quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sê fiel até a morte




Escreve ao anjo da igreja em Esmirna: Isto é o que diz o primeiro e o último, aquele que foi morto e reviveu: Conheço tua tribulação e tua pobreza, apesar de seres rico, e a blasfêmia dos que dizem ser judeus, mas não são; pelo contrário, são sinagoga de Satanás. Não temas o que hás de sofrer. O Diabo está para colocar alguns de vós na prisão, para que sejais provados; e passareis por uma tribulação de dez dias. Sê fiel até a morte, e eu te darei a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas. O vencedor de modo algum sofrerá a segunda morte.” (Ap 2.8-11)

No primeiro texto dessa série que agora chega ao fim, prometi tratar de três tipos de crente: (1) o crente insensível ao pecado; (2) o crente “cult”; e (3) o crente fiel e verdadeiro. Porém, acho que só agora me dei conta do imenso desafio que tenho pela frente ao tentar descrever o perfil de um cristão genuíno. Não me entenda mal. Seria simples chegar aqui e escrever tudo o que sempre ouvimos sobre o padrão de vida cristã, i.e. friamente dizer que devemos apresentar todas as características do fruto do espírito (Gl 5.22-23) e vagamente dizer que devemos ser como Jesus Cristo. Mas que utilidade teria isso? Acaso não estamos cansados de saber superficialmente tudo isso? Portanto, aviso que tratarei desse assunto em um formato completamente diferente do que utilizei nos textos anteriores. Meu objetivo, mais do que nunca, é ser sincero e falar diretamente ao seu coração, assim como esse texto (Ap 2.8-11) falou e fala ao meu.

Inicialmente quero falar de Esmirna. Ela era considerada a flor da Ásia devido a sua beleza. Lá ficava um importante porto, o que fazia dela uma cidade comercial e próspera. Em Esmirna eram realizados jogos atléticos anuais em que o vencedor ganhava uma coroa de louros. O monte Pagos era coberto de templos e belas casas. Era um lugar da realeza e de magnífica arquitetura com templos dedicados a Cibele, Zeus, Apolo, Afrodite e Esculápio. E como se não bastasse, de todas as cidades orientais era a mais fiel a Roma [1]. Porém o cenário da igreja era diametralmente oposto. Cristo, por exemplo, diz que ela enfrentava tribulação, pobreza e blasfêmia. Isso parece algo natural, não é mesmo? Afinal de contas, vemos isso na Bíblia algumas vezes. Mas para entender isso da maneira devida precisamos dar vida a essas palavras.

De início vamos falar da idolatria ao imperador. Quem não se prostrasse perante o imperador deveria morrer. Logo, muitos cristãos, por não se prostrarem e por não negarem a sua fé, eram mortos em praça pública. E se os cristãos não morressem assim como medida de disciplina, eles provavelmente morreriam de fome. A igreja era formada em sua maioria por escravos e os poucos livres tinham dificuldade de conseguir empregos por conta da difamação (blasfêmia) que era levantada contra eles. A perseguição chegava ao ponto de os cristãos terem seus bens saqueados [1]. Em suma, era como se eles não pudessem sair nas ruas sem que um olhar de pesar caísse em seus ombros. Eles provavelmente não frequentavam as festas ou as rodas de amizade. Eles possivelmente eram vistos como leprosos naquele local. Uma igreja perseguida fisicamente, socialmente e economicamente. Esse era o cenário.

Eu não sei você, caro leitor, mas eu não faço a menor ideia do que seja viver em um ambiente assim. Eu estou acostumado a viver em uma cultura que ainda minimamente respeita o cristianismo, que ainda me permite ser cristão mesmo nos setores mais difíceis como no ramo científico e que possivelmente me permitirá trabalhar e sustentar minha família sem ser sabotado por razão de minha fé. Eu sei que caminhamos a passos largos em direção contrária ao cristianismo, mas é impossível negar que estamos distantes do quadro aqui demonstrado – e é por isso que devemos lutar agora para que não cheguemos a essa situação.

O que eu espero deixar claro é que ser cristão em Esmirna significava literalmente abrir mão de tudo para seguir a Cristo. E aqui cabem algumas perguntas que sempre me faço quando reviso este texto: “seja sincero, você seria capaz de se declarar cristão em um cenário desses? Perderia tudo por amor a Cristo? Sujeitaria a sua família a fome e miséria por amor a Cristo? Abriria mão de seus luxos e do glamour por amor a Cristo? Perderia até os seus direitos mais básicos por amor a Cristo? Viveria uma vida horrível por amor a Cristo? Entregaria sua vida por amor a Cristo?”. Eu não quero parecer sensacionalista e muito menos um fanfarrão, mas precisamos ser honestos com relação a isso. Paul Washer costuma dizer que indivíduos que se declaram crentes nesse tipo de ambiente já “provaram” que são cristãos porque automaticamente ao declararem “eu sou de Cristo” sentenciam sua morte [2]. Me utilizando mais uma vez da sabedoria de Washer, parafraseio um de seus questionamentos: Cristo é tudo na sua vida ou é somente mais um acessório dela? [3].

Espero não estar sendo mal entendido. Eu não estou dizendo que a única possibilidade de ser um cristão de verdade é viver em tamanha perseguição. Isso seria ir contra, por exemplo, a história da igreja que viu um homem como Jonathan Edwards crescer em lar cristão, estudar em universidade cristã, fazer uma tese de mestrado sobre a fé cristã e conduzir um dos mais famosos avivamentos que se tem notícia [4]. Isso seria ainda entender erroneamente o ensino bíblico contido na parábola do jovem rico (Mt 19.16-22) ou na declaração de Paulo em Filipenses (Fp 3.7-8) ou ainda ignorar o próprio exemplo de Jó que ao mesmo tempo era “o maior de todos os do Oriente” (Jó 1.3) e um “homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal” (Jó 1.1). Portanto a extrema perseguição vista antigamente em Esmirna e atualmente em lugares como China e Coréia do Norte somente evidencia uma característica importantíssima de todo cristão.

Cristo a coloca da seguinte forma: “Sê fiel até a morte”. Bom, eu só enxergo uma única forma de cumprir o conselho de Cristo e quem nos conta isso é Paulo: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele...” (Fp 3.8-9). Ou seja, somente podemos ser fiéis até a morte se assim como Paulo entendermos que Cristo é tudo o que temos. Se entendermos que somos completamente incapazes de obter justiça própria advinda da lei (Fp 3.9) e que estaríamos eternamente mortos se não fosse pela graça de Deus manifestada em Cristo. Somente estimaremos Cristo como devemos se entendermos que é Ele quem nos livra da santa ira daquele “que depois de matar, tem poder para lançar no inferno” (Lc 12.5). 

Talvez você esteja espantado com o que está lendo. E eu não esperaria nada diferente. Se você como um bom cristão é sincero consigo mesmo sabe que está muito distante de estimar Cristo de tal forma. Permita-me contar-lhe um segredo: eu também estou. Quando olho pra mim, pro mais íntimo canto do meu coração, que em minha falibilidade sou capaz de enxergar, me espanto com minha maldade e meu pecado e, por isso, agradeço imensamente a Deus por ter decidido me apresentar sua graça e me salvar. Agradeço imensamente a Deus porque ele prometeu me dar um coração de carne (Ez 11.19; 36.26) para ser sensível à sua palavra e porque “aquele que começou boa obra em vós há de completa-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). 

Ser fiel até a morte não significa ser perfeito a partir de sua conversão. Antes, significa crescer no conhecimento de Cristo e viver a jornada de sua vida, buscando conhece-lo mais e mais. É viver a sua vida como quem corre, luta e se disciplina, buscando viver para Cristo (1 Co 9 24-26). É buscar ser santo em todo o nosso procedimento simplesmente por que quem nos chamou assim o é (1 Pe 1.15). É, literalmente, lutar contra nossa carne e mortificar os seus frutos, como escreve John Owen [5]. Em outras palavras, é enxergar Cristo como absolutamente tudo o que temos, o nosso bem mais precioso e por amor a Ele moldar toda a nossa vida e existência.
“Deixem os seus corações irem em direção a Ele em carinhosa união. Jesus é o Seu nome de morte: “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”, foi escrito na Sua cruz. Esse é o Seu nome de ressurreição. Esse é o nome de Seu Evangelho que pregamos. É o nome que Pedro pregou para os gentios, quando ele disse: “Este é Jesus de Nazaré, por quem é pregada a vocês a remissão dos pecados”. E este, amados, é o Seu nome Celestial! Eles cantam a Ele lá como Jesus! Veja como Ele conclui a Bíblia. Leia Apocalipse! Leia seus louvores e veja como eles adoram a Jesus, o Cordeiro de Deus! Vamos e contemos sobre esse nome! Meditemos continuamente sobre ele! Vamos amá-lo a partir de hoje e para sempre! Amém.” Charles H. Spurgeon [6].

