sexta-feira, 26 de junho de 2015

Dispensacionalismo, Teologia do Pacto e Teologia da Nova Aliança. (Qual a Posição de John Piper?)



Há três campos teológicos principais sobre as questões da lei, evangelho e a estruturação do relacionamento redentor de Deus com a humanidade: Dispensacionalismo, Teologia do Pacto e Teologia da Nova Aliança. Muitos têm nos escrito perguntando sobre as diferenças entre essas três visões, e assim, antes de discutir a perspectiva de John Piper, daremos uma visão geral de cada um desses campos.

Dispensacionalismo

Pode ser difícil sumarizar a teologia dispensacionalista como um todo, pois nos últimos anos têm se desenvolvido múltiplas formas da mesma. Em geral, há três distintivos principais. Primeiro, o dispensacionalismo vê Deus como estruturando seu relacionamento com a humanidade através de vários estágios de revelação, que delimitam diferentes dispensações, ou arranjos de administração. Cada dispensação é um "teste" da humanidade para ser fiel à revelação particular dada naquele tempo. Geralmente, sete dispensações são distinguidas: inocência (antes da queda), consciência (Adão a Noé), promessa (Abraão a Moisés), Lei (Moisés a Cristo), graça (Pentecoste ao arrebatamento), e o milênio. Segundo, o dispensacionalismo sustenta uma interpretação literal da Escritura. Isto não nega a existência de figuras de linguagem e linguagens não-literais na Bíblia, mas antes, significa que há um significado literal por detrás das passagens figuradas. 

Terceiro, como resultado desta interpretação literal da Escritura, o dispensacionalismo sustenta uma distinção entre Israel (até mesmo o Israel crente) e a igreja. Nesta visão, as promessas feitas a Israel no AT não foram pretendidas como profecias sobre o que Deus faria espiritualmente para a igreja, mas seria literalmente cumprida pelo próprio Israel (principalmente no milênio). Por exemplo, a promessa da terra é interpretada como significando que um dia Deus restaurará plenamente Israel à Palestina. Em contraste, os não-dispensacionalistas tipicamente vêem a promessa da terra como pretendida por Deus para profetizar, na forma obscura do antigo pacto, a grande realidade de que ele um dia faria da igreja inteira, judeus e gentios, herdeiros de todo o mundo renovado (cf. Romanos 4:13). 

Assim, em muitas formas é correto dizer que o dispensacionalismo crê em "dois povos de Deus". Embora tanto judeus como gentios sejam salvos por Cristo através da fé, o Israel crente será o recipiente das promessas "terrenas" adicionais (tais como prosperidade na terra específica da Palestina, a ser concretizada plenamente no milênio) que não se aplicam aos gentios crentes, cuja herança primária, dessa forma, é "celestial". 

Teologia do Pacto

A teologia do pacto crê que Deus tem estruturado seu relacionamento com a humanidade por pactos, ao invés de dispensações. Por exemplo, na Escritura lemos explicitamente de vários pactos funcionando como estágios na história redentora, tais como o pacto com Abraão, a entrega da lei, o pacto com Davi, e o novo pacto. Esses pactos pós-queda não são novos testes da fidelidade do homem a cada novo estágio de revelação (como são as dispensações no dispensacionalismo); antes, são administrações diferentes do único e abrangente pacto da graça. O pacto da graça é um dos dois pactos fundamentais na teologia do pacto. Ele estrutura o relacionamento pós-queda de Deus para com a humanidade; antes da queda, Deus estruturou seu relacionamento pelo pacto das obras. O pacto da graça é mais bem entendido na relação com o pacto das obras. 

O pacto das obras, instituído no Jardim do Éden, foi a promessa de que a obediência perfeita seria recompensada com a vida eterna. Adão foi criado sem pecado, mas com a capacidade para cair no pecado. Tivesse ele permanecido fiel na hora da tentação no Jardim do Éden (o "período probatório"), ele se tornaria incapaz de pecar e teria assegurado uma eterna e inquebrável posição correta diante de Deus. 

Mas Adão pecou e quebrou o pacto, e através disso, sujeitou a si mesmo e todos os seus descendentes à penalidade da quebra do pacto: a condenação. 


Portanto, Deus, em sua misericórdia, instituiu o "pacto da graça", que é a promessa de redenção e vida eterna àqueles que creriam no Redentor (vindouro). O requerimento da obediência perfeita para a vida eterna não é anulada no pacto da graça; pelo contrário, ele é cumprido por Cristo em favor do seu povo, visto que agora todos são pecadores, e ninguém pode satisfazer a condição de obediência perfeita por seu próprio desempenho. O pacto da graça, então, não coloca o pacto das obras de lado; antes, ele o cumpre! 

Como mencionado acima, a teologia do pacto enfatiza que há somente um pacto da graça, e que todos os vários pactos redentores sobre os quais lemos na Escritura são simplesmente administrações diferentes deste único pacto. Como prova, é apontado que um pacto é em essência simplesmente uma promessa dada soberanamente (frequentemente com estipulações), e visto que há somente uma promessa de salvação (a saber, pela graça através da fé), segue-se que há, portanto, somente um pacto da graça. Todos os pactos redentores específicos sobre os quais lemos (o Abraâmico, Mosaico, etc.) são várias e progressivas expressões do pacto da graça. 

Teologia da Nova Aliança [Pacto]

A teologia da nova aliança tipicamente não sustenta um pacto das obras ou um pacto da graça abrangente (embora eles ainda argumentem em favor de um único caminho de salvação). A diferença essencial entre a Teologia da Nova Aliança (daqui em diante TNA) e a Teologia do Pacto (TP), contudo, diz respeito à Lei Mosaica. A TP sustenta que a Lei Mosaica pode ser dividida em três grupos de lei – aquelas regulando o governo de Israel (leis civis), as leis cerimoniais e as leis morais. A lei cerimonial e a civil não mais estão em vigor, pois a primeira foi cumprida por Cristo e a última aplicava-se somente à teocracia de Israel, que agora não existe mais. Mas a lei moral continua. 

A TNA argumenta que ninguém pode dividir a lei dessa forma, como se parte da Lei Mosaica pudesse ter sido ab-rogada e o restante ainda permanece em vigor. A Lei Mosaica é uma unidade, dizem eles, e assim, se parte foi cancelada, tudo dela foi cancelado. Em adição, eles dizem que o Novo Testamento ensina claramente que a Lei Mosaica como um todo foi substituída em Cristo. Em outras palavras, ela não mais é nossa fonte direta e imediata de orientação. A Lei Mosaica, como uma lei, não mais é obrigatória para o crente. 

Isto significa que os crentes não são mais governados por alguma lei divina? Não, pois a Lei Mosaica foi substituída pela lei de Cristo. A TNA faz uma distinção entre a lei moral eterna de Deus e o código no qual Deus expressa essa lei para nós. A Lei Mosaica é uma expressão da lei moral eterna como um código particular que também contém regulamentações positivas pertinentes ao propósito temporal particular do código, e, portanto, o cancelamento da Lei Mosaica não significa que a lei moral eterna em si foi cancelada. Antes, no cancelamento da Lei Mosaica, Deus nos deu uma expressão diferente da sua lei moral eterna – a saber, a Lei de Cristo, consistindo nas instruções morais do ensino de Cristo e do Novo Testamento. A questão chave que a TNA procura levantar é: Para onde olhamos para ver a expressão da lei moral eterna de Deus hoje – para Moisés, ou para Cristo? A TNA diz que devemos olhar para Cristo. 

Há muitas similaridades entre a Lei de Cristo e a Lei Mosaica, mas isto não muda o fato de que a Lei Mosaica foi cancelada e que, portanto, não devemos olhar para ela a fim de conseguir orientação direta, mas antes para o Novo Testamento. Por exemplo, a Inglaterra e os Estados Unidos possuem leis similares (por exemplo, o assassinato é ilegal em ambos os paises). Todavia, os ingleses não estão sob as leis da América, mas da Inglaterra. Se um cidadão inglês assassina na Inglaterra, ele é culpado por quebrar uma lei da Inglaterra contra o assassinato, não uma lei Americana. 

O benefício da TNA, argumentam seus defensores, é que ela soluciona a dificuldade de tentar compreender quais das leis de Moisés se aplicam hoje. Sobre o entendimento deles, visto que a Lei Mosaica não é mais uma fonte de orientação direta e imediata, devemos olhar para a Lei de Cristo a fim de obter nossa orientação direta. Embora a Lei Mosaica não seja mais um código de lei obrigatório na era do NT, ela ainda tem a autoridade, não de lei, mas de testemunho profético. Como tal, preenche e explica certos conceitos tanto na lei do antigo como do novo pacto. 

A posição de John Piper

John Piper tem algumas coisas em comum com cada uma destas visões, mas não se classifica dentro de qualquer um desses três campos. Provavelmente ele está mais longe do dispensacionalismo, embora concorde com o mesmo de que haverá um milênio.

Muitos dos seus heróis teológicos eram teólogos do pacto (por exemplo, a maioria dos Puritanos), e ele vê certo mérito no conceito de um pacto das obras pré-queda, mas ele não tomou uma posição sobre o conceito especifico deles do pacto da graça. Com respeito às suas visões sobre a Lei Mosaica, ele parece estar mais próximo da teologia da Nova Aliança do que da Teologia do Pacto, embora uma vez mais isso não quer dizer que ele se enquadre precisamente dentro desta categoria. 

Do Livro: "Lei e Evangelho" (Coleção Debates Teológicos) Editora Vida.

Nuvens escuras na vida cristã


.


