NOTA PRÉVIA: Não se afirma que o artigo que segue seja a “última palavra” sobre esta parábola de Cristo, algo como uma interpretação “infalível”, acima de qualquer questionamento. Não, todas as ideias expressas neste entendimento simbólico (de responsabilidade exclusiva do autor) constituem nada mais que uma interpretação, dentre as várias existentes, algumas das quais contêm igualmente uma sólida argumentação bíblica. O motivo de esta análise ter sido traduzida e apresentada aqui é por apresentar duas vantagens:
(1) O autor fez uma cuidadosa consideração – versículo por versículo – ou seja, uma análise completa do trecho (diferente da atitude geralmente omissa por parte dos que entendem a parábola literalmente, ao ignorarem os versículos que não se adéquam ao seu entendimento).
(2) Ele se manteve dentro do contexto, permitindo que a Bíblia, unicamente, norteie o entendimento (diferente do que costumam fazer alguns literalistas, ao misturarem – arbitrária eindevidamente – o conteúdo do cânon bíblico com fontes apócrifas, chegando ao ponto de dar mais crédito a estas últimas).
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A parábola de Lázaro e o homem rico tem sido a base para muitas das crenças errôneas sobre o “inferno” dentro do cristianismo tradicional. Muitos a têm encarado, não como uma parábola, e sim como uma história verdadeira que Cristo contou para dar detalhes sobre a punição dos pecadores no inferno. Todavia, um exame completo e imparcial dessa história demonstrará que as interpretações geralmente aceitas deste trecho das Escrituras são falácias e enganos. Neste artigo, vamos percorrer a parábola versículo por versículo para determinar o que Cristo estava verdadeiramente ensinando.
Os que insistem que ela não é uma parábola, e sim uma história literal de Cristo para descrever a condição dos condenados no inferno são obrigados a ignorar diversos fatos para manter essa conclusão. Em primeiro lugar, Jesus nunca acusa o homem rico de qualquer pecado. Ele é simplesmente retratado como um homem rico, que levava uma boa vida. Além disso, Lázaro nunca é apresentado como um homem justo. Ele só é alguém que teve a infelicidade de ser mendigo e incapaz de cuidar de si mesmo. Se a história for literal, então a implicação lógica é que todos os ricos estão destinados a queimar no inferno, enquanto que todos os desabrigados e necessitados serão salvos. Alguém acreditaria que o caso seja este?
Se o inferno for realmente como ele é retratado na história, então os salvos poderão ver os condenados que estão queimando lá. Poderiam as pessoas justas desfrutar da existência eterna, se elas puderem ver os amigos, familiares e outras pessoas que conhecem, e que foram condenadas, sendo incinerados no inferno, mas jamais queimando? Além disso, se o inferno (como é tradicionalmente ensinado) é um abismo de fogo e enxofre, onde os pecadores são atormentados para sempre, será que alguém realmente acha que uma gota de água aliviaria a dor e a angústia de alguém que está sofrendo em suas chamas?
Estas são apenas algumas das dificuldades que encontramos quando tentamos obrigar o relato de Lázaro e o homem rico a ser literal, em vez de aceitá-lo como uma parábola. Se for uma história verdadeira, então todas as coisas que Cristo disse devem ser reais. Se todos os detalhes da história não são literais, então devemos ver este relato como uma analogia que Jesus usou para ensinar grandes verdades espirituais.1
Muitos pensam que o Messias falou em parábolas para tornar o significado mais claro para as pessoas sem instrução a quem ele estava ensinando. Refletindo essa crença, um apêndice da Nova Versão Rei Jaime diz que “a reputação de Jesus como um grande instrutor se espalhou. E não admira. Ele ensinava por meio de parábolas, histórias simples, que tornavam suas lições claras para todos os que estavam dispostos a aprender” (“O Homem de Todos os Tempos”, pág. 1.870 em inglês). Entretanto, Cristo disse que seu propósito de falar ao povo usando parábolas era exatamente o oposto da explicação citada acima:
Mateus 13: 1-3; 10-15: Naquele mesmo dia Jesus saiu de casa e assentou-se à beira-mar. Reuniu-se ao seu redor uma multidão tão grande que, por isso, ele entrou num barco e assentou-se. Ao povo reunido na praia Jesus falou muitas coisas por parábolas... Os discípulos aproximaram-se dele e perguntaram: “Por que falas ao povo por parábolas?” Ele respondeu: A vocês foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. A quem tem será dado, e este terá em grande quantidade. De quem não tem, até o que tem lhe será tirado. Por essa razão eu lhes falo por parábolas: “Porque vendo, eles não veem e, ouvindo, não ouvem nem entendem”. Neles se cumpre a profecia de Isaías: “Ainda que estejam sempre ouvindo, vocês nunca entenderão; ainda que estejam sempre vendo, jamais perceberão. Pois o coração deste povo se tornou insensível; de má vontade ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos. Se assim não fosse, poderiam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, entender com o coração e converter-se, e eu os curaria”
Conforme este trecho e o relato paralelo em Marcos 4 dizem, Jesus falou ao povo em parábolas para ocultar o significado espiritual do que ele estava dizendo. A intenção dele era que só seus discípulos entendessem o que as parábolas realmente significavam. Não é de admirar, então, que muitos não tenham entendido o que Cristo estava ensinando com a parábola de Lázaro e o homem rico.