Que Deus desperte os nossos corações!

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Referências:
[1] Hernandes Dias Lopes. Ouça o que o Espírito diz às igrejas, 2010. Editora Hagnos.
[2] Paul Washer. Esquecemos que o caminho é apertado – Seja um verdadeiro Discípulo. Vídeo disponível em http://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/07/esquecemos-que-o-caminho-e-apertado-paul-washer-serie-um-verdadeiro-discipulo/.
[3] Paul Washer. O chamado ao evangelho e a verdadeira conversão, 2014. Editora Fiel.
[4] Dr. Stephen J. Nichols. Conteúdo disponível em: http://voltemosaoevangelho.com/blog/2015/05/conheca-jonathan-edwards/
[5] John Owen. Para vencer o pecado e a tentação, 2011. Editora Cultura Cristã.
[6] Charles H. Spurgeon. Sermão número 1434: Jesus!

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Autor: Pedro Franco
Divulgação: Bereianos
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Pagando a dívida, e ainda devedor (comentário a Gl 2:20)


Gálatas 2.20 é um versículo precioso, poderia dizer, inigualável. Não somente porque foi o versículo da minha conversão [que descrevi no texto O dia em que Cristo me fez], mas porque, de uma forma singular, poder-se-ia resumir a vida cristã ou, ao menos, descrevê-la plenamente. É também o alvo, o de um dia poder dizer: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim”. São palavras que me acalentam, me dominam, me compungem a encontrar-me nelas. Poderia ser a epígrafe cravada na minha sepultura, porém, muito mais a quero gravada em meu coração. O resumo de tudo o que almejo e quero experimentar. Mais do que isso, ser. E desde aquele momento, decorei-as, como se decora a melodia da mais bela entre todas as canções. Como se ouvisse a sinfonia perfeita, inefável, a síntese do mais puro e santo sentido, ainda que com palavras indizíveis em sua verdade absoluta e extraordinária. Como se estivesse a construir algo que sei impossível, por mim mesmo, construir. De certa forma, invejo a Paulo por ter sido ele e não eu a proferi-las; mas creio que saídas de sua boca, elas têm o som da minha voz, o som da sua voz, o som da voz de todos os santos, daqueles que são um em Cristo, e por ele vivem.
     
Mas, o que levou o apóstolo a proferi-las?
    
A mensagem central de Gálatas é a disputa: Lei x Evangelho. Em vários momentos, parece haver o desprezo de Paulo pela lei, como se fosse descartável e não existisse mais nenhum sentido nela. Mas esse não é o caso. Em outra carta, ele diz: E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom” [Rm 7.12]. E, ainda: “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei” [Rm 3.31].
    
O que está em disputa entre Paulo e os judaizantes é a lei como instrumento de salvação. Eles pregavam contra o Evangelho, ao afirmar que era necessário se cumprir toda a lei para salvar-se. Por isso, o apóstolo diz: “Se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu debalde” [ 2.21]. Ora, se para ser salvo o crente deveria cumprir toda a lei, qual a razão de Cristo encarnar, padecer, e morrer na cruz? Por isso o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo [2.16]. Desta forma, Paulo constrói a defesa do Evangelho da Graça, sem que haja nenhum tom antinominiano [1] em seu discurso, pelo contrário: “É porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma. Porque, se torno a edificar aquilo que destruí, constituo-me a mim mesmo transgressor” [2.18].

Se Cristo pagou na cruz a dívida que tínhamos para com Deus, e se está paga, definitivamente paga, o que mais podemos fazer que Ele não fez? Fico a imaginar Paulo rindo-se da tolice desses homens, mas entristecendo-se pelo caráter sutil e maligno de distorcerem a fé a fim de enganar incautos, e anular a graça. Cristo, ao destruir o pecado e seu caráter condenatório sobre os eleitos, não poderia restituí-lo novamente, ao ponto em que seria exigido o cumprimento da lei para a salvação. Se a justiça foi decretada na cruz para os que creem, se o pecado foi morto, ressuscitá-lo significaria dizer, entre outras coisas, que a obra do Senhor não foi eficaz, e de que, loucamente, ao trazer a justiça, trouxe a injustiça.

O apóstolo está a condenar aqueles que anteriormente pregavam o Evangelho da graça, para agora viver pela lei, tornando-os em transgressores, porque quem não está morto para a lei, vive para ela, ou seja, vive para a morte, pois pela lei ninguém pode ser justificado perante Deus [3.11], antes está debaixo da maldição da lei. Ao contrário, quem está morto para a lei, vive para Deus, eternamente. Paulo ensina a teologia correta, a doutrina correta, mas muito mais do que isso.
• Ele disse que estava morto para a lei.
• Que estava crucificado com Cristo.
• Que vivia, não mais ele, mas Cristo.
• Que Cristo o amou, e se entregou a si mesmo por ele.

Então, o que levou o apóstolo a proferir o verso 2.20?

A consciência de tudo isso acima, mas, sobretudo, reconhecer que, sem Cristo, nada disso seria possível. Nem mesmo ele, Paulo, seria possível. De uma forma maravilhosa, Paulo reconhecia a completa dependência do Senhor, e a obra fantástica que fez para que ele pudesse reconhecer-se em Cristo. Sem ele, o que seria Paulo? Sem Cristo, o que seria eu? Você? Não haveria esperança, não haveria o perdão, nem a salvação. Apenas a tristeza assoladora de que a condenação era questão de tempo, irremediável, uma maldição a pairar sobre nossas cabeças eternamente. E se eu, antes condenado, agora salvo pelo poder de Deus, o que quereria exaltar em mim mesmo para voltar à destruição? Ou seria possível exaltar-me na ruína? Ou antes, ser um dia como Cristo é? Pois se olharmos para nós, como somos, sem Cristo, não haverá nada além de condenados sem que seja preciso esperar o castigo, pois estamos já a “curtir”, sobre nós, a ira de Deus. Se olhar para mim, descobrirei apenas que sou miserável, e nu, e cego. Se olhar, e apenas me ver, há um pecador naufragando em pecados. Se sou o futuro, não há futuro; apenas o passado de morte, de sofrimento e angústia. Ao contrário, se vejo Cristo em mim, assim como Paulo o via em si, as coisas mudam de figura. Já não sou mais um condenado, antes justificado. De pecador, a santo. De maldito, a bendito. De desgraçado e vil, a agraciado e amado.

A teologia de Paulo [2] estava certa. Ela lhe trouxe esperança, certeza, convicção. E abriu-lhe os olhos para a mais surpreendente e inesperada verdade, de que ele já não era mais ele, mas Cristo a viver nele. E trazia no seu corpo as marcas do Senhor [6.17], marcas profundas que não o impediam de se ver como era, de reconhecer o que era, de gloriar-se nas fraquezas para que o poder do Senhor em si habitasse [1Co 12.9]. Porém, antes era necessário que compreendesse e conhecesse isso, para depois sentir; pois, como sentir o que não se conhece ou não compreende? Como alguém desejará o que não conhece?

Como qualquer homem, ele tinha de nascer, crescer e amadurecer na fé. Mas ninguém nasce por si mesmo; era necessário que fosse gerado por Cristo; que o sangue do Senhor não somente o limpasse dos pecados, mas corresse em suas veias e bombeasse no seu coração a vida. A vida que somente o Senhor poderia dar, e deu, a despeito de todo o desejo de nos apossar dela como se fosse nossa por direito, e não por dádiva, misericordiosa, e graciosamente entregue pelo amor com que Deus nos amou. O caminho nos é mostrado, mas não há nada que nos faça andar nele, se não nos for revelado. Quem não pode ver, como saberá onde andar?

O certo é que, como João o Batista disse, era necessário que ele diminuísse e Cristo crescesse [Jo 3.30].

