Em Abril de 2010, o eticista Joel Marks sentou-se em frente ao seu computador e escreveu uma confissão para os leitores da coluna “Moral Moments” na revistaPhilosophy Now. Sua confissão dizia que ele tinha feito algo imoral. Sua confissão era que ele não poderia ter feito qualquer coisa imoral, em qualquer momento de sua vida, pois não exista coisa como a moralidade. Ou, ao menos, isso foi o que ele concluiu. O autor de “Moral Moments” saiu do armário como um “amoralista”. Como ele mesmo coloca na primeira parte do seu “Manifesto Amoral”:
Marks imediatamente passa a explicar o raciocínio por trás de sua “epifania chocante” (negrito acrescentado):
Você entendeu: os neo-ateus como Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Sam Harris, são “ateus suaves”, porque eles negam a Deus mas ainda assim querem afirmar o realismo moral. O problema é que essa posição não é coerente nem estável, porque procura afirmar um fenômeno (neste caso, as normas morais objetivas) e ao mesmo tempo negar a estrutura metafísica que plausivelmente poderia explicar esse fenômeno. Marks resume como ele raciocinou o seu caminho do ateísmo “suave” para o “rígido”:
Em alguns aspectos, a confissão de Marks não é tão surpreendente. Afinal de contas, os teístas têm feito esse mesmo tipo de argumento (sem Deus, sem moral) por séculos. Além disso, um grande número de ateus influentes já fez a “boa confissão”: Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre, J. L. Mackie, e (mais recentemente) Alex Rosenberg.
Então eu não vou focar sobre o que acho que deve ser razoavelmente evidente para aqueles que refletiram sobre os fundamentos metafísicos da moralidade. Ao invés disso, quero me concentrar em alguns comentários que Marks faz na segunda parte do seu “Manifesto Amoral” que, embora tangencial às suas preocupações, creio ser bastante revelador e extremamente significativo. Pois o que Marks sugere nestas observações posteriores é que um ateu consistente deveria ser não só um amoralista que nega as normas morais objetivas, mas também um não-racionalista (i.e., alguém que nega a existência de normas racionais objetivas).
Ateísmo e Não-Racionalismo
Em uma seção intitulada “O que é a moralidade?”, Marks argumenta que, se (como ele acredita) o realismo moral é falso, devemos desistir de falar de “moralidade” de uma vez por todas (ao invés de, digamos, adotar uma posição de “como se fosse” ou então reequipar nosso vocabulário moral). A medida que ele explica as suas razões, observe a concessão que ele faz de passagem:
Marks distingue aqui entre normas morais e normas epistêmicas. Brevemente definindo, as normas morais são padrões para o comportamento, enquanto que as normas epistêmicas são padrões para a crença; as normas morais estão conectadas com o comportamento correto, enquanto que as normas epistêmicas estão relacionadas ao pensamento correto. Quando falamos de “racionalidade” e “irracionalidade” estamos pressupondo que existem normas epistêmicas, assim como quando falamos de “moralidade” e “imoralidade” estamos pressupondo a existência de normas morais. Mas lembre-se que, como consequência de seu ateísmo, Marks agora nega que existam normas morais objetivas e reais. (“Por isso, creio eu, não há moralidade”.) Em vez de fazermos afirmações morais tradicionais, deveríamos apenas falar apenas de “valores ou desejos subjetivos”. Não existem verdades morais para debater ou aplicar em nossas vidas; tudo o que podemos adequadamente discutir são as nossas preferências e desejos pessoais.
Marks está ciente, no entanto, de que as normas morais e epistêmicas, apesar de distinguíveis, movem-se em órbitas semelhantes. Como o parágrafo anterior deixa claro, existem paralelos entre os dois tipos de normas, ainda que um tipo não possa ser reduzido ao outro. Assim, os motivos que Marks usa para negar a realidade das normas morais podem ser extrapolados (usando o mesmo fundamento) para negar a realidade das normas epistêmicas. Se você acha que falar de “moralidade” é realmente apenas “uma questão de valor ou desejo subjetivo”, o próximo passo natural é pensar que falar sobre “racionalidade” é “no final das contas … tanto uma questão de valor quanto de desejo subjetivo”. Em face disso, é difícil ver a razão pela qual, sob a cosmovisão ateísta, as normas epistêmicas existiriam enquanto que as normais morais não. Por que é que faria sentido falar em pensar corretamente mas não em agir corretamente? Por que haveriam padrões objetivos que governam nossas faculdades cognitivas mas não existiriam padrões objetivos que regem nossas outras faculdades? Para o ateu, existe uma linha muito tênue entre o amoralismo e o não-racionalismo.