Comecemos por algumas informações sobre o contexto em que Cristo contou esta parábola. Lucas nos informa que todos os publicanos e pecadores estavam vindo a Cristo, para ouvir o que ele tinha a dizer (Lucas 15:1). Isso provocou ciúmes nos fariseus e nos mestres da lei e eles criticaram Jesus veementemente por ele receber pecadores e comer com eles (Lucas 15:2). Eles estavam provavelmente com inveja de crescente fama de Cristo, com medo de que a popularidade dele reduzisse a autoridade e o prestígio deles próprios.
Assim, o Messias primeiro contou uma parábola em três partes (a ovelha perdida, a moeda perdida e o filho pródigo) para os que estavam reunidos em torno dele. Esta parábola se destinou a mostrar aos publicanos e pecadores (assim como aos fariseus) que Deus estava interessado neles e que Ele iria buscar os perdidos e recebê-los em sua família quando eles se arrependessem e voltassem para Ele.
Os autojustos fariseus e escribas acusadores, a quem Cristo reconhecia como legítimos instrutores religiosos dos judeus (Mateus 23:1-3) deveriam ter falado a essas pessoas sobre o amor de Deus para com elas. Eles deveriam ter instruído esses pecadores, exortando-os a retornar a Deus e receber o Seu amor e perdão. No entanto, por causa da fé em sua própria justiça e seu desprezo por esses cobradores de impostos e pecadores, que estavam abaixo dos padrões pessoais deles, os fariseus e os escribas os excluíam e os consideravam amaldiçoados (João 7:49).
Depois, falando primeiramente aos seus discípulos, mas com os fariseus (e provavelmente a multidão) ainda ouvindo, Cristo contou a parábola do administrador infiel (Luc. 16:1-13). Os fariseus, que eram “amantes do dinheiro” (Luc 16:14), perceberam que o Messias estava se referindo a eles com esta parábola e se ofenderam. Eles zombaram de Jesus. A parte final da resposta de Cristo ao escárnio dos fariseus e dos escribas foi a parábola do rico e Lázaro.2
Examinemos agora esta parábola em detalhes para entender exatamente o que o Messias estava ensinando sobre o Reino de Deus.
Lucas 16:19: Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho fino e vivia no luxo todos os dias.
Comecemos examinando a descrição que Cristo nos dá do homem rico. Em primeiro lugar, ele nos diz que este homem estava vestido de púrpura e linho fino. Esse tipo de roupa não teria sido incomum para alguém de riqueza considerável durante aquela época. Porém, esta vestimenta tem também um significado simbólico. O Dicionário Bíblico Eerdmans diz: "O uso de púrpura era associado particularmente com a realeza..." (Verbete "Púrpura", pág. 863 em inglês). Além disso, o Novo Dicionário da Bíblia nos informa: "O uso de linho nos tempos do Antigo Testamento era prescrito para os sacerdotes (Ex. 28:39) O casaco, o turbante e o cinto deveriam ser de linho fino.". (Verbete "Linho", pág. 702 em inglês).
Vemos, assim, que as roupas usadas por este homem rico eram um símbolo da realeza e do sacerdócio. Com isso em mente, vejamos o que Deus disse a Moisés pouco antes de dar a lei aos israelitas no Monte Sinai:
Êxodo 19:6: Vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa. Essas são as palavras que você dirá aos israelitas.
As roupas do homem rico o identificam simbolicamente com o povo de Israel, que Deus escolheu para ser um povo especial. Eles foram chamados para ser um testemunho para as nações que os cercavam, confirmando as bênçãos disponíveis para aqueles que obedecessem a Deus e guardassem Suas leis. Infelizmente eles foram muito irregulares em viver a vocação dada a eles pelo Eterno. Por fim, Ele teve de mandá-los ao cativeiro por sua recusa em honrar a parte deles do pacto ratificado no Monte Sinai. Na época de Cristo, somente o restante da casa de Judá que havia voltado do cativeiro babilônico continuou a ter uma relação de aliança com Deus. O homem rico nesta parábola representa os judeus da época de Jesus, exemplificados pelos instrutores religiosos, os escribas e fariseus.
O versículo 19 nos informa também que o homem rico “vivia no luxo todos os dias”. Figurativamente, isto representa o magnífico banquete espiritual disponível apenas para os judeus, que eram a única parte remanescente do povo de Deus chamado Israel. No primeiro século A.D., eles eram as únicas pessoas no mundo que tinham a verdadeira religião. De fato, Paulo relata a gloriosa condição da casa de Judá, em Romanos 9:3-5.
