) que soprou toda aquela noite, fez o mar se retirar. Ex 14;21. Este vento foi capaz de operar milagres, de alterar a ordem natural das coisas, o vento fez da providência divina algo audível e visível. É o mesmo ruach que pairou sobre as águas, que soprou na história do dilúvio: ...Deus fez passar um vento sobre a terra e as águas baixaram. Gn 8:1. No comentário de Rashi, este vento é o "espírito de consolação" que afasta o sofrimento, liberta os cativos, e restitui a natureza. É possível então, interpretar a libertação do Egito como uma "nova criação", agora não mais uma criação individual, mas coletiva, é a criação de um povo. Aos hebreus cativos foi lhes restituída a vida.

 O homem anulado pela escravidão está em estado semelhante ao pó da terra, "inanimado", semelhante ao morto; mas o ruach, hálito vivificador, dá ânimo, vida. Essa vida nova, "soprada" na libertação do Egito encontra sentido na intimidade e no compromisso da Aliança.

No relato bíblico da Revelação no Sinai, a Palavra entra em cena num cenário de força e mistério. A narrativa conduz todos os olhares para o Monte Sagrado. Afinal, é o momento da Revelação, único na história de Israel. A Palavra é a presença de Deus, a voz divina a falar ao povo que estava ao pé do Sinai. Com a Palavra tem início uma relação eterna entre Deus e Israel. Surge, então, um verbo que é fundamental na vida judaica: shemá, ouve. Um imperativo divino que antecede toda Palavra que sai da boca de Deus. Mesmo que o verbo não esteja escrito, é necessário que cada judeu "ouça". Disso depende a vida de Israel, uma vida que foi moldada pela Palavra Criadora, e que todo judeu reconhece. 

Daí a autoridade da Torá (Pentateuco), dos Profetas, dos Mestres; todos pronunciaram, viveram e ensinaram a Palavra. As interpretações rabínicas do acontecimento no Sinai apontam tanto para o privilégio da escolha de Israel como para o caráter universal da Revelação. As palavras no Sinai foram pronunciadas a toda humanidade, como disse Rabi Yohanan: "A voz partia e dividia-se em setenta vozes, em setenta línguas, para que todos os povos ouvissem-na"(5). Mas a voz era ambivalente, dava vida a uns e matava a outros. Um paradoxo? A voz, espírito divino, é capaz de dar a vida e também matar? Esse trato é dado ao espírito no Antigo Testamento (também no Novo Testamento). Assim como Deus é fonte de vida, conseqüentemente, aquele que dele se afasta, que vai para longe de seu "sopro vital" acaba morrendo. Este morre sufocado pelo distanciamento de Deus e pela fatal opção por outros deuses. 

Não é possível haver vida longe de Deus, uma idéia que tão é judaica quanto cristã. O Espírito/Palavra de Deus é verdade e vida, longe: onde não há verdade, também não há possibilidade de existência. "... o meu espírito está sobre ti e as minhas palavras que pus na tua boca não se afastarão dela, nem da dos teus filhos...".(Is.59:21).

Os profetas "abriam a boca e falavam" a Palavra de Deus, da Torá. Diferentemente de Moisés, aprendiam a Palavra através dos anjos, de sonhos, mas nunca a captavam diretamente de Deus. Isto só coube a Moisés Eles não falavam quando tinham vontade, mas somente quando, em estado de concentração, vibrantes ou em profunda solidão, eram capazes de profetizar(6). Conforme os ensinamentos judaicos Moisés foi o único a falar com Deus face face(7), boca a boca (8). Só a ele Deus falou sem enigmas. Isto não diminui o poder da Palavra, ao contrário, reforça a sua autenticidade e originalidade que, quando dita pelos profetas, dá a possibilidade do mesmo Espírito falar nas diversas condições da existência humana, de se fazer presente na história de Israel através dos ensinamento de seus mestres.