E assim será para todos os que foram crucificados e mortos com Cristo.

Se ele não viver em nós, a morte viverá.

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Notas: 
[1] Antinomianismo significa “antilei”. É o oposto de legalismo, e como ele, uma heresia. Para os defensores do antinomianismo, o crente não tem de obedecer à lei de Deus, pois Cristo à pregou na cruz. E se a pregou na cruz, está-se livre para viver como quiser, inclusive pecando o quanto quiser; ao ponto de até mesmo distorcerem o sentido de graça, ao afirmar que, quanto mais se peca, mais a graça se manifesta.
[2] Paulo, ao defender magistralmente o Evangelho da graça, afirmando a justificação somente pela fé no sangue derramado de Cristo na cruz, defende também a sua autoridade e ministério contra os falsos-mestres, os detratores que buscavam difamá-lo e desqualificá-lo como apóstolo. E nada mais verdadeiro do que reafirmar que estava morto para si, para viver para Cristo, enquanto aqueles queriam viver por si mesmos.
- Aguçado pela conversa com uma querida irmã, lembrei-me que devia um texto sobre Gl 2.20. E, por mais que escreva, sempre serei devedor a Deus por tê-lo dado a mim.
- Não entrei muito na questão da impossibilidade da lei como meio de salvação, a qual farei brevemente em outro texto.

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Autor: Jorge Fernandes Isah
Fonte: 
Kálamos



Pecadores justos




59. Mas que proveito tem sua fé no Evangelho?
R. O proveito é que sou justo perante Deus, em Cristo, e herdeiro da vida eterna (1). 
(1) Hc 2:4; Jo 3:36; Rm 1:17. 
60. Como você é justo perante Deus?
R. Somente por verdadeira fé em Jesus Cristo (1). 
Mesmo que minha consciência me acuse de ter pecado gravemente contra todos os mandamentos de Deus, e de não ter guardado nenhum deles, e de ser ainda inclinado a todo mal (2) , todavia Deus me dá, sem nenhum mérito meu, por pura graça (3) , a perfeita satisfação, a justiça e a santidade de Cristo (4). Deus me trata (5) como se eu nunca tivesse cometido pecado algum ou jamais tivesse sido pecador; e, como se pessoalmente eu tivesse cumprido toda a obediência que Cristo cumpriu por mim (6). Este benefício é meu somente se eu o aceitar por fé, de todo o coração (7). 
(1) Rm 3:21-26; Rm 5:1,2; Gl 2:16; Ef 2:8,9; Fp 3:9. (2) Rm 3:9; Rm 7:23. (3) Dt 9:6; Ez 36:22; Rm 3:24; Rm 7:23-25; Ef 2:8; Tt 3:5. (4) 1Jo 2:1,2. (5) Rm 4:4-8; 2Co 5:19. (6) 2Co 5:21. (7) Jo 3:18; Rm 3:22. 
61. Por que você diz que é justo somente pela fé?
R. Eu o digo não porque sou agradável a Deus graças ao valor da minha fé, mas porque somente a satisfação por Cristo e a justiça e santidade dEle me justificam perante Deus (1). Somente pela fé posso aceitar e possuir esta justificação (2). 
(1) 1Co 1:30; 1Co 2:2. (2) 1Jo 5:10. 
• Catecismo de Heidelberg

O 23º Dia do Senhor, diante das quatorze semanas que foram tratadas sobre cada ponto do Credo Apostólico, agora nos leva a refletir e perguntar: que bem nos faz crer em tudo o que foi visto?


A resposta que o Catecismo nos dá é essa: “O proveito é que sou justo perante Deus, em Cristo, e herdeiro da vida eterna.”

A doutrina implícita que o 23º Dia do Senhor trata é a doutrina da justificação. Infelizmente muitas pessoas não sabem tratar do assunto ou, quando tratam, abordam de forma incorreta. A reforma protestante, com Lutero, teve seu ímpeto com a descoberta da justificação pela fé somente. Sendo assim, o Catecismo, de forma didática, nos ensina algumas coisas. 

Há cinco conceitos importantes na compreensão desta doutrina implícita no 23º Dia.  

Primeiro, que deste lado do céu nós seremos, como disse Lutero, simultaneamente justo e pecador. O Catecismo nos mostra que mesmo estando de bem com Deus, nós, diariamente, transgredimos os Seus mandamentos. No entanto, Deus não absolve as nossas culpas por causa de nossas obras, mas porque confiamos “naquele que justifica o ímpio” (Rm 4.5).

Segundo, a nossa postura diante de Deus não está baseada em nossa justiça, mas em uma justiça alheia. Ou seja, a nossa justificação não é por nossas justiças, mas por uma justiça que não é nossa, como mostra a Confissão de Fé de Westminster

Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feitos, mas somente em consideração da obra de Cristo (XI.I)

E é nessa mesma voz que August Toplady diz poeticamente:

         Nada trago em minhas mãos, 
         Apenas me agarro à tua cruz; 
         Nu, venho a ti para me vestir,
         Dependente, busco graça em ti;
         À tua fonte vou correr. 
         Lava-me, Senhor, ou vou morrer!
         Rocha Eterna, partida por mim, 
         Deixa-me esconder em ti. 


Terceiro, se nada trago em minhas mãos, conforme disse o poeta, devemos entender que a nossa justificação não é baseada em nossa santificação, até porque, como dito anteriormente, nós pecamos todos os dias. No entanto, Cristo imputou em nós a sua justiça, nos livrando da condenação eterna, mas não dos castigos por causa de nossos pecados atuais.


Quarto, se não é a nossa bondade ou santidade que nos faz justificados por Cristo, o que é então? A nossa fé, a qual é dada por Deus (Ef. 2.8). Por isso nós falamos que somos justificados pela fé somente. O catolicismo romano crê que somos justificados pela fé, porém não crê que somente a fé pode nos justificar, mas também às práticas de boas obras que, segundo eles, fazem com que sejamos justificados. É verdade que a fé justificadora deve ser mostrada pelas obras, no entanto, ela não é a base de nossa justificação, mas a demonstração da mesma.

E, finalmente, depois do exposto sobre fé para ser justificado, o Catecismo vai nos mostrar, como um banho de água fria, que a nossa fé não tem valor se não entendermos o que é a santificação, a justiça e a santidade d'Ele que nos justifica diante de Deus. Ou seja, a obra perfeita de Cristo é o objeto da nossa justificação e a nossa fé é o instrumento para que sejamos justificados. Portanto, devemos crer com todo coração em Jesus Cristo, mas nunca colocar a fé na nossa fé. Devemos descansar em Cristo, não em nossa fé. Somente Ele é quem morreu por nós e ressuscitou em nosso lugar para a nossa justificação. Creia nisso, não em você e nem em suas obras. 

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Autor: Denis Monteiro
Fonte: Bereianos


A gnose no contexto eclesiástico brasileiro




Estou certo de que muito já se comentou e analisou acerca da relação quase simbiótica entre o movimento pentecostal e sua cria teratológica denominada “neopentecostalismo”. Com efeito, há textos excelentes que versam magistralmente sobre essa temática, por exemplo, “O gnosticismo e os pentecostais”, de Michael Horton, e “O pentecostalismo e seus danos à Igreja”, do Pr. Marcos Granconato, de modo que quase se torna desnecessária nossa presente tarefa de radiografar a presença viral do gnosticismo no contexto eclesiástico brasileiro.

A busca cada vez mais ávida por experiências extáticas, transes, teofanias, arcanos e mistérios tornou-se efetivamente a chave hermenêutica para se compreender a caoticidade de alguns segmentos carismáticos – e, de fato, seríamos intelectualmente desonestos caso não afirmássemos que não poucas linhas dentro do pentecostalismo têm realizado um importante trabalho evangelístico, acompanhado de uma capacitação ministerial mais profunda e de uma liturgia mais ordenada. Todavia, o que ainda infelizmente impera é a exacerbação mística, a catarse emocional e a tentativa de ressignificar a “liberdade do Espírito” (Gl 5:1), transformando-a em desordem carnal. Conforme já disse John McArthur, em seu livro Caos carismático, é possível, por vezes, atribuir a certos grupos pentecostais a alcunha de “neo-montanistas” – gnósticos que dualizam os cristãos em duas categorias, espirituais (pneumáticos) e carnais (sárquicos), conforme era costume entre os coríntios, e que reivindicam uma suposta superioridade espiritual mediante um conhecimento (gnosis) exclusivo (na maioria das vezes o domínio da “língua dos anjos”).