Pois eu até desejaria ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor de meus irmãos, os de minha raça, o povo de Israel. Deles é a adoção de filhos; deles é a glória divina, as alianças, a concessão da Lei, a adoração no templo e as promessas. Deles são os patriarcas, e a partir deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de todos, bendito para sempre! Amém.
Os judeus eram verdadeiramente ricos, banqueteando-se com as bênçãos espirituais de Deus. No entanto, esses mesmos dons fizeram com que eles tropeçassem, porque os conduziu à autojustiça. Eles glorificaram os presentes, sem glorificar ao Deus Eterno, que os havia concedido a eles. Em vez de constituírem um "sacerdócio real", que seria uma bênção para todas as nações, eles em vez disso detestavam e desprezavam os povos gentios circundantes. Certamente, conforme Paulo escreveu: “Que a mesa deles se transforme em laço e armadilha, pedra de tropeço e retribuição para eles.” (Rom. 11:9).
Lucas 16:20, 21: Diante do seu portão fora deixado um mendigo chamado Lázaro, coberto de chagas; este ansiava comer o que caía da mesa do rico. Até os cães vinham lamber suas feridas.
Em contraste com o homem rico, vejamos agora Lázaro. A primeira coisa a notar é que ele é retratado como um mendigo. Esta é uma descrição apropriada dos gentios que estavam no “portão” de Judá. Paulo descreve a situação dos gentios antes de aceitarem a Cristo em Efésios 2:12.
Naquela época vocês estavam sem Cristo, separados da comunidade de Israel, sendo estrangeiros quanto às alianças da promessa, sem esperança e sem Deus no mundo.
Este trecho é também uma representação adequada da posição das nações gentias antes do sacrifício do Messias pelos pecados do mundo. Eles estavam certamente "separados da comunidade de Israel", "estrangeiros quanto às alianças da promessa", e "sem esperança e sem Deus no mundo". Os gentios eram mendigos, localizados fora de Judá e desejando se alimentar das migalhas espirituais da mesa dos judeus divinamente abençoados.
Além disso, somos informados de que os cães vinham e consolavam Lázaro em sua miséria, lambendo suas feridas. Os judeus consideravam os gentios como "cães" impuros. Até o próprio Jesus usou essa comparação desfavorável quando conversou com a mulher siro-fenícia grega, enquanto ele estava na região de Tiro (Marcos 7:24-30).
É também importante para a história o significado do nome “Lázaro”. Este nome grego é uma forma do hebraico Eleazar, e significa literalmente "aquele a quem Deus ajuda". O uso desse nome em particular é muito significativo para a mensagem da parábola, pois os gentios se tornariam realmente "aqueles a quem Deus ajudou", por meio do sacrifício de Seu Filho, Jesus.
Lucas 16:22: Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado.
Os próximos eventos registrados nesta parábola são as mortes de Lázaro e, em seguida, do homem rico. Uma vez que a parábola é figurativa até este ponto, não há qualquer razão para supormos que ela se torna literal agora.
Primeiro, para provar que essa linguagem é simbólica e não se destina a ser tomada literalmente, examinemos exatamente o que nos é dito por Cristo. Ele diz que primeiro Lázaro morre e é levado para junto de Abraão (o “seio de Abraão”, Bíblia de Jerusalém). Note-se que não há qualquer menção do enterro dele aqui. Daí, depois o homem rico morre, e ele é enterrado (no Hades, segundo o versículo 23). Assim, a sequencia que é dada indica que após a sua morte Lázaro foi levado imediatamente para o seio de Abraão, enquanto que depois o homem rico foi sepultado no Hades após sua morte.
Se esta história for literal, então temos uma contradição na Bíblia. Aqui, mostra-se que Lázaro recebeu imediatamente a promessa da vida eterna. No entanto, o autor de Hebreus nos diz que Abraão, assim como todos os outros personagens do Antigo Testamento, ainda não receberam as promessas feitas a eles por Deus.
Hebreus 11: 13, 39, 40: Todos estes viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-no de longe e de longe o saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Todos estes receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nenhum deles recebeu o que havia sido prometido. Deus havia planejado algo melhor para nós, para que conosco fossem eles aperfeiçoados.
Os grandes homens e mulheres de fé listados em Hebreus 11 ainda não foram aperfeiçoados nem receberam a vida eterna. Eles, junto com todos os santos de Deus de todas as eras, estão atualmente dormindo em suas sepulturas (Jó 3:11-19; Sal 6:5; 115:17; Eclesiastes 9:5, 10; 1 Cor 15:20; Isa 57:1, 2; Dan 12:2, Atos 2:29, 34; 13:36). Estes santos estão aguardando a primeira ressurreição, que acontecerá quando Jesus, o Messias retornar ao soar da sétima trombeta (Mat. 24:30-31; 1 Coríntios 15:51, 52; 1 Tes. 4:16; Rev. 11:15-18).