Os autores bíblicos ao se referirem ao Espírito, à Divina Presença à atuação de Deus... expressaram-se muitas das vezes, com termos antropomórficos. Esses termos foram substituídos pelos rabinos a partir do período do segundo Templo, que em seus ensinamentos, passaram a usar Shechiná que, longe do antropomorfismo, determinava a presença de Deus no meio do povo de Israel. O termo Espírito Santo é uma expressão adotada pelos cristãos que aparece nos escritos anteriores à ruptura entre o cristianismo e o judaísmo. Shechiná, então, substituindo Espírito Santo cristão, passou a significar a Presença Divina no meio do povo judeu. 

A existência de dois termos, um cristão e outro judaico, indicam uma interpretação exclusivista, que deu origem a uma "apropriação" por uma parte, e conseqüente "desapropriação" da outra, isto é, numa interpretação cristã, o Espírito, por castigo, estava afastado dos judeus e somente presente entre aqueles que aceitaram a "nova" Aliança. Da parte judaica, a Shechiná, passava, com ela, uma expressão da perenidade da Aliança com Israel. Tal exclusivismo foi alimento para uma história trágica entre os dois credos. A palavra Shechiná significa literalmente "habitar", deriva do verbo shachan, habitar. 

O uso do termo significa que "Deus habita no meio do povo". A Shechiná habitava o Templo de Jerusalém, centro da vida nacional, da identidade religiosa do povo judeu; era o coração que pulsava e aninava a todo Israel. Como o hálito divino de em Adão, ânima, assim era o Espírito no corpo da comunidade. No texto bíblico, Deus manifesta o desejo de "habitar", de permanecer entre os filhos de Israel: Faze-me um santuário, para que eu possa habitar no meio deles (Ex 25:8). 

Portanto, Shechiná não é um termo indicativo de uma simples presença, miais do que isso, a sua presença está condicionada a uma intimidade mútua que reflete o caráter da Aliança, "um matrimônio", entre Deus, que deseja estar no meio dos filhos de Israel, e Israel que deseja a Sua presença. Os tanaítas9 apresentaram o termo Shechiná em referência à manifestação do Senhor e à sua proximidade ao homem: Pois IHWH teu Deus anda pelo acampamento para te proteger e para entregar-te os inimigos (Dt 23:15); Porei no vosso íntimo o meu espírito e fareis com que andeis nos meus estatutos e guardeis as minhas normas e as pratiqueis (Ez 36:27); Habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus(Ex 29:45); 

A Shechiná refere-se especialmente a "habitação", uma presença ativa de Deus entre israel, na Terra de Israel e no Templo de Jerusalém. Sobre Ex 29:42, Rashi faz o seguinte comentário: DE CONTINUIDADE (CONTÍNUO). De dia em dia, não haverá uma interrupção de um dia entre eles. ME ENCONTRAREI CONVOSCO. Quando eu fixar um prazo para falar a ti. Ali fixarei para vir (Shechiná)...o Divino, abençoado seja Ele falava com Moisés desde que foi erguido do Tabernáculo...10. 

O Tabernáculo, futuro Templo em Jerusalém, é comparado ao salão real onde o rei dirige sua palavra aos súditos. E MEENCONTRAREI LÁ (Ex 29:43) Me encontrarei com eles com fala, como um rei que fixa um lugar de encontro para falar com os seus servos lá11. No deserto Deus falava com Moisés, mais tarde, em Jerusalém a voz divina vem através da Torá ensinada pelos Profetas e Mestres, conforme está escrito:... de Sion há de sair a Lei, e de Jerusalém, a Palavra de IHWH(Is 2:3)

 O Targum Jonathan, sobre o Ex 29:43, faz um paralelo com Lev 10:3, trata a Divina Presença como aquela que santifica aquele que dela se aproxima12. Mas, nem todos os estudiosos e comentaristas judeus concordaram com a afirmação de que a Shechiná significa a presença de Deus. Para Iehuda Halevi e Maiomônides ela é uma criação divina que não pode ser identificada com Deus. Já para Nachmanides a Shechiná é um substituto do nome divino usado em contexto especial para determinar a sua proximidade com o homem. Gershon Scholem sustenta que, após um exame de todas as passagens da Escritura referentes a Shechiná, ela não é um atributo divino como poderia sugerir algumas interpretações, também não é hipostasia e não tem existência separada da Divindade13. 