Vamos nos aprofundar um pouco mais para estender o suporte para esta suposição. Por que o ateísmo convida o não-racionalismo? É comumente afirmado que o naturalismo metafísico é a cosmovisão ateísta mais consistente e parcimoniosa. De qualquer forma, eu acho que é seguro dizer que é a cosmovisão mais proeminente entre os intelectuais ateus de hoje. Como Alvin Plantinga observou, o naturalismo “é eminentemente atacável”:
Eu acho que Plantinga está certo nesse ponto. Se o naturalismo implica que a única realidade é uma realidade cientificamente circunscrita (onde “ciência” é entendida em termos das ciências naturais: física, química e biologia). Tudo o que existe é suscetível às descrições e explicações científicas. No entanto, a ciência, por sua própria natureza, está restrita a afirmações descritivas. A ciência pode nos dizer qual é o caso, mas não pode nos dizer qual deveria ser o caso. A ciência não trata de afirmações normativas. Portanto, a ciência (e, por extensão, o naturalismo) não dá espaço para normas reais e objetivas da moralidade e racionalidade. “Não furtarás” não é uma afirmação científica. “Você não deve acreditar no que é logicamente inconsistente” também não é uma afirmação científica.
É certo que, apesar de o naturalismo ser a expressão mais natural do ateísmo, o ateísmo em si não implica no naturalismo. Existem alguns ateus não-naturalistas. De todas as maneiras, o ateísmo está, seguramente, comprometido com a ideia de que a realidade última (o que quer que ela seja) não é pessoal e é não-racional. Como tal, é difícil ver como uma cosmovisão ateísta poderia explicar a existência de normas epistêmicas objetivas, especialmente uma vez que ela já admite a ausência de normas morais objetivas.
LEVANTANDO AS OPÇÕES
Mas, novamente, vamos tentar ser mais específicos. Que tipo de opções o ateu tem quando se trata de compreender e explicar as normas epistêmicas? Aqui estão sete respostas possíveis; em cada caso, eu irei brevemente indicar a razão pela qual essa resposta não deve ser satisfatória para o ateu. (Nota: Não tenho a pretensão de dizer que estas opções são exaustivas ou mutuamente excludentes, apenas que elas são as únicas que se apresentam mais imediatamente).
Opção #1: As normas epistêmicas são apenas um subconjunto das normas morais. A partir desse ponto de vista, ser irracional é apenas ser imoral só que de uma maneira específica, isto é, ser intelectualmente irresponsável ou culpável. Esta é provavelmente a opção menos atraente para o ateu, porque isso significaria que o amoralismo implica no não-racionalismo. Qualquer dificuldade em explicar as normas morais sob o ponto de vista ateísta iria imediatamente aparecer nas tentativas de explicação das normas epistêmicas. (Existem outros problemas com esta opção, mas não irei tratar deles aqui).
Opção #2: As normas epistêmicas não são um subconjunto das normas morais, no entanto, são análogas. Isso não parece ser mais atraente para o ateu do que a primeira opção, uma vez que ainda conecta os dois tipos de normas de tal forma que elas tendem a permanecer juntas. Se os dois tipos de normas são análogos, então, presumivelmente, eles terão origens ou bases análogas. Mas se o ateísmo convida o amoralismo, então (por um argumento análogo) irá convidar o não-racionalismo também.
Opção #3: As normas epistêmicas são deontológicas na natureza; elas tratam de deveres ou obrigações intelectuais. Menciono isto como uma opção separada, embora eu suspeite que ela se reduz a #2 e #3. Em todo caso, essa não parece ser uma boa opção para o ateu. Deveres e obrigações só podem surgir em um contexto pessoal. Então quais são as pessoas que dão origem aos nossos direitos e obrigações intelectuais? Será que a raça humana como um todo de alguma forma impõe obrigações aos seus membros individuais? Ou alguns membros impõem obrigações a outros membros? Se assim for, com que autoridade? Por que eu devo isso a você ou a qualquer outra pessoa Porque devo usar minhas faculdades cognitivas de uma certa maneira? As funções intelectuais não parecem ser mais explicáveis, sob o ponto de vista ateísta, do que os deveres morais. Se um ateu poderia explicar último, presumivelmente, deveria explicar o primeiro. Mas não é esse precisamente o problema?
Opção #4: As normas epistêmicas são teleológicas na natureza; elas pertencem a finalidade ou função natural de nossas faculdades intelectuais.Eu acho que faz sentido entender algumas normas epistêmicas como teleológica na natureza. A epistemologia de função adequada de Alvin Plantinga é um caso em questão: pensar racionalmente é essencialmente usar as faculdades cognitivas da maneira que elas foram destinadas (leia-se: projetadas) a serem utilizadas, com a finalidade de adquirir crenças verdadeiras e evitar falsas. Mas, como Plantinga e outros observaram, enquanto que a epistemologia de função adequada se encaixa confortavelmente com o teísmo, ela não faz o mesmo com o ateísmo. É fácil perceber o porquê: o ateísmo não é amigo da teleologia na natureza. O apelo principal do darwinismo para os ateus é que ele pretende explicar a aparência de propósito e função na natureza sem qualquer apelo a causas finais (especificamente, sem qualquer causa final sobrenatural). Eu presumo que a única opção para um ateu aqui seria apelar para algum designer prévio dentro do universo natural, isto é, organismos não-humanos com consciência e inteligência (extraterrestres?) que de alguma forma despejaram sobre nós as nossas faculdades intelectuais. A falha em tal explicação é óbvia: ela só iria empurrar o problema um passo para trás. O que iria explicar as faculdades intelectuais desses organismos? Quais seriam os fundamentos de suas normas epistêmicas? (Aqueles que leram isso e acham que os teístas enfrentam o mesmo problema, não entenderam ainda as diferenças relevantes entre Deus e os organismos naturais).