Não há maneira alguma de conciliar os inúmeros textos listados acima com uma compreensão literal da história de Lázaro e o homem rico. O que é, então, que a morte destes dois homens representa?
As mortes do homem rico (que representava os judeus) e de Lázaro (que representava as nações gentias) são simbólicas nesta parábola. O falecimento deles descreve uma mudança elementar na situação e na posição dos dois grupos.
Para confirmar isso, vejamos o significado de Lázaro ser “levado para o seio de Abraão”. O sentido figurado de estar no seio dele é estar numa posição de proximidade, ser altamente considerado. Este simbolismo é indicado pela antiga prática de ter convidados num banquete reclinados ao seio de seus vizinhos. O lugar de honra maior, portanto, pertencia ao convidado sentado ao lado do anfitrião, trazendo à mente o exemplo de João na Última Ceia (João 13:23). Paulo explica esse cenário em Gálatas 3:6-9, dizendo-nos como os gentios poderiam estar neste lugar de mais alta honra.
Considerem o exemplo de Abraão: “Ele creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça” Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é que são filhos de Abraão. Prevendo a Escritura que Deus justificaria os gentios pela fé, anunciou primeiro as boas novas a Abraão: “Por meio de você todas as nações serão abençoadas” Assim, os que são da fé são abençoados junto com Abraão, homem de fé.
Como mostra o trecho acima (assim como o quarto e o nono capítulos de Romanos), os crentes gentios se tornam "filhos de Abraão" pela fé em Cristo. Esta fé habilita os gentios a não serem mais "estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus” (Efé. 2:19). Durante séculos os judeus haviam recebido os benefícios de serem o povo escolhido de Deus em virtude de serem descendentes físicos de Abraão. Mas, depois do sacrifício de Cristo, este lugar de honra e bênção seria dado ao povo representado por Lázaro. Este é o significado de ser “levado para o seio de Abraão” nesta parábola.
Em contraste com Lázaro, o homem rico foi enterrado no Hades. Uma compreensão do significado original da palavra grega hades é necessária para compreender a mensagem da parábola. Em relação à possível etimologia desta palavra, o Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento diz que hades "... vem de idein (ver) com o prefixo negativo a-, e isso significaria o invisível ... Na LXX hades ocorre mais de 100 vezes, na maioria dos casos, para traduzir o Heb. Seol, o submundo, que recebe todos os mortos. É a terra da escuridão...” (Vol. 2, pág. 206 em inglês).
Muito provavelmente, hades originalmente significava "invisível". Mais tarde, passou a se referir à condição oculta das pessoas enterradas na terra. Simbolicamente, esta parábola mostra que chegaria um ponto em que a casa de Judá se tornaria "invisível" para Deus, fora do favor por causa de sua incredulidade. Chegaria um momento em que os judeus como um todo não seriam mais a nação favorecida de Deus. Seus corações endurecidos os levariam a rejeitar seu Messias (João 1:11).
Lucas 16:23: No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado.
O que Cristo quis dizer aqui com o homem rico estar em “tormentos no Hades”? A chave para descobrir o significado simbólico deste versículo é o substantivo grego basanois, traduzido acima como “atormentado” (“tormentos”, Almeida Revista e Atualizada).
Segundo o Léxico Analítico do Grego do Novo Testamento, de Friberg, basanois, que é uma forma do substantivo basanos, significa "estritamente, uma pedra de toque para testar a autenticidade de metais friccionados contra ela ..."
A etimologia de basanos, encontrada no Dicionário Teológico do Novo Testamento de Kittel é muito útil para entender corretamente este versículo:
Em grego não bíblico [basanos] é uma expressão comercial, ou é usada em relação a governo. Daí ela adquire o significado de verificação de cálculos, que se deriva naturalmente do sentido básico de [basanos, basanizein]... Na esfera espiritual, ela tem o sentido figur[ativo], que está intimamente relacionado com o significado concreto original, de um meio de fazer teste...
A palavra, em seguida, sofre uma mudança de sentido. O sentido original fica em segundo plano. [Basanos] agora vem a denotar "tortura" ou o "suplício" usado especialmente com escravos... [Basanos] ocorre com o sentido de "sofrimento"...
A mudança de significado explica-se melhor se começarmos com o objeto do tratamento. Se colocarmos homens em vez de metal ou de moeda, a pedra de toque se torna a tortura ou o suplício. O metal que tenha passado pela pedra de toque é submetido a um tratamento mais severo. O homem está na mesma posição quando severamente testado por meio de tortura. No teste do metal um papel fundamental foi desempenhado pelo pensamento de testar e provar a autenticidade. O suplício é um meio de mostrar a verdadeira condição das coisas. Em seu sentido próprio, é um meio de testar e provar, embora também de punição. Finalmente, mesmo este significado especial foi enfraquecido e só o elemento geral de tortura permaneceu (Vol. I, págs. 561, 562, os grifos são meus).