No entanto, a gnose não é simplesmente uma heresia deslocada, facilmente erradicável e diagnosticável. Pelo contrário, já nos dizia Charles Hodge que a história da igreja é a constante luta entre a gnose e o que podemos chamar anacronicamente de “calvinismo”, ou dito de outro modo, o eterno embate entre a autonomia e autosoteria humana e heteronomia e heterosoteria provenientes de Deus. Desse modo, a gnose sempre ressurgiu ao longo da igreja, sempre reerguendo-se após ter sido mortalmente ferida; basta, pois, contemplar panoramicamente a história para se deparar com os já citados montanistas, os cátaros ou albigenses, a Cabala no século XII em Provença, e, mais hodiernamente, as modernas ideologias, especialmente o marxismo. Ora, a afirmação de que modernas ideologias e cosmovisões seculares que deliberadamente buscaram esvair os princípios religiosos são, na verdade, movimentos gnósticos chocam, num primeiro momento, a sensibilidade e a racionalidade do homem atual. Entretanto, como já vários cientistas políticos analisaram, as ideologias, em especial os movimentos revolucionários, nada mais são do que heresias gnósticas com um fundo religioso mascarado.

Eric Voegelin dedicou grande parte de sua obra à análise dos elementos ordenadores da História e da sociedade, chegando, por fim, à conclusão de que a “ordem da história (nome inclusive de sua magnífica pentalogia) é a história da ordem”, isto é, a tentativa do homem de alcançar a harmonia entre quatro princípios: Deus, cosmos, homem e civilização. Nesse sentido, Voegelin afirma que a escatologia proposta pelos movimentos revolucionários nada mais é do que uma “imanentização do eschaton”, ou seja, uma tentativa de “terrestralizar” a consumação final cristã, uma busca por criar, aqui e agora, os novos céus e nova terra. Portanto, os movimentos revolucionários são apenas a versão atual da antiga torre de Babel, como já disse Dietrich von Hildebrand em sua obra The New Tower of Babel: modern man’s flight from God[A Nova Torre de Babel: o homem moderno fugindo de Deus]:
O emblema da presente crise é justamente a tentativa por parte do homem de se libertar de sua condição de criatura, de negar sua situação metafísica e de se desembaraçar de todos os laços que o ligam a algo que é maior do que ele. Ora, o homem moderno busca construir uma nova Torre de Babel [Tradução nossa]  

As ideologias revolucionárias negam, portanto, toda forma de transcendência, mutilando, assim, a natureza espiritual do homem. Entretanto, como já disse Herman Dooyweerd – seguindo o pensamento de Calvino, o homem é um ser congenitamente religioso; a Queda não eliminou o sensus divinitatis (o senso da divindade) e a semen religionis (a semente da religião), antes, a obscureceu, corrompendo-a a ponto de transformá-la num impulso idolátrico. Desse modo, as modernas ideologias não são antirreligiosas (embora a maioria seja anticristã), mas, sim, religiões distorcidas, idólatras e que, acima de tudo, depravam a Revelação.


Destarte, todas as ideologias invariavelmente usurpam símbolos transcendentais e escatológicos cristãos para, em seguida, imanentizá-los. Ora, a escatologia marxista, sob o governo de um proletariado abstrato, na qual todas as desigualdades econômicas e sociais desaparecerão – ao mesmo tempo em que todas as potencialidades humanas aflorarão plenamente (nos dizeres de Marx e Engels, um indivíduo pode caçar pela manhã, pescar pela tarde e fazer crítica literária à noite, sem no entanto ser pescador, caçador ou crítico); tal escatologia configura-se como uma versão imanentizada da nova terra. Ou podemos citar ainda a ideia sustentada por alguns vegetarianos radicais, segundo a qual a raça humana eventualmente deixará de consumir carne, adotando uma dieta essencialmente herbívora; tal concepção nada mais é do que uma secularização, um esvaziamento simbólico da descrição feita por Isaías a respeito do novo estado inaugurado pelo Messias: “O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará” (Is 11:6).

Portanto, não há neutralidade neste ponto: é impossível ao homem escapar de sua condição inerentemente religiosa; as ideologias se sustentam sobre um fundo inegavelmente religioso; e tal constatação parte inclusive de ateus confessos, como John Gray – em seu livro Missa Negra: Religião Apocalíptica e o Fim das Utopias. Assim, a gnose é um elemento muito mais sutil do que primeiramente pode se pensar, até porque não se trata de um ponto isolado na mentalidade secular, mas, sim, uma cosmovisão integral, um modo de contemplar e interpretar a realidade. Nas palavras de David Koyzis, em seu livro Visões e ilusões políticas: uma análise & crítica cristã das ideologias contemporâneas: “[...] as diversas ideologias se baseiam numa visão gnóstica da realidade, atribuindo a origem do mal a algum elemento da criação de Deus e buscando a redenção num outro aspecto da criação” (p. 82).

Em suma, a gnose é uma espécie de inversão da ordem da criação, é a rejeição absoluta da estrutura da realidade tal como criada por Deus. Semelhantemente ao grito de Mefistófeles, no Fausto de Goethe, o gnóstico cria para si mesmo uma espécie de realidade postiça, com uma estrutura engendrada segundo suas próprias preferências, e não segundo as leis eternas de Deus:

       O Gênio sou que sempre nega!
       E com razão; tudo o que vem a ser
       É digno só de perecer;
       Seria, pois, melhor, nada vir a ser mais.
       Por isso, tudo a que chamais
       De destruição, pecado, o mal,
       Meu elemento é integral (GOETHE, Fausto, 2010, p.139, Editora 34).


Porém, alguém pode presentemente indagar-se acerca da relação entre ideologia, pentecostalismo e gnose, bem como a razão desse périplo acima nas várias teorias religiosas e políticas. Ora, nesse momento adentramos num domínio já vislumbrado por alguns, comentado por poucos e raramente criticado, a saber, a presença de  ideologias marxistas dentro de igrejas históricas e formalmente reformadas. Todos são prestos em criticar a gnose descarada nos cultos e práticas pentecostais, mas muito ciosos em apontar os famosos “cristãos esquerdistas” e pastores marxistas dentro das Presbiterianas, Batistas e igrejas reformadas independentes.

Com efeito, ao passo que Roma tem sido assolada pela chamada Teologia da Libertação, nós, protestantes, dado que Deus é hábil para desenvolver cruzes para seus seguidores (A.W. Tozer), somos açoitados pela Teologia da Missão Integral. No entanto, esta corrente é deveras popular somente nos meios teológicos acadêmicos, de forma que, na sua vida prática, nossa eclesiologia se vê afligida por outro flagelo, dissimulado sobre uma máscara de neocalvinismo de Kuyper, a saber, a execrável “liturgia aberta” (assim denominada pelos seus “teóricos”) organicamente unida ao não menos nefando “louvor contemporâneo” (epíteto para canções de teor massivamente sentimentalista emolduradas por melodias homogêneas e simplórias).

Em outras palavras, já é habitual participarmos de cultos presbiterianos e batistas que são regidos não mais por um princípio regulador, mas pela supremacia do sentimentalismo barato; mas não apenas isso – argumentando estarem pondo em prática os princípios de redenção da cultura e graça comum propostos por Kuyper, Bavinck e mais recentemente Richard Mouw, alguns pastores inserem em seus cultos e comunidades versões “samba” ou “reggae” de hinos tradicionais, afirmando que, mediante a redenção realizada por Cristo, até mesmo esses ritmos populares se tornam pertinentes ao culto. Ora, não é nossa intenção presentemente discutir sobre a neutralidade ou não dos ritmos musicais (Michael Horton já tratou disso no seu artigo “Is style neutral?” [O estilo musical é neutro?]), mas sim, analisar se esse era efetivamente o pensamento dos neocalvinistas.

