segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A visão bíblica da consciência humana


Por R. C. Sproul


É vitalmente importante que os cristãos considerem a questão da consciência. Na visão clássica, a consciência foi considerada algo que Deus implantou dentro de nossa mente. Algumas pessoas chegaram a descrever a consciência como a voz de Deus dentro de nós. A ideia era que Deus nos criou de tal maneira, que havia um elo entre as sensibilidades da mente e a consciência, com sua responsabilidade intrínseca para com as leis eternas de Deus. Por exemplo, considere a lei da natureza que o apóstolo Paulo afirma estar escrita em nosso coração. Havia uma sensibilidade de consciência, muito antes de Moisés descer do monte Sinai com as tábuas de pedra.

O famoso filósofo Immanuel Kant era cético, no que diz respeito à capacidade humana de racionar, a partir deste mundo, sobre o mundo transcendente de Deus. Apesar disso, ele ofereceu o que chamou de argumento moral para a existência de Deus, um argumento que se baseou no que ele chamou de senso universal de dever implantado no coração de todo ser humano. Kant acreditava que toda pessoa carregava em si um senso genuíno do que deveria fazer em determinada situação. Ele chamou isso de imperativo categórico. Kant acreditava que há duas coisas que enchem a alma com admiração e reverência sempre novas e crescentes: os céus fascinantes, no espaço, e a lei moral, no íntimo do ser humano. É importante notar isto, porque até no âmbito da filosofia secular tem havido, historicamente, um reconhecimento da consciência.

Histórica e classicamente, a consciência foi vista como nossa ligação com a ética transcendente que reside em Deus. Todavia, com a revolução moral de nossa cultura, surgiu uma abordagem diferente da consciência, e esta abordagem se chama visão relativista. Estamos realmente na era do relativismo, na qual valores e princípios são considerados meras expressões de desejos e interesses de um grupo específico de pessoas, em determinado momento da história. Ouvimos, repetidas vezes, que não há absolutos no mundo de hoje.

No entanto, se não há nenhum absoluto, princípios transcendentes, como explicamos este mecanismo que chamamos de consciência? Dentro de uma estrutura relativista, vemos a consciência ser definida em termos evolucionários: as personalidades interiores subjetivas das pessoas estão reagindo a tabus evolucionários vantajosos, que lhes foram impostos por sua sociedade ou por seu ambiente. Havendo chegado a um tempo, em nosso desenvolvimento, em que esses tabus não servem mais para promover nossa evolução, podem ser descartados sem qualquer consideração às consequências.

Anos atrás, quando eu trabalhava como professor, aconselhei uma universitária que fora tomada por um profundo senso de culpa, porque se entregara a atividades sexuais com seu noivo. Eu lhe disse que o meio de vencer sua culpa era reconhecer a fonte da culpa. Ela argumentou que não fizera nada de errado; seus sentimentos de culpa foram resultado de haver sido vítima de viver numa sociedade regida por uma ética puritana. Explicou que fora condicionada por certos tabus sexuais que a fizeram sentir-se culpada, quando não devia, e que seu envolvimento sexual fora uma expressão madura e responsável de sua própria chegada à maioridade.

Apesar disso, ela me procurou chorando e exclamando que ainda se sentia culpada. Disse-lhe que é possível uma pessoa sentir-se culpada, porque tem uma consciência intranquila e perturbada quanto a algo que não é realmente uma transgressão da lei de Deus; mas que, naquele caso, ela quebrara a lei de Deus e devia se alegrar por se sentir culpada, visto que a dor, embora nos seja desagradável, é importante para a nossa saúde. No âmbito físico, o sentimento de dor indica que há algo errado no corpo. No aspecto espiritual, a dor de culpa pode indicar-nos que algo está errado em nossa alma. Há um remédio para isso, aquele que a igreja tem oferecido sempre, ou seja, o perdão. Culpa real exige perdão real.

O problema desta mulher ilustra o conflito entre o entendimento tradicional de pecado e consciência e o novo conceito de consciência. Este novo conceito vê a consciência meramente como um processo evolucionário condicionador da sociedade, que é um resultado de tabus impostos. Como o cristão lida com tudo isto? Há uma visão bíblica quanto à consciência?

O termo hebraico traduzido por “consciência” ocorre no Antigo Testamento, mas esparsamente. Entretanto, no Novo Testamento, parece haver um reconhecimento mais pleno da importância da função da consciência na vida cristã. A palavra grega que expressa consciência aparece 31 vezes, e parece ter uma dimensão dupla, como argumentavam os eruditos medievais. Envolvia a ideia de acusar e a ideia de justificar. Quando pecamos, a consciência fica perturbada. Ela nos acusa. A consciência é o instrumento que o Espírito Santo usa para nos convencer, trazer-nos ao arrependimento e recebermos a cura do perdão que flui do evangelho.

No entanto, há também um sentido em que esta voz moral, em nossa mente e coração, igualmente nos diz o que é certo. Lembre-se de que o cristão é sempre um alvo de críticas que podem ou não ser válidas. Até dentro da comunidade cristã, há grandes diferenças de opinião a respeito de comportamentos que são agradáveis a Deus, e que não o são. Um homem aprova dançar; outro o desaprova. Como sabemos quem está certo?