Neste versículo, basanois transmite simplesmente um sentido de testar e provar por meio de punição. Quando esse entendimento é combinado com um discernimento adequado do simbolismo de Hades, podemos começar a entender o ponto que Jesus está expressando. Como um todo, a casa de Judá seria cortada e substituída durante esta era atual por aqueles gentios que aceitassem com fé o sacrifício do Messias.
Se os fariseus e os escribas entenderam esta parábola profética, isso deve ter espantado e enfurecido aqueles que ouviram como Cristo falou. A implicação de que a casa de Judá e as nações dos gentios iriam mudar de posição, com os judeus ficando alienados de Deus, enquanto os gentios se tornando a "semente de Abraão", teria sido quase impossível para eles acreditarem.
Lucas 16:24: Então, chamou-o: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha língua, porque estou sofrendo muito neste fogo”.
Primeiro, note-se que o homem rico identifica Abraão como seu pai, assim como fizeram os fariseus (João 8:39). O homem rico (Judá) é agora apresentado como sendo submetido a repreensão, testes e castigo “neste fogo” (no singular, não "estes fogos"). É bem óbvio que o fogo não é literal, porque uma ponta de dedo molhado na língua nada faria para saciar a dor infligida por chamas verdadeiras.
A palavra traduzida como "sofrendo muito" (“sendo atormentado”, Almeida Revista e Atualizada) aqui é uma forma do verbo grego odunao, que literalmente significa "aflição", "dor" ou "sofrimento". Predominantemente, ela transmite a sensação de angústia mental, não dor física. Formas desta palavra são encontradas apenas quatro vezes nas Escrituras, todas nos escritos de Lucas. Ela aparece duas vezes nesta parábola, nos versículos 24 e 25. Em Lucas 2:48, ela é usada para descrever a angústia ansiosa que Maria e José sentiram depois que perceberam que o jovem de 12 anos, Jesus, estava ausente na viagem de volta de Jerusalém, após a festividade da Páscoa. Em Atos 20:38, ela retrata a tristeza que os presbíteros da Igreja de Éfeso sentiram quando Paulo se despediu anunciando que eles não o veriam novamente.
O homem rico grita por conforto da escuridão simbólica do Hades por causa do sofrimento causado pelo fogo. A explicação do simbolismo do fogo exige um pouco de informação contextual.
Em Deuteronômio 11 e 28, Moisés delineia a parte de Deus em sua aliança com Israel. Moisés disse que se eles obedecessem ao Eterno, eles seriam a nação mais abençoada na terra. Por outro lado, se eles desobedecessem, Deus prometeu amaldiçoá-los e por fim destruí-los por causa de seus pecados.
Como a história de Israel na Tanakh mostra, só raramente eles obedeceram a Deus. Embora o Eterno tenha sido paciente, perdoando-os muitas vezes quando eles se arrependiam e voltavam para Ele, por fim ele foi obrigado a amaldiçoar Israel, como havia prometido fazer.
Primeiro a casa de Israel, as dez tribos que compunham o reino do norte, tendo Samaria como capital, foi levada ao cativeiro pela Assíria (c. 722 A.C.). Oséias, que profetizou durante o fim do reino do norte, disse o seguinte sobre o povo escolhido de Deus que havia sido chamado para ser um sacerdócio real e uma nação santa.
Oséias 4:6: Meu povo foi destruído por falta de conhecimento. Uma vez que vocês rejeitaram o conhecimento, eu também os rejeito como meus sacerdotes; uma vez que vocês ignoraram a lei do seu Deus, eu também ignorarei seus filhos.
Daí, uns 135 anos depois, o reino do sul, Judá, foi subjugado e finalmente conquistado por Babilônia (c. 587 A.C.). Deus entregou seu povo aos seus inimigos, conforme tinha prometido.
Ao povo de Judá foi dada outra chance. Após os persas derrotarem os babilônios, os judeus foram autorizados a voltar à Palestina (c. 538 A.C.) e, por fim, eles reconstruíram o templo. Castigados e cientes de que seus pecados haviam provocado o cativeiro, muitos procuraram obedecer às leis de Deus depois de seu regresso à terra.
Entretanto, no tempo de Cristo mais uma vez a incredulidade havia se tornado um grave problema. Muitos dos instrutores religiosos da época tinham substituído as leis que Deus dera a Israel por tradições humanas. (Mateus 15:1-9, Marcos 7:1-13). Por causa de sua falta de fé, eles realmente não acreditavam nas próprias Escrituras que professavam seguir (João 5:39, 45-47). No final, eles rejeitaram o ungido que Deus enviou a eles e fizeram os romanos crucificá-lo.
Agora, voltemos à questão em apreço. O que representa o fogo na parábola?