Opção #5: As normas epistêmicas são de natureza subjetiva; elas estão fundamentadas em desejos, sentimentos, preferências, objetivos, ou algo humano nesse sentido. Deste ponto de vista, uma norma epistêmica como “a crença deve ser proporcional a evidência” é verdadeira por causa de certos estados psicológicos humanos (individuais ou coletivos). O problema, claro, é que essa posição é totalmente consistente com o não-racionalismo; que basicamente admite que não existem normas epistêmicas objetivas. O que estamos procurando aqui é uma explicação ateísta das normas epistêmicas objetivas. Essa opção está mais para uma rendição do que uma solução.
Opção #6: As normas epistêmicas são descrições de como nós normalmente pensamos. De acordo com essa resposta, ser racional é pensar normalmente, e ser irracional é pensar de forma anormal. O problema imediato aqui é a ambiguidade do termo “normal”. Isso pode significar simplesmente “comum” ou “regular” (como em “é normal haver trovoadas nesta época do ano”). Mas essa leitura não nos dará uma explicação adequada para as normas epistêmicas. Certamente não queremos dizer que ser racional é pensar da maneira que os seres humanos frequentemente ou regularmente pensam, como se o pensamento racional fosse apenas aquilo que é estatisticamente dominante. Isso seria confundir o descritivo com o prescritivo; confundir a epistemologia (como as pessoas devem pensar) com a psicologia (como as pessoas, de fato, pensam). Apenas considere o seguinte: se as pessoas regularmente formulassem suas crenças com base no achismo, isso faria o achismo ser algo racional?
Alternativamente, “normal” poderia significar “normativo”. Mas, então, essa resposta não seria nada mais que uma declaração vazia “as normas epistêmicas são descrições do que é epistemologicamente normativo”. A opção #6 desapareceria numa nuvem de tautologia, fazendo o ateu procurar outro lugar para uma explicação significativa das normas epistêmicas.
Opção #7: As normas epistêmicas são normas evolutivas, no sentido de que elas tem metas ou fins evolutivos; elas caracterizam operações e processos cognitivos que são vantajosos em termos evolutivos. Eu suspeito que muitos ateus irão gravitar em torno dessa opção pela mesma razão que eles gravitariam em torno de uma explicação evolutiva da moralidade. Na ausência de Deus, a pessoa tem pouca escolha a não ser buscar explicações puramente naturalistas do que somos, de onde viemos, e por que nos comportamos do jeito que nos comportamos. A Mãe Natureza e o Pai Darwin, em conjunto, entregarão as mercadorias.
A ideia básica, então, é que as faculdades cognitivas humanas evoluíram através de processos puramente naturais, com a seleção natural agindo sobre variações genéticas, e as normas epistêmicas caracterizam como essas faculdades cognitivas operam para nos dar verdadeiras crenças que servem ao propósito “final” de eficazmente se reproduzir e sobreviver. As operações ou processos cognitivos são racionais ou irracionais apenas no caso de tender a produzir, respectivamente, crenças verdadeiras ou falsas. As crenças verdadeiras promovem a sobrevivência. As falsas crenças dificultam a sobrevivência. Assim aquilo que é epistemologicamente normativo se reduz, em última análise, aquilo que é biologicamente vantajoso.
Existem vários problemas graves com esta explicação. Em primeiro lugar, a suposição de que a seleção natural tenderá a favorecer as faculdades cognitivas apontadas para a verdade é altamente questionável. Os organismos podem sobreviver eficazmente com falsas crenças assim como com crenças verdadeiras; na verdade, a maioria dos organismos do planeta se reproduzem e sobrevivem de forma muito eficaz, sem possuir qualquer tipo de crenças.
Além disso, como Plantinga e outros argumentaram, a evolução como um processo puramente naturalista seria totalmente cego ao conteúdo proposicional de nossas crenças e, assim, ao fato de elas serem verdadeiras ou falsas. (Veja, e.g., Alvin Plantinga, Where the Conflict Really Lies (Oxford University Press, 2011), pp. 316ff.) Dado o naturalismo, apenas as propriedades físicas dos nossos cérebros e as consequências físicas de nossos processos cerebrais poderiam ter qualquer influência causal sobre os resultados evolutivos. Em suma, a evolução não presta atenção ao que um organismo acredita que, apenas à maneira como ele se comporta. Como o filósofo Stephen Stich (entre outros) francamente admitiu, “a seleção natural não se preocupa com a verdade; se preocupa apenas com o sucesso reprodutivo”. (Stephen Stich, The Fragmentation of Reason (MIT Press, 1990), p. 62.)
