segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A verdade, ou verdades?




A Escritura Sagrada exige que quando possível tenhamos paz com todos os homens, mas nunca em detrimento da verdade (Rm 12:18). No comum e corrente discurso de tolerância, inclusive no meio evangélico, repreender é sinônimo de desamor e arrogância. Não seja ingênuo, isto é resultado da mentalidade cultural predominante! É engraçado como todos reivindicam a verdade dos anunciantes, professores e políticos, e esta independentemente do seu grupo teórico,[1] exige-se que todos sejam correspondentes aos fatos. A inexatidão ou incoerência é um pecado imperdoável quando se afeta o bolso!

Mesmo entre relativistas teóricos, que querem fazer areia da verdade, existem momentos de contradições práticas. Imagine como exemplo o Cristianismo, se ele é verdadeiro, então, todas as demais religiões que o contradiz são necessariamente falsas, e neste caso não é possível existir um meio termo, pois isto seria sincretismo, e conseqüentemente, a negação da fé cristã. Se o relativismo for aplicado ao discernimento da verdade, aceitando a pacífica convivência de inverdades e contradições como sendo apenas meras interpretações diferentes da verdade, então, estaremos negando Àquele que é a fonte da verdade e lançando o fundamento do caos em nossas mentes! Dentro da mesma linha de pensamento, se por hora, deixarmos a epistemologia e, nos voltarmos para a ética, teremos um problema prático ainda maior, porque contradições não são apenas equívocos, ou confusão semântica, de fato são mentiras e dependendo do caso, é puro dolo. Olhe que alguém pode ter que indenizar, ou até ser preso! Por implicação, podemos concluir que, uma falsa idéia sobre a verdade oferece um conceito falso da vida. Por isso Gordon H. Clark reconhece que

não existe uma antítese entre verdade intelectual e moralidade como superficialmente algumas mentes imaginam. Uma mentira, que é a negação da verdade, é imoral. Ela é pecado por pensar incorretamente. (...) Não pode existir tal coisa como moralidade, a menos que existam verdadeiros princípios morais. Moralidade depende da verdade.[2]

Numa reação imprópria os pós-modernistas acusam de orgulho a convicção de uma verdade absoluta. Posturas firmes, inteligentemente bem articuladas, evidenciadas pela pesquisa e de polida argumentação, sofrem a acusação de que a segurança conceitual é mero pedantismo sectário. Que absurdo! O pluralismo acusa a convicção de soberba. É um erro usar a palavra arrogância para se referir à convicção, e a humildade significando dúvida. Perceba que está na moda ser humilde, isto é, ter incertezas até do óbvio. Repete-se o que G.K. Chesterton escreveu há um século. Ele declara que

o que sofremos hoje é de humildade no lugar errado. A modéstia se afastou do setor da ambição e se estabeleceu na área das convicções, o que nunca deveria ter acontecido. Um homem devia mostrar-se duvidoso a respeito de si mesmo, mas não acerca da verdade; isso foi completamente invertido. (...) Existe uma humildade característica de nossa época; acontece, porém, que ela é uma humildade mais venenosa do que as mais severas prostrações dos ascéticos... A velha humildade fazia que o homem duvidasse de seus esforços, e isto, por sua vez, o levaria a trabalhar com mais empenho. Mas a nova humildade torna o homem duvidoso a respeito de seus alvos; e isto o faz parar de trabalhar completamente... Estamos a caminho de produzir uma raça de homens tão mentalmente modestos que serão incapazes de acreditar na tabuada de multiplicação.[3]

É bom esclarecer que quando ataco o pós-modernismo não estou, em contrapartida, aceitando ingenuamente o ultrapassado modernismo. No desdobramento da história, o período anterior ao que vivemos, não foi melhor para o Cristianismo do que o presente. Numa leitura esclarecedora Os Guiness observa que “onde o modernismo era um manifesto de autoconfiança e auto-bajulação humana, o pós-modernismo é uma confissão de modéstia, se não de desespero. Não há verdade nenhuma; somente verdades. Não há nenhuma grande razão; somente razões.”[4] O conhecimento e o discernimento da verdade era considerado como possível no modernismo, e é este ponto de concordância que acentuo.