A caminhada cristã não é fácil. É interessante que na medida em que os anos passam, vamos descobrindo que nem todas as coisas na vida são tão simples e divertidas como pensávamos quando éramos crianças. Na jornada cristã este movimento não é muito diferente. Nem tudo é doce e brilhante como aparenta e nem só de dias ensolarados se faz a vida. Mas nas adversidades (e diante das nuvens) podemos enxergar a graça de Deus e seu zelo, aprender muito com aquilo que se opõem e descobrir o que realmente tem – ou deveria ser reconhecido como tendo – valor para nossas vidas.


O livro de Atos dos Apóstolos apresenta diversos episódios cuja fé dos cristãos em geral e dos apóstolos em específico eram moldadas pelas adversidades. Neste estudo vamos nos ater ao relato de At 16.12-40. Paulo e Silas estavam em Missão conforme textos anteriores (junto com Lucas e Timóteo) e alguns fatos anteriores mostram conversões acontecendo, através da pregação do Evangelho e pela obra do Santo Espírito (At 16.13-15). Deus estava com seus servos assim como permanece com os Seus nos dias de hoje. Talvez para muitos a sequência de fatos que foram se desenrolando podem soar como injustas para quem estava tão somente fazendo a obra de Deus. Vejamos.

A falsa religião como fonte de lucro

Passando pela maravilhosa experiência de compartilhar o Evangelho e ver corações – como o de Lídia, v.14 – se prostrando ao Senhor, encontramos mais uma vez a forma impressionante como a religiosidade pode engordar os bolsos de líderes nefastos. Tal prática não nasceu ontem, ela está enraizada na humanidade como um culto paralelo cujo fim é a riqueza e o bem-estar momentâneo. Enquanto Paulo e Silas avançavam na pregação do Evangelho e na comunhão com os novos crentes, uma jovem possessa “que tinha um espírito adivinhador” os seguia gritando uma suposta glorificação ao nome de Deus (v.17), porém tal glória era falsa e tal jovem servia tão somente como fonte de lucro aos seus senhores. A jovem estava possessa por um espírito mau e era explorada por seus senhores.

Outras passagens nos mostram – ainda em Atos – a luta da Igreja contra estas investidas. Veja por exemplo Pedro contra Simão em At 8.14 e Paulo com Bar-Jesus em At 13.4. No caso de Simão, seu ato pecaminoso passou a nomear a prática de aferir lucro no comércio das coisas sagradas: “Simonia”. Pela narrativa da história da igreja encontra-se na obra “Apologia” de Justino Mártir – datada de 150 a.D. que posteriormente Simão passou a ser seguido por muitos e se autodenominava como “Manifestação do Deus Supremo”.

Segundo os versículos de At 16.16-19 diante de uma perturbação diária gerada pela jovem possessa, pois poderia com sua “glorificação” levar as pessoas a desacreditar o Evangelho, associando-o ao ocultismo [1], Paulo se aborreceu e ordenou que o espírito saísse da jovem, ao que pela ordem e sujeito ao nome de Jesus tal espírito foi expulso. Deus foi verdadeiramente glorificado, enquanto a fonte de lucro de homens perversos secou. Não houve júbilo a estes homens, mas tal decepção que denunciaram Paulo e Silas às autoridades, e em praça pública foram acusados e espancados sem chances de defesa.

Muitos de nós se indignariam diante de Deus com perguntas do tipo “Por que? Qual o motivo, oh Deus!”. Paulo e Silas estavam fazendo a obra de Deus e ainda assim foram injustamente condenados.

A Verdade não trouxe alegria aos ímpios. Muito tem a ensinar o texto de At 16.20-24. Por mais que a jovem estivesse livre, o que realmente interessava era o lucro perdido. Além disso, aprendemos que todo aquele que defende a fé cristã e está comprometido com o Evangelho deve estar atento, em alerta constante em relação às amizades falsas e interesseiras, pois para muitos a glorificação da jovem poderia inflar o ego do pregador quando na verdade visava desviar o culto. E ainda: estar preparado para ferrenha oposição e “revolta dos magistrados” que declaram guerra contra Paulo e Silas.

Paulo cura a menina; no entanto, o bem, em vez de trazer-lhe glória e gratidão, trouxe-lhe açoitamento e prisão. Há um dito popular que diz: ‘Não há mal que não traga algum bem’. Talvez também devêssemos dizer o oposto: ‘Não há bem que não traga algum mal’. Talvez isso seja um tanto exagerado, mas, com frequência, é verdade. Vivemos em um mundo caído que, por essa razão, é dominado pelas estruturas do pecado. Por isso, quando nos opomos ao pecado, estamos nos opondo aos interesses de alguém. Paulo cura a menina; mas ao fazer isso, ele prejudica os interesses econômicos dos donos dela, que, portanto, acusam-no e conseguem que seja açoitado e preso. [2]

Um costume maligno foi destronado e a fé dos servos de Deus estava posta a prova.

Um exemplo de como se portar diante da adversidade e o milagre da salvação

Não vamos nos ater a pensar no que a maioria faria diante de tudo que estava sobrevindo naquele momento de humilhação. Vamos focar nosso olhar para o exemplo de Paulo e Silas. Trancafiados injustamente, acoitados, pés presos ao tronco, entoavam louvor a Deus orando e cantando hinos. Deus respondeu rompendo as cadeias e colocando o injustiçado em liberdade.

Interessante que a resposta de Deus não era um fim em si própria, mas um meio de fazer um obra ainda maior e trazer glória ao nome dEle!

A liberdade que Deus proporcionou aos Seus servos foi o bálsamo em relação ao injusto castigo que lhes foi afligido sem a menor possibilidade de defesa.

Diante de tantos feitos maravilhosos e miraculosos, o maior dos milagres chega à casa do carcereiro. Aquele que estava outrora separado e apartado pode se achegar à graça salvadora de Jesus: “Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?” pergunta este homem no verso 30. Perceba que somente àquele cujo Espírito de Deus colocou a consciência de perda e condenação pode clamar para ser salvo. Somente o perdido pode clamar pela salvação.

Naquela mesma noite não somente o carcereiro como todos os seus foram alcançados. Era Deus – ao Seu tempo – produzindo o bem das circunstâncias que apenas registravam o mal e a injustiça.

Não há nada de mágico neste contexto e neste versículo em específico (“Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.” Atos 16:31) uma vez que a salvação de um indivíduo não depende da crença de outrem. Foi pela ação de Deus e pelo poder de Sua palavra que o Evangelho pregado alcançou morada e a contemplação da misericórdia divina.

Concluindo

Depois de toda a luta enfrentada, mesmo fazendo aquilo que estava certo e que era para Deus e Seu Reino, ainda que diante da injustiça dos homens, Paulo e Silas não esmoreceram na fé. Pelo contrário, houve ainda tempo de retornarem aos irmãos recém-convertidos e os encorajarem. Deus deu a estes homens a oportunidade de ver o fruto de seu trabalho:

Esta é nossa luta constante. Ainda que sob o céu nublado das adversidades é possível ver a graça de Deus presente, e ainda que tudo possa parecer desfavorável, o Senhor pode fazer daquilo que é mal, o bem. Confiança é algo que se constrói na certeza de estarmos com Deus em nosso dia-a-dia, e mesmo que tudo pareça difícil, sempre haverá oportunidade para consolar e encorajar o próximo, ainda que muitas adversidades nos possam parecer injustas.

Vamos prosseguir, sempre olhando para o Alvo!

________
NOTAS:
[1] STOTT, John R.W. A Mensagem de Atos. ABU Editora. São Paulo: 1994. p. 298
[2] GONZÁLEZ, Justo. Atos. Hagnos. São Paulo: 2011. p.232

***
Autor: 
João Rodrigo Weronka
Fonte: NAPEC

CONFIANDO EM DEUS QUANTO ÀS NECESSIDADES DIÁRIAS


Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa? [Mateus 6.25]

Não conseguiremos nos livrar de nossas ansiedades e preocupações enquanto vivermos. Mesmo assim, Deus nos dá tudo o que necessitamos, a cada momento, sem precisar de qualquer assistência de nossa parte.

Assim, por que continuamos tendo medos bobos e ansiedades acerca de pequenas necessidades triviais, como se Deus não pudesse ou não fosse nos suprir com alimento e abrigo?

Devemos abaixar a cabeça de vergonha quando as pessoas nos mostrarem essa tolice.

“Insensatas” – essa é a única forma de descrever aquelas pessoas ricas, bem nutridas, que estão sempre preocupadas em ter uma despensa abastada. Elas têm fartura de alimentos ao seu alcance, para servirem refeições nutritivas.

No entanto, nunca compartilham uma refeição com qualquer pessoa, nem convidam outras pessoas para jantar. Elas têm camas vazias, mas nunca convidam as pessoas para se hospedarem em suas casas.

Por isso, Cristo nos mostra abertamente como somos tolos. Isso deveria ser o suficiente para nos fazer cuspir em nós mesmos, com uma total repugnância.

Mesmo assim, continuamos a andar à apalpadelas em nossa cegueira, mesmo que esteja óbvia nossa incapacidade de suprir nossas próprias necessidades básicas sem Deus.

Isso já deveria ser o bastante para nos fazer cristãos e para manter em nossas mentes este pensamento: “Indubitavelmente, eu nunca segurei em minhas próprias mãos um só momento fugaz da minha vida.

Se eu preciso confiar em Deus quanto à minha própria vida e integridade física, por que eu deveria me preocupar acerca de como encontrar sustento para o meu dia a dia?”.

Não confiar em Deus quanto às nossas necessidades básicas é como ter um pai rico, disposto a gastar generosamente milhares de reais conosco, e não conseguirmos confiar nele quanto à necessidade de dinheiro em uma emergência.

Retirado de Somente a Fé – Um Ano com Lutero. Editora Ultimato.