Mas há um problema mais fundamental aqui. Mesmo se admitirmos que a evolução tenderia a favorecer faculdades cognitivas voltadas a crenças verdadeiras, uma explicação evolucionista das normas epistêmicas ainda seria aquém do esperado por esta simples razão: não há nada objetivamente normativo sobre os resultados evolutivos. A teoria evolucionista procura dar uma explicação naturalista sobre os organismos, de onde eles vieram e por que eles são do jeito que são. Mas é uma teoria descritiva – como deve ser quaisquer explicação derivada dessa teoria (como a explicação de nossas faculdades cognitivas). Do ponto de vista ateísta, não há nada objetivamente “certo” ou “errado” sobre o que a evolução produz. Os resultados da evolução não são objetivamente bons (ou objetivamente maus). Eles simplesmente são o que são.
O máximo que um ateu poderia dizer sobre a “bondade” ou o “acerto” de certos resultados evolutivos é que eles são subjetivamente bons: eles são bons porque nós mesmos os valorizamos (presumivelmente porque valorizamos coisas como nossa própria sobrevivência, crenças verdadeiras, experiências prazerosas, e assim por diante). Mas, nesse caso, a opção #7 entra em colapso com a opção #5 e o ateu não poderá seguir em frente. Da mesma forma, falar de “objetivos” ou “fins” evolutivos deve ser tratado como algo metafórico, uma vez que a evolução naturalista é, por definição, não direcionada e não intencional. Assim, se as “normas” epistêmicas devem ser explicadas em termos de tais “metas” ou “fins”, eles não podem ser tomados como literalmente normativos.
RESUMINDO
Como eu disse antes, eu não estou afirmando que essas são as únicas opções que o ateu poderia contemplar, mas elas parecem ser as principais. Sendo assim, eu diria que o ateu carrega o fardo da responsabilidade de indicar como as normas epistêmicas podem ser consistentemente explicadas sob um ponto de vista ateísta, especialmente se o ateu em questão já jogou as normas morais pela janela.
O que eu forneci aqui é pouco mais do que o esboço de um argumento. Mas a sua visão central pode ser simplesmente declarada da seguinte forma: dados os paralelos existentes entre as normas morais e as normas racionais, uma cosmovisão que luta para dar uma explicação consistente das primeiras também irá lutar para explicar as últimas.
Por conseguinte, eu afirmo que um ateu consistente deveria abraçar tanto o amoralismo (a negação das normas morais objetivas) quanto o não-racionalismo (a negação de normas epistêmicas objetivas). Ao menos os ateus que abraçaram abertamente o amoralismo também devem, por uma questão de coerência, defender o não-racionalismo, pois a lógica que leva do ateísmo ao amoralismo continua a avançar para o não-racionalismo. Alguns leitores podem levantar a questão de que eu não mostrei qualquer inconsistência lógica entre o ateísmo e a existência de normas epistêmicas objetivas. Isso é verdade, mas é igualmente irrelevante. O que temos aqui não é uma questão de consistência lógica rigorosa, mas sim de fundamento metafísico adequado.
***Esse filósofo tem há muito tempo trabalhado sob uma hipótese que nunca foi examinada, isto é, a hipótese de que existe uma coisa como certo e errado. Eu agora acredito que não existe.
Marks imediatamente passa a explicar o raciocínio por trás de sua “epifania chocante” (negrito acrescentado):
Em poucas palavras, eu me convenci que o ateísmo implica em amoralidade; e, uma vez sendo ateu, eu devo, portanto, abraçar a amoralidade. Eu chamo a premissa deste argumento de “ateísmo rígido” porque é análogo a uma tese em filosofia conhecida como “determinismo rígido.” Este último sustenta que se o determinismo metafísico é verdadeiro, então não existe tal coisa como livre arbítrio. Assim, um “determinista suave” acredita que, mesmo que o fato de você estar lendo essa coluna agora esteja seguindo a necessidade causal do Big Bang há quatorze bilhões de anos atrás, você ainda poderia ter livremente escolhido não lê-la. Analogamente, um “ateu suave ‘iria afirmar que alguém pode ser um ateu e ainda assim acreditar na moralidade. E, de fato, todos os que formam o grupo de Neo-Ateísmo … são ateus “suaves”. Eu também era, até experimentar a minha epifania chocante de que os fundamentalistas religiosos estão corretos: sem Deus, não há nenhuma moralidade. Mas eles estão incorretos, eu ainda acredito, sobre a existência de um Deus. Por isso, eu creio que não há moralidade.