Quando se olha para a história do povo judaico desde o tempo de Cristo até hoje, uma particularidade permanece constante – a perseguição. Com a supressão das revoltas judaicas contra Roma (66-70 A.D. e 132-135 A.D.), a saga do povo judaico na diáspora foi uma perseguição persistente e dura, oriunda de praticamente todos os quadrantes. A Inquisição do século 15 e o Holocausto do século 20 são dois dos mais conhecidos episódios antissemitas, mas muitos além destes estão registrados nas páginas sangrentas da história. Por sua incredulidade e rejeição da verdade e do conhecimento, os judeus foram amaldiçoados por Deus com o “fogo” do sofrimento e da dor ao longo dos séculos. Infelizmente, a maior parte dos maus-tratos que os atingiram, vieram pelas mãos daqueles que se chamam de "cristãos".
Os judeus, retratados pelo homem rico desta parábola estão em sua condição atual por causa de sua incredulidade, que finalmente se manifestou na rejeição do Messias, Jesus. Infelizmente, esta parábola mostra que o castigo e os testes que eles sofreriam não os conduziriam imediatamente a Cristo. Em vez de invocar o Messias, o homem rico pede que seu antepassado, Abraão, o ajude para aliviar seu sofrimento.
Lucas 16:25: Mas Abraão respondeu: “Filho, lembre-se de que durante a sua vida você recebeu coisas boas, enquanto que Lázaro recebeu coisas más. Agora, porém, ele está sendo consolado aqui e você está em sofrimento.”
Abraão identifica claramente o homem rico como seu descendente, chamando-o de "filho". Ele diz ao rico que as coisas mudaram. Quando os judeus eram o povo escolhido de Deus, eles desfrutavam as bênçãos espirituais associadas a esse status. Mas agora, diz Abraão, Lázaro está desfrutando essas bênçãos, enquanto o homem rico está aflito e em angústia. “Em sofrimento” (“em tormentos”, Almeida Revista e Atualizada; “atormentado”, Bíblia de Jerusalém), aqui é outra forma de odunao, o mesmo verbo grego encontrado acima, no versículo 24.
Lucas 16:26: “E além disso, entre vocês e nós há um grande abismo, de forma que os que desejam passar do nosso lado para o seu, ou do seu lado para o nosso, não conseguem”.
O que é o “grande abismo” que se interpõe entre o homem rico e Lázaro? Paulo nos explica isso aptamente no décimo primeiro capítulo de Romanos. Ele nos diz que por causa da incredulidade dos judeus, “Deus lhes deu um espírito de atordoamento, olhos para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje” (Rom. 11:8). Paulo prossegue dizendo que “Israel experimentou um endurecimento em parte, até que chegue a plenitude dos gentios.” (Rom. 11:25). Em 2 Coríntios 3:14, 15, Paulo nos diz que “a mente deles se fechou, pois até hoje o mesmo véu permanece quando é lida a antiga aliança. Não foi retirado, porque é somente em Cristo que ele é removido. De fato, até o dia de hoje, quando Moisés é lido, um véu cobre os seus corações.”
O “grande abismo” mencionado por Abraão é nada menos do que Deus cegando nesta era os judeus como um todo para a verdade sobre o seu Messias! Não é que a nação judaica não vai reconhecer a Cristo; eles não são capazes de reconhecer a verdadeira identidade dele por causa das ações de Deus! No entanto, por causa da grande misericórdia do Eterno, esta condição das coisas não vai durar para sempre (Rom. 11:26).
Lucas 16:27, 28: Ele respondeu: “Então eu te suplico, pai: manda Lázaro ir à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de tormento”.
Conformando-se ao seu destino, o homem rico pede mais uma coisa de seu antepassado Abraão. Ele pede que Deus mande alguém para avisar seus irmãos, para que eles possam escapar deste “lugar de tormento” (basanou), o teste e a punição que ele estava sofrendo.
O fato de o homem rico ter cinco irmãos é uma pista vital para sua verdadeira identidade simbólica. Judá, o progenitor dos judeus, era o filho de Jacó por meio de Lia (Gên. 29:35). Ele tinha cinco irmãos consangüíneos: Rubem, Simeão, Levi, Issacar e Zebulão (Gên. 35:23).
Embora a importância deste detalhe aparentemente insignificante tenha sido negligenciada pelos eruditos ao longo dos séculos, o leitor pode estar certo de que isso não escapou à percepção dos fariseus e dos escribas com quem Cristo estava falando. Eles conheciam muito bem sua história e eram extremamente orgulhosos de sua herança. Jesus queria que aqueles fariseus hipócritas soubessem exatamente a quem ele estava se referindo com esta parábola. Este detalhe firma a identidade do homem rico como a casa de Judá, os judeus!
Lucas 16:29: Abraão respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam”.