Numa conferência no Brasil, John MacArthur Jr. declarou que “a heresia vem montada nos lombos da tolerância”![5] De fato, os ventos frios do engano não vêm como tormentas, mas como suaves brisas entre as frestas da janela dos desatentos livres pensadores. O abandono da Escritura, como única fonte e regra de fé e prática, abre para as mais extravagantes possibilidades de desvios.[6] Para ilustrar esta afirmação basta apenas que recordemos do movimento teológico liberal no século XIX. Não esqueçamos que a preocupação destes teólogos era abandonar o Cristianismo clássico e substituí-lo, por um novo sistema de crenças, transformado e adaptado para uma nova realidade, relevante aos reclames de uma sociedade que não queria submeter-se ao senhorio de Cristo, mas, ansiava os benefícios da religião cristã e da filosofia naturalista. Entretanto, ao adulterar o evangelho, o liberalismo teológico perdeu a sua essência cristã, despojando-se dos seus fundamentos. Repudiando a teologia liberal, o neo-ortodoxo H. Richard Niebuhr descreveu a sua essência, afirmando que ela apregoa “um Deus sem ira que levou homens sem pecado a um reino sem julgamento pelo ministério de um Cristo sem cruz.”[7] O discurso liberal de tolerância acompanhava o esforço de adaptar a antiga fé cristã. Apesar de toda linguagem e terminologia da teologia clássica, tanto o liberalismo como a neo-ortodoxia, estão vazios da semântica divina, bem como dos seus resultados sobrenaturais.

O Senhor Jesus é o nosso exemplo de humildade e de vigorosa fidelidade à verdade (Jo 13:14-15). Antecipadamente o profeta Isaías declarou que em Cristo “dolo algum se achou em sua boca” (Is 53:9). O nosso redentor, que é o revelador da verdade, disse que: “se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo 8:31-32, NVI; veja também Mt 11:27; Hb 1:1-3). Em momento algum, o Filho de Deus foi tolerante com os falsos mestres de seus dias (Mt 23:1-36), nem os apóstolos adotaram esta postura com a mentira e o engano. Mas, infelizmente o evangelicalismo sofre duma crise de infidelidade. Como resultado da influência do pós-modernismo no meio das igrejas evangélicas James M. Boice e Philp G. Ryken constatam que

o que uma vez foi falado das igrejas liberais precisa ser dito das igrejas evangélicas: elas buscam a sabedoria do mundo, crêem na teologia do mundo, seguem a agenda do mundo, e adotam os métodos do mundo. De acordo com os padrões da sabedoria mundana, a Bíblia torna-se incapaz de alimentar as exigências da vida nestes tempos pós-modernos. Por si mesma, a Palavra de Deus seria insuficiente de alcançar pessoas para Cristo, promover crescimento espiritual, prover um guia prático, ou transformar a sociedade. Deste modo, igrejas acrescentam ao simples ensino da Escritura algum tipo de entretenimento, grupo de terapia, ativismo político, sinais e maravilhas - ou, qualquer promessa apelando aos consumidores religiosos. De acordo com a teologia do mundo, pecado é meramente uma disfunção, e salvação significa desfrutar de uma melhor auto-estima. Quando esta teologia adentra a igreja, ela coloca dificuldades em doutrinas essenciais como a propiciação da ira de Deus, substituindo-a com técnicas e práticas de auto-ajuda. A agenda do mundo é a felicidade pessoal, assim, o evangelho é apresentado como um plano para a realização pessoal, em vez de ser a caminhada de um comprometido discipulado. Para terminar, vemos que os métodos do mundo nesta agenda egocêntrica são necessariamente pragmáticos, sendo que as igrejas evangélicas estão se esforçando a todo custo em refletir o modo como elas operam. Este mundanismo tem produzido o ‘novo pragmatismo’ evangélico.[8]

Esta é uma briga que terá continuidade. Entretanto, apenas precisamos permanecer firmes na verdade, ou seja, persistentemente fiéis à Escritura Sagrada (Gl 1:6-9; 2 Ts 2:7-12).

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Notas:
[1] Sugiro a leitura de R.C. Sproul, Defendendo sua Fé (Rio de Janeiro, CPAD, 2007), pp. 31-35. Sem entrarmos em discussão, confesso que adoto a teoria da coerência. Assim, a lei da não-contradição, que é um elemento essencial para esta teoria, diz que não é possível coexistir duas afirmações contrárias no mesmo sentido, ao mesmo tempo, e ainda assim, serem igualmente verdadeiras.
[2] Gordon H. Clark, The Johannine Logos (Unicoi, The Trinity Foundation, 2004), p. 68.
[3] G.K. Chesterton, Orthodoxy (Garden City, Doubleday, 1957), pp. 31-32.
[4] Os Guinnes, Fit Bodies, Fat Minds (London, Hodder & Stoughton, 1994), p. 105.
[5] Peço perdão aos leitores quanto à fonte desta citação, pois ela se encontra numa palestra realizada por Dr. John MacArthur Jr. num dos congressos da Conferência Fiel, que pode ser encontrada no site da Editora Fiel.
[6] Este espírito retorna numa nova roupagem. John MacArthur Jr. observou que “aparentemente o maior medo que o movimento evangélico tem hoje em dia é de ser visto como posicionado em desarmonia com o mundo”, in: Princípios para uma cosmovisão (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), p. 8.
[7] H. Richard Niebuhr, Kingdom of God in America (New York, Harper and Row, 1937), p. 103.
[8] James M. Boice e Philp G. Ryken, The Doctrines of Grace (Wheton, Crossway Books, 2006), pp. 20-21.

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Fonte: E a Bíblia com isso?

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