“Moisés escreveu que o homem que pratica a justiça que vem da lei, viverá por ela. Mas a justiça que vem da fé, diz assim: Não digas no teu coração: Quem subirá ao céu (isto é, para trazer do alto a Cristo)? Ou: Quem descerá ao abismo (isto é, para fazer subir a Cristo dentre os mortos)? Mas que diz? A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a palavra da fé, que pregamos.” (Romanos 10.5-8)
1. O apóstolo não contrapõe o concerto feito por intermédio de Moisés à aliança feita por Cristo. Se imaginávamos isto, era por falta de observar que tanto a primeira como a última parte dessas palavras foram anunciadas pelo próprio Moisés ao povo de Israel, e dizem respeito ao pacto que já então vigorava. (Dt 30.11, 12, 14). Mas foi o pacto da graça que Deus, através de Cristo, estabelecera com os homens em todas as idades (antes e debaixo da dispensarão judaica; como desde que Deus, se manifestou em carne), que S. Paulo aqui contrapôs ao pacto das obras, feito com Adão no paraíso, mas comumente tido na conta de único pacto feito por Deus com os homens, principalmente pelos judeus, acerca dos quais escreve o apóstolo.
2. Desses é que o escritor tão afetuosamente falava no começo deste capítulo: “O desejo de meu coração e a oração a Deus por Israel é no sentido de que eles sejam salvos. Pois lhes dou testemunho de que têm zelo de Deus, porém não segundo o conhecimento; pois, ignorando a justiça de Deus” (a justificação que decorre de sua inteira misericórdia, livremente perdoando nossos pecados mediante o Filho de seu amor, pela redenção que há em Jesus), “e procurando estabelecer a sua própria” (sua própria santidade, antecedendo à fé naquele “que justifica o ímpio”, como fundamenta de seu perdão e aceitação), “não se submeteram à justiça de Deus”, e, conseqüentemente, buscaram a morte no erro de sua vida.
3. Ignoravam que “Cristo é o fim da lei para a justiça de todo o que crê”; que pela oblação de si mesmo, feita uma vez, pôs fim à primeira lei ou pacto (que na verdade não foi dado por Deus a Moisés, mas a Adão, em seu estado de inocência), cujo estrito teor era, sem nenhum abrandamento, este: “Faze isto e viverás”; e, ao mesmo tempo, adquiriu-nos aquela melhor aliança: “Crê e viverás”; “crê e serás salvo”, salvo desde já, tanto da culpa como do domínio do pecado, e, em conseqüência, do salário do pecado, que é a morte.
4. E quantos há, mesmo entre os que são chamados pelo nome de Cristo, que são ainda agora igualmente ignorantes! Quantos que têm “zelo de Deus”, mas não “segundo o conhecimento”, estão procurando ainda “estabelecer sua própria justiça”, como base de seu perdão e aceitação, e por isso veementemente se negam a “submeter-se à justiça de Deus!” Certamente que o desejo de meu coração e a oração que faço a Deus por vós, é no sentido de que sejais salvos. Para remover de vosso caminho esse grande tropeço, empreendo mostrar, primeiro, qual é a “justiça que é da lei” e qual a “justiça que é da fé”; segundo, a loucura de confiar na justiça da lei e a sabedoria que há no submeter-se à justiça que é da fé.
1. O apóstolo não contrapõe o concerto feito por intermédio de Moisés à aliança feita por Cristo. Se imaginávamos isto, era por falta de observar que tanto a primeira como a última parte dessas palavras foram anunciadas pelo próprio Moisés ao povo de Israel, e dizem respeito ao pacto que já então vigorava. (Dt 30.11, 12, 14). Mas foi o pacto da graça que Deus, através de Cristo, estabelecera com os homens em todas as idades (antes e debaixo da dispensarão judaica; como desde que Deus, se manifestou em carne), que S. Paulo aqui contrapôs ao pacto das obras, feito com Adão no paraíso, mas comumente tido na conta de único pacto feito por Deus com os homens, principalmente pelos judeus, acerca dos quais escreve o apóstolo.