Mais uma vez Abraão se recusa a atender ao pedido do homem rico, dizendo-lhe que os irmãos já têm uma testemunha nos escritos de Moisés e os profetas que lhes permitirá escapar de seu destino. Moisés, assim como os profetas, são apresentados várias vezes no Novo Testamento como apoiando a identidade de Jesus como o Messias (Lucas 24:27, 44; João 1:45, 5:46, Atos 3:22-24; 7:37 , 26:22, 23; 28:23). Abraão diz ao homem rico que seus irmãos teriam de reconhecer o Messias predito por causa das coisas escritas sobre ele na Tanakh. Isto faz eco ao que Jesus disse aos judeus em João 5:45-47.
Contudo, não pensem que eu os acusarei perante o Pai. Quem os acusa é Moisés, em quem estão as suas esperanças. Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?
Como mostram as Escrituras, os líderes judaicos do tempo de Cristo geralmente não conseguiam reconhecer a própria pessoa sobre quem Moisés escreveu (Deuteronômio 18:15, 18).
Lucas 16:30, 31: “Não, pai Abraão”, disse ele, “mas se alguém dentre os mortos fosse até eles, eles se arrependeriam.” Abraão respondeu: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos”.
Cristo usa os dois últimos versículos desta parábola como uma profecia surpreendente da ressurreição dos mortos pendente. O rico diz que, embora seus irmãos não possam aceitar a evidência bíblica para a identidade do Messias, eles vão aceitar a evidência de quem é ressuscitado dentre os mortos.
Mas Abraão responde e diz claramente que qualquer pessoa que rejeita a Palavra de Deus sobre o Messias também se recusa a reconhecer a evidência de uma ressurreição milagrosa. Este último versículo é uma triste profecia sobre os judeus e sobre todos os israelitas, os quais, apesar do fato de Deus ter ressuscitado seu Filho do poder da sepultura, não reconheceram Cristo como o Messias.
Cristo termina esta parábola de forma abrupta, sem apresentar uma resolução real. O quadro apresentado é sombrio, mas ainda assim há esperança para os judeus e para todo o Israel. Em Romanos 11, Paulo estabeleceu essa esperança de tal maneira que seria difícil poucos hoje acreditarem nela.
Em Romanos 11:1 Paulo pergunta retoricamente se Deus rejeitou o seu povo, Israel. Ele responde à sua própria pergunta enfaticamente, dizendo: “De maneira nenhuma!” Ele nos diz que Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu. Paulo escreve que não há hoje um remanescente de Israel, análogo aos sete mil que foram reservados por Deus no tempo de Elias (1 Reis 19:18), que Deus tenha escolhido pela graça. O resto Deus endureceu, para que os gentios possam também ser incluídos na salvação pela graça. Ele dá a solução para a situação no versículo 26:
Romanos 11: 25-33: Irmãos, não quero que ignorem este mistério, para que não se tornem presunçosos: Israel experimentou um endurecimento em parte, até que chegue a plenitude dos gentios. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o redentor que desviará de Jacó a impiedade. E esta é a minha aliança com eles quando eu remover os seus pecados. Quanto ao evangelho, eles são inimigos por causa de vocês; mas quanto à eleição, são amados por causa dos patriarcas, pois os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Assim como vocês, que antes eram desobedientes a Deus mas agora receberam misericórdia, graças à desobediência deles, assim também agora eles se tornaram desobedientes, a fim de que também recebam agora misericórdia, graças à misericórdia de Deus para com vocês. Pois Deus colocou todos sob a desobediência, para exercer misericórdia para com todos. Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos!
O mesmo Deus que cegou Israel para a desobediência terá piedade de todos os que foram rebeldes devido a essa cegueira. Para citar mais uma vez Paulo, “Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus caminhos!” Louvado seja o Eterno Criador de todas as coisas!
CONCLUSÃO
A parábola de Lázaro e do homem rico, muito utilizada pelos ministros cristãos convencionais para ensinar a realidade do “inferno”, realmente nada tem a dizer sobre a punição ou recompensa na vida após a morte. Cristo usou essa história, que se encaixa no equívoco sobre a vida após a morte que era comum na época dele, para mostrar o destino que aguardava a nação judaica por causa da incredulidade e falta de fé que os levou a rejeitá-lo como o Messias. Eles ainda sofrem com esse destino até hoje. No entanto, virá o tempo em que Deus derramará sobre os judeus o Espírito de graça e de súplicas; então eles ‘olharão para Cristo, a quem traspassaram, e chorarão por ele, como quem chora a perda de seu filho único, e se lamentarão por ele como quem lamenta a perda de um primogênito.’ (Zac. 12:10).
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Bryan T. Huie
NOTAS:
1 N.T.: Conforme já mencionado, os que defendem que a história é um relato literal não são coerentes com sua interpretação. Eles entendem trechos de maneira simbólica. Exemplo: O “seio de Abraão” não é realmente o seio duma pessoa (como seria o caso, se o relato fosse literal) e sim uma “região” do Hades, um “paraíso”, uma espécie de “oásis” protegido das “chamas”, onde ficariam temporariamente as almas dos “bons”. (O objetivo desta interpretação é se esquivar da contradição gerada pelo fato de pessoas boas, tais como o próprio Jesus, terem ido para o Hades após a morte.) Dessa forma, os literalistas não estão em posição de criticar os que o entendem simbolicamente, já que os próprios literalistas também se acham no direito e se veem obrigados a interpretar – arbitrariamente – de maneira simbólica uma parte do relato, para harmonizá-lo com suas teorias.