Na verdade, basta uma análise superficial para notar que a aceitação indiscriminada de toda sorte de ritmos sob o pretexto de cumprimento do mandato cultural soa mais como Gramsci do que Kuyper. O receio de postular um parâmetro objetivo do belo e consequentemente uma hierarquia estética tem levado não somente os acadêmicos incrédulos a aceitarem como arte todo tipo de experimentalismo e obras disformes, mas também aos pastores e líderes cristãos a admitirem em suas congregações o relativismo estético marxista, que, como tudo o mais, repudia quaisquer padrões objetivos e imutáveis que possam determinar ou avaliar nosso comportamento ou feitos. E nesse sentido, portanto, são gnósticos ou, no mínimo, intelectualmente desonestos.

Kuyper, em seu livro Wisdom and Wonder: common grace in Science & Art, repudia qualquer forma de relativismo estético; e a redenção da cultura e da arte diz respeito, antes de tudo, à alta cultura (termo cada vez mais raro). Com isso não se pretende dizer que se descarta de antemão qualquer participação ou produção popular, afinal, era notório o cuidado e o empenho de Kuyper em trazer as camadas populares (kleine luyden, a "gente pequena") a uma maior participação política e social. Na verdade, como o próprio teólogo afirmou, para Deus devemos dedicar os melhores frutos de nosso trabalho, incluindo, pois, as mais sublimes produções estéticas. Ora, comparar Hillsong United ou "corinhos de fogo" com os Salmos metrificados de Goudimel ou as composições de Isaac Watts é, no mínimo, sinal de uma completa obnubilação do senso estético – isto para não dizer que se trata de uma depravação do gosto. A liturgia de igrejas que se dizem reformadas deve necessariamente seguir a linha histórica, pois qualquer tentativa de rompê-la, refazendo-a inteiramente, constitui-se antes como ato revolucionário (e, portanto, gnóstico) do que inovador. Nas palavras do teólogo holandês:
Na igreja de Cristo, Ele é o Rei, e é necessário que tudo O sirva. Um organista tocando seu instrumento apenas para si mesmo não compreende, por conta disso, seu chamado; e o cantor que não compõe suas letras segundo a linha histórica da tradição cultual não se santifica, mas peca, caso o som de sua voz sirva apenas para estimulá-lo, e caso, ao conduzir o canto, não se entregue completamente à adoração de seu Senhor e Rei.
Nada é mais irrisório do que coristas cantando como se fossem pássaros, e não pessoas; ou músicos que não sentem absolutamente nada daquilo que estão cantando, os quais estão simplesmente perdidos nas notas musicais. Mas, contanto que essa espécie de performance artística seja evitada, a arte da música e da canção permanecem indispensáveis para nossa adoração. Em Genebra, Calvino convergiu todo empenho para que o canto congregacional soasse cerimonioso, natural, animado e belo.
Todos que são suficientemente humildes hão de admitir com franqueza que ninguém, ao se assentar no santuário, possui o fervor apropriado para a adoração. Nesse momento, a arte da música e do canto devem ser os meios para içar a alma do adorador para fora do ordinário e do mecânico em direção à paixão e atividade. Canto e melodia devem falar ao coração humano na plenitude do culto de uma forma que o estimule à adoração. Tal objetivo não será atingindo caso falte ao canto o ardor santo, e à música, uma vivacidade mais imponente [Tradução nossa]

Naturalmente, alguns argumentarão que há necessidade de adaptarmos a liturgia à cultura ou que é imperativo atualizá-la, a fim de não nos transformamos em adoradores anacrônicos. Se Deus assim o permitir, trataremos futuramente dessas e outras argumentações.


Que Deus nos livre, pois, da gnose em suas mais diversas formas.

Soli Deo Gloria

***
Autor: Fabrício Tavares
Fonte: Bereianos

Ele não está aqui, mas ressuscitou!




Qual história te motiva a fazer aquilo que você mais gosta ou sabe desempenhar? Algumas pessoas testemunham sobre a sua carreira ou aquilo que elas são por causa de alguma história que ouviram e se admiraram. Por exemplo, os funcionários da Disney; para desempenharem bem as suas funções, passam por um curso onde aprendem sobre quem foi Walt Disney, as dificuldades que ele teve, os seus fracassos, anseios e sonhos antes que ele alcançasse o sucesso.¹


Mas, o que motivou que simples pescadores e pecadores medrosos saíssem da casa trancada para anunciar ao mundo que Cristo é o Salvador? 

Claro, na verdade os discípulos sabiam da vida de Jesus, se lembravam de Suas pregações e de Sua morte. Mas quando souberam que Cristo tinha ressuscitado e quando O viram ressuscitado, isso deu a eles coragem para que saíssem e fossem desde a Judeia, Samaria e até os confins da terra anunciando sobre o Cristo ressurreto. 

Mas, além de incentivar esses pescadores e pecadores a irem enfrentar o mundo por causa da fé no Cristo ressurreto, eles anunciaram a importância da ressurreição de Cristo, pois há um diferencial na ressurreição de Cristo para as outras ressurreições que a Bíblia relata. E quais são? É justamente isso que o Catecismo de Heidelberg trata no 17º Dia do Senhor:
45. Que importância tem, para nós, a ressurreição de Cristo?
R. Primeiro: pela ressurreição, Ele venceu a morte, para que nós pudéssemos participar da justiça que Ele conquistou por sua morte (1). Segundo: nós também, por seu poder, somos ressuscitados para a nova vida (2). Terceiro: a ressurreição de Cristo é uma garantia de nossa ressurreição em glória (3). 
(1) Rm 4:25; 1Co 15:16-18; 1Pe 1:3. (2) Rm 6:4; Cl 3:1-3; Ef 2:4-6; (3) Rm 8:11; 1Co 15:20-22. 

Primeiro, por intermédio da ressurreição de Cristo nós temos a certeza de que o pecado, a morte e o Diabo foram derrotados, portanto, a ressurreição de Cristo nos atesta que Sua morte em nosso lugar foi satisfatória e suficiente para expiar os nossos pecados. Por isso, acredito que o símbolo do cristianismo não deve ser a cruz, pois a cruz lembra a Sua morte, mas sim o túmulo vazio. Porque o túmulo vazio mostra a certeza que Cristo pagou os nossos pecados e que a morte não o derrotou. 


Segundo, além de atestar o pagamento de nossa divida e confirmar a derrota de nossos inimigos, a ressurreição de nosso Senhor nos permite ter vida, e uma vida espiritual a qual não tínhamos antes, visto que, estávamos mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2.1-3). O Novo Testamento diversas vezes usa o termo “em Cristo”, isso quer dizer sobre a nossa união com Ele, ou seja, além de vivermos para Ele, morremos e fomos sepultados, mas também fomos ressuscitados para uma nova vida. 

Terceiro, além de nos dar a certeza de que Cristo venceu a morte e nos deu vida, a ressurreição nos assegura que, como Cristo ressuscitou, nós também ressuscitaremos, fazendo que o corruptível seja revestido da incorruptibilidade e o mortal da imortalidade (1 Co 15.53). Ou seja, o processo de regeneração estará completo, pois tanto a alma quanto o corpo estarão revestidos da incorruptibilidade, porquanto “esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas” (Fp 3.20,21). 

__________
Nota:
[1] Veja: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/o-que-te-motiva/tag/historias-da-vida-realAcesso em 15 de Maio 2015.

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Autor: Denis Monteiro
Fonte: Bereianos

A existência eterna do homem - imortalidade




Introdução

O conceito de “imortalidade da alma” surgiu nas religiões de mistério na Grécia antiga, sendo desenvolvido e recebendo grande expressão nos escritos de Platão (427-347 a.C), que foi um dos maiores filósofos da história. No século XVIII, todavia, a ideia de imortalidade da alma foi rigorosamente defendida pela elite intelectual que compunha o iluminismo europeu. Apesar de não ser uma doutrina distintivamente cristã, a imortalidade da alma foi considerada uma doutrina superior e distinta do Cristianismo, na época. Contudo, mesmo assim, ela se adentrou tenazmente nos recônditos da fé cristã e influenciou, de certa forma, o pensamento de muitos teólogos que trataram deste tema em seus epítomes teológicos. 

PLATÃO E A IMORTALIDADE DA ALMA


Segundo o filósofo, a alma e o corpo são substâncias que diferem entre si. A alma é a parte imortal do homem. Sua origem é divina e desceu do céus onde desfrutava, em sua pré existência, de uma alegria indizível para vir habitar no corpo, especificamente na “cabeça”. O corpo, por sua vez, é constituído de matéria e, sendo assim, é uma substância inferior e de valor pífio em relação à alma. Na morte, o corpo se desintegra, mas a alma, que é a parte racional do homem, retorna ao céu, caso suas ações, enquanto esteve presente na terra vivendo num corpo tenham sido honoráveis. Do contrário, com a morte do corpo na qual habitava, a alma, que é indestrutível, retorna para habitar em outro homem ou em um animal.  