O judaísmo não admite qualquer sugestão que possa gerar interpretações dualistas. Shechiná é o termo para designar a presença de daquele que é um. A destruição do Templo no ano 70 da era cristã, marca o exílio da Shechiná ( Shechiná b'Galuta) ou, Deus apartado de Israel. Os Profetas trataram desse afastamento: sempre que há pecado, há sofrimento, há o afastamento da Shechiná, ausência de Deus. 

A "ausência de Deus" é uma noção criada no momento em que o judaísmo deveria passar por uma transformação radical, longe da Terra de Osrael e de Jerusalém, sofreria um areestruturação tanto em sua organização formal quanto na sua teologia. Há escritos em ques e atribui a destruição do Templo, e conseqüente afastamento da Shechiná, aos pecados cometidos pelos filhos de Israel. Esta "ausência" explicou também os outros trágicos momento da vida do povo judeu, como à insuportável vida na Idade Média, nos Progons e na Shoá (Holocausto). R. Isaac b. Samuel disse em nome de Rab: A noite tenha três vigílias, e em cada vigília o Santo Único, bendito seja Ele, senta-se e ruge como um leão dizendo: Ai dos filhos, por causa de seus pecados Eu destruí minha casa e queimei meu Templo e os exilei entre as nações do mundo14. Neste pequeno texto do Talmud há um detalhe importante: Ai dos filhos, ora, esse "ai" é um lamento, uma dor que também pertence a Deus. Assim como os filhos sofrem a ausência do pai, também o pai sofre por estar ausente. Conforme lemos anteriormente, Deus quer, e faz questão de ser presença em Israel. 

Então, a Shechiná não se manifesta após a destruição do Templo? Rabi Akiva, século II d.C., oferece uma resposta para esta questão. Ele disse que Deus não se afastou de Israel no exílio após a destruição do Templo. Deus estava igualmente exilado e dividindo com Israel o seu sofrimento. Outros escritores que confirmam esta mesma idéia: Zavdi ben Levi abriu: Deus instala o solitário numa casa (Sl 68:7). Tu verificas que Israel, até ser libertado do Egito, morava de um lado e Shechiná, do outro. Quando Israel foi libertado, tornaram-se um só. E, desde que condenada ao exílio, a Shechiná ficou de novo de seu lado e Israel do seu, como foi escrito: Os rebeldes permanecem no solo árido (Sl 68:7). 

Por isso está esxcrito: Como está sentada solitária? (Lm 1:1) 15. Então, mesmo na "ausência", há a presença da Shechiná em Israel. A solidão e o sofrimento são sentimentos mútuos. Rabbi Abbahu interpretando o salmo 13:6; "Meu coração exulte com a tua salvação"disse: "...Nós sremos redimidos juntos"16. 3/4 o sofrimento mútuo abrirá as portas da redenção para Deus e Israel. A noção de "prêmio e castigo" que foi sugerida como explicação do conseqüente sofrimento de Israel não é condizente com a experiência religiosa judaica de um Deus amoroso, cheio de misericórdia e compaixão, não se enquadra dentro daquilo que a Escritura hebraica testemunba. 

Deus não abandona a Aliança feita com os Patriarcas, reiterada no Sinai. Ele, através de Sua Divina Presença, a Shechiná, permanece sempre a té a realização definitiva do projeto de salvação. E, no exílio, onde poderia estar Shechiná? Não há um lugar. Após a destruição do Templo o "lugar", a noção de lugar determinado não existe. Há um "lugar", uma atividade especial, segundo a Mishná, que é o estudo, a oração. Estes são os "locais" da presença divina. Onde estiverem pessoas reunidas, ocupando-se com as palavras da Torá, lá estará a Shechiná. 

