Robert
L.Alden, Ph.D.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
A única menção
de Lúcifer na
Bíblia está em
Isaías 14:12. As notas marginais de muitas Bíblias dirigem a
atenção para Lucas 10:18, onde lemos as palavras de
Jesus: “Eu via Satanás,
como raio, cair
do céu”. Eu não aprovo
tal Relação e buscarei mostrar o
motivo nos parágrafos seguintes.
A tradução
da frase helel ben shachar em Isaías
14:12 não é
fácil. O ben shachar
não é o
problema.
A frase
significa “filho da alva” ou
similares. A estrela da manhã
é o filho
da manhã. O termo
hebraico ben – “filho” significa algo muito
próximo, dependente ou
descrito pela palavra
seguinte no estado absoluto.
Mas helel é um
nome? É um substantivo
comum? É um verbo? A palavra helel aparece em Zacarias
11:2 em paralelo
com um verbo
cujas letras
radicais são yll.
Assim, ambos significam “uivo”
ou “berro” e são
aparentemente
onomatopeias. Em Ezequiel
21:12 (v. 17
em hebraico) temos
uma
situação similar. Ali helel é paralelo a z’q,
que significa “gritar”.
Jeremias
47:2 tem
uma forma relacionada (hiph’il) e
ali a palavra
é traduzida como
“lamento”. A versão síria, entre outras, entende assim
a palavra em
questão:
“Como caíste
do céu! Uivo na manhã…”.
Todavia, muitos
tradutores e comentaristas escolhem traduzir
a palavra
como um
substantivo. O grego tem
heosphoros e o latim lúcifer. Os dois
termos
significam “portador
de luz”. As traduções da Septuaginta
e da Vulgata,
juntamente com
os principais rabinos
e a maioria
dos antigos escritores
cristãos entendiam
a palavra como
um derivativo de
hll, “brilhar”. Por
conseguinte,
ela significa “aquele que
brilha” ou “aquele
que resplandece”.
Although
Winckler (Geschichte Israel, ii,
24) sugere shahar
para shachar; por
consguinte, “filho da lua”. A
palavra aparece em Judas 8:21, 26 e Isaías 3:18.
Cf. Is. 5:1,
“uma colina muito frutíefra” é literalmente “um chifre do filho do óleo”.
George M. Lamsa, The Holy Bible from Ancient Eastern
Manuscripts (Philadelphia: Holman, 1957).
Isso, sem
dúvida, se encaixa
melhor com o
restante da frase
ben shachar, “filho
da alva”.
Tertuliano,
comentando sobre Isaías 14:12,
disse: “Isso deve
significar o diabo…”.
Orígenes, também, prontamente
identificou “Lúcifer” com Satanás.
O Paraíso
Perdido de John Milton contribuiu para a disseminação dessa noção errônea: …
Cidade e corte do infernal tirano, Que Lúcifer chamado foi outrora
Por se lhe assemelhar
da tarde a estrela…Disso surgiu a perversão popular do belo nome Lúcifer para
significar o Diabo.
O argumento para
entender helel como
uma forma substantiva
derivada
do verbo
significando “brilhar” é
forte. Pelo menos três idiomas
semíticos em
adição ao
hebraico têm uma
forma dessa palavra
e todas significam
“brilho”
ou “luz”. Há o acadiano ellu, o ugarítico hll e
o árabe halla.
“Lua nova” em
árabe é hilal.
A forma
feminina do acadiano é ellitu e é um nome para a deusa Ishtar. Ela é chamada
também de mushtilil,
“aquela que resplandece”.
Ela é Ashtar em
fenício e ugarítico.
Os
árabes chamam Vênus
de zahra, “o
brilho resplandecente”.
Considere
tambémo germânico Helle, “brilho”.
Há uma
observação adicional com respeito à
estrela da manhã
e a deusa.
Isaías
14:12 tem “filho”
da manhã, não
um feminino como
esperaríamos. Além do
mais, a tradução
grega é uma
palavra masculina.
Como sabemos agora,
as estrelas da manhã
e da noite são as mesmas, embora
os antigos semíticos
viam-nas como gêmeas.
Albright julga a partir da
evidência
acadiana que esse
deus era originalmente
bi-sexual, sendo macho
de
manhã e
fêmea de noite.
Na
literatura ugarítica os
nomes das crianças seduzidas pelo
deus El são
shchr e shlm.
Dessa
forma, elas representam
o nascer-do-sol e o
pôr-do-sol. Temos sachar em árabe,
seru em acadiano
e sachra em aramaico para
a manhã e
shalam shamshi em
acadiano para a
noite.
A palavra
germânica “Morgenröte” pode
descrever melhor shachar,
sendo ela
aquele breve
momento antes do romper da aurora.
Por causa da
conexão das palavras em Isaías
com aquelas que descrevem
a mitologia não-israelita, muitos
têm sido rápidos em fazer a associação.
Eissfeldt, por exemplo, diz que isso e Ezequiel 28:1-19 sobressaem excepcionalmente
como mitos reais, isto
é, eles não foram transformados ou convertidos ao padrão de pensamento
teológico hebraico.
Tal conexão é
desnecessária. Primeiro, não temos
nenhuma evidência de uma
história do Oriente Médio lidando com a
rebelião de um deus mais jovem
contra um
deus principal. Em segundo lugar, Isaías poderia
muito bem ter
feito referência à glória da alva e usado a estrela da manhã
para ilustrar seu ponto puramente em e de si mesmo.
Discutimos o
significado das palavras helel ben shachar
e descobrimos ser
melhor traduzi-las
como “aquele que brilha,
filho da manhã”
ou similares.