Você entendeu: os neo-ateus como Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Sam Harris, são “ateus suaves”, porque eles negam a Deus mas ainda assim querem afirmar o realismo moral. O problema é que essa posição não é coerente nem estável, porque procura afirmar um fenômeno (neste caso, as normas morais objetivas) e ao mesmo tempo negar a estrutura metafísica que plausivelmente poderia explicar esse fenômeno. Marks resume como ele raciocinou o seu caminho do ateísmo “suave” para o “rígido”:
Por que eu agora aceito o ateísmo rígido? Bem, eu fiquei impressionado com os paralelos marcantes entre a religião e a moral, especialmente com o fato de que ambas valem-se de imperativos ou comandos que são destinados a serem aplicados universalmente. No caso da religião, e mais obviamente o teísmo, estes comandos emanam de um Comandante; “E a este todas as pessoas chamam de Deus”, como Aquino poderia ter escrito. O problema com o teísmo é, claro, são as razões instáveis para se crer em Deus. Mas o problema com a moralidade, eu afirmo agora, é que ela está em forma ainda pior que a religião neste respeito; pois se houvesse um Deus, Seus comandos fariam algum tipo de sentido. Mas se Deus não existe, como obviamente os ateus afirmam, então, que sentido poderia ser feito de haver comandos deste tipo? Em suma, enquanto os teístas assumem a existência óbvia de comandos morais como uma espécie de prova da existência de um Comandante, ou seja, Deus, eu agora tomo a não-existência de um Comandante como uma espécie de prova de que não existem comandos, ou seja, de que não existe a moral.
Em alguns aspectos, a confissão de Marks não é tão surpreendente. Afinal de contas, os teístas têm feito esse mesmo tipo de argumento (sem Deus, sem moral) por séculos. Além disso, um grande número de ateus influentes já fez a “boa confissão”: Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre, J. L. Mackie, e (mais recentemente) Alex Rosenberg.
Então eu não vou focar sobre o que acho que deve ser razoavelmente evidente para aqueles que refletiram sobre os fundamentos metafísicos da moralidade. Ao invés disso, quero me concentrar em alguns comentários que Marks faz na segunda parte do seu “Manifesto Amoral” que, embora tangencial às suas preocupações, creio ser bastante revelador e extremamente significativo. Pois o que Marks sugere nestas observações posteriores é que um ateu consistente deveria ser não só um amoralista que nega as normas morais objetivas, mas também um não-racionalista (i.e., alguém que nega a existência de normas racionais objetivas).
Ateísmo e Não-Racionalismo
Em uma seção intitulada “O que é a moralidade?”, Marks argumenta que, se (como ele acredita) o realismo moral é falso, devemos desistir de falar de “moralidade” de uma vez por todas (ao invés de, digamos, adotar uma posição de “como se fosse” ou então reequipar nosso vocabulário moral). A medida que ele explica as suas razões, observe a concessão que ele faz de passagem:
Eu sinto que o novo entendimento da moralidade como sendo mais mito que realidade é suficientemente importante para justificar a inconveniência de largar nossas maneiras habituais de falar e pensar sobre a Moralidade e aprender novas maneiras. Isso por duas razões. A primeira é o valor da própria verdade. Se é verdade que a moralidade metafísica não existe, então por essa razão apenas devemos acreditar que ela não existe. (Estritamente falando, eu deveria dizer: Se é racional acreditar que a moralidade metafísica não existe, então apenas por essa razão devemos acreditar).Observe que quando eu uso termos como “deveria”, “valor” e “garante” aqui, eu estou me referindo às normas epistêmicas, ou seja, aos padrões de conhecimento, e não às normas morais. Vou conceder que, no final, isso pode ser tanto uma questão de valor quanto de desejo subjetivo, pois algumas pessoas podem não se importar muito com a verdade (ou a racionalidade), ou pelo menos não colocam muita importância sobre ela, se, digamos , a alternativa seja a felicidade. Pense na pílula azul em Matrix. Logo, meu primeiro argumento se destina apenas para aqueles que tomariam a pílula vermelha.
Marks distingue aqui entre normas morais e normas epistêmicas. Brevemente definindo, as normas morais são padrões para o comportamento, enquanto que as normas epistêmicas são padrões para a crença; as normas morais estão conectadas com o comportamento correto, enquanto que as normas epistêmicas estão relacionadas ao pensamento correto. Quando falamos de “racionalidade” e “irracionalidade” estamos pressupondo que existem normas epistêmicas, assim como quando falamos de “moralidade” e “imoralidade” estamos pressupondo a existência de normas morais. Mas lembre-se que, como consequência de seu ateísmo, Marks agora nega que existam normas morais objetivas e reais. (“Por isso, creio eu, não há moralidade”.) Em vez de fazermos afirmações morais tradicionais, deveríamos apenas falar apenas de “valores ou desejos subjetivos”. Não existem verdades morais para debater ou aplicar em nossas vidas; tudo o que podemos adequadamente discutir são as nossas preferências e desejos pessoais.
