Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem.
1 Timóteo 2:5
1 Timóteo 2:5
Minha proposta aqui não é adentrar pelos corredores da história em seus concílios, credos, confissões e resoluções eclesiásticas sobre as controvérsias cristológicas, talvez, em outro momento tratemos disso. O objetivo é trazer à tona a importância dos princípios da reforma ainda para nossos dias e como eles permanecem atuais e necessários à pregação e ensino no labor da igreja. Através de uma breve exposição do texto mencionado em 1Timóteo iremos refletir na importância desse assunto referente a pessoa do Senhor Jesus no ensino da igreja.
É interessante pontuarmos que os reformadores utilizaram-se desse texto para defesa de Cristo como único mediador, frente às heresias do catolicismo que já defendia a intercessão dos santos dizendo que isso ocorria por serem indignos de estarem perante a face de Deus. Tamanha heresia que invalida a obra de Cristo como sumo sacerdote do seu povo e a sua obra expiatória na cruz do calvário. Semelhante ensino se encontra ainda hoje, não somente nos adendos do catolicismo romano, mas, em muitas igrejas ditas evangélicas. A figuração de líderes como tendo uma “oração poderosa”, que quando oram Deus responde, ou quando “ministram” milagres acontecem, “homens cheios do poder de Deus”. Claro que o título de mediador ainda não foi dado a eles, pelo menos ainda não, mas, o ofícios que tem arrogado para si são pertencentes a Cristo e somente a Cristo.
Quando lemos a epístola de Paulo aos Colossenses observamos no segundo capítulo que um dos problemas heréticos que a igreja enfrentava era a mediação de anjos, anjos intercessores, mediadores. As teias do gnosticismo ou do que viria a ser o gnosticismo de forma mais contundente anos mais tarde, estenderam-se ao catolicismo e se arrasta até hoje, como uma serpente venenosa. Não somente nas religiões pagãs, mas nas igrejas evangélicas.
A verdade Bíblica sobre a mediação de Cristo precisa ser pregada e enfatizada nas igrejas, os púlpitos estão vazios de verdade e transbordantes de falácias diabólicas. As verdades pregadas pelos reformadores são urgentes para nossos dias, não há nada novo debaixo do sol, como disse Salomão em Eclesiastes.
Reconhecemos algumas intertextualidades utilizadas por Paulo no capítulo 2 da primeira epístola escrita a Timóteo. O primeiro emprego que podemos identificar aqui é na declaração cristológica em 2.5,6. Quando Paulo diz que há um só Deus (Dt 6.4). Ao vermos depois Cristo mostrado como mediador e de imediato no texto como άνθρωπος Χριστός Ιησούς (o homem Cristo Jesus), essa expressão dá impulso a formulação cristológica conforme Philip H. Towner:
Mas, ao se referir ao Mediador com essa expressão, Paulo também acessa um tema desenvolvido no messianismo, o de “um homem para governar as nações” (Nm 24.7,17 LXX) e “um homem que salvará” (Is 19.20) [...] Vários temas e ideias ligam os dois discursos do AT e tornam a combinação um quadro interpretativo atraente e bem elaborado sobre a extensão da obra de Cristo.[i]
Cristo é mostrado como mediador, àquele que cumpre a promessa do Antigo Testamento, quando o texto cita “Cristo Jesus, homem”, Porque “homem” aqui é messiânico. Também é válido ressaltar que da mesma forma que há um único Deus há um só mediador, assim como há um só criador de todos os homens, há somente um que nos leva a Deus. Paulo quando usa o termo “Cristo Jesus, homem” não está negando a divindade de Cristo, antes, está mostrando algo maravilhoso principalmente naquele período histórico em que se buscava tantos mediadores entre Deus e os homens como se Deus estivesse distante dos homens. Paulo está dizendo que Deus não está distante, mas é Deus conosco, Emanuel (Mt 1.23). Lemos em Hebreus 4.15: Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.
Sob a antiga dispensação, o Sumo Sacerdote, depois de haver oferecido sacrifícios pelo pecado no átrio exterior, era instruído, no dia da expiação, a tomar o sangue das vítimas e um incensário com incenso queimado e a entrar dentro do véu, e ali apresentar o sangue diante de Deus, aspergindo-o sobre o propiciatório. Da mesma forma, tal como nos ensina o Apóstolo, Cristo, tendo-se oferecido na cruz como sacrifício por nossos pecados, ultrapassou os céus para comparecer diante de Deus em nosso favor. Portanto, dele se diz que é ministro do verdadeiro tabernáculo, que erigiu o Senhor, e não o homem. Seu oficio sacerdotal é agora exercido no céu, onde vive para interceder por nós. (HODGE, 2010, p.926).