2. Desses é que o escritor tão afetuosamente falava no começo deste capítulo: “O desejo de meu coração e a oração a Deus por Israel é no sentido de que eles sejam salvos. Pois lhes dou testemunho de que têm zelo de Deus, porém não segundo o conhecimento; pois, ignorando a justiça de Deus” (a justificação que decorre de sua inteira misericórdia, livremente perdoando nossos pecados mediante o Filho de seu amor, pela redenção que há em Jesus), “e procurando estabelecer a sua própria” (sua própria santidade, antecedendo à fé naquele “que justifica o ímpio”, como fundamenta de seu perdão e aceitação), “não se submeteram à justiça de Deus”, e, conseqüentemente, buscaram a morte no erro de sua vida.
3. Ignoravam que “Cristo é o fim da lei para a justiça de todo o que crê”; que pela oblação de si mesmo, feita uma vez, pôs fim à primeira lei ou pacto (que na verdade não foi dado por Deus a Moisés, mas a Adão, em seu estado de inocência), cujo estrito teor era, sem nenhum abrandamento, este: “Faze isto e viverás”; e, ao mesmo tempo, adquiriu-nos aquela melhor aliança: “Crê e viverás”; “crê e serás salvo”, salvo desde já, tanto da culpa como do domínio do pecado, e, em conseqüência, do salário do pecado, que é a morte.
4. E quantos há, mesmo entre os que são chamados pelo nome de Cristo, que são ainda agora igualmente ignorantes! Quantos que têm “zelo de Deus”, mas não “segundo o conhecimento”, estão procurando ainda “estabelecer sua própria justiça”, como base de seu perdão e aceitação, e por isso veementemente se negam a “submeter-se à justiça de Deus!” Certamente que o desejo de meu coração e a oração que faço a Deus por vós, é no sentido de que sejais salvos. Para remover de vosso caminho esse grande tropeço, empreendo mostrar, primeiro, qual é a “justiça que é da lei” e qual a “justiça que é da fé”; segundo, a loucura de confiar na justiça da lei e a sabedoria que há no submeter-se à justiça que é da fé.
I
1. Primeiro: “A justiça que é da lei diz: o que fizer estas coisas viverá por elas”. Constante e
perfeitamente observa todas as coisas para fazê-las, e então viverás para sempre. Esta lei ou pacto (usualmente chamado pacto das obras), dado por Deus ao homem no paraíso, requeria uma obediência perfeita em todas as suas partes, uma obediência completa, não faltando em coisa alguma, como condição de sua eterna perseverança na santidade e felicidade, destino para que fora criado.
2. O pacto requeria que o homem cumprisse toda a justiça, interior e exterior, negativa e positiva; que o homem não só se abstivesse de toda palavra ociosa e evitasse toda obra má, mas que guardasse toda a afeição, todo o desejo, todo pensamento, na obediência à vontade de Deus; que se conservasse santo como é Santo aquele que o criou, tanto no coração como em toda maneira de conversação; que fosse puro de coração como Deus é puro; perfeito como seu Pai celestial é perfeito; que amasse ao Senhor seu Deus de todo seu coração, de toda sua alma, de toda sua mente e de todas as suas forças; que ele amasse a toda alma que Deus fez, como o mesmo Deus o amou; que, pela benevolência integral, estivesse em Deus (que é amor) e Deus nele; que servisse ao Senhor seu Deus de todas as suas forças, e em todas as coisas unicamente ambicionasse a glória que dele vem.