Vemos, no Novo Testamento, que a consciência não é a autoridade ética final para a conduta humana, porque a consciência é capaz de mudar. Enquanto os princípios de Deus não mudam, nossa consciência hesita e se transforma. Estas mudanças podem ser positivas ou negativas. Por exemplo, os profetas do Antigo Testamento anunciaram o juízo de Deus sobre o povo de Israel, que se acostumara com o pecado. Uma das grandes acusações que veio sobre Israel, nos dias do rei Acabe, foi que haviam se tornado tão insensíveis e acostumados com o mal, que o povo tolerava a impiedade do rei Acabe. A consciência dos israelitas estava calejada e cauterizada. Pense sobre esta realidade em sua vida, sobre as ideias que você tinha quando criança. Considere as pontadas de consciência que devem ter penetrado em sua vida, quando você experimentou, pela primeira vez, certas coisas que sabia serem erradas. Você ficou perturbado e abalado. Talvez, até ficou doente. Mas, o poder do pecado pode corroer a consciência até ao ponto de ela se tornar uma voz débil nos profundos recessos de sua alma. Por meio disto, nossa consciência se torna endurecida e cauterizada, condenando o que é certo e justificando o que é errado.

É interessante que podemos sempre achar alguém que oferecerá uma defesa convincente e bem formulada da legitimidade ética de algumas das atividades que Deus julga ofensivas a ele. Como humanos, nossa capacidade de defender a nós mesmos de culpabilidade moral é bem desenvolvida e acentuada. Somos uma cultura em problemas, quando começamos a chamar o mal de bem, e o bem de mal. Para fazer isso, temos de distorcer a consciência e, em essência, tornar o homem a autoridade final da vida. Tudo que alguém precisa fazer é ajustar sua consciência para se encaixar na ética do homem. Assim, podemos viver com paz na mente, pensando que estamos vivendo num estado de retidão.

A consciência pode ser sensibilizada de maneira distorcida. Lembre-se: a visão evolucionária e relativista, quanto à consciência, está fundamentada sobre o princípio de que ela é uma reação subjetiva a tabus impostos pela sociedade. Embora eu não creia que essa opinião seja convincente, tenho de reconhecer que há um elemento de verdade nessa opinião. Reconhecemos que pessoas podem ter consciência altamente sensibilizada, não porque estão sendo instruídas pela Palavra de Deus, mas porque têm sido informadas por regras e normas feitas por homens. Em algumas comunidades cristãs, o teste da fé de alguém é se ele dança ou não dança. Se uma pessoa cresce neste ambiente e decide dançar, o que acontece? Geralmente, a pessoa é dominada por culpa, por haver dançado. Como você responderia a isso? Diria à pessoa que dançar não é pecado, que sua consciência foi mal instruída? Essa pode ser uma abordagem normal, mas tal resposta pode ser problemática por esta razão: a consciência pode justificar, quando deveria estar acusando, e pode acusar, quando deveria estar justificando.

Devemos lembrar que agir contra a consciência é pecado. Martinho Lutero, na Dieta de Worms, esteve em agonia moral, porque se levantou sozinho contra os líderes da igreja e de estados, os quais exigiam que ele se retratasse de seus escritos. Mas Lutero estava convicto de que seus escritos se conformavam à Palavra de Deus; por isso, naquele momento de crise, ele disse: “Não posso retratar-me. Minha consciência está cativa à Palavra de Deus, e agir contra a consciência não é correto, nem seguro”. Esse não foi um princípio que Lutero inventou para a ocasião na Dieta de Worms. É um princípio do Novo Testamento: “Tudo o que não provém de fé é pecado” (Rm 14.23).

Se alguém é criado em um ambiente que o persuadiu de que ler filosofia é pecado, mas, apesar disso, lê filosofia, ele está pecando. Por quê? É porque ler filosofia é pecado? Não, é porque ele está fazendo algo que acredita ser pecado. Se fazemos algo que pensamos ser pecado, ainda que sejamos mal instruídos, somos culpados de pecado. Agimos contra a nossa consciência. Esse é um princípio muito importante. Lutero estava certo em dizer: “Agir contra a consciência não é correto, nem seguro”.

Por outro lado, temos de lembrar que agir de acordo com a consciência pode, às vezes, ser pecado. Se a consciência é mal instruída, procuramos razões para esta má instrução. É mal instruída, porque a pessoa tem sido negligente em estudar a Escritura? Deus se agradou em nos revelar seus princípios, para que a consciência seja bem instruída. Posso achar que não há problema algum em realizar uma atividade específica que Deus proíbe totalmente, e não poderei dizer-lhe no último dia: “Eu não sabia que lhe desagradaria com esta forma de comportamento. Minha consciência não me acusava, e agi de acordo com minha consciência”. Nesse caso, você agiu de acordo com uma consciência que ignorava a Palavra de Deus que lhe estava disponível, a qual você foi chamado a estudar e a ser diligente em entender.

Devemos retornar ao primeiro princípio. Para o cristão, a consciência não é a autoridade final em sua vida. Somos chamados a ter a mente de Cristo, conhecer o bem e possuir mente e coração treinados na verdade de Deus, para que, nos momentos de pressão, sejamos capazes de permanecer firmes com integridade.

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Fonte: Trecho do livro Como Posso Desenvolver uma Consciência Cristã?, futuro lançamento da Editora Fiel.

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