A obra mediadora de Cristo é de suma importância no entendimento da doutrina cristológica. Calvino nos diz em seu comentário de 1 Timóteo 2.5 que Deus queria que
...se ficasse impresso nos corações de todos homens que o filho de Deus nos estende a mão de irmão, e que está unido a nós por participar da nossa natureza, quem não escolheria andar nessa vereda plana em vez de vaguear por trilhos irregulares e íngremes? Por conseguinte, sempre que oramos a Deus, se por ventura a lembrança de sua sublime e inacessível majestade obscurecer de medo nosso espírito, lembremos de que o homem Cristo gentilmente nos convida e nos toma em sua mão, de modo que o Pai, de quem tínhamos medo e tremíamos, se nos tornou favorável e amigável. Eis a única chave capaz de reabrir-nos a porta do reino dos céus, de modo que agora podemos comparecer confiantes na presença de Deus.[ii]
Portanto nos mostra a Escritura que a obra mediadora de Cristo é amplíssima e nos atrai a união com ele. O texto nos diz que Cristo homem nos leva a Deus, ele nos reconciliou com o Pai. Nada, nem ninguém, poderão levar o homem a Deus que não seja o seu Filho amado. Somente Cristo intercede por nós junto a Deus, a intercessão que o catolicismo defende proveniente de santos não tem base bíblica, mas somente na tradição católica, por isso é um engodo. Usando esse texto e dizendo que Cristo é o mediador da redenção e os santos são mediadores da intercessão violam os princípios corretos de interpretação das Escrituras. Veja que a intercessão de que o capítulo trata tem alguns pontos importantes que refutam essa heresia da igreja romana. Primeiro, Paulo nos diz que a igreja deve fazer súplicas, orações e intercessões por todos os homens, note que quem intercede pelos homens em oração é a igreja aqui na terra, a igreja visível, em nenhum momento o texto faz menção a santos que morreram intercedendo pelos vivos aqui na terra. Segundo, a intercessão dos homens não é comparativa a intercessão de Cristo como mediador e intercessor do seu povo. Terceiro, Jesus ensinou que ninguém vai ao Pai senão por ele (Jo 14.6). Quarto, lemos em Lucas 16.19-31 que mortos não podem interceder pelos vivos, a oração de mortos em favor de vivos não tem base na Escritura. Fraçois Turretini nos dá uma importante definição da mediação de Cristo:
Como mediador, coube-lhe agir em favor de ambos os lados (junto a Deus ofendido e junto ao homem ofensor) a fim de remover os obstáculos rumo à reconciliação, ele realmente agiu de ambas as formas – tanto satisfazendo e intercedendo quanto a nós junto a Deus (como sacerdote), como quanto a Deus junto a nós, então operando em nós. Daí todos esses atos serem distinguidos em imperativos (pelos quais aquela reconciliação foi adquirida e dos quais ela depende) e aplicativos e conservativos (pelos quais todos eles são aplicados e conservados). Pelo primeiro, Cristo o Mediador e Salvador por mérito; pelo segundo, ele é Salvador e Mediador por eficácia.[iii]
Aqui (no v.5) notamos que o conceito é amplo, Jesus como mediador leva os homens a Deus, isso implica em conduzi-los ao pleno conhecimento da verdade (v.4) e os leva a testemunhar dessa verdade (v.6). Não podemos deixar de mencionar aqui alguns textos importantes de Hebreus (Hb 8.6; 9.15;12.24), por nos mostrarem Cristo como mediador da nova aliança.
Segundo o catecismo de Heidelberg devemos buscar um mediador que deve ser um homem verdadeiro e justo:
Pergunta 15. Que tipo de mediador e salvador então, devemos buscar?
Resposta. O mediador deve ser um homem verdadeiro e justo, contudo, mais poderoso que todas as criaturas; portanto, alguém que é, ao mesmo tempo, verdadeiro Deus.
O catecismo ainda nos responde porque o mediador tem que ser um homem verdadeiro e justo. Ainda nos diz a resposta da pergunta 16 do catecismo:
Deve ser verdadeiro homem porque a justiça de Deus exige que o homem pague o pecado do homem. Deve ser justo porque alguém que tem seus próprios pecados não pode pagar por outros.
Ainda questionamos segundo o catecismo porque o mediador deve ser, ao mesmo tempo Deus?
Resposta. Porque somente sendo verdadeiro Deus ele pode suportar, como homem, o peso da ira de Deus, conquistar e restituir para nós a justiça e a vida.
Diante de tamanha grandeza da obra salvadora do Deus triúno ainda respondemos o questionamento,
Quem é o mediador que, ao mesmo tempo, é verdadeiro Deus, homem verdadeiro e justo?
Resposta. Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos foi dado graciosamente para completa salvação e justiça.
Como podemos saber disso? Como podemos ter certeza disso? A pergunta 19 do catecismo de Heidelberg nos responde:
Temos certeza [...] Pelo Santo Evangelho que o próprio Deus, de inicio, revelou no paraíso. Depois mandou anunciá-lo pelos santos patriarcas e profetas, e o prefigurou por meio dos sacrifícios e das outras cerimônias do Antigo Testamento. Finalmente, o cumpriu no seu filho.[iv]
Essa é a verdade que as Escrituras nos mostram sobre a obra mediadora de Cristo, somente Cristo pode nos levar a Deus. Somente Cristo é o caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6).
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