3. Essas eram as coisas que a justiça da lei requeria, para que por elas pudesse viver o que as cumprisse. Mas a lei ainda exigia que essa obediência a Deus, essa santidade interior e exterior, essa conformidade do coração e da vida à sua vontade, fossem em grau perfeito. Nenhum abrandamento, nenhuma indulgência poderia ocorrer, de modo a determinar qualquer redução na intensidade da obediência, fosse no tocante a um til ou iota, fosse na prática interior ou exterior da lei. Se cada mandamento relativo às coisas externas fosse obedecido, ainda isto não era bastante, a não ser que nessa obediência se empenassem todas as forças, preenchendo-a o homem na medida mais elevada e cumprindo-a da maneira mais perfeita. O amar a. Deus com todos os poderes e faculdades ainda não corresponderia à exigência do pacto, a menos que Deus fosse amado com a plena capacidade de cada faculdade, com todas as reais capacidades da alma.
4. Ainda uma coisa requeria indispensavelmente a justiça da lei: exigia que essa obediência universal, essa perfeita santidade, tanto de coração como de vida, fosse também absolutamente ininterrupta, corresse sem a mínima intermitência, desde o momento em que Deus criou o homem e infundiu em suas narinas o sopro da vida, “até o dia em que terminasse sua carreira probatória e fosse confirmado na vida eterna.
5. A justiça que é da lei fala, pois, deste modo: “Tu, ó homem de Deus, permanece em amor, à imagem de Deus segundo a qual foste feito. Se queres viver, guarda os mandamentos, que estão agora escritos em teu coração. Ama o Senhor teu Deus de todo teu coração. Ama, como a ti mesmo, a toda a alma que ele fez. Nada desejes senão a Deus. Tem a Deus em mira através de todo pensamento, palavra e obra. Não te desvieis, num movimento insensato de corpo ou de alma, daquele que é teu alvo e o prêmio de tua alta vocação; e tudo quantO há em ti louve seu santo nome, nisto empenhando todo poder e faculdade de tua alma, em todo gênero, na mais elevada medida e em todos os momentos de tua existência. Faze isto e viverás: brilhe tua luz, flameje teu amor, mais e mais, até que sejas recebido nos céus, na casa de Deus, para reinar com ele pelos séculos dos séculos”.
6. Mas a justiça que é da fé fala deste modo: “Não digas em teu coração: quem subirá ao céu? Isto é, para trazer de cima a Cristo”, (como se houvera alguma tarefa impossível que Deus requeresse previamente de ti, para tua aceitação); “ou, quem descerá ao abismo? Isto é, poderá trazer a Cristo dentre os mortos”, (como se ainda houvera alguma coisa a ser feita, em virtude da qual pudesse ser aceito. “Mas que diz ele? A palavra”, de acordo com cujo teor podes ser agora aceita na qualidade de herdeiro da vida eterna, “está perto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé, que nós pregamos”, o novo pacto que Deus agora estabeleceu com o homem pecador, através de Cristo Jesus.
7. Por “justiça que é da fé” entende-se a condição de justificação (e, em conseqüência, de salvação presente e final, se permanecermos nela até o fim), que foi dada por Deus ao homem decaído, pelos méritos e pela mediação de seu unigênito Filho. Isto foi em parte revelado a Adão, logo depois de sua queda estando contido na promessa original, a ele feita, assim como à sua descendência, no tocante à semente da mulher, que devia esmagar a cabeça” da serpente” (Gn 3.15). Foi um pouco mais claramente revelado a Abraão pelo anjo de Deus, quando disse: “por mim mesmo jurei, diz o Senhor, que em tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra” (Gn 12.16, 18). Foi mais plenamente dado a conhecer a Moisés, a Davi e aos profetas que se seguiram; e, através destes, a muitos dentre o povo de Deus em suas respectivas gerações. Mas ainda assim a massa permaneceu ignorante, sendo poucos os que tiveram real compreensão. “A vida e a imortalidade” não tinham ainda “vindo à luz” para os judeus do
passado, como a nós nos vieram “pelo Evangelho”.