Marks está ciente, no entanto, de que as normas morais e epistêmicas, apesar de distinguíveis, movem-se em órbitas semelhantes. Como o parágrafo anterior deixa claro, existem paralelos entre os dois tipos de normas, ainda que um tipo não possa ser reduzido ao outro. Assim, os motivos que Marks usa para negar a realidade das normas morais podem ser extrapolados (usando o mesmo fundamento) para negar a realidade das normas epistêmicas. Se você acha que falar de “moralidade” é realmente apenas “uma questão de valor ou desejo subjetivo”, o próximo passo natural é pensar que falar sobre “racionalidade” é “no final das contas … tanto uma questão de valor quanto de desejo subjetivo”. Em face disso, é difícil ver a razão pela qual, sob a cosmovisão ateísta, as normas epistêmicas existiriam enquanto que as normais morais não. Por que é que faria sentido falar em pensar corretamente mas não em agir corretamente? Por que haveriam padrões objetivos que governam nossas faculdades cognitivas mas não existiriam padrões objetivos que regem nossas outras faculdades? Para o ateu, existe uma linha muito tênue entre o amoralismo e o não-racionalismo.
Vamos nos aprofundar um pouco mais para estender o suporte para esta suposição. Por que o ateísmo convida o não-racionalismo? É comumente afirmado que o naturalismo metafísico é a cosmovisão ateísta mais consistente e parcimoniosa. De qualquer forma, eu acho que é seguro dizer que é a cosmovisão mais proeminente entre os intelectuais ateus de hoje. Como Alvin Plantinga observou, o naturalismo “é eminentemente atacável”:
Seu calcanhar de Aquiles (além de sua falsidade deplorável) é que não possui espaço para normatividade. Não há espaço, no naturalismo, para o certo ou o errado, o bom ou o ruim. (Alvin Plantinga, “Afterword,” in The Analytic Theist, ed. James F. Sennett (Eerdmans, 1998), p. 356.)
Eu acho que Plantinga está certo nesse ponto. Se o naturalismo implica que a única realidade é uma realidade cientificamente circunscrita (onde “ciência” é entendida em termos das ciências naturais: física, química e biologia). Tudo o que existe é suscetível às descrições e explicações científicas. No entanto, a ciência, por sua própria natureza, está restrita a afirmações descritivas. A ciência pode nos dizer qual é o caso, mas não pode nos dizer qual deveria ser o caso. A ciência não trata de afirmações normativas. Portanto, a ciência (e, por extensão, o naturalismo) não dá espaço para normas reais e objetivas da moralidade e racionalidade. “Não furtarás” não é uma afirmação científica. “Você não deve acreditar no que é logicamente inconsistente” também não é uma afirmação científica.
É certo que, apesar de o naturalismo ser a expressão mais natural do ateísmo, o ateísmo em si não implica no naturalismo. Existem alguns ateus não-naturalistas. De todas as maneiras, o ateísmo está, seguramente, comprometido com a ideia de que a realidade última (o que quer que ela seja) não é pessoal e é não-racional. Como tal, é difícil ver como uma cosmovisão ateísta poderia explicar a existência de normas epistêmicas objetivas, especialmente uma vez que ela já admite a ausência de normas morais objetivas.
LEVANTANDO AS OPÇÕES
Mas, novamente, vamos tentar ser mais específicos. Que tipo de opções o ateu tem quando se trata de compreender e explicar as normas epistêmicas? Aqui estão sete respostas possíveis; em cada caso, eu irei brevemente indicar a razão pela qual essa resposta não deve ser satisfatória para o ateu. (Nota: Não tenho a pretensão de dizer que estas opções são exaustivas ou mutuamente excludentes, apenas que elas são as únicas que se apresentam mais imediatamente).
Opção #1: As normas epistêmicas são apenas um subconjunto das normas morais. A partir desse ponto de vista, ser irracional é apenas ser imoral só que de uma maneira específica, isto é, ser intelectualmente irresponsável ou culpável. Esta é provavelmente a opção menos atraente para o ateu, porque isso significaria que o amoralismo implica no não-racionalismo. Qualquer dificuldade em explicar as normas morais sob o ponto de vista ateísta iria imediatamente aparecer nas tentativas de explicação das normas epistêmicas. (Existem outros problemas com esta opção, mas não irei tratar deles aqui).
Opção #2: As normas epistêmicas não são um subconjunto das normas morais, no entanto, são análogas. Isso não parece ser mais atraente para o ateu do que a primeira opção, uma vez que ainda conecta os dois tipos de normas de tal forma que elas tendem a permanecer juntas. Se os dois tipos de normas são análogos, então, presumivelmente, eles terão origens ou bases análogas. Mas se o ateísmo convida o amoralismo, então (por um argumento análogo) irá convidar o não-racionalismo também.