Para Platão, a imortalidade da alma está ligada à metafísica  racionalista que enfatiza aquilo que é racional como algo verdadeiro e superior, e o que não é racional é reputado como algo inferior. Desse modo, a alma é considerada como uma substância superior, indestrutível e, portanto, imortal, enquanto o corpo é uma substância inferior, mortal e passível de ser destruído. Platão considerava o corpo como um túmulo para a alma que, indubitavelmente, é mais feliz sem ele.

Portanto, de acordo com esse conceito, a ressurreição e a glorificação do corpo, que acontecerão no último dia, na segunda vinda de Cristo, não são necessários, uma vez que o próprio Platão não acreditava neste evento final. 

Explanação


Não obstante, será que vemos nas Escrituras o conceito de "imortalidade da alma"? As Escrituras utilizam a expressão “imortalidade da alma”? Vejamos, pois:

1) As distinções de significado do termo imortalidade

Nas Escrituras, o termo imortalidade aparece somente no Novo Testamento por três vezes. Esse termo é usado exclusivamente por Paulo, e aparece duas vezes em 1 Coríntios 15.53-54 e uma vez em 1 Timóteo 6.16. Todavia, devemos observar que o termo imortalidade não tem o mesmo sentido em cada uma dessas duas passagens em que aparece. Em cada uma delas há um sentido diferente. 

No grego, existem duas palavras que são traduzidas pela maioria das versões Bíblicas por imortalidade, que são αθανασια(athanasia) e αφθαρσια (aphtharsia). Athanasia é a palavra grega utilizada  em 1Coríntios 15.53-54. Dese modo, vejamos, então, o significado do termo imortalidade baseado no contexto de cada uma das passagens supramencionadas.

a) A IMORTALIDADE EM RELAÇÃO AO HOMEM

Análise do texto 

1 Coríntios 15.53-54 - Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de αθανασια (athanasia) imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de αθανασια (athanasia) imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: A morte foi destruída pela vitória! (NVI)

Paulo ressalta o que vai acontecer não com todos os homens, mas especificamente com os cristãos que estiverem vivos bem como os cristãos que já haviam morrido por ocasião da segunda vinda de Cristo (vs.52), que é um evento designado para o futuro. O apóstolo se refere necessariamente ao efeito da transformação que ocorrerá não somente nos corpos dos cristãos [vivos e mortos] em virtude da glorificação, mas na natureza constitucional deles num todo; tanto a parte material [corpo] bem como a imaterial [espírito] serão transformadas e revestidas da imortalidade pelo poder Deus.

Embora o foco da passagem esteja na ressurreição do corpo, ainda assim, não há qualquer alusão sobre a imortalidade da alma. Paulo não descreve a imortalidade aqui como uma característica isolada, restrita a alma do cristão; antes, ele enfatiza a imortalidade da pessoa completa do cristão.  

Se Adão não tivesse pecado contra Deus, viveria para sempre. Não que ele possuísse em sua natureza a imortalidade, mas que Deus o conservaria pelo seu poder no estado de imortalidade (Gn 2.16-17). Nessa linha de pensamento, Berkhof escreve:

O termo “imortalidade” é empregado na teologia para destacar o estado do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes da decadência e da morte. Nesse sentido, o homem era imortal [conservado por Deus nesse estado - minha ênfase] antes da Queda. Esse estado evidentemente não excluía a possibilidade do homem se tornar sujeito à morte. Embora o homem, no estado de retidão não estivesse sujeito à morte, todavia, estava propenso a ela. Era inteiramente possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei da morte; e o fato é que ele caiu vítima dela.[1]

É importante ressaltarmos que o homem é uma totalidade, isto é, uma unidade psicossomática, um ser unipessoal, e não um ser dividido em duas ou três partes, conforme a dicotomia e a tricotomia atestam. 

Não obstante, a outra palavra grega que geralmente é traduzida por imortalidade é aphtharsia, que denota “ausência de morte, e se refere a plenitude de vida”.[2] Traz a ideia de algo que é imperecível. Essa palavra aparece sete vezes em todo o Novo Testamento. Em Romanos 2.7, aphtharsia é usada para indicar o alvo e o motivo da perseverança dos cristãos em buscar viver uma vida piedosa que glorifica a Deus.

Em 2 Timóteo 1.10, essa mesma palavra mostra que a obra da redenção dos pecadores eleitos já estava planejada antes da criação, na eternidade (vs.9), e que em sua primeira vinda, Cristo a executou trazendo a salvação e a imortalidade ouαφθαρσια (aphtharsia) “imperecibilidade” a todos quanto o Pai escolheu nele. Em 1 Coríntios 15, aphtharsia aparece quatro vezes nos versículos 42, 50, 53-54.  Porém, em nenhuma dessas passagens, essa palavra é usada como se referindo a parte imaterial do homem, alma.     

O adjetivo grego derivado da palavra aphtharsia αφθαρτος (aphthartos), é também usado sete vezes no Novo Testamento. Aphthartos é usado na maioria dos casos por Paulo. Em Romanos 1.23 e 1 Timóteo 1.17, essa palavra é usada para descrever Deus; em 1 Coríntios 15.52 para descrever a ressurreição do corpo e a sua glorificação, que o tornará incorruptível ou, numa tradução mais exata, αφθαρτος (aphthartos) – “impericível ou indestrutível”. Em 1 Coríntios 9.25, a mesma palavra grega é usada para descrever a coroa incorruptível, a saber, a vida.

Nas três ocasiões restantes, αφθαρτος (aphthartos) aparece em 1 Pedro 1.4, onde se refere a herança incorruptível ou  “imperecível” da salvação, que é sem mácula, imarcescível e está guardada nos céus para os eleitos. Em 1.23, esse adjetivo realça a semente incorruptível ou “imperecível”, da qual os eleitos nasceram de novo. Em 3.4, aphthartos salienta a beleza interior “imperecível” de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor perante Deus. Portanto, concluímos, então, que as Escrituras não utilizam o termo “imortalidade da alma”.

Em contraposição, alguns teólogos reformados do passado, como Calvino, Charles Hodge, A.A. Hodge, William G.T. Shedd e Berkhof, utilizaram e defenderam a expressão “imortalidade da alma”. Em suma, esses teólogos afirmaram em seus compêndios teológicos a “imortalidade da alma” como um tipo de conceito que não prejudicava em nada o que as Escrituras ensinavam sobre o assunto, mesmo que tal expressão não exista nas mesmas. 

Charles Hodge, por exemplo, ressalta que a doutrina protestante acerca do estado da alma depois da morte inclui, sobretudo, a existência contínua da alma depois da dissolução do corpo. Isso se opõe não só a doutrina de que a alma é meramente uma função do corpo e com ele perece, mas também à doutrina do sono da alma durante o intervalo entre a morte e a ressurreição.[3]

Calvino, por sua vez, mencionou nas Instituas a imortalidade da alma como um tipo de doutrina[4], porém, ele também admite que o estado de imortalidade não provém da própria natureza da alma em si; antes, é Deus quem conserva a alma imortal pelo seu poder.[5] Também, em seu Comentário Bíblico expositivo de 1 Coríntios, Calvino afirma na interpretação dos versículos 45 e 47 do capítulo 15, que o homem [Adão] tem uma alma imortal.[6]
        
Por outro lado, Berkouwer rejeita a imortalidade da alma como um tipo de doutrina cristã defendida por esses teólogos citados. Ele escreve:

As Escrituras nunca se ocupam de um interesse independente na imortalidade como tal, não mencionando a imortalidade de uma parte do homem que despreza e sobrevive à morte sob todas as circunstâncias e sobre a qual podemos refletir bem à parte da relação do homem com o Deus vivo.[7]