8. Este pacto não diz ao homem pecador: “Guarda impecável obediência e vive”. Se esta fosse a condição, não adviria maior benefício de tudo quanto Cristo fez e sofreu por ele do que colheria se lhe fosse exigido, para que pudesse viver, que “subisse ao céu e de lá trouxesse a Cristo”, ou “descesse ao abismo”, ao mundo invisível, e “trouxesse a Cristo dentre os mortos”. Embora o que é impossível ao mero homem não o seja, todavia, ao homem assistido pelo Espírito, Deus não exige, contudo; que o homem faça o impossível: isto seria, simplesmente zombar da fraqueza humana. Estritamente falando, o pacto da graça não requer, na verdade, “que façamos coisa alguma como absoluta, e indispensavelmente necessário à nossa justificação; mas exige somente crer naquele que, por amor de seu Filho e em atenção a propiciação que este fez, “justifica o ímpio que não tem obras” e lhe imputa sua fé como justiça. Também Abraão “creu no Senhor, e isto lhe foi imputado como justiça” (Gn 15.6). “E ele recebeu o, sinal da circuncisão, o selo da justiça da fé para que pudesse ser o pai de todos os que crêem, e para que essa justiça pudesse ser também imputada a eles.” (Rm 4.11). “Isto não foi escrito somente por causa dele, quê ela (isto é, a fé), lhe foi imputada; mas também por nossa causa, a quem ela será imputada” para a justiça, permanecendo o homem na perfeita obediência, para nossa aceitação na presença de Deus, “se nós cremos naquele que levantou a Jesus nosso Senhor dentre os mortos, o qual foi entregue” à morte “por nossas ofensas e foi ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4.23-25): para segurança da remissão de nossos pecados e garantia de uma segunda vida, em relação aos que crêem.
9. Que diz, pois, o concerto de perdão, de amor imerecido, de misericórdia perdoadora? “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo”. No dia em que tu creres, certamente viverás. Serás restaurado no favor de Deus; e em seu” beneplácito está a vida. Serás salvo da maldição e da ira de Deus. Passarás da morte do pecado para a vida da justiça. E, se perseverares até o fim, crendo em Jesus, jamais provarás a segunda morte; antes, havendo padecido com teu Senhor, com Ele também viverás e reinarás pelos séculos dos séculos.
10. Agora “esta palavra está próxima de ti”. Esta condição de vida é clara e fácil, sempre estando ao alcance da mão. “Está em tua boca e em teu coração”, mediante a operação do Espírito de Deus. “No momento em que creres em teu coração” naquele a quem Deus “levantou da morte”, e “confessares com tua boca o Senhor Jesus” como teu Senhor e teu Deus, “serás salvo” da condenação, da culpa e da punição de teus pecados primitivos, e terás poder de servir a Deus em verdadeira santidade, ao longo dos dias restantes de tua vida.
11. Qual é, pois, a diferença entre a “justiça que é da lei” e a “justiça que é da fé”, entre o primeiro pacto, ou o pacto das obras, e o segundo, que é o pacto da graça? A essencial, imutável diferença, é esta: um supõe o homem previamente santo e feliz, criado à imagem de Deus e gozando de seu favor, e prescreve a condição sob a qual possa continuar assim, em amor e alegria, vida e imortalidade; o outro supõe ser o homem atualmente ímpio e infeliz, decaído da gloriosa imagem de Deus, tendo sobre si a ira do Senhor e correndo, devido ao pecado, pelo qual sua alma está morta, rumo à destruição corporal e à perdição eterna; e ao homem em tal estado prescreve-se a condição pela qual possa recuperar a pérola que havia perdido, reaver a graça e reavivar a imagem do Criador, restabelecer a vida divina em sua, alma e ser restaurado no conhecimento e no amor de Deus, que é o princípio da vida eterna.
12. Mais: o pacto das obras requeria do homem perfeito, para que continuasse no favor de Deus, em seu conhecimento e amor, uma perfeita e ininterrupta obediência a cada artigo da lei de Deus; enquanto que o segundo pacto, para possibilitar ao pecador a reaquisição da graça: e da vida divina, requer somente fé, a viva fé naquele que, através de Deus, justifica o que não obedece.