2 N.T.: Surpreendentemente, mesmo reconhecendo que essa história do “rico e Lázaro” foi a última duma série de parábolas ou narrativas alegóricas que Jesus contou naquela ocasião (nos capítulos 15 e 16 de Lucas, sendo que algumas delas foram claramente identificadas como tais), mas ainda assim tentando manter a todo custo que ela é uma história real, há quem insista que as parábolas de Cristo eram narrativas de fatos! Numa publicação que foi encaminhada ao Mentes Bereanas, aparecem os seguintes trechos:
“Na verdade, não há uma regra de que toda parábola tem que ser identificada no início como sendo uma ilustração. No entanto, nos casos onde não houve tal identificação, os relatos podem não ser fictícios... De fato, histórias a exemplo do filho pródigo e do bom samaritano, que também não foram identificadas quais ilustrações, podem realmente ter acontecido, não apenas pela linguagem introdutória, mas por Jesus, em sua vida pré-humana, ter certamente observado muitas situações reais vividas por pessoas, especialmente na nação de Israel, e possivelmente ter podido lembrar-se delas e usar tais experiências para ensinar o povo... Já nos casos onde se identificou claramente o que ele disse como sendo ilustrações, observam-se diversas comparações, a exemplo do reino de Deus ser como um grão de mostarda, os discípulos semelhantes ao trigo, o solo que nem o coração etc. “É por isso que o reino dos céus se tem tornado semelhante a um homem, um rei...” Tais descrições comparativas não aparecem explicitamente nos relatos do bom samaritano, do filho pródigo, do rico e Lázaro, e de outros. Além disso, depois que contava parábolas às multidões, Jesus se reunia em particular com seus discípulos para explicar o significado delas. As demais pessoas não entendiam as parábolas porque esse esclarecimento não era dado a elas... Também é importante lembrar que mesmo naquelas narrativas que eram claramente parábolas, Jesus nunca usou fábulas na construção de seu argumento. Ele lançava mão de situações da vida real, de coisas que aconteciam no cotidiano. Não há motivos para achar que a história do rico e Lázaro seja a única exceção, só porque fala do além-túmulo.”
Esta é uma maneira bem incomum de argumentar! Afirma-se, com muitas palavras (com destaque para os termos grifados) que, independentemente de os relatos serem ou não identificados como “parábolas” ou “ilustrações”, eles são histórias reais ou, no mínimo, “descrições comparativas” de realidades! Isso nada mais é que uma tentativa (em várias frentes) de criar uma nova definição de “parábola”, só para “salvar” a ideia de que as ocorrências na história do “rico e Lázaro” são verídicas! Ora, se reconhecemos que todos esses relatos são alegóricos, mas, ao mesmo tempo, insistimos que eles são ‘descrições comparativas’, ou mesmo narrativas que refletem fatos ocorridos (que ‘Jesus teria presenciado durante sua existência pré-humana’, por exemplo), então por que os evangelistas chamaram os relatos de “parábolas” ou “ilustrações”? Acaso para eles esses termos tinham outro sentido? Se as histórias são verídicas, então por que a necessidade de Jesus depois ter de ‘se reunir em particular com seus discípulos para explicar o significado delas’? E, se é verdade que essa história do “rico e Lázaro” está entre as “narrativas que eram claramente parábolas”, e “Jesus nunca usou fábulas na construção de seu argumento” nesses casos, devemos entender que as ocorrências nela descritas refletem “situações da vida real”, “coisas que aconteciam no cotidiano”? Acaso “em sua vida pré-humana” tinha sido corriqueiro Jesus ver espíritos no meio das chamas do inferno, que tinham língua e sentiam calor e sede, e viviam implorando a alguém que estava no "paraíso" (do outro lado do "abismo") para lhes refrescar a língua com uma gota d’água?
3 N.T.: Que nem mesmo um milagre, tal como uma ressurreição dos mortos é capaz de mudar um coração maléfico ou convencer alguém que não quer acreditar foi confirmado adicionalmente no caso da ressurreição do amigo de Jesus, Lázaro. Segundo o registro, depois que Jesus realizou este milagre, “os chefes dos sacerdotes e os fariseus... daquele dia em diante, resolveram tirar-lhe a vida” e “tinham ordenado que, se alguém soubesse onde Jesus estava, o denunciasse, para que o pudessem prender.” E estes líderes religiosos maléficos não se limitaram a isso: “... os chefes dos sacerdotes fizeram planos para matar também Lázaro, pois por causa dele muitos estavam se afastando dos judeus e crendo em Jesus.” – João 11:47-57; 12:10,11, NVI, grifos acrescentados.
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