Alguns cristãos acreditam, com base nestas palavras de Cristo, que todo juramento é pecado e que não podemos jurar em quaisquer circunstâncias. Todavia, uma análise cuidadosa do que Cristo disse demonstra que esta interpretação é errada e que, em vez de proibir toda forma de juramento, Cristo, na verdade, ordenou e exigiu os juramentos lícitos, em conformidade com o terceiro mandamento da Lei de Deus, “Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão”.
Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas
No princípio de Seu sermão, o Senhor deixou muito claro que em nenhuma parte de Seu sermão Ele estaria ab-rogando a Lei ou os Profetas: “Não cuideis que vim destruir a Lei ou os Profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir… Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mt 5:20). No Sermão do Monte, então, Cristo não ab-rogou os mandamentos anteriormente dados por Seu Pai, mas os confirmou e defendeu contra a corrupção dos escribas e fariseus. Como Ele falou em outra ocasião contra os escribas e fariseus: “Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? (…) Invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus” (Mt 15:6). Sendo assim, os comentários de Cristo no decorrer do sermão precisam ser entendidos como esclarecimentos sobre o verdadeiro sentido dos mandamentos contra a má interpretação dos escribas e fariseus, pois “querendo ser mestres da Lei, não entendendo nem o que dizem nem o que afirmam” (I Tm 1:7).
O templo e o ouro do templo
No vigésimo terceiro capítulo do Evangelho de S. Mateus, lemos sobre o último confronto público entre Cristo e os escribas e fariseus. No decorrer deste capítulo, Jesus, diante de uma “multidão” (v. 1), chama os escribas e fariseus de “hipócritas” sete vezes (v. 13, 14, 15, 23, 25, 27, 29), além de “condutores cegos” (v. 16), “insensatos” (v. 17), “serpentes” e “raças de víboras” (v. 33). Cada vez, Ele fazia alguma crítica por algum mandamento de Deus que eles violavam e distorciam. Algumas das críticas que Jesus faz nesse capítulo são parecidas com as que Ele faz no Sermão do Monte, como em relação ao juramento:
“Ai de vós, condutores cegos! pois que dizeis: Qualquer que jurar pelo templo, isso nada é; mas o que jurar pelo ouro do templo, esse é devedor. Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro? E aquele que jurar pelo altar isso nada é; mas aquele que jurar pela oferta que está sobre o altar, esse é devedor. Insensatos e cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar, que santifica a oferta?” (Mateus 23:16-19)
Aqui nós vemos que os escribas e fariseus, provavelmente com base em tradições anteriores que recebiam dos antigos (Mt 15:6), haviam desenvolvido um sistema de juramentos em que se um juramento fosse feito de determinadas maneiras, ele não precisava ser considerado como válido e obrigatório. Se alguém dissesse, “eu juro pelo ouro do templo de Jerusalém”, havia a obrigação de cumprir o juramento, mas se dissesse, “eu juro pelo templo de Jerusalém”, o juramento poderia ser quebrado de consciência limpa. Nós temos algo parecido em nossa própria cultura. Fazer uma promessa de dedos cruzados significa que não existe a obrigação de cumprir a promessa. A diferença é que, em nosso caso, isso é normalmente feito em forma de brincadeira. No caso dos escribas e fariseus, havia um jogo de palavras que era levado a sério como forma de anular juramentos. Cristo os criticou duramente por isso e mostrou que o sistema deles era internamente contraditório. Se o templo era mais importante do que o ouro do templo, como um juramento pelo templo poderia ser considerado inválido enquanto um juramento pelo ouro do templo seria válido? “Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro?” (v. 17)
Além disso, é importante observar que os eventos narrados em Mateus 23 aconteceram no templo (Mt 24:1). Por que isso é importante? Porque no último livro do Antigo Testamento, o livro do Profeta Malaquias, nós encontramos uma profecia sobre esta chegada de Cristo ao templo:
“Eis que eu envio o meu mensageiro, que preparará o caminho diante de mim; e de repente virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais; o Mensageiro do pacto, a quem vós desejais, eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos. Mas quem suportará o dia da sua vinda? E quem subsistirá, quando ele aparecer? Porque ele será como o fogo do ourives e como o sabão dos lavandeiros (…) E chegar-me-ei a vós para juízo; e serei uma testemunha veloz contra os feiticeiros, contra os adúlteros, contra os que juram falsamente, contra os que defraudam o diarista em seu salário, e a viúva, e o órfão, e que pervertem o direito do estrangeiro, e não me temem, diz o SENHOR dos Exércitos”. (Malaquias 3:1-2, 5)
O “mensageiro, que prepará o caminho diante de mim” (v. 1) foi João Batista, como o Evangelho de Marcos deixa claro:
“Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus; Como está escrito nos profetas: Eis que eu envio o meu mensageiro ante a tua face, o qual preparará o teu caminho diante de ti. Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, Endireitai as suas veredas. Apareceu João batizando no deserto, e pregando o batismo de arrependimento, para remissão dos pecados”. (Marcos 1:1-4)
E o segundo “mensageiro” mencionado por Malaquias, “o Mensageiro do pacto” (v. 1) foi o próprio Senhor, que de repente veio ao templo, para declarar juízo de Deus:
“E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas; E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões”. (Mateus 21:12-13)
E como o profeta Malaquias havia predito, Jesus Cristo, o Mensageiro do pacto, foi uma testemunha veloz “contra os que profetizam falsamente” (v. 5).