13. Ainda mais: o pacto das obras requeria de Adão e de todos os seus filhos o pagamento do preço de si mesmos, de modo que pudessem receber todas as bênçãos futuras de Deus. Mas no pacto da graça, vendo Deus que não” tínhamos nada com que pagar, “francamente nos perdoou tudo”, sob a condição, porém, de crermos naquele que por nós pagou o preço de resgate, isto é, naquele que se deu a si mesmo em “propiciação pelos nossos pecados e, não somente pelos nossos, mas pelos de todo o mundo”.
14. Assim, o primeiro pacto requeria aquilo que está muito fora do alcance dos filhos dos homens, isto é, a obediência perfeita, que longe está dos que são “concebidos e nascidos em pecado”; enquanto que o segundo requer o que está muito à mão, de modo a poder afirmar: “Tu és pecado, Deus é amor! Tu, pelo pecado, decaíste da graça de Deus; todavia em Deus “ainda há misericórdia. Traze todos os teus pecados perante o Deus perdoador, e eles se dissiparão como fumo. Se não foras ímpio, não haveria lugar para que Ele te perdoasse como ímpio. Aproximaste agora, em plena segurança da fé. Ele fala, e o que diz sem falta se cumpre. Não temas: crê somente; porque o justo Deus justifica a todo aquele que crê em Jesus”.
II
1. Consideradas estas coisas, fácil será mostrar, como, em segundo lugar, prometi fazê-lo, a loucura de confiar na “justiça que é da lei” e a sabedoria que há em “submeter-se à “justiça que é da fé”. A loucura daqueles que ainda confiam na “justiça que é da lei”, cujos termos são: “Faze isto e viverás”, claramente ressalta desde logo: eles partem do erro; seu primeiro passo é um engano fundamental: porque, antes que pensem em reclamar qualquer bênção, nos termos desse pacto, devem supor-se na condição daquele com quem o pacto se fez. Quão frívola seria, entretanto, tal suposição! O pacto fora feito com Adão em estado de inocência! Quão fraco deve ser, logo, todo o edifício desde que repouse sobre tal fundamento! E como são loucos os que assim constroem sobre a areia, parecendo nunca terem considerado que o pacto das obras não foi dado aos homens que estavam “mortos em palitos e pecados”, mas querido o homem se fizera vivo em relação a Deus, quando não conhecia pecado, mas era santo como Deus é santo; como são loucos os que se esquecem de que tal concerto jamais teve a função de restabelecer na alma, uma vez perdidas, a graça e a vida de” Deus; mas somente a continuação e o aumento dos favores espirituais, até que estes se completem na vida eterna!
2. Nem eles consideram, os que estão tentando estabelecer sua “própria justiça, que é da lei”, que espécie de obediência ou justiça a lei indispensavelmente exige. A obediência deve ser perfeita e integra em todos os pontos; do contrário não responderá às exigências da lei. Mas, qual de vós é capaz de realizar tal obediência, e, conseqüentemente, viver por ela? Quem dentre vós cumpre todo iota ou til, mesmo dos mandamentos exteriores do Deus, coisa alguma fazendo, grande ou pequena, que Deus proíba; nada deixando de fazer de tudo quanto Ele recomenda; não pronunciando nenhuma palavra ociosa, mas tendo a conversação sempre “apta a ministrar graça aos ouvintes”; e observando o que diz o apóstolo: “quer com ais ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus”? E vós, pecadores, muito menos capazes sois de cumprir todos os mandamentos internos de Deus ― aqueles que exigem que
todo impulso e todo movimento de vossa alma sejam santidade à vista do Senhor! Sois capazes de “amar a Deus que todo vosso coração”, de amar a toda a humanidade como à vossa própria alma, de “orar sem cessar, de em tudo dar graças”, de ter a Deus sempre diante de vos e de guardar toda afeição, desejo e pensamento na obediência e essa lei?