As implicações da mentira




Quem é que nunca ouviu falar da história de Pinóquio, o garoto-boneco narigudo de madeira? Dentre as crianças – ou ao menos quando eu era criança – a história de Pinóquio é o exemplo de menino mentiroso. Quanto mais mentia, seu nariz vegetal crescia. Talvez não seja incomum vermos professoras de ensino fundamental dizendo aos pequenos que tomem cuidado para que seus narizes não cresçam, em analogia à mentira.


A verdade, queiramos ou não, é que somos todos pinóquios – em maior ou menor grau. Vez ou outra caímos na mentira. Uns mais, outros menos; intencionalmente ou não. Isso, porém, não deve ser motivo para não buscarmos agir com honestidade e espírito verdadeiro.

O que alguns talvez não saibam é que a inversão quanto à mentira é mais antiga do que a era cristã. Moisés, há mais de três mil anos, recebeu o decálogo (ou Dez Mandamentos) dado pelo próprio Deus. Dentre as ordens, o nono mandamento é “não dirás falso testemunho”. Muitos pensam que isto implica em apenas não mentir, mas não é apenas isso.

Catecismo de Heidelberg, em sua pergunta de número 112, diz: “O que se exige no nono mandamento?”. A resposta dada pelo próprio catecismo é:

Que eu não devo levantar falso testemunho contra ninguém, nem distorcer as palavras de ninguém, não fazer fofoca nem difamar, não condenar nem me ajuntar com ninguém para condenar a outrem precipitadamente e sem o ter ouvido. Antes devo repudiar toda mentira e engano, obras próprias do diabo, para não trazer sobre mim a pesada ira de Deus. No tribunal ou em qualquer outro lugar eu devo amar a verdade, dizê-la e confessá-la com honestidade e fazer tudo o que puder para defender e promover a honra e a reputação do meu próximo.[1]

Como dito no Catecismo citado acima, cumprir o mandamento não é apenas evitar a mentira, mas muito além disso. Kevin DeYoung nos diz:

Alguma vez você já disse uma meia verdade sobre alguém? Alguma vez você deu falso testemunho do caráter ou das ideias de alguém? Se assim for, você quebrou o nono mandamento. [2]

Dizer meias verdades também é mentir. Ser desonesto ou algo do gênero nos faz iguais a mentirosos. Corremos o risco de emitir uma versão diante de algo, omitindo algumas partes ou distorcendo outras. Não dar a descrição honesta de algo é caracterizado por mentira. O Salmo 40.4 nos diz: “Bem-aventurado o homem que põe no Senhor a sua confiança e não pende para os arrogantes, nem para os afeiçoados à mentira”.

O catecismo nos diz, ainda, que não devemos fazer fofoca. Fofocar é dizer algo sem fundamentação ou, ainda, divulgar segredos de alguém[3]. Desastres podem ser provocados por fofocas ou especulações sem embasamento. Casamentos podem ser prejudicados. Pessoas, mortas. Vidas, arruinadas. Carreiras, destroçadas. Tudo isso por uma simples especulação. Provérbios 26.28 nos diz: “A língua falsa aborrece a quem feriu, e a boca lisonjeira é causa de ruína.”.

É necessário entender que uma fofoca não é apenas algo errado, mas também dizer algo desnecessário. Paulo nos diz: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem” (Ef 4.29).

Outro problema é o julgar. Como seria bom se todos buscassem informações confiáveis sobre algo ou alguém antes de julgar. Aliás, ainda mais importante: buscar saber se isso ou aquilo de fato aconteceu. Muitos julgam os demais sem qualquer precaução. Sem buscar informações. Jesus Cristo nos diz: “Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês.” (Mt 7.1-2, NVI). A falta de amor leva algumas pessoas a não se colocarem no lugar do próximo.

É importante lembrar, antes de qualquer coisa, que o que nos é proibido não é o julgar, mas julgar indevidamente. Nós precisamos analisar tudo e reter o que é bom, como dissera Paulo. Muitas pessoas, carismáticos principalmente, se escondem atrás do “não julgueis” como desculpa para cometer pecados e saírem ilesos de situações. Lembro-me de certa ocasião em que, ao criticar um pastor neopentecostal, uma amiga me disse: não se deve falar mal de um pastor, ele é ungido de Deus. A questão da expressão “ungido de Deus” é assunto para outro momento, mas o foco é: precisamos avaliar tudo.

Precisamos, ainda, fugir de “toda mentira e engano”. Uma razão prática para isso é que o pai da mentira é Satanás (Jo 8.44). DeYoung nos diz:

As palavras “todo tipo” realmente me apertam. Quantas vezes distorcemos as nossas histórias só um pouquinho, exagerando a quantidade de neve que caiu, ou quanto tempo estudamos, ou quão rápido corremos? Eu me peguei querendo distorcer a hora em que me levanto pela manhã, só para dar impressão de um melhor rendimento do meu dia.[4]

É necessário policiar-se, para que nossa natureza pecaminosa não nos faça pecar. Podemos, algumas vezes, mentir para nós mesmos e acreditar em nossa própria mentira. Quando mentimos, honramos o pai errado.[5]

Outra forma de desobedecer o mandamento é ser conivente com injustiças. O catecismo diz que precisamos “fazer tudo o que puder para defender e promover a honra e a reputação do meu próximo”. Arruinar o nome de uma pessoa publicamente ou contribuir injustamente com seu declínio é ser conivente. O amor ao próximo, dentre outras situações, deve-se também aplicar aqui.[6]

Catecismo Maior de Westminster, em sua pergunta 145, nos diz quais são os pecados proibidos no nono mandamento. Um comentarista nos resume, dizendo que são: difamação, julgamento falso, pleitear em favor de causas más, covardia, caluniar e maldizer, discriminar.[7]

Resumindo: O ocultamento ou falseamento da verdade, o falso testemunho, o perjúrio e a detração são ofensas a Deus pela quebra do nono mandamento, opróbrios aos eleitos e ignomínia diante do santíssimo tribunal divino.[8]

Que possamos viver de acordo com a vontade do Senhor para as nossas vidas, sendo verdadeiros e honestos.

_________
Notas:
[1] CATECISMO DE HEIDELBERG. Dia do Senhor 43. Disponível em: <http://www.heidelberg-catechism.com/pt/lords-days/43.html>. Acesso em 02 abr. 2015.
[2] DeYOUNG, Kevin L. As boas novas que quase esquecemos. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 192.
[3] Dicionário Online de Português. Significado de Fofoca. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/fofoca_2/>. Acesso em 02 abr. 2015.
[4] DeYOUNG, Kevin L. As boas novas que quase esquecemos. São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 193.
[5] Ibid. p. 194.
[6] Ibid.
[7] FIGUEIREDO, Onézio. Catecismo Maior de Westminster. Disponível em: <http://www.ipalimeira.com.br/files/Catecismo-Maior-de-Westminster.pdf>. Acesso em 04 abr. 2015. p. 228-229.
[8] Ibid. p. 229.

***
Sobre o autor: Christofer F. O. Cruz é seminarista no Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, em São Paulo, pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Trabalha com adolescentes na 1ª Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo/SP.

Fonte: Fidem et Rationem
Publicado no blog Bereianos com autorização do autor.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

A CRUZ DO PASSADO, E A CRUZ DO PRESENTE


Silenciosamente e sem que se apercebesse, uma nova cruz apareceu nesses tempos modernos tomando conta dos círculos evangélicos. É muito parecida com a velha cruz, mas só na aparência, porque é diferente: A semelhança é superficial, e a diferença fundamental.

Dessa nova cruz apareceu uma nova filosofia de vida cristã e a partir dessa nova filosofia surgiu uma nova técnica evangélica, um novo tipo de culto e de pregações.

Esse novo evangelismo usa a mesma linguagem que o antigo, mas seu conteúdo já não é o mesmo e suas ênfases não são iguais ao velho evangelho.

A velha cruz não estava engajada com o mundo. Para a velha carne adâmica ela significava o fim de uma jornada. Carregava consigo a sentença imposta pela lei do Sinai.

A nova cruz não se opõe à raça humana, ao contrário, é uma amiga e, se bem compreendida tornou-se a fonte de bem-estar, de beleza e de inocentes prazeres mundanos. Ela permite que o Adão viva sem interferências.

As motivações de sua vida continuam a mesma; o homem não muda. Continua a viver para seu próprio prazer, com a diferença de que agora se deleita em cantar hinos e de ver filmes cristãos - os quais se tornaram substitutos das músicas do mundo e das bebidas. A tônica de sua vida continua o prazer - um prazer num nível mais elevado e intelectualizado.

A nova cruz encoraja uma abordagem evangelística totalmente diferente. O novo evangelho não exige que a pessoa renuncie à vida de pecado para poder receber uma nova vida. Ele não aborda os contrastes, mas as similaridades. Faz questão de mostrar ao seu auditório que o cristianismo não faz exigências e demandas desconfortáveis, ao contrário, oferece o que o mundo dá, apenas num nível superior. Os glamoures do mundo são substituídos pelos glamoures da nova religião que é um produto bem melhor.

A nova cruz não sacrifica o pecador, apenas o redireciona. Ela o conduz por uma vida mais limpa e alegre e preserva sua auto-reputação.

Para o auto determinado diz: Venha e tome uma determinação por Cristo.
Ao egoísta proclama: Venha e se alegre no Senhor.
Para o aventureiro, diz: Venha e descubra a aventura da comunhão cristã.

A mensagem cristã segue a moda em voga para ser aceitável ao público. A filosofia por trás dessa cruz pode até ser sincera, mas a sinceridade não encobre sua falsidade. É falsa porque é cega. Perde de vista completamente o sentido da cruz.