Opção #3: As normas epistêmicas são deontológicas na natureza; elas tratam de deveres ou obrigações intelectuais. Menciono isto como uma opção separada, embora eu suspeite que ela se reduz a #2 e #3. Em todo caso, essa não parece ser uma boa opção para o ateu. Deveres e obrigações só podem surgir em um contexto pessoal. Então quais são as pessoas que dão origem aos nossos direitos e obrigações intelectuais? Será que a raça humana como um todo de alguma forma impõe obrigações aos seus membros individuais? Ou alguns membros impõem obrigações a outros membros? Se assim for, com que autoridade? Por que eu devo isso a você ou a qualquer outra pessoa Porque devo usar minhas faculdades cognitivas de uma certa maneira? As funções intelectuais não parecem ser mais explicáveis, sob o ponto de vista ateísta, do que os deveres morais. Se um ateu poderia explicar último, presumivelmente, deveria explicar o primeiro. Mas não é esse precisamente o problema?
Opção #4: As normas epistêmicas são teleológicas na natureza; elas pertencem a finalidade ou função natural de nossas faculdades intelectuais.Eu acho que faz sentido entender algumas normas epistêmicas como teleológica na natureza. A epistemologia de função adequada de Alvin Plantinga é um caso em questão: pensar racionalmente é essencialmente usar as faculdades cognitivas da maneira que elas foram destinadas (leia-se: projetadas) a serem utilizadas, com a finalidade de adquirir crenças verdadeiras e evitar falsas. Mas, como Plantinga e outros observaram, enquanto que a epistemologia de função adequada se encaixa confortavelmente com o teísmo, ela não faz o mesmo com o ateísmo. É fácil perceber o porquê: o ateísmo não é amigo da teleologia na natureza. O apelo principal do darwinismo para os ateus é que ele pretende explicar a aparência de propósito e função na natureza sem qualquer apelo a causas finais (especificamente, sem qualquer causa final sobrenatural). Eu presumo que a única opção para um ateu aqui seria apelar para algum designer prévio dentro do universo natural, isto é, organismos não-humanos com consciência e inteligência (extraterrestres?) que de alguma forma despejaram sobre nós as nossas faculdades intelectuais. A falha em tal explicação é óbvia: ela só iria empurrar o problema um passo para trás. O que iria explicar as faculdades intelectuais desses organismos? Quais seriam os fundamentos de suas normas epistêmicas? (Aqueles que leram isso e acham que os teístas enfrentam o mesmo problema, não entenderam ainda as diferenças relevantes entre Deus e os organismos naturais).
Opção #5: As normas epistêmicas são de natureza subjetiva; elas estão fundamentadas em desejos, sentimentos, preferências, objetivos, ou algo humano nesse sentido. Deste ponto de vista, uma norma epistêmica como “a crença deve ser proporcional a evidência” é verdadeira por causa de certos estados psicológicos humanos (individuais ou coletivos). O problema, claro, é que essa posição é totalmente consistente com o não-racionalismo; que basicamente admite que não existem normas epistêmicas objetivas. O que estamos procurando aqui é uma explicação ateísta das normas epistêmicas objetivas. Essa opção está mais para uma rendição do que uma solução.
Opção #6: As normas epistêmicas são descrições de como nós normalmente pensamos. De acordo com essa resposta, ser racional é pensar normalmente, e ser irracional é pensar de forma anormal. O problema imediato aqui é a ambiguidade do termo “normal”. Isso pode significar simplesmente “comum” ou “regular” (como em “é normal haver trovoadas nesta época do ano”). Mas essa leitura não nos dará uma explicação adequada para as normas epistêmicas. Certamente não queremos dizer que ser racional é pensar da maneira que os seres humanos frequentemente ou regularmente pensam, como se o pensamento racional fosse apenas aquilo que é estatisticamente dominante. Isso seria confundir o descritivo com o prescritivo; confundir a epistemologia (como as pessoas devem pensar) com a psicologia (como as pessoas, de fato, pensam). Apenas considere o seguinte: se as pessoas regularmente formulassem suas crenças com base no achismo, isso faria o achismo ser algo racional?
Alternativamente, “normal” poderia significar “normativo”. Mas, então, essa resposta não seria nada mais que uma declaração vazia “as normas epistêmicas são descrições do que é epistemologicamente normativo”. A opção #6 desapareceria numa nuvem de tautologia, fazendo o ateu procurar outro lugar para uma explicação significativa das normas epistêmicas.
Opção #7: As normas epistêmicas são normas evolutivas, no sentido de que elas tem metas ou fins evolutivos; elas caracterizam operações e processos cognitivos que são vantajosos em termos evolutivos. Eu suspeito que muitos ateus irão gravitar em torno dessa opção pela mesma razão que eles gravitariam em torno de uma explicação evolutiva da moralidade. Na ausência de Deus, a pessoa tem pouca escolha a não ser buscar explicações puramente naturalistas do que somos, de onde viemos, e por que nos comportamos do jeito que nos comportamos. A Mãe Natureza e o Pai Darwin, em conjunto, entregarão as mercadorias.