3. Deveis também considerar que a justiça da lei requer, não apenas obediência a cada mandamento de Deus, negativo e positivo, interno e externo, mas do mesmo modo exige que ta! Obediência se mantenha em grau perfeito. Em cada caso a voz da lei é esta: “Servirás ao Senhor teu Deus de toda tua força”: não concede redução de espécie alguma, não escusa nenhum defeito; condena qualquer discrepância verificada na inteira medida da obediência e imediatamente pronunCia maldição contra o transgressor. A lei somente encara as regras invariáveis da justiça, e diz: “Não sei usar de misericórdia!”
4. Quem pode, logo, aparecer diante de tal Juiz, que é “severo para anotar o que seja encontrado em falta”? Quão fracos são os que desejam ser levados ao tribunal, onde “nenhuma carne pode ser justificada” - alma alguma da descendência de Adão! Porque, suponhamos que no presente guardemos, de todas as nossas forças, todos os mandamentos: eis que sobrevém uma transgressão mínima - e toda nossa aspiração à vida será no mesmo instante irremediavelmente destruída! Se transgredirmos um ponto qualquer da lei, acabou-se nossa justiça, visto que a lei condena tudo quanto não preencha a medida contínua e perfeita da obediência. Assim, de acordo com a sentença da lei, para o que tenha pecado uma vez, de qualquer modo, “permanece apenas uma tremenda expectação de ardente ira, que devorará os adversários de Deus”.
5. Não é, pois, loucura das loucuras, procurar o homem decaído alcançar a vida através dessa justiça; o homem, que foi “concebido em iniqüidade e em pecado o concebeu sua mãe”; o homem, que é, por natureza, inteiramente “terreno, sensual e diabólico”, a par de “corrupto e abominável”, em quem, até que encontre a graça, “não habita nenhum bem”, nem pode de si mesmo nutrir nenhum pensamento bom; o homem, que é, na verdade, todo pecado, um simples amontoado de iniqüidade e que comete impiedade a cada respirar; o homem, cujas transgressões atuais, em palavras e obras, são em número maior que o de seus cabelos?! Que obtusidade, que insensatez é necessária para que um tal verme impuro, culpado, desamparado, ouse buscar aceitação por sua própria justiça, ouse viver pela “justiça” que é da “lei”!
6. Ora, todas as considerações que provam a loucura de confiar na “justiça que é da lei”, igualmente provam a sabedoria que há no submeter-se o homem à “justiça que é, de Deus pela fé”. Seria fácil mostrar isto pelo confronto de cada uma das considerações precedentes. Desisto, porém, de tal demonstração, já que a sabedoria do primeiro passo dado em direção à. fé, - a renúncia de nossa própria justiça, - claramente evidencia desde logo que estamos agindo de acordo com a verdade e com a real natureza das coisas. Que está mais de acordo com a verdade do que reconhecermos em nosso coração e declararmos pelos nossos lábios o estado verdadeiro em que nos encontramos? Reconhecermos que conosco trazemos para o mundo umas naturezas corruptas, pecaminosas; mais corrupta, na verdade, do que poderíamos à primeira vista conceber ou encontrar palavras que o traduzissem; que, em razão disto, estamos prontos para tudo que é mau e somos avessos a todo bem; que estamos cheios de orgulho, obstinação, paixões desordenadas, desejos insensatos, afeições vis e atordoantes; que somos amigos do mundo, mais amigos dos prazeres do que de Deus? Reconhecermos que nossa vida não tem sido melhor do que nossos corações, sendo antes ímpia e perversa sob muitos aspectos, de modo que nossos pecados atuais, tanto em palavras como em obras, são, pelo número, como as estrelas do céu? Reconhecermos que, por todos esses motivos, estamos desagradando àquele cujos olhos são demasiadamente puros para contemplarem a iniqüidade, e que de Deus nada merecemos, senão indignação, ira e morte, - as recompensas atraídas pelo pecado? Reconhecermos que não podemos, mediante qualquer justiça nossa (na verdade nenhuma possuímos), nem por qualquer de nossas obras (porque estas são como a árvore que as produzem), apaziguar a ira de Deus ou evitar a punição que justamente merecemos; sim, que abandonados a nós mesmos, somente poderíamos ir de mal a pior, afundando-nos cada vez mais profundamente no pecado, ofendendo a Deus cada vez mais atrozmente, tanto pela maldade de nossas obras, como pela tendência má de nossa mente carnal, até que tenhamos preenchido a medida de nossas iniqüidades e façamos cair sobre nós repentina destruição? E esta não é a verdadeira condição em que por natureza nos encontramos? Reconhecê-lo; pois, tanto de coração como por palavras, isto é, renunciar à nossa própria justiça, à “justiça que é da lei”, - é proceder de acordo com a natureza das coisas e, conseqüentemente, é gesto de verdadeira sabedoria.