O que isso tudo mostra é que Cristo não era contra os juramentos legítimos, mas somente contra os falsos, como os escribas e fariseus, “condutores cegos” (Mt 23:16), ensinavam. Pelo contrário, a crítica de Cristo contra o sistema de falsos juramentos era justamente porque Ele ama e requer o juramento genuínos e sinceros!
Sim, sim; não, não
Com base nisso, podemos entender melhor do que Cristo está falando no Sermão do Monte. Quando Cristo diz, “nem pelo céu… nem pela terra… nem por Jerusalém… nem jurarás pela tua cabeça” (Mt 5:34-35), Ele não está falando de juramentos que eram lícitos no Antigo Testamento, mas que agora, na nova dispensação, Ele estava proibindo. Como já foi demonstrado, os comentários de Cristo no decorrer do Sermão do Monte precisam ser entendidos como esclarecimentos sobre o verdadeiro sentido dos mandamentos contra a má interpretação dos escribas e fariseus, exatamente como Ele fez no templo em Mateus 23. Pelo céu, pela terra, por Jerusalém, pela própria cabeça, eram as formas ilícitas de juramento que os escribas e fariseus praticavam e ensinavam, não formas de juramento que Deus havia ordenado. Cristo não estava combatendo os mandamentos de Deus sobre o juramento, mas a corrupção dos escribas e fariseus. Assim como em Mateus 23, o que Ele condenou no Sermão do Monte eram estas formas de ilícitas de juramento que os escribas e fariseus haviam desenvolvido com base na tradição dos antigos.
“Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis” (Mt 5:34), então, não trata-se uma proibição absoluta contra todo e qualquer juramento, mas somente com os tipos de juramentos que Ele lista logo em seguida, pelo céu, pela terra, por Jerusalém, pela própria cabeça, etc. Como Mateus 23 mostra, essas formas de juramentos faziam parte de um sistema de falsos juramentos desenvolvido pelos escribas e fariseus. A Lei de Deus nunca mandou jurar por qualquer uma dessas coisas, mas somente pelo nome do próprio Deus:
“O SENHOR teu Deus temerás e a ele servirás, e pelo seu nome jurarás”. (Dt 6:13)
“Não furtareis, nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo; nem jurareis falso pelo meu nome, pois profanarás o nome do teu Deus. Eu sou o SENHOR”. (Levítico 19:11-12)
Como ensina o Catecismo de Heidelberg:
102. Podemos jurar também pelos santos ou por outras criaturas?
R. Não, porque o juramento legítimo é uma invocação a Deus, para que Ele, o único que conhece os corações, testemunhe a verdade e nos castigue, se jurarmos falsamente. (1) Tal honra não pertence a criatura alguma (2).
(1) Rm 9:1; 2Co 1:23. (2) Mt 5:34-36; Tg 5:12.
A Lei de Deus manda jurar pelo nome de Deus e proíbe de jurar falsamente pelo nome dEle. Os escribas e fariseus, então, para não ter que jurar falsamente pelo nome de Deus, juravam por outras coisas. Mas com isso eles acabavam pecando duplamente. Primeiro, porque a Lei de Deus não autoriza qualquer outra forma de juramento, somente no nome de Deus. Segundo porque, o mesmo lugar que proíbe o falso juramento diz também, “nem mentireis, nem usareis de falsidade cada um com o seu próximo”, que é o que eles faziam com estes juramentos alternativos que eles inventavam. Então, eles não usavam o nome de Deus para evitar pecar em uma coisa, mas acabavam duplicando a culpa, se enforcando com a própria corda.