A ideia básica, então, é que as faculdades cognitivas humanas evoluíram através de processos puramente naturais, com a seleção natural agindo sobre variações genéticas, e as normas epistêmicas caracterizam como essas faculdades cognitivas operam para nos dar verdadeiras crenças que servem ao propósito “final” de eficazmente se reproduzir e sobreviver. As operações ou processos cognitivos são racionais ou irracionais apenas no caso de tender a produzir, respectivamente, crenças verdadeiras ou falsas. As crenças verdadeiras promovem a sobrevivência. As falsas crenças dificultam a sobrevivência. Assim aquilo que é epistemologicamente normativo se reduz, em última análise, aquilo que é biologicamente vantajoso.
Existem vários problemas graves com esta explicação. Em primeiro lugar, a suposição de que a seleção natural tenderá a favorecer as faculdades cognitivas apontadas para a verdade é altamente questionável. Os organismos podem sobreviver eficazmente com falsas crenças assim como com crenças verdadeiras; na verdade, a maioria dos organismos do planeta se reproduzem e sobrevivem de forma muito eficaz, sem possuir qualquer tipo de crenças.
Além disso, como Plantinga e outros argumentaram, a evolução como um processo puramente naturalista seria totalmente cego ao conteúdo proposicional de nossas crenças e, assim, ao fato de elas serem verdadeiras ou falsas. (Veja, e.g., Alvin Plantinga, Where the Conflict Really Lies (Oxford University Press, 2011), pp. 316ff.) Dado o naturalismo, apenas as propriedades físicas dos nossos cérebros e as consequências físicas de nossos processos cerebrais poderiam ter qualquer influência causal sobre os resultados evolutivos. Em suma, a evolução não presta atenção ao que um organismo acredita que, apenas à maneira como ele se comporta. Como o filósofo Stephen Stich (entre outros) francamente admitiu, “a seleção natural não se preocupa com a verdade; se preocupa apenas com o sucesso reprodutivo”. (Stephen Stich, The Fragmentation of Reason (MIT Press, 1990), p. 62.)
Mas há um problema mais fundamental aqui. Mesmo se admitirmos que a evolução tenderia a favorecer faculdades cognitivas voltadas a crenças verdadeiras, uma explicação evolucionista das normas epistêmicas ainda seria aquém do esperado por esta simples razão: não há nada objetivamente normativo sobre os resultados evolutivos. A teoria evolucionista procura dar uma explicação naturalista sobre os organismos, de onde eles vieram e por que eles são do jeito que são. Mas é uma teoria descritiva – como deve ser quaisquer explicação derivada dessa teoria (como a explicação de nossas faculdades cognitivas). Do ponto de vista ateísta, não há nada objetivamente “certo” ou “errado” sobre o que a evolução produz. Os resultados da evolução não são objetivamente bons (ou objetivamente maus). Eles simplesmente são o que são.
O máximo que um ateu poderia dizer sobre a “bondade” ou o “acerto” de certos resultados evolutivos é que eles são subjetivamente bons: eles são bons porque nós mesmos os valorizamos (presumivelmente porque valorizamos coisas como nossa própria sobrevivência, crenças verdadeiras, experiências prazerosas, e assim por diante). Mas, nesse caso, a opção #7 entra em colapso com a opção #5 e o ateu não poderá seguir em frente. Da mesma forma, falar de “objetivos” ou “fins” evolutivos deve ser tratado como algo metafórico, uma vez que a evolução naturalista é, por definição, não direcionada e não intencional. Assim, se as “normas” epistêmicas devem ser explicadas em termos de tais “metas” ou “fins”, eles não podem ser tomados como literalmente normativos.
RESUMINDO
Como eu disse antes, eu não estou afirmando que essas são as únicas opções que o ateu poderia contemplar, mas elas parecem ser as principais. Sendo assim, eu diria que o ateu carrega o fardo da responsabilidade de indicar como as normas epistêmicas podem ser consistentemente explicadas sob um ponto de vista ateísta, especialmente se o ateu em questão já jogou as normas morais pela janela.
O que eu forneci aqui é pouco mais do que o esboço de um argumento. Mas a sua visão central pode ser simplesmente declarada da seguinte forma: dados os paralelos existentes entre as normas morais e as normas racionais, uma cosmovisão que luta para dar uma explicação consistente das primeiras também irá lutar para explicar as últimas.
Por conseguinte, eu afirmo que um ateu consistente deveria abraçar tanto o amoralismo (a negação das normas morais objetivas) quanto o não-racionalismo (a negação de normas epistêmicas objetivas). Ao menos os ateus que abraçaram abertamente o amoralismo também devem, por uma questão de coerência, defender o não-racionalismo, pois a lógica que leva do ateísmo ao amoralismo continua a avançar para o não-racionalismo. Alguns leitores podem levantar a questão de que eu não mostrei qualquer inconsistência lógica entre o ateísmo e a existência de normas epistêmicas objetivas. Isso é verdade, mas é igualmente irrelevante. O que temos aqui não é uma questão de consistência lógica rigorosa, mas sim de fundamento metafísico adequado.
Autor: James N. Anderson
Fonte: Analogical Thoughts – Atheism, Amoralism and Arationalism
Tradução e adaptação: Erving Ximendes
Via: Olhai e vivei
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