7. A sabedoria de submeter-se à “justiça da fé” transparece, ainda, desta consideração: o ser ela a justiça de Deus. Quero dizer: ela é o método de reconciliação com Deus, escolhido e estabelecido por Ele próprio, não apenas como Deus de sabedoria, mas como soberano Senhor dos céus e da terra e de todas as criaturas. Não é razoável que o homem pergunte a Deus: “Que fazes tu?”, pois que ninguém, a não ser que seja inteiramente desprovido de senso, contenderá com o que é mais poderoso, com aquele cujo reino abrange tudo; ao contrário, constitui verdadeira sabedoria, é sinal de segura compreensão, o aceitar as coisas que Deus escolheu, dizendo a propósito disto como de quaisquer outras coisas: - “Ele é o Senhor: faça o que bem lhe parecer”.
8. Pode-se considerar, ainda, que é de graça espontânea, de imerecida misericórdia, que Deus outorga ao pecador o roteiro da reconciliação consigo mesmo, para que não sejamos desligados de sua mão e inteiramente riscados de sua memória. Por isso, qualquer que tenha sido o método que Deus, por sua terna misericórdia e imerecida bondade, tenha se dignado apontar, no intuito de que achem graça à sua vista os seus inimigos, os que tão insensatamente se rebelaram contra Ele, mantendo-se em longa e obstinada oposição ao Criador; qualquer que tenha sido esse método, é, indubitavelmente, sábio aceitá-lo com toda reverência!
9. Mencionaremos ainda uma consideração. É sabedoria ambicionar os melhores fins através dos meios melhores. Ora, o melhor fim a que pode almejar a criatura é a felicidade em Deus. O melhor fim a que pode aspirar à criatura decaída é recuperar a graça e a semelhança de Deus. Mas o meio melhor, e, na verdade, único, que abaixo dos céus foi dado ao homem, pelo qual ele pode reconquistar o favor de Deus, que ê mais excelente do que a própria vida, ou a semelhança de Deus, que é a verdadeira vida da alma, - é a sujeição à “justiça que é da fé”, a fé noUnigênito Filho de Deus.
III
1. Tu, quem quer que sejas, que tens o desejo de ser perdoado e restaurado no favor de Deus, não digas em teu coração: “Devo fazer primeiro isto, devo primeiro dominar todo o pecado, devo eliminar toda palavra e obra má e fazer todo bem a todos os homens; ou, devo ir primeiro à igreja, receber a Ceia do Senhor, ouvir mais sermões e fazer mais orações”. Ai, meu irmão! tu estás perfeitamente transviado da justa vereda! Tu és ainda “ignorante da justiça de Deus” e estás “procurando estabelecer tua própria justiça” como base de tua reconciliação. Não sabes que coisa alguma podes fazer, senão pecar, até que te reconcilies com Deus? Como, então, dizes: “Devo fazer isto ou aquilo primeiro e depois crerei?” Nada faças, senão crer primeiro! Crer no Senhor Jesus Cristo, a propiciação pelos teus pecados. Lança primeiro este bom fundamento e depois farás maravilhosamente todas as outras coisas.