“Lúcifer” é
perfeitamente bom também (especialmente
para o povo
de fala
latina) ,
exceto pelo fato de ter sido mal-interpretada
tão grandemente que é
melhor evitarmos a mesma.
Mas a pergunta
permanece – por que isso não pode ser o Diabo?
Consideremos
o contexto. Os capítulos 13 e 14 de Isaías lidam com Babilônia.
Lemos em
Isaías 13:1: “O oráculo com respeito à Babilônia, que viu Isaías, Filho de Amós”. O
capítulo 13 lida com a nação como um todo.
O versículo
19 resume o
capítulo: E Babilônia, o ornamento dos reinos, a glória e a soberba dos
caldeus, será como Sodoma e Gomorra, quando Deus as transtornou.
O capítulo 14
abre com as palavras confortantes em prosa à casa de
Jacó (vv.
1-3). Então Deus os instruiu a cantar
esse cântico sarcástico contra o
rei da Babilônia
(v. 4). Os versículos 7 até o 20 são um
lamento zombeteiro.
Primeiro as
terras regozijam-se, especialmente as
árvores, pois o lenhador não
vem
mais cortá-la –
isto é o rei
está morto. O inferno é o cenário dos
versículos 9-26. O fantasma daqueles que já estão lá
expressam surpresa diante
dos
recém-chegados. “Tu também”, dizem eles
(v. 10). O versículo 12 é uma
citação dos indivíduos no inferno.
Como caíste
desde o céu, ó Estrela da Manhã, filho da Alva!
Eles
continuam, lembrando o rei das suas ostentações de igualdade e mesmo superioridade
a Deus, mas conclui observando que
sua morte foi
muito
vergonhosa, tendo sido “lançado da tua
sepultura…”. Resumindo, esse
lamento nos
fala da queda de uma Babilônia tirana.
Seu reino de terror
terminou e ele
não deve ser mais temido. Isso descreve
Satanás também? O
acusador
caiu de uma posição de poder? O
adversário cessou de governar o
mundo
com “golpes incessantes
e perseguição dura”
(v. 6)?
Pelo contrário,
Satanás tem
muito poder. Ele é o deus deste mundo (2Co. 4:4) e o príncipe do
poder dos
ares (Ef. 2:2).
Em nenhum sentido ele caiu de uma posição de
reinado neste
mundo. O rei da Babilônia se foi
e não é mais ouvido.
Não é
assim com Satanás!
Sua “queda” marcou o início do seu reinado perverso. A
queda do rei
da Babilônia marcou
o fim do
seu reinado perverso.
Lúcifer não
pode ser
Satanás. Isaías não está falando de Satanás no capítulo 14.
Antes de
concluir, seria interessante examinar as expressões bíblicas
relacionadas
a isso em Isaías 14:12. Estrelas e em
particular a estrela da
manhã (que
é na verdade
um planeta) são
algumas vezes usadas
para o
Messias, bem
como para Satanás. Em Números 24:17b lemos: uma estrela procederá de Jacó e um
cetro subirá de Israel;
Nem Ezequiel
em Ezequiel 28 quando a queda do rei de Tiro está em vista.
Lemos em
2 Pedro
2:19: “E temos, mui
firme, a palavra
dos profetas,à
Qual bem
fazeis em estar atentos, como a uma luz
que alumia em lugar escuro,
Até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos
corações”. Ao
anjo da
igreja em Tiatira,
João foi ordenado
a escrever o
seguinte (Ap. 2:28):
“E
dar-lhe-ei a estrela da manhã”.
Apocalipse 22:16 é mais
conclusivo: “Eu,
Jesus,
enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a
raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela
da manhã”.
Não negamos
a conexão de Satanás com a luz. Nem
negamos que ele
teve um
certo tipo de
queda.
Observe
Lucas 10:18 novamente: “Eu
via Satanás, como raio, cair do
céu”. Em adição, encontramos 2Co. 11:14: “E não é maravilha,
porque o próprio
Satanás se transfigura
em anjo de
luz”. Em nenhum desses exemplos a
luz é algo mau. No último o termo é especialmente algo
bom. No livro apócrifo de
Eclesiásticos (50: 6), lemos que Simão
o filho de Onias
era “como a
estrela da manhã no meio
de uma nuvem e
como a lua
nos dias de
lua cheia” quando
ele saiu do
santuário.
Finalmente, havia o
falso messias Bar Kochba. Seu nome significa “filho de uma estrela”.
Para resumir
e concluir, observemos simplesmente
esses fatores salientes. Lúcifer é perfeitamente uma boa tradução de
hll em Isaías 14:12. O significado
“portador de luz” ou “estrela da
manhã” é apropriado.
Mas o capítulo lida somente com
a queda do
rei de Babilônia
e esse versículo
em particular. Que Satanás
inspirou o rei perverso
enquanto ele governava
todos os homens degenerados
é inegável, mas
isso é muito
diferente de dizer
que Lúcifer é Satanás.
A estrela da manhã é algo belo de contemplar e tem uma tarefa mui notável
nos céus, aquela de anunciar o novo dia. O rei ostentava ser tão grande quanto
Deus, e Isaías assemelha o mesmo àquela estrela que é bela por um momento, mas rapidamente
é eclipsada pela glória do próprio
sol.
Que Satanás
fez tal ostentação não é conhecido.
Não temos
justificativa para tal identificação
aqui, assim como
não temos em
Ezequiel 28, onde
o rei de Tiro
está em vista.
Lúcifer é somente o arrogante,
porém agora caído
rei da Babilônia.
Fonte: Bulletin of the Evangelical Theological
Society 11:1
(Winter 1968):35-39.
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