A velha cruz é símbolo de morte. Está ali para dizer ao homem de forma violenta que sua vida chegou ao fim. No império romano quando alguém passava pelas estreitas ruas carregando uma cruz, já havia se despedido de todos os amigos. Não podia voltar atrás. Tinha de seguir até o fim. 

A cruz não permitia acordos, nada modificava e nada preservava. Ela matava o homem completamente e para seu bem. A cruz não fazia acordos com sua vítima; ela agia de maneira cruel e dura, e quando sua tarefa terminava, o velho homem deixava de existir. A raça adâmica está condenada a morrer. Não há comutação ou substituição da pena nem escape.

Deus não aprova nenhum dos frutos do pecado, por mais inocente ou belo que pareçam aos olhos do ser humano. Deus salva o homem liquidando-o completamente pra depois ressuscitá-lo a um novo estilo de vida.

A evangelização que traça paralelos amistosos entre os caminhos de Deus e do homem é falsa, anti bíblica e cruel para as almas dos ouvintes.

A fé de Cristo não anda paralela com o mundo; ela o intercepta. Ao nos achegarmos a Cristo não elevamos nossa velha vida a um plano maior; nós a deixamos na cruz.

O grão precisa ser enterrado e morrer, antes de ressurgir uma nova planta. Nós os que pregamos o evangelho devemos deixar de lado a idéia de que somos agentes do bom relacionamento de Cristo com o mundo. Não podemos alimentar a idéia de que fomos comissionados para tornar Cristo agradável aos grandes homens de negócios, à imprensa, à mídia, ao mundo dos esportes e da cultura.

Não somos diplomatas; somos profetas, e nossa mensagem não é uma aliança, um acordo, e sim um ultimato.

Deus oferece vida, mas não a improvisação da velha vida. A vida que ele oferece é vida que nasce da morte. É uma vida que se posiciona ao lado da cruz. Todos os que a querem têm de passar sob a vara. Precisam negar-se a si mesmo aceitando a justiça de Deus sobre sua vida.

O que dizer de uma pessoa condenada que encontra vida em Cristo Jesus? Como essa teologia pode ser aplicada à sua vida?

Simples: O homem tem que se arrepender e crer. Ele precisa deixar para trás seus pecados e depois sentir-se perdoado. Não pode encobrir coisa alguma, defender-se e escusar-se.

Preguemos sobre a velha cruz e conheceremos o velho poder.

Autor: A.W.Tozer

Estudo sobre a Epístola de Judas - H. Rossier


"Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Judas 3).


Introdução
A epístola que temos diante de nós, embora breve, abrange um vasto período histórico. Apresenta-nos a apostasia do cristianismo, desde os primeiros fundamentos do mal - que se introduziram entre os crentes já no tempo dos apóstolos - até o dia em que o juízo definitivo caia sobre a cristandade. Esta epístola nos mostra a forma em que a Igreja, abandonando as verdades que Deus lhe confiou, tem progredido na impiedade, a que terá seu auge na negação do Pai e do Filho. Nesta época, ainda futura, as trevas morais substituirão a luz do Evangelho que atualmente ainda ilumina o mundo. Todavia, vemos já em ação, nos dias de hoje, todos os fundamentos que caracterizam essa apostasia. E a epístola de Judas nos ensina qual é a atitude que todo crente deve adotar em nossos tempos em relação ao mal e como pode glorificar a Deus nestas tristes circunstâncias. Pois não nos esqueçamos: num tempo de ruína o crente pode glorificar a Deus de uma maneira tão completa como nos dias mais prósperos da Igreja primitiva. As circunstâncias mudaram, sem dúvida, mas ainda Deus pode ser honrado pelos seus, de outras maneiras, porém, de forma tão real como quando o Espírito caiu sobre os discípulos em Pentecostes. Atualmente Deus não nos pede que reedifiquemos o estado de coisas que está arruinado por nossa culpa, nem que nos comportemos no meio da cristandade como se tudo estivesse em ordem, fechando os olhos diante da decadência, mas mostra o caminho que nos guia entre as ruínas, uma vereda aprovada e conhecida por Ele, uma vereda que o olho da águia não conseguiu jamais descobrir, mas que a fé ensina a discernir.

Versículos 1-2: “Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, aos chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo,a misericórdia, a paz e o amor vos sejam multiplicados.”.

Notemos em primeiro lugar a forma geral em que Judas caracteriza os crentes aos quais escreve. As outras epístolas se dirigem a eles com palavras muito diferentes; é certo que nelas por duas vezes são nomeados “santos chamados”, quer dizer, santos por vocação, porém somente “chamados” não ocorre nem uma vez, exceto aqui. Quando Deus quer adquirir uma alma para Si começa por chamá-la. Foi o que fez com Abraão, o pai dos crentes, e não podia dar aos filhos de Deus um caráter mais geral que este. Abrange a todos, pois são “chamados”, sem nenhuma exceção. Não encontramos acaso uma evidente advertência nisso? Esta epístola, que trata do tempo atual, se dirige a todos os filhos de Deus, sem excluir nenhum, não considerando o modo de andar ou os conhecimentos e sem ter em conta o que poderia dividi-los. Todos, pois, são responsáveis por escutá-la e adequar-se a ela; daí esse termo chamados, tão amplo e individual ao mesmo tempo. Quando um apóstolo se dirigia a uma assembleia local, mais de um crente que não fosse parte dela poderia (sem dúvida, com pouquíssimo conhecimento a respeito) considerar-se sem obrigações de cumprir todo o conteúdo da epístola; com Judas, uma ideia semelhante seria imperdoável. Cada um dos membros da família de Deus, neste mundo, deve dizer: “Aqui o Senhor se dirige pessoal e individualmente a mim”. Podemos notar que duas coisas dão a esses “chamados” uma certeza absoluta no que se refere a suas relações com Deus. São “amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo”. Jamais deveria haver na grande família de Deus nenhuma só alma que duvidasse de suas relações com o Pai e que não tivesse a certeza de sua salvação. Os que duvidam d’Ele, que meditem nestas palavras. O amor do Pai por nós é tão perfeito como seu amor para Jesus Cristo, seu Amado; por isso nos disse: “Amados em Deus Pai”. Nossa segurança é tão perfeita como a de Jesus Cristo; pelo que também nos disse: “Guardados em Jesus Cristo”. Se a salvação dos chamados dependesse de fidelidade, nenhum deles chegaria ao fim de sua carreira. Assim como não podemos nos salvar, tampouco podemos nos manter. Nossa segurança eterna está garantida, não porque sejamos fiéis, mas porque o Deus de amor nos vê como vê a Cristo.

Misericórdia e testemunho individual.
A saudação do apóstolo tem grande importância. Nas epístolas dirigidas a Timóteo, a palavra “misericórdia” faz parte da saudação, mas em nenhuma epístola dirigida a um grupo de crentes existe esta palavra. É que a misericórdia é uma coisa necessária, não a uma coletividade, mas a cada crente individualmente. Eu sou um pobre ser débil, falho de muitas formas, exposto a contínuos perigos. Meu estado desperta a piedade divina, a que vem em meu socorro, me adverte e se interessa por todos os detalhes do meu andar aqui na terra. Tal é o caráter da misericórdia. Porém aqui, uma epístola coletiva, dirigida sem distinção a todos os chamados, invoca sobre eles a misericórdia. Como explicar este fato incomum? Por uma séria razão de que, em um tempo de ruína, o testemunho cristão toma um caráter cada vez mais individual. Isto não significa de maneira alguma, como se ouve dizer às vezes de crentes desanimados diante da rápida invasão do mal, que o testemunho cristão não pode ter mais o caráter coletivo de uma reunião de santos. Os que assim falam estão em um grande erro, e a epístola de Judas o prova. Ela menciona pessoas que se introduziram encobertamente entre os fiéis e que são manchas no meio deles; isso indica, pois, que existe uma reunião de santos. Porém, o ensino que recebemos aqui é que nós somos chamados, na presença do terrível estado moral da cristandade, a sermos mais e mais fiéis em nosso testemunho individual, pois Deus toma conta dele de maneira especial. Sem dúvida é um privilégio imenso, para o coração de crentes inteligentes, poder, em comunhão, gozar da mesa do Senhor, sinal por excelência do testemunho coletivo e proclamação da unidade do Corpo de Cristo em um tempo em que esta unidade está esmagada na cristandade professante. Que este testemunho se encontra na atualidade em um estado de debilidade extrema, comparado com o que foi no passado, não é preciso dizer, mas, no entanto, Deus toma conta dele, pois tudo o que existe de mais elevado no cristianismo, oculto, se relaciona com a reunião de seus filhos em separação do mundo. Porém, sobre o que insistimos é que, se nosso testemunho coletivo pode ser de tal maneira empobrecido que se restrinja à reunião de dois ou três ao redor do Senhor, o testemunho individual não deveria sofrer tais obstáculos. Pode ser tão poderoso como quando o Espírito Santo enchia individualmente aos cristãos no alvorecer da Igreja. O poder do Espírito Santo no indivíduo não está agora mais limitado que naquele tempo, sempre que cuidamos de não contristar este hóspede divino em nosso andar, em momentos em que o caráter mundano e a infidelidade da Igreja – em uma palavra, sua ruína – restringem necessariamente a operação do Espírito na Assembleia. Um testemunho individual mantido com fidelidade no tempo presente e uma santa separação do mal em todas as suas formas são tanto mais necessários quando, por causa da iniquidade dominante na Igreja, não podemos encontrar muito apoio e socorro em nossos irmãos. Porém, sempre nos permanece o Senhor e podemos contar por inteiro com ele.