Embora não haja certa unanimidade entre os  teólogos reformados do passado acerca da imortalidade da alma, como, então, entender essa questão? A imortalidade da alma é um tipo de doutrina mesmo que tal expressão não apareça nas Escrituras? A ideia de imortalidade da alma está em harmonia com o que as Escrituras ensinam sobre o homem? Em que sentido o homem, no caso o cristão, é imortal? Vejamos a resposta para essas perguntas de forma mais ampla, a seguir:   

b) A IMORTALIDADE EM RELAÇÃO A DEUS

Análise do texto

1 Timóteo 6.16 - O único que possui αθανασια (athanasia) imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” (ARA)

Essa é a segunda passagem em que o termo “imortalidade” aparece em todo o Novo Testamento. Paulo diz que Deus é o único que possui a imortalidade em sua natureza, ou seja, essencialmente, Ele é o único ser imortal que habita em luz inacessível e que nenhum homem o viu e jamais poderá vê-lo. Acerca disso, Hendriksen escreve:

A ideia de vida, implícita na imortalidade, naturalmente leva a ideia de luz. Nele [em Jesus] estava a vida, e a vida era a luz dos homens (Jo 1.4). Esta luz é como o sol. Necessitamos dele para ver, porém, não podemos fitá-lo, porque seu brilho é por demais intenso. Nesse sentido, Deus habita na luz inacessível. A metáfora é ainda mais forte que aquela empregada no Salmo 104.2 (“coberto de luz como de um manto”). Como uma casa que protege os seus moradores e os esconde ainda mais quando a luz é inacessível, assim é a própria essência de Deus em virtude do que ela é, o protege. Daí, o termo luz, como aqui usado, reenfatiza sua incomparável grandeza.[8]  

John Stott ratifica, mas acrescentando que Deus, por ser invisível, está fora da capacidade de visão humana e totalmente além da compreensão dos homens, pois Ele é aquele que ninguém viu nem pode ver. O máximo que seus olhos humanos tiveram a permissão de contemplar foi a sua glória (Ex 24.9-11; Is 6.1-5; Ez 1.28), suas costas, mas não a sua face (Ex 33.18-23), e suas aparições em teofanias (Gn 16.7-14) ou a sua imagem em seu Filho encarnado (Jo 1.18; 14.6, 8-9; Cl 1.15).[9]

Mesmo na eternidade, com os corpos glorificados e livres da presença do pecado, ainda assim os cristãos não verão a Deus (Jo 1.18). No entanto, veremos Deus por meio de Cristo (Ap 22.4; 1Jo 3.2). Quando a terra for restaurada, não haverá templo para cultuarmos, antes, o templo será o próprio Deus (Ap 21.22). Chegará o dia em que não seremos mais habitados pelo Espírito Santo e que o papel de Cristo como o nosso mediador entre Deus cessará, pois abitaremos em Deus. A nova Jerusalém é tanto uma cidade que desce do céu bem como a igreja que habitará dentro do próprio Deus!

Contudo, o fato de que habitaremos em Deus na eternidade, não significa que iremos penetrar ou compartilhar dos seus atributos incomunicáveis que fazem parte da sua natureza singular e que são restritos a Ele. Não teremos a nossa natureza finita transformada em infinita. Mesmo na eternidade e com os corpos transformados pela glorificação, não teremos em nós mesmos a capacidade de nos mantermos neste estado para sempre. Pelo contrário, seremos mantidos ou preservados pelo Espírito Santo [veja Ap 22.1-2] nesse estado de glorificação habitando em Deus. Portanto, habitaremos em Deus no sentido de que Ele irá residir com o seu povo na nova Jerusalém [a terra restaurada] que será um "templo" (Ap 21.22-24).

Simon Kistemaker corrobora que a presença de Deus e de Cristo serve como o templo da nova Jerusalém. Deus será o soberano e Senhor, o todo poderoso, o qual habita com os eleitos na nova Jerusalém. O templo e a cidade são um e o mesmo.[10] Habitaremos em Deus e o veremos mediante a face de Cristo, que é a imagem exata do seu ser (Cl 1.14-15; Hb 1.3).

Retomando ao assunto da imortalidade, todos os seres que Deus criou [homens e anjos] não possuem em sua natureza a imortalidade; antes, são mortais e passíveis de serem separados de Deus, como no caso dos anjos que se rebelaram. No entanto, há um sentido em que o homem é imortal, porém, não no sentido essencial como Deus.

A imortalidade faz parte da natureza de Deus. Logo, a questão da imortalidade deve ser entendida no sentido de que o homem vai existir para sempre. Ele nunca deixará de existir mesmo depois da morte, pois viverá eternamente com Deus, salvo, ou viverá eternamente perdido em condenação. Dessa perspectiva, o homem é imortal.  

Seria um equívoco entendermos a questão da imortalidade no sentido de que o homem não morre literalmente e possui uma natureza imortal, uma vez que o homem morre literalmente devido ao pecado (Rm 6.23). Em vista disso, os homens não são mortais somente porque são separados de Deus por causa de seus pecados, mas são separados de si mesmos, quando o corpo [que é o homem] se separa do espírito [que também é o homem] na morte.

Conforme vimos anteriormente, o homem não é um ser constitucional dividido em duas ou três partes; ele é um ser unipessoal composto de duas partes [material e imaterial] que formam a sua constituição psicossomática. Existem casos de homens mortos espiritualmente que não foram vivificados ou regenerados e morreram fisicamente. Esses, depois da ressurreição [uma vez que os ímpios também ressuscitarão para serem julgados], continuarão mortos espiritualmente para sempre, quando serão lançados no lago de fogo vivos e conscientes para sofrerem a condenação (Ap 20.11-15).

Finalmente, os homens morrem porque recebem vida e a vida lhes é tirada. A imortalidade não faz parte da essência humana. Por outro lado, a vida é essencial em Deus. Se Deus pode morrer, Ele perde a sua própria essência. Por isso Ele é o único que é imortal. A imortalidade de Deus consiste no fato de Ele também ser infinito, espiritual, independente, soberano, etc. 

2) A revelação geral denota a existência eterna do homem

A revelação geral é o meio no qual Deus se revela aos homens através da criação, consciência e história, além de Jesus Cristo pelas Escrituras. Existem várias passagens na Escritura que falam acerca da revelação geral (veja Sl 19.1-4; 1Co 1.21; Hb 1.1-2 dentre outras). Bavinck escreve:

A revelação geral, apesar de estar contida na natureza, é, contudo, extraída da Sagrada Escritura, pois, sem ela, nós, seres humanos, por causa da escuridão de nosso entendimento, nunca teríamos sido capazes de encontrá-la na natureza. Sendo assim, a Escritura lança luz sobre nosso caminho através do mundo, e coloca em nossas mãos a verdadeira compreensão da natureza e da história. Ela nos faz ver Deus onde nós, de outra forma, não o veríamos. Iluminados por ela nós contemplamos as excelências de Deus em toda a expansão das obras de Suas mãos.[11]

A revelação geral não tem o poder de salvar ou gerar a fé salvadora numa pessoa. Por outro lado, alguns teólogos entendem a revelação geral como uma espécie de “graça comum” sobre os ímpios. Contudo, em Romanos 1.18-20, Paulo declara que a revelação geral é meramente uma revelação da ira de Deus sobre o ímpio, cuja função é deixá-lo sem desculpa perante Jesus no dia do julgamento final. 

Ronald Hanko diz:

A manifestação de Deus nas coisas que foram criadas é a razão pela qual ninguém será capaz de se queixar no dia do juízo que não conhecia a Deus. Se considerarmos Romanos 1, não existe nenhum ateu. [...] O único resultado dessa manifestação de Deus, no que diz respeito ao ímpio, é que eles recusam glorificar a Deus, continuam a serem ingratos, e transformam a glória de Deus, manifesta a eles e neles, em imagens de coisas corruptíveis (vs. 21-25). [...] Eles, de acordo com Romanos 1, não estão procurando a verdade, mas suprimindo-a (v. 25). A sua filosofia e religião não representam um pequeno princípio da verdade ou um amor pela verdade, mas a verdade recusada e abandonada. [...] A revelação geral, portanto, serve somente para aumentar a culpa daqueles que não ouvem ou não creem no evangelho.[12]  

Por meio desses aspectos que formam o pilar da revelação geral (criação, consciência, história), Deus não somente revela-se ao homem como um ser superior incriado, supremo, eterno, infinito, mas, sobretudo, que a vida não cessa após a morte; antes, que existe vida após a morte.