2. Nem digas em teu coração: “Não posso ainda ser aceito, por que não sou ainda bastante bom”. Quem jamais houve que fosse bastante bom para merecer aceitação por parte de Deus? Houve Jamais dentre os filhos de Adão algum suficientemente bom para merecer isto? Haverá, porventura, ainda algum, até a consumação de todas as coisas? Quanto a ti, não és bom de forma alguma: em ti não há nada de bom. E nunca o serás, até que creias em Jesus. Ao contrário, serás cada vez pior. Mas há necessidade de seres pior para que sejas aceito? Já não éssuficientemente mau? Na verdade tu o és; Deus o sabe. Tu não podes negá-lo. Então, não te demores. Todas as coisas já estão dispostas. “Levanta-te e lava-te de teus pecados”. A fonte está jorrando. Agora é o tempo de te branqueares no sangue do Cordeiro; agora serás purificado como “com hissopo” e “serás limpo”: Ele te lavará e “serás mais puro do que a neve”.
3. Não digas: “Não estou bastante contrito: não tenho sentimento bastante forte de meus pecados”. Eu o sei. Prouvera a Deus fosses mais sensível aos pecados, mil vezes mais contrito do que és. Mas não te detenha ai. Pode ser que Deus te coloque em tal estado de sentimento e contrição, não antes que creias, mas pelo teu próprio ato de crer. Pode ser que não tenhas de chorar longamente até que muito ames porque muito tenhas sido perdoado. Até que isto se dê, olha para Jesus. Vê como Ele te ama! Que podia fazer mais por ti, além do que já fez?
“Ó Cordeiro de Deus! Houve jamais sofrer, Houve jamais amor semelhante ao teu?”
Olha fixamente para Ele, até que Ele -olhe para ti e quebre teu duro coração. Então tuas faces serão “águas” e teus “olhos fonte de lágrimas”.
4. Nem digas ainda: “Devo fazer alguma coisa mais antes de ir a Cristo”. Conceda-se que, retardando o Senhor sua vinda fosse razoável e certo esperares por sua aparição, fazendo, quando estivesse em tuas mãos, qualquer coisa que Ele houvesse ordenado. Mas não é razoável tal suposição. Como sabes que Ele se demore ainda? , Talvez que Jesus apareça, como a aurora vista do alto, antes que clareie a manhã. Oh! Não lhe fixes tempo! Espera-o a cada momento. Agora está Ele próximo; em breve estará à porta!
5. E para que fim quererias tu esperar por maior sinceridade, antes que teus pecados sejam cancelados? Fazeres-te mais digno da graça de Deus? Ai! Estás ainda “estabelecendo tua própria justiça”! Ele terá misericórdia, não porque seja digno dela, mas porque sua compaixão não falha. Não porque sejas justo, mas porque Jesus Cristo fez propiciação pelos teus pecados.
Mais: se houver qualquer coisa boa em sinceridade, porque o esperas antes que tenhas fé, - sendo esta a única raiz de tudo que é realmente bom e santo?
Acima de tudo, por quanto tempo tu te obstinas em esquecer que, tudo que fizeres e tudo quanto és, antes que teus pecados sejam perdoados, reputa-se como nada diante de Deus, como meio de assegurar perdão! Sim, tudo será arrojado para longe de ti, calcado sob os pés, olvidado, ou nunca acharás graça à vista de Deus; porque, enquanto não fizeres assim, não poderás pedir graça no caráter de mero pecador, culpado, perdido, arruinado, nada tendo a alegar, nada a oferecer, a não ser somente os méritos de seu bem-amado Filho, “que te amou e se entregou por ti!”
6. Em conclusão: quem quer que sejas, ó homem, que trazes a sentença de morte dentro de ti mesmo, que te sentes pecador condenado e tens a ira de Deus pendente sobre ti, a ti diz o Senhor, - não “Faze isto - obedece perfeitamente a todos os meus mandamentos - e viverás”; mas, “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo”. “A palavra da fé está próxima de ti”: agora, neste instante, no momento presente e no teu estado atual, pecador como és, exatamente como estás, crê no Evangelho; e “Eu serei misericordioso para com tua injustiça e de tuas iniqüidades jamais me lembrarei”.
John Wesley
(1703 – 1791)
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