Sobre a apostasia
Aqui muitos cristãos se sentirão tentados a me interromper. Nos fala – dirão - dos progressos do mal, do estado de ruína da cristandade, da proximidade do juízo. Parece que de propósito aparta os olhos de todo bem que se realiza a seu redor, da atividade de nossas igrejas, do esforço considerável de amor e solidariedade que atualmente caracteriza o mundo cristão, das imensas somas empregadas para antecipar o reino de Deus.  Encontro-me longe de negar tudo o que a fé produz nos filhos de Deus, porém Deus não considera o estado da cristandade como vocês e o mundo consideram. Ele julga o estado dos homens segundo o comportamento deles com relação a Seu Filho e às escrituras que O revelam, e não seriam vocês sinceros se pretendessem negar que o ambiente professante do qual fazem parte se encaminha rapidamente para o abandono da Palavra e a negação do Filho de Deus. Este caráter do juízo de Deus se afirma desde o princípio até o fim das Escrituras. É o estado moral do mundo frente a Deus o que nos dá a medida do Seu juízo; não são seus progressos materiais nem a avaliação que de si mesmo têm, nem o grau de consagração que se atribui. A apostasia completa consiste na negação do Pai e do Filho e é o que, entre outras, a epístola de Judas, a segunda de Pedro e a primeira de João põem em evidência. Satanás tem mil maneiras de separar os homens de Deus, iludindo-os, nutrindo seu orgulho e ocupando-os com seu próprio progresso.

Paz, amor e graça em atividade
A paz e o amor vos sejam multiplicados” (v. 2). Queridos irmãos e irmãs, eis aqui o desejo do apóstolo para todos nós. Aqui não fala da paz com Deus e de Seu amor, aos quais nada há que acrescentar, mas que deseja que na prática os experimentemos. Conhece as dificuldades dos crentes nestes últimos dias, nos quais o mundo está caracterizado, de uma parte, por uma crescente e perpétua agitação e, de outra pela frieza de todos os afetos legítimos e pelo egoísmo que prevalece sobre todas as outras considerações. “O amor vos seja multiplicado”. Eu creio, queridos amigos, que se nos dias atuais os “chamados” do Senhor recebessem em seus corações o que o Espírito de Deus lhes deseja aqui, todos seriam boas testemunhas de Jesus Cristo. O inimigo procura esfriar a todo custo o amor que é o vínculo entre os filhos de Deus. Não deve conseguir! Não nos é muito difícil ver o mal, mostrá-lo, detalhá-lo nos outros; porém, mostrar o mal é um remédio? Não, é o amor que cura, o que levanta e ergue a nossos irmãos na marcha. A graça ganha o coração. A severidade pode reprimir o mal, porém jamais alcançou alguém. Se for assim para com nossos irmãos, o mesmo é para o Evangelho anunciado ao mundo. A graça atrai, atua sobre a consciência, produz o arrependimento, conduz para Cristo e, se é necessário dizer ao homem a verdade e fazê-lo compreender seu estado de afastamento de Deus, é ainda a graça que põe a descoberto este estado para corrigi-lo, pois a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. Em um tempo no qual o amor de um grande número de cristãos se esfriou e a iniquidade prevalece, não temos necessidade de que o amor nos seja multiplicado?

Versículo 3: “Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”.

Agora o Apóstolo aborda o tema de sua epístola. Não nos surpreende a seriedade e a solenidade deste início? Seu primeiro intento havia sido pegar a pena, cheio como estava do grande desejo de apresentar-lhes um tema que sempre será motivo de gozo para os resgatados: “a comum salvação”. Antes de tudo ele quis que os crentes gozassem, em comunhão uns com os outros, das maravilhas da obra do Salvador..., porém, a pena cai de suas mãos. O que aconteceu? Surgiram perigos, e aqueles pobres cristãos talvez não se deram conta. Era urgente adverti-los, a fim de que não dormissem numa perigosa inércia. O apóstolo abandonou, pois, seu primeiro intento, tomou de novo a pena e os exortou a combater pela fé.

Manter uma doutrina imutável
Amados irmãos! Esta exortação é hoje mais atual do que era então. A guerra está declarada, o inimigo está em campanha. Os perigos ameaçam vocês em todo lugar. Toda sorte de ciladas lhes é estendida, a falsidade os rodeia. Pode ser que as ovelhas do Senhor não estejam em guarda contra os estranhos que vêm a elas com discursos perfeitos e palavras lisonjeiras com intenção de destruir os fundamentos de sua fé. Pode ser que não tenham o coração suficientemente simples para estarem sujeitos unicamente à voz do Bom Pastor. O apóstolo decidiu nos escrever. Trata de nos despertar, de nos levantar, de combater contra o poder do mal que nos rodeia. Qual é o estandarte que devemos levantar? “A fé que uma vez por todas foi dada aos santos”
Em uma quantidade de passagens que seria longo enumerar, vemos que “a fé” nos é aqui o dom de Deus situado no coração e que nos faz capaz de alcançar a salvação: A fé é o conjunto de doutrinas cristãs ensinadas aos santos, doutrinas das quais se apropriam pela própria fé. Nesse contexto, o que caracteriza o mal, nos últimos dias, é o abandono destas doutrinas.
Notem bem estas palavras: uma vez. Este ensino tem lugar uma vez; é imutável, isto é, não tem sofrido nenhuma modificação. Quando Judas escrevia, falava desse ensino como pertencente ao passado; tratava-se do que havia aprendido os primeiros cristãos pela palavra dos apóstolos. Temos esse ensino agora na Palavra. Deus tem tido o cuidado de registrá-la para nós nas Santas Escrituras e fora dela não existe nada em nenhum outro lugar. Quanto desejaria poder convencê-los, amados, que o grande trabalho que nos cabe hoje é manter com mão firme a bandeira que nos foi confiada, ao redor da qual devem agrupar-se todos os “chamados”, sem exceção, divisa sobre a qual estão escritos dois nomes que formam só um: a palavra de Deus e o Senhor Jesus Cristo.

Reter firmemente os ensinamentos originais
Quando nos encontramos em luta contra o mal moral que aumenta a cada instante no mundo, que estende por todos os lugares a infidelidade e a incredulidade e, o que é até mais perigoso, que invoca a razão para destruir a verdade, não pensem que seja preciso nos empenhar em muitas discussões. Somos demasiadamente inaptos para semelhante tarefa, e estou convencido que, em nosso estado de fraqueza, não somos mesmo capazes disso. Nos tempos da Reforma, e até no século passado, a discussão, sem convencer aos adversários, podia fortificar as almas dos crentes nas lutas contra o inimigo, mas em vista de nossa pouca força, nosso papel atual é, diante de tudo, não nos deixarmos desviar das coisas que têm sido ensinadas uma vez aos santos e retê-las firmemente. Nisto consistia a luta de Filadélfia: “Guarda o que tens”, disse o Santo, o Verdadeiro (Apocalipse 3:11). Não pense você que isto exige amplos conhecimentos e inteligência; só se precisa uma coisa muito simples: o amor por Cristo, e o mais ignorante entre nós pode possuí-lo. Se o Senhor ocupa, em nossos corações, o lugar que Lhe é devido, por certo conseguiremos a vitória, pois Satanás nada pode contra ELE e manteremos a fé que tem sido dada uma vez aos santos, pois só ela tem ao Senhor por objeto. Podemos ver por esta epístola que, no tempo em que o apóstolo escrevia, a divisão, que já moralmente estava presente na Igreja, não era ainda fato consumado. Ela só teve lugar depois do desaparecimento do último apóstolo, porém, Judas prevê e anuncia o que ia suceder e adverte, como o temos visto, ao conjunto da família de Deus, tanto em seu aspecto mais restrito como no mais amplo, a fim de que nem um só crente possa esquivar-se de seu dever quando se trata de repelir os ataques contra a fé.  Devemos notar que o estado dos crentes, aos quais o apóstolo escrevia, estava muito longe de responder ao que deveria ter sido. Assim disse: “Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma vez por todas”.  Encontravam-se a ponto de esquecer estas coisas em outro tempo muito conhecidas e que lhes haviam sido ensinadas uma vez no princípio. Haviam recebido a unção do Espírito Santo, pela qual sabiam todas estas coisas, porém, sua fé estava debilitada, seus pensamentos haviam se desviado para o mundo; por isso Judas sentia a necessidade de lembrar-lhes a que se referia a cena para a qual dirigiam seus olhares de concupiscência. Deste modo o apóstolo Pedro, em sua segunda epístola, sentia a necessidade de despertar os crentes descuidados, lembrando-lhes estas coisas (2 Pedro 1:13). E nós?  Pensamos acaso que não é tempo de que nos sejam lembradas?  Temos despertado de nosso sono? A trombeta para ir ao combate faz tempo que soou. Para nos reunir ao redor da bandeira esperaremos que o inimigo nos surpreenda indefesos e nos derrube, para vergonha do glorioso Chefe que nos conduz? Queira Deus que as palavras do apóstolo penetrem em nossos ouvidos: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará” (Efésios 5:14).

Resistir ao mal
A segunda parte da epístola de Judas (versículos 5-16), nos descreve o mal que caracteriza os últimos dias. Sinto na alma que o tema que nos ocupa não seja nem edificante nem nos traga gozo, porém em certos momentos, Deus nos conduz à beira de um precipício e nos convida a dar uma olhada. Esta olhada é muito saudável, quando, como Ló, temos sido seduzidos pela aparência perfeita das planícies do Jordão. Recordemos somente que se trata de resistir ao mal, nada nos capacita tanto para refletir. Veremos que “toda a armadura de Deus” (Efésios 6:11), para resistir no dia mal, consiste, diante de tudo, em um bom estado da alma e que a vitória depende por inteiro disto. As simples palavras não conduzem à vitória, mas sim uma vida consagrada a Cristo e passada em sua comunhão.