A Torá é compreendida como agente pelo qual se torna possível a imanência de Deus. Através dela Deus está próximo, seu amor é realizável e a comunhão com Ele é possível. Enquanto Israel mantiver sua unidade, um só povo, unido, unido pela consciência de ser povo eleito do Deus, que, por sua vez escolheu livremente ao Deus Único, que se mantém em torno de valores da tradição fundamental na Torá e no Talmud, sempre terá em seu meio a presença unificadora da Shechiná. 

A permanência histórica da comunidade judaica é, com certeza, a prova de que o espírito consolador, referido por Rashi, é também o espírito da permanência, da unidade, do sustento. Toda tragédia e infâmia experimentada pelo povo judeu não foi o suficiente para derrotar a confiança inabalável de Israel na fiel Presença. O ruach, hálito divino e fonte da vida, a Torá, Palavra revelada, ouvida, guardada, meditada, transmitida, foi e é o novo "lugar" da presença íntima, solidária do Deus que não se cansa, nem se arrepende de caminhar com os filhos de Israel.

NOTAS:objetivando minimizar a possibilidade do termo "a Voz " ser interpretada com uma pessoa divina a parte de Deus.
1 Nm 7:89 - os massoretas propositadamente não pontuaram a palavra medaber ob
  • 2 Chumash - Bíblia com comentários de Rashi - Bereshit, pág.9, Trejger Editores,1993 São Paulo.
  • 3 id. ibid.
  • 4 vento oriental, isto indica que o vento de Deus parte de uma realidade diferente daquela onde se realização a ação, assim, Deus sai de seu trono celestial para intervir na história de Israel.
  • 5 Êxodo Rabbá,5:9, em Ketterer, E. Remaud, M. O Midraxe, ed. Paulus, S.P, 1996.
  • 6 ben Maimon, Moshe (Maimônides), Mishné Torá - O livro da Sabedoria, pág. 143, ed. Imago,1992, Rio de Janeiro.
  • 7 Ex 33:11
  • 8 Nm 12:8
  • 9 Tanaítas, ou tanaim, termo aramaico que designa os "mestres" cujo os nomes são citados da
  • Mishná ou pertencem a época da Mishná. O período dos tanaítas corresponde ao séc. 1 a.C. ao início do séc. III d.C.
  • 10 Chumash - Bíblia com comentários de RashiÊxodo, pág.170, Trejger Editores, 1993, S.Paulo.
  • 11 id. ibid.
  • 12 The Torah, pág. 631, ed. W. Gunther Plaut, 1981, New York.
  • 13 Lodahl, Michel E; Shekhinah Spirit - Divine Presence in Jewish and Christian Religion, pág. 52 Paulist Press, 1992, New York.
  • 14 tratado de Berachot 1:3a
  • 15 Ketterer, E. Remaud,M; Midraxe, pág.49, ed. Paulus,1996, S.Paulo
  • 16 Midrash do Salmo 13
  • Bibliografia:

  • Lodahl, Michel E; Shekhinah Spirit - Divine Presence in Jewish and Christian Religion, Paulist Press, 1992, New York, USA.
  • Chumash - Bíblia, Bereshit, com comentário' de Rashi, Trejger Editores, S. Paulo, 1993.
  • Chumash - Bíblia, Shemot, com comentários de Rashi, Trejger Editores, S. Paulo, 1993.
  • Ausubel, Nathan; Conhecimento Judaico I e II, na Enciclopédia Judaica, ed. A. Koogan, Rio de Janeiro, 1989.
  • Ketterer, E. Remaud, M; O Midraxe, ed. Paulus, S.Paulo, 1996.
  • Torá, A; ed. W. Gunther Plaut, N. York, 1981.
  • Ben Maimon, Moshe (Maimônides); Mishné Torá, O Livro da Sabedoria, ed. Imago, Rio de Janeiro,1992.
  • Bíblia de Jerusalém, ed. Paulinas, S. Paulo, 1981.