Além disso, é importante entender que Cristo não disse que “sim” e “não” sejam as únicas palavras que podemos usar em nosso vocabulário. O que ele disse é que o nosso falar deve ser “Sim, Sim; Não, não”. O que isso significa não é que só podemos usar essas palavras, mas que nosso linguajar, especialmente nossos juramentos, devem ser verdadeiros. Os falsos juramentos, sendo falsos, não eram “Sim, sim; Não, não”, mas eram dúbios, sem clareza, mentirosos. O verdadeiro juramento deve ser “Sim, Sim; Não, não” porque ele deve ser prestado, como ensina a Confissão de Westminster, “conforme o sentido claro e óbvio das palavras, sem equívoco ou restrição mental” (CFW 22:4). Por isso, Paulo escreveu aos Coríntios:
“Porque o Filho de Deus, Jesus Cristo, que entre vós foi pregado por nós, isto é, por mim, Silvano e Timóteo, não foi sim e não; mas nele houve sim. Porque todas quantas promessas há de Deus, são nele sim, e por ele o Amém, para glória de Deus por nós. Mas o que nos confirma convosco em Cristo, e o que nos ungiu, é Deus, O qual também nos selou e deu o penhor do Espírito em nossos corações”. (II Coríntios 1:19-22)
Aqui é importante observar que Paulo está falando das promessas de Deus. É o conceito de juramento. Deus nos fez promessas por juramento, como Paulo explicou em Sua carta aos Hebreus:
“Pois os homens juram por aquele que é maior do que eles, e o juramento para confirmação é, para eles, o fim de toda contenda. Assim, querendo Deus mostrar mais abundantemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu conselho, se interpôs com juramento; para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos poderosa consolação, nós, os que nos refugiamos em lançar mão da esperança proposta; a qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até o interior do véu; aonde Jesus, como precursor, entrou por nós, feito sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”. (Hebreus 6:16-20)
É por isso que, aos Coríntios, Paulo escreveu que “o Filho de Deus, Jesus Cristo, que entre vós foi pregado por nós, isto é, por mim, Silvano e Timóteo, não foi sim e não; mas nele houve sim” (I Co 1:19). “Sim e não” seria uma promessa e juramento duvidosa, como juravam os escribas e fariseus. O verdadeiro juramento, como o que o próprio Deus presta, é segundo “a imutabilidade do seu conselho” (Hb 6:17), pois “é impossível que Deus minta” (Hb 6:18) e por isso, “não foi sim e não; mas nele houve sim” (I Co 1:19). É exatamente sobre isso que que Cristo fala no Sermão do Monte, “Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não” (Mt 5:37). Se é sim, é sim. Se é não é não. O que passar disso, “sim e não”, é dubiedade e, portanto, “vem do Maligno” (Mt 5:37).
Toda língua jurará
Segundo o profeta Isaías, uma das característica dos que são salvos por Deus é que eles juram, em verdade, pelo nome de Deus:
“Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro. Por mim mesmo tenho jurado, já saiu da minha boca a palavra de justiça, e não tornará atrás; que diante de mim se dobrará todo o joelho, e por mim jurará toda a língua”. (Isaías 45:22-23)
“Assim que aquele que se bendisser na terra, se bendirá no Deus da verdade; e aquele que jurar na terra, jurará pelo Deus da verdade; porque já estão esquecidas as angústias passadas, e estão escondidas dos meus olhos”. (Isaías 65:16)
Este verso de Isaías 45 é citado duas vezes pelo Apóstolo Paulo no Novo Testamento:
“Porque está escrito: Como eu vivo, diz o Senhor, que todo o joelho se dobrará a mim, E toda a língua confessará a Deus”. (Romanos 14:11)
“E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai”. (Filipenses 2:8-11)
Aqui nós vemos que “confessar a Deus” ou “confessar que Jesus Cristo é o Senhor” é tratado por Paulo como sendo equivalente ao juramento por Deus. Em outras palavras, “confessar que Jesus Cristo é o Senhor” significa é uma promessa feita, sob juramento, de ser Seu servo, tendo-O como Senhor. Sendo assim, se todo juramento fosse proibido no Novo Testamento, Paulo não poderia aplicar o princípio de Isaías 45 ao que acontece na conversão do homem ao Evangelho.
O juramento, então, longe de ser proibido pelo Novo Testamento, é reafirmado, em Seu sentido original, contrário a corrupção dos escribas e fariseus. Como diz o Salmo:
“Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam. Porque ele a fundou sobre os mares, e a firmou sobre os rios. Quem subirá ao monte do SENHOR, ou quem estará no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente. Este receberá a bênção do SENHOR e a justiça do Deus da sua salvação”. (Sl 24:1-5)
Fonte: Resistir e Construir
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