Versículo 4: “Pois certos indivíduos se introduziram com dissimulação, os quais, desde muito, foram antecipadamente pronunciados para esta condenação, homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.”

Estes homens haviam se infiltrado entre os irmãos e introduziram “heresias destruidoras” (2 Pedro 2:1). Porém, a palavra nos revela em relação a eles que em tempos antigos, estes homens, que apareceram muito tempo depois, “haviam sido destinados para esta condenação”. Este termo não significa de maneira alguma que Deus os houvera predestinado à condenação eterna, grave erro que formava parte da doutrina de Calvino. Esta passagem quer dizer que Deus havia falado de antemão destes homens maus do fim e havia proclamado desde a antiguidade a carga que pesaria sobre os mesmos, a eterna condenação. A primeira vez que um profeta (Enoque) foi trazido à vida no mundo, anunciou que uma acusação recairia sobre os malvados de nossos dias, a qual traria a eterna condenação de um terrível juízo sobre os tais. Tomara que abram em tempo os olhos para que possam notar a sorte que os ameaça e conhecer o horror que Deus tem das doutrinas que têm inventado, horror provado pelo fato de que já desde o princípio do mundo, antes do dilúvio, condenou estes ensinamentos nocivos que tão amplamente vemos divulgados em nossos dias.

Duas características do mal
Estes homens são “ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo”. Duas características do mal são assinaladas aqui, para que possamos conhecê-las facilmente. Estes ímpios dos quais fala o apóstolo, são os homens de nossos dias que não nasceram sob o regime da lei, mas sob a graça. O que fazem estas pessoas com tal graça? A menosprezam e não consideram as obrigações morais que lhes impõem e aproveitam a mesma para se entregarem a uma corrupção desenfreada. A segunda característica dos ímpios é que “e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo”. Este termo se repete várias vezes no curso desta epístola. A Palavra não nos diz que os ímpios neguem a pessoa de Cristo, mas que negam o Seu domínio, quer dizer, não aceitam Sua autoridade, e isto é o que caracteriza a cristandade antes do desenrolar final da apostasia. Estes homens só buscam a autoridade em si mesmos e no que chamam sua consciência. É a “iniquidade” de que fala I João 3:4, a vontade própria ou a rejeição de toda a lei fora de si mesmo, já que cada qual é a lei para si.
Os direitos de Cristo são assim pisoteados. Sua Palavra não serve de regra. Cada qual é livre para julgá-la, tomar dela o que lhe convém e rejeitar o que não lhe convém. Não nos esqueçamos que estes “ímpios” professam frequentemente a maior admiração e o mais profundo respeito pela pessoa de Cristo, embora rejeitem Seu senhorio. Diante da Palavra que O revela, se reservam o direito e a autoridade de julgar, coisa que somente corresponde a Deus. Sua religião é, pois, a exaltação do homem e o será cada vez mais, até o dia em que se revele “homem da iniquidade... a ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se fosse o próprio Deus”. (II Tessalonicenses 2:3-4)

Versículo 5“Quero, pois, lembrar-vos, embora já estejais cientes de tudo uma vez por todas, que o Senhor, tendo libertado um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu, depois, os que não creram”.

Depois de haver mostrado as duas características dos ímpios – o abandono da graça e a rejeição da autoridade do Senhor – o apóstolo passa ao juízo do mal, porém, estabelece em primeiro lugar que, da parte de Deus, nenhum recurso havia faltado ao homem. A história do povo de Israel dava testemunho disso; Deus o havia livrado da terra do Egito mediante a redenção; por que, pois, este povo foi destruído no deserto?  Porque não tinha crido; a falta de fé era a causa de seu juízo, pois não há benção real separada da fé.

Versículo 6 -7“e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia; como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregado à prostituição como aqueles, seguindo após outra carne, são postas para exemplo do fogo eterno, sofrendo punição.”.

Da mesma forma que foi para Israel, a incredulidade da cristandade professante é o motivo de seu juízo; porém, antes de tudo, o apóstolo quer caracterizar a apostasia, consequência desta incredulidade e os juízos que a esperam. Seja como for, o abandono de nossa origem é a apostasia. O apóstolo faz referência a acontecimentos misteriosos relatados em Gênesis e que a Palavra deixa ocultos na escuridão, como os anjos caídos que os têm provocado.  Não cabe a nós levantar este véu, porém o que sabemos é que o juízo do grande dia alcançará a estes espíritos corrompidos, como o juízo do fogo alcançou às cidades profanas de Sodoma e Gomorra que haviam agido da mesma maneira que eles. Encontramos aqui, pois, duas classes de juízo: um futuro e outro imediato e definitivo; um sob a escuridão, em cadeias, para alcançar a sentença do tribunal divino, outro atual, pelo fogo, que é eterno.

Versículos 8 - 9 Ora, estes, da mesma sorte, quais sonhadores alucinados, não só contaminam a carne, como também rejeitam governo e difamam autoridades superiores. Contudo, o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo e disputava a respeito do corpo de Moisés, não se atreveu a proferir juízo infamatório contra ele; pelo contrário, disse: O Senhor te repreenda!”

Judas passa agora aos malvados que viviam em seu tempo e cujo caráter irá piorando cada vez mais até o juízo final. Os chama de “sonhadores”, pessoas que, ao invés de serem conduzidas pela verdade o são por uma imaginação que não conhece regras. A partir do momento em que o homem abandona a Palavra de Deus não há nenhuma razão impedindo que ele se entregue à injustiça e às fábulas. Esses sonhadores têm duas características já mencionadas no versículo 4: censuram a carne, menosprezam e criticam as autoridades superiores. O menosprezo do Senhorio de Cristo tem por consequência fatal uma atitude injuriosa a respeito das autoridades, enquanto que o cristão, que reconhece a autoridade do Senhor, não tem nenhum problema em submeter-se àqueles que são instituídos por Ele. Assim, sejam estes homens juízes sem moralidade ou tiranos sanguinários, o crente se submete a eles, a não ser naquilo que a obediência a Deus tenha primazia sobre aquela que é devida aos homens. Mesmo o arcanjo Miguel não ousou proferir juízo de maldição contra Satanás, que queria apoderar-se do corpo de Moisés, sem dúvida para seduzir novamente o povo conduzindo-o à idolatria.

Versículos 10-11“Estes, porém, quanto a tudo o que não entendem, difamam; e, quanto a tudo o que compreendem por instinto natural, como brutos sem razão, até nessas coisas se corrompem. Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Coré”.

A Palavra “estes” ocupa um lugar muito importante nesta curta epístola. Caracteriza os homens que se levantam contra Deus, nos dias de Judas, nos nossos e até o momento da vinda do Senhor em juízo. Estes homens, pois, existem em nossos dias. Pedro, em sua segunda epístola, os qualifica da mesma maneira: “Esses, todavia, como brutos irracionais, naturalmente feitos para presa e destruição, falando mal daquilo em que são ignorantes, na sua destruição também hão de ser destruídos” (capítulo. 2:12).
Com que termos de menosprezo o Espírito de Deus trata àqueles que ousam levantar-se contra Deus, àqueles que se orgulham de sua inteligência e se rebaixam ao nível de animais irracionais, pois os insensatos supõem que o homem que evita a Deus pode ser inteligente!

Ai deles!
O apóstolo acrescenta: “Ai deles!” pois por um lado provocam o menosprezo de Deus e por outro trazem juízo contra si. O Senhor pronunciou ais contra os habitantes de Jerusalém e contra as cidades da Galileia: todos os profetas do Antigo Testamento também o fizeram contra o povo judeu e as outras nações; porém aqui, como em Apocalipse 8:13, o ‘ai’ é pronunciado a respeito da cristandade. É um “ai”mais terrível que o de outros tempos, pelo motivo dos superiores privilégios concedidos às nações cristãs. O que lhe parece? Você crê nisso? Há sentido na desgraça que pesa sobre este mundo cristianizado no meio do qual você vive? “Ai deles! Porque prosseguiram pelo caminho de Caim, e, movidos de ganância, se precipitaram no erro de Balaão, e pereceram na revolta de Coré”. Encontramos neste versículo três exemplos que nos descrevem o progresso do mal desde seu início até a apostasia, três passos que conduzem o homem à rebelião final contra Deus e contra Cristo.

Caim: a justificação pelas obras.
O primeiro caso é o de Caim. A religião de Caim não admite que a maldição de Deus pese sobre o homem e sobre o mundo por causa do pecado. Caim se apresenta diante de Deus com a ideia ilusória de que um pecador pode por si mesmo agradar a Deus. Por isso apresenta seu melhor trigo, fruto do seu trabalho e de seus esforços, como um sacrifício a Deus. Esta religião natural, princípio da apostasia, em nada difere da dos homens de hoje em dia, pois destes fala o apóstolo quando diz que “prosseguiram pelo caminho de Caim”. A religião destes consiste em tentar agradar a Deus através de suas obras. Sem considerar a Palavra de Deus, afastam da consciência a ideia de um juízo inevitável. Porém, o exemplo de Caim tem outro alcance. O fiel testemunho de Abel quanto à justificação pela fé, dá lugar ao ódio de Caim contra seu irmão, imagem também do ódio do povo judeu contra Cristo. Esse ódio contra o que é nascido de Deus caracteriza particularmente os últimos tempos em todo o Apocalipse.