Quero analisar cinco argumentos concernentes à revelação geral baseados na criação, consciência e história [com exceção de Jesus Cristo, pelas Escrituras] não apenas acerca da existência de Deus, mas também sobre a existência eterna do homem.    

a) O argumento ontológico

Alguns estudiosos têm argumentado que não existe no mundo pessoas que são céticas ou descrentes. Eles dizem que a noção absoluta da religião é universal. Por mais depravados que sejam diante de Deus, todos os homens , sem exceção, possuem o conhecimento da existência de Deus e da vida após a morte pela consciência, ainda que este conhecimento esteja obscurecido pelo pecado. Para os que não acreditam nisso, existem duas opções: Ou a humanidade está mergulhada numa superstição tola e absurda da existência de Deus e da vida após a morte ou o conhecimento da existência de Deus e da vida após a morte, ainda que distorcido pelo pecado, é presente na consciência de todos homens. A segunda opção parece ser a mais coerente de acordo com a fé Crista.

Bavinck corrobora que há na consciência de todos os homens alguma noção de um ser supremo sobre o qual não se pode conceber algo que seja mais elevado, e que é auto existente. Se tal ser não existe, a maior, mais perfeita e mais inevitável ideia seria uma ilusão, e o homem perderia sua confiança na validade de sua consciência.[13]    

b) O argumento cosmológico

Este argumento parte do pressuposto de que, se algo existe, com base nesse algo concluímos que há uma causa primária e suficiente que causou a existência desse algo. Sendo assim, tudo que tem um começo ou veio a existir tem uma causa primária por detrás. Thomás de Aquino disse que o nada não pode causar a si mesmo, caso contrário teria de conferir existência a si mesmo [isto é, causar a sua própria existência], o que é impossível. Tudo o que é causado, portanto, é causado por alguma outra coisa.[14] 

Sendo assim, o mundo não veio a existir do nada nem tampouco se auto causou. Com base na lógica racional da fé, entendemos e cremos que o mundo foi criado por Deus.   

c) O argumento histórico

Ao longo dos anos, sempre houveram pessoas, eruditos e filósofos descrentes que negavam a existência de Deus e da vida após a morte. Contudo, de forma geral, a crença na existência disso é estabelecida em várias religiões e entre pessoas do mundo todo. Esta “crença comum” na existência de Deus e da vida após a morte é baseada em argumentos históricos que foram passados de geração para geração através de pessoas e da literatura.

d) O argumento teológico

Este argumento acentua que Deus, pela sua providência, poder e sabedoria, governa com equidade toda a sua criação, onde nada acontece fora da sua vontade e sem que Ele tenha predeterminado todas as coisas pela sua Soberania Absoluta. Bavinck enfatiza:

O mundo, em suas leis e ordenanças, em sua unidade e harmonia e na organização de todas as suas criaturas, exibe um propósito cuja explicação seria ridícula na base da casualidade, e que, portanto, aponta para um ser todo abrangente e todo poderoso que com mente infinita estabeleceu esse propósito, e por seu poder infinito e onipresente age para alcançá-lo.[15]

e) O argumento moral

Este argumento é uma conseqüência do argumento ontológico, e trata do homem como um ser racional e moralmente responsável pelos seus atos. O homem “sente em sua consciência que é limitado por uma lei que está acima de si mesmo e que requer obediência incondicional de sua parte. Tal lei pressupõe um Santo e Justo legislador que pode preservar e destruir”;[16] ou seja, fazer o que quiser (Sl 115.3).

Hoekema, em seu livro A Bíblia e o futuro, aduz quatro argumentos acerca do termo “imortalidade da alma”. Senão vejamos:   

1) As Escrituras não utilizam a expressão “imortalidade da alma”. A palavra imortalidade é aplicada a Deus, à existência total do homem na hora da ressurreição, e a coisas tais como a coroa e a semente incorruptível da Palavra, mas nunca para a alma do homem.

2) As Escrituras não ensinam a existência continuada da alma devido a sua indestrutibilidade inerente. Este argumento está relacionado com a visão metafísica do homem. Na filosofia de Platão, por exemplo, a alma é considerada indestrutível porque ela faz parte de uma realidade metafísica superior à do corpo. A alma é considerada como uma substância não criada, eterna e, por causa disso, divina. Mas as Escrituras não ensinam esse tipo de conceito da alma. De acordo com as Escrituras, o homem foi criado por Deus e continua a ser dependente de Deus para sua existência, não podemos indicar no homem nenhuma qualidade ou qualquer aspecto do homem que o faça indestrutível.

3) As Escrituras não ensinam que uma simples existência contínua após a morte seja supremamente desejável, porém, insistem que uma vida em comunhão com Deus é o maior bem do homem. O conceito de imortalidade da alma, como tal, não diz nada acerca da qualidade de vida após a morte; ele simplesmente afirma que a alma continua a existir. Mas isto não é o que as Escrituras enfatizam.

O que a Bíblia salienta, é que viver separado de Deus é morte, e que relação e comunhão com Deus é vida verdadeira. Esta vida verdadeira já é desfrutada por aqueles que creem em Cristo (Jo 3.36; 5.24; 17.3). A vida em comunhão com Deus continuará a ser desfrutada pelos crentes após a morte, conforme Paulo ensina em Filipenses (1.21-23) e em 2 Coríntios (5.8). É esse tipo de existência após a morte que as Escrituras nos apresentam como um estado a ser anelado. Elas ensinam que mesmo aqueles que não têm esta vida verdadeiramente espiritual, continuarão a existir após a morte; sua existência continuada, entretanto, não será uma existência feliz, mas de tormento e angústia (2Pe 2.9; Lc 16.23,25).

4) A mensagem das Escrituras acerca do futuro do homem é a ressurreição do corpo. (...) De acordo com as Escrituras, o corpo não é menos real do que a alma; Deus criou o homem em sua totalidade, corpo e alma. Nem o corpo é inferior à alma, nem é não-essencial à verdadeira existência do homem; se fosse assim, Jesus nunca poderia ter assumido uma natureza humana genuína, com um corpo humano genuíno.

No ensino bíblico, o corpo não é um túmulo para a alma [conforme acreditava Platão e outros], mas um templo do Espírito Santo; o homem não é completo sem o corpo. Por causa disso, o futuro estado da bênção do crente não é simplesmente a existência continuada de sua alma, mas inclui, como seu aspecto mais rico, a ressurreição de seu corpo. Esta ressurreição será, para os crentes, uma transição para a glória, na qual nossos corpos deverão tornar-se semelhantes ao corpo glorioso de Cristo (Fp 3.21).[17]

Conclusão

Diante de tudo, entendemos que o conceito de imortalidade da alma não pode ser considerada uma doutrina legitimamente cristã. Pelo contrário, o ponto central que rege a escatologia bíblica correta é o conceito da ressurreição do corpo. A imortalidade, portanto, deve ser aplicada não a alma de forma isolada, mas ao homem num todo [especificamente ao cristão]. Visto que o ímpio também existirá para sempre condenado ao lago de fogo, os cristãos é que são considerados imortais porque somente eles possuem a vida eterna em Jesus Cristo.

Os corpos dos cristãos ainda serão transformados pela glorificação para o desfrute pleno da imortalidade com Deus na terra restaurada em toda a sua constituição. 

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Notas:

1 Berkhof. Teologia Sistemática, pág 668.
2 William Hendriksen. 1, 2 Timóteo e Tito, pág 260.
3 Charles Hodge. Teologia Sistemática, pág 1547.
4 Calvino. As Institutas I, capítulo XV, 2, pág 186.
5 Ibid. III, capítulo XXV, 6, pág 454-455.
6 Calvino. 1 Coríntios, pág 496-499.
7 Antony Hoekema citando Berkouwer em A Bíblia e o Futuro, capítulo 8.
8 William Hendriksen. 1, 2 Timóteo e Tito, pág 261.
9 John Stott. A mensagem de 1 Timóteo e Tito, pág 163.
10 Simon Kistemaker. Apocalipse, pág 719-720.
11 Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 40.  
12 Ronald Hanko. Doctrine according to Godliness. Reformed Free Publishing Association, pág. 8-9.
13 Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 42. 
14 William Lane Craig citando Tomás de Aquino em Apologética Contemporânea, pág 93.
15 Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 42.
16 Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág 43.
17 Antony Hoekema. A Bíblia e o futuro, capítulo 8.

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Autor: Leonardo Dâmaso
Fonte: Bereianos