Balaão: uma religião perversa
Se Caim representa o estado de todo o mundo religioso, o caso de Balaão tem um alcance mais restrito. É, se me atrevo a expressar assim, o mal eclesiástico. Já sabem quem era Balaão: um profeta; não um falso profeta, pois seus dons haviam sido recebidos de Deus, porém os unia a práticas idólatras: saía ao “encontro de maus presságios”. Presumia conhecer a vontade de Deus, de propósito ensinava erros. Com que finalidade? Por dinheiro! Cobrava por isso; obtinha um salário pelo ensino destinado a aniquilar o povo de Deus. Pouco importava a Balaão que Satanás estivesse por traz de tudo aquilo, seu intuito era enriquecer através disso. “Amou” - disse Pedro - “o prêmio da injustiça” (II Pedro 2:15). O Apocalipse nos revela um segundo caráter de Balaão, consequência forçosa do primeiro. Fala da “doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição” (capítulo 2:14). Por isto sabemos o que o livro de Números nos diz: que Balaão, vendo que perdia a sua recompensa, aconselhou a Balaque que seduzisse Israel por meio das filhas de Moabe, para fazê-lo curvar-se diante de Baal-Peor (Números 25:1-4). É triste ter que comprovar, queridos irmãos, que ensinar erros em troca de recompensa é uma das características da apostasia e que corresponde ao cristianismo de nossos dias. Vê-se ocupar o púlpito homens que negam as mais importantes verdades da fé e que ensinam o erro ocultando-o sob palavras destinadas a enganar aos ingênuos com o veneno que elas contêm. Esse erro não é algo futuro, pois, começava já a manifestar-se nos dias de Judas. Existe hoje também, e a palavra de Deus pronuncia o “ai” sobre quem o propaga.

Coré: um desafio aberto à autoridade divina
Encontramos, no caso de Coré, um último passo no caminho do mal: “e pereceram na revolta de Coré”. Coré era um levita que ambicionava usurpar a dignidade de Aarão no seu sacerdócio. Queria dominar o povo de Deus apoderando-se de um ofício atribuído numa ocasião ao irmão de Moisés e conferido na atualidade a Cristo. Lemos também, no livro de Números, que Coré havia se associado a Datã e Abirão rubenitas, os quais se levantaram contra Moisés e se recusaram a obedecê-lo. Moisés era, no seu tempo, o verdadeiro rei de Israel (Deuteronômio: 33.5). Na atualidade, este verdadeiro rei é Cristo, a Quem tem sido confiada a autoridade da parte de Deus. Coré, Datã e Abirão lhe negam obediência. É figura da aberta rebelião contra Cristo, o último caráter, em parte ainda futuro, da apostasia. Aproxima-se o dia em que a cristandade não desejará saber mais nada Dele, nem como sacerdote, nem como Rei, nem como Deus. Negará ao Pai e ao Filho. Este último caráter, a apostasia de Coré, é o pior de todos. Vemos, pelos juízos que caem sobre estes diversos personagens, de que forma Deus avalia as ações deles. Caim, amaldiçoado por Deus, caminha errante e vagabundo pela Terra; Balaão cai sob a espada de Israel juntamente com os reis de Midiã; a terra traga Coré e seus parentes, que descem vivos ao sepulcro, como precursores de seu último representante, o Anticristo, que terá a mesma sorte no lago de fogo. Tal é, queridos irmãos, os esclarecimentos dos princípios do mal. É necessário que todos nos demos conta do que é o mundo em sua relação com Deus e a sorte que o espera, e se isto é assim, seu futuro nos encherá de uma profunda piedade para com ele - como veremos no final desta epístola - de um zelo mais ardente para salvar as almas que fazem parte deste sistema. Porém, por outro lado, não podemos buscar sua amizade, já que o juízo pesa sobre sua cabeça. Moisés disse ao povo, quando houve a rebelião de Coré: “Desviai-vos, peço-vos, das tendas destes homens perversos” (Números 16:26). Um Israelita teria sido obediente à palavra do Senhor se houvesse ido apertar as mãos dos ímpios lhes declarando amizade? Esta desobediência, pelo contrário, não teria feito o israelita correr o risco de compartilhar da sorte deles?

Versículos 12-13“Estes homens são como rochas submersas, em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas; ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre.”

Todos estes exemplos do fim, assim como as palavras saídas em outro tempo da boca do profeta Enoque, se relacionam com “estes”, quer dizer, com os homens dos últimos tempos, e estes tempos são, para nós, os atuais. O apóstolo acrescenta ainda a esse quadro uma ruptura geral, na qual reconheceremos o mundo atual: a iniquidade contínua e a agitação sem trégua. São, disse, “nuvens sem água impelidas pelos ventos... ondas bravias do mar”. Isaías expressa o mesmo pensamento: “Mas os perversos são como o mar agitado, que não se pode aquietar, cujas águas lançam de si lama e lodo” (capítulo 57: 20). Se por casualidade parecem lançar raízes, são “árvores... duplamente mortas, desarraigadas”. Sim, o mundo atual está em contínuo movimento e sua marcha cada vez se acelera mais. Como seus trens, automóveis, aviões, etc... precipita-se para o abismo, temendo, ao pensar em conceder um só instante à reflexão, nesta corrida vertiginosa, para perguntar aonde vai e pensar seriamente em seu futuro. Lamentavelmente, como estrelas errantes, desaparecerão nas trevas eternas. Somente o cristão possui o repouso neste mundo, porque seu repouso está em Cristo. Seu coração e sua consciência têm edificado sobre a rocha dos séculos, eterno fundamento da fé.

A profecia de Enoque
Versículos 14-16: “Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades, para exercer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas as palavras insolentes que ímpios pecadores proferiram contra ele. Os tais são murmuradores, são descontentes, andando segundo as suas paixões. A sua boca vive propalando grandes arrogâncias; são aduladores dos outros, por motivos interesseiros.”

Enoque profetizou antes do dilúvio. Evidentemente sua visão de profeta advertia sobre o juízo que séculos mais tarde cairia sobre o mundo por meio do dilúvio, porém, olhava muito mais longe, no futuro. Sua profecia, através de milhares de anos, chega aos nossos dias, pois ela nos fala da vinda de Cristo em juízo com seus milhares de santos. Enoque não esperava o dilúvio - o qual não o alcançou - mas ao Senhor. Por isso, sua esperança se viu satisfeita, já que foi arrebatado sem passar pela morte e voltará com Cristo quando Ele vier acompanhado pelo exército celestial para executar vingança contra os homens ímpios de nossos dias. Depois de haver pintado o quadro dos ímpios em suas relações com Deus, o apóstolo considera ainda o caráter moral dos mesmos. Este exame é da maior importância, pois com frequência, quando falamos da horrível condição dos ímpios, pessoas bem intencionadas nos respondem: “Sem dúvida é angustiante que haja outro modo de pensar que o nosso sobre estes assuntos, porém são pessoas honradas, firmes e irrepreensíveis quanto à conduta, etc.”. É assim que a Palavra se refere a eles?  Ouçamos o que nos diz: “Os tais são murmuradores, são descontentes, andando segundo as suas paixões. A sua boca vive propalando grandes arrogâncias; são aduladores dos outros, por motivos interesseiros.”
“Murmuradores” (ou queixosos de sua sorte): Não é acaso o que cada vez mais caracteriza ao mundo que vive sem Deus? Um véu de descontentamento e de amarga tristeza se estende por todos os lugares sobre os espíritos; procura-se fugir disso por meio de uma agitação febril, porém, em vão. Podemos encontrar alguém feliz no mundo? Ainda, o pensamento de que outro alcançou o que desejava faz nascer ciúmes no coração: “queixosos de sua própria sorte”. O apóstolo acrescenta que “andando segundo as suas paixões. A sua boca vive propalando grandes arrogâncias”. O orgulho, a satisfação própria, a pretensão do poder, andam em concordância com a busca de secretos desejos do coração. Enfim “são aduladores dos outros, por motivos interesseiros”. Não é este o costume do mundo?  Professam admiração pelos demais, dizem palavras agradáveis pela vantagem que levarão nisso. Temos seguido até o fim desta triste enumeração dos elementos do mal, já amplamente desenvolvido em nossos dias e que estão às vésperas de precipitar essa corrida de uma forma que não se possa reprimir. A apostasia é como essas avalanches que vemos formar-se nas montanhas. A princípio não são senão alguns fragmentos de neve que vão rolando pelo declive da cobertura de neve. Estes fragmentos de neve arrastam a outros e, de repente, com uma rapidez desvairada, esta torrente sólida se precipita, arrasando tudo o que encontra pela frente, até que enche o vale com seus restos. O mundo atual pode esperar este desastre moral do fim de um momento para outro.

Exortações finais
Versículos 17-18: “Vós, porém, amados, lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais vos diziam: No último tempo, haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias paixões”.

Acabamos de ver o estado da cristandade e o juízo que lhe espera. Agora o apóstolo se dirige aos fiéis – a todos vocês, amados de Jesus Cristo – para exortá-los. Esta expressão “Vós, porém” é a contrapartida de “estes”. A vocês, filhos de Deus, o Espírito Santo ensina o que têm que fazer e qual a salvaguarda na presença do mal que aumenta. Ele (o Espírito) os conduz à Palavra de Deus tal como lhes tem sido transmitida no Novo Testamento pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo. A segunda epístola de Pedro, a qual contém a mesma exortação, acrescenta ao Novo Testamento o conteúdo do Antigo: “para que vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos” (capítulo 3:2). Da mesma forma, o versículo 18 de nossa epístola corresponde a 2 Pedro 3:3 “tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões”. Temos de recordar que “nos últimos dias” ou nos “últimos momentos”, sobrevirão escarnecedores. Sua atual aparição nos prova que temos chegado certamente a estes últimos tempos. Por um lado encontramos grande alívio ao pensar que, dentro de muito pouco tempo, todo este mal haverá terminado de desenvolver-se e seremos introduzidos na glória de nosso Senhor Jesus Cristo: porém, por outro lado a comprovação desta última forma do mal é a mais séria e deve nos colocar em guarda. O capítulo 3 da segunda epístola de Pedro descreve detalhadamente estes enganadores: “andando segundo as próprias paixões, e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação". Estas pessoas não são, como se poderia pensar, daquelas que tudo levam na brincadeira e que pretendem ridicularizar as coisas divinas: esta maneira de ser estava na moda há mais de um século e meio. Os enganadores dos últimos dias são enganadores formais e sérios que rejeitam a Palavra de Deus em nome da ciência e da razão e estimam que só é digno de ser crido o que se vê. Creem na eternidade da matéria, pois “as coisas permanecem como desde o princípio da criação”. Se professam uma alta estima pela pessoa de Jesus Cristo como personagem histórico e autêntico, sua carreira, na opinião dos mesmos, terminou na cruz. Portanto, rejeitam a promessa de sua vinda.

Versículo 19: “São estes os que promovem divisões, sensuais, que não têm o Espírito”.

Quando Judas escrevia, a Assembleia cristã subsistia ainda como um todo, tendo em seu seio gente “que promove divisões”. Não esqueçam amados leitores que existem duas classes de separação: uma aprovada por Deus, outra condenada por Ele. A primeira é a separação do mundo, segundo está escrito: “Retirai-vos do meio deles, separai-vos, diz o Senhor; não toqueis em coisas impuras; e eu vos receberei, e serei vosso Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso” (II Coríntios 6: 17,18). A outra consiste em separar-se destes homens “sensuais que não têm o Espírito”, quero dizer, a separação em meio à cristandade. Tais homens haviam falhado entre os fiéis, sem ser deles, e formavam no meio deles “heresias ou seitas de perdição”, tomando parte em suas provocações e corrompendo aqueles que não deveriam tê-los recebido. A primeira epístola de João nos mostra uma segunda fase da separação destes homens. “Saíram dentre nós, mas não eram dos nossos; porque, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; mas todos eles saíram para que se manifestasse que não são dos nossos” (1 João 2:19). O dever de todo cristão, em nossos dias, consiste em separar-se deles, em não admiti-los na Assembleia dos crentes e não se juntar a eles no terreno que ocupam. Procede-se assim? Não! Lamentável! A influência nociva dos homens “sensuais, que não têm o Espírito” é tolerada e aceita hoje em meio à profissão cristã!

Versículos 20-21: “Vós, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna.”

Depois de nos haver prevenido, a Palavra de Deus nos exorta e enumera nossos recursos em meio a este estado de coisas. Voltamos a encontrar aqui uma verdade muito preciosa da qual já temos falado, e é que Deus pode ser perfeitamente glorificado pelos seus no meio de uma cristandade arruinada.
A primeira exortação é que nos edifiquemos sobre nossa santíssima fé, a fé “que uma vez por todas foi entregue aos santos" (v 3). Como temos dito, é evidente que não podemos edificar-nos sobre o pobre fundamento do que se encontra em nosso coração, enquanto que esta fé – a doutrina cristã - contida na Palavra que nos tem sido confiada, é santíssima, porque por ela o Senhor quer nos separar eternamente do mundo, para Ele: “Santifica-os em tua verdade; a tua Palavra é a verdade” (João 17:17). A Palavra é, pois, nosso recurso para glorificar ao Senhor.
A segunda exortação é: “orando no Espírito Santo”. Se bem que Deus nos santifica para Ele, por meio das Sagradas Escrituras, também o faz pela oração. A oração manifesta nossa dependência em relação a Deus. Por ela nos aproximamos Dele e apresentamos nossas necessidades. Assim, entramos em relação direta com Ele em nossa vida cotidiana; porém, para que seja eficaz, a oração deve ser feita pelo Espírito Santo. De modo que sejamos santificados, separados para Deus, primeiro pela Palavra, e também pelo exercício habitual da oração. A terceira exortação é da maior importância: “Guardai-vos no amor de Deus”. O Espírito Santo tem derramado este amor em nossos corações e devemos conservar-nos nele, vigiando para que não haja em nossas almas a menor coisa que possa perturbar o gozo deste amor. A quarta exortação é: esperar “a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 21). É a esperança cristã. Esses versículos contêm, pois, os três sinais característicos do filho de Deus, tão frequentemente mencionados no Novo Testamento: a fé, o amor e a esperança. Essa última é tão importante como as outras duas; espera a vida eterna na qual só a misericórdia de Deus pode nos introduzir. Aqui, a vida eterna não é - como nos escritos de João - a que o cristão possui, mas aquela na que vai entrar, enquanto desfruta dela imperfeitamente aqui embaixo. Note que nestes versículos (20 e 21) nossos recursos consistem em nossas relações com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Versículos 22-23“E compadecei-vos de alguns que estão na dúvida; salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também compassivos em temor, detestando até a roupa contaminada pela carne”.

Temos também, como cristãos, deveres para com os que são contenciosos e deveres para com nossos irmãos. Enquanto os enganadores que disputam (como Satanás, seu amo, disputava com o arcanjo Miguel) temos que repreendê-los dizendo-lhes também: “O Senhor te repreenda!” Já não é tempo de tratar de persuadi-los. Estamos no tempo a respeito do qual nos é dito: “Quem é injusto faça injustiça ainda; e quem está sujo suje-se ainda; e quem é justo faça justiça ainda; e quem é santo seja santificado ainda” (Apocalipse. 22:11). Porém, as almas de nossos irmãos podem deixar-se seduzir por aqueles faladores e por suas falsas doutrinas que criticam a Palavra de Deus e a pessoa do Salvador. Que temos que fazer por eles? Salvá-los com temor, arrancando-os do fogo. Um cristão comparou a epístola de Judas com uma casa incendiada. É preciso salvar a todo o custo os moradores, inclusive arriscando a nossa vida: nenhum esforço deve ser medido, pois conhecemos o valor de suas almas. É preciso que se deem conta dos perigos iminentes no qual se encontram. Vamos salvá-las com temor. Tal é nosso objetivo principal ao dirigir aos cristãos a grave advertência contida nestas páginas. Assim, no que nos diz respeito, se queremos ser úteis aos demais, aprendamos a detestar até “a roupa contaminada pela carne”, a evitar todo o contato com quem professa impureza (a roupa é o símbolo da profissão) da qual nos fala esta epístola , chamando-a contaminação ou sociedade da carne (veja Apocalipse. 3:4). Da mesma maneira, na segunda epístola aos Coríntios, o apóstolo, depois de haver falado da obrigação imperiosa, para a família de Deus, de separar-se do mundo, acrescenta, quanto ao nosso testemunho individual: “purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus” (2 Coríntios 7:1). Queira Deus ajudar a todos os Seus filhos a colocar em prática estas coisas e a cada um deles ajudar a perguntar-se: você manifesta de forma prática as características recomendáveis por esta epístola para os tempos atuais? Se não podemos responder com um sim de maneira positiva, não deveríamos nos sentir profundamente humilhados ao ver que manifestamos tão pouco o que o Senhor nos recomenda?

Doxologia
Versículo 24: “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória”.

Diante disso, se não sabemos nos guardar das influências nocivas que nos rodeiam, temos um recurso: a ajuda de Deus! Só Ele é capaz de nos guardar. Confiemos Nele, pois, bem o sabemos, não podemos ter confiança em nós mesmos. Não é maravilhoso que esta epístola – que é um quadro do desenvolvimento irresistível do mal nos últimos dias - nos ensine ao mesmo tempo como podemos ser guardados de deslizes em um caminho cheio de obstáculos e emboscadas?
Nos anima por meio da certeza de que Deus é capaz de cumprir perfeitamente o que somos incapazes de fazer, e de nos colocar, pela eternidade, irrepreensíveis diante de sua glória, com gozo abundante. Que vigor nos inspiram essas palavras! Quão precioso é que sejam dirigidas para o tempo atual, e não para um tempo no qual tudo estava relativamente em ordem! Quão alentador é pensar que o poder de Deus não mudou, nem se deixa mudar pelas circunstâncias e se glorifica tanto mais quanto se manifesta num tempo de desolação moral e de ruína! Quanto mais vai crescendo a apostasia, mais indispensável é que não tenhamos confiança em nós mesmos e que nos apoiemos Naquele que quer nos guardar e nos introduzir no gozo eterno de sua glória.

Versículo 25: “ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!”

Não encontramos uma só epístola do Novo Testamento na qual o louvor ao Deus Salvador seja derramado tão ricamente como nesta epístola de Judas. Não somente nossa marcha pode glorificar a Deus nestes tempos maus, mas apreciaremos tanto mais sua glória quanto mais difíceis sejam as circunstâncias em que nos encontremos. Só o fato de reter o nome de nosso Senhor Jesus Cristo e de não negá-Lo quando é atacado por todos os lados, nos qualifica para compreender esta glória e celebrá-la, e nos faz provar antecipadamente da grande reunião celestial na qual serão pronunciadas ao redor do trono palavras semelhantes a estas : “Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder”! (Apocalipse 4:11).

Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças... Ao que está sentado no trono, e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio, pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 5:9, 13).

Amados irmãos e irmãs, que Deus nos ajude a enfrentar estas coisas, a não nos iludirmos acerca dos sinais dos dias que atravessamos, mas ouvir as exortações desta epístola.
Assim, em vez de manifestar uma culpável indiferença para o mal, ou de desanimarmos, andaremos cada vez mais firmes, tendo à nossa disposição o poder de Deus, sempre pronto a nos conduzir, nos sustentar e a nos guardar das quedas até a vinda gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.