Se sua pergunta fosse trocada por "Se eu ganhar na loteria serei rico?" a resposta seria "Depende". Uma pessoa que ganhe na loteria pode ficar com uma conta polpuda no banco, mas será que ela é rica? Quando perguntaram a John D. Rockefeller quanto dinheiro era suficiente, ele respondeu "mais um pouco". Ele podia ter muito dinheiro, mas evidentemente não se considerava rico por achar que ainda faltava ter mais.
Você pode se espantar com o que vou dizer, mas conheço muitos cristãos que são extremamente infelizes, mais infelizes até do que muitos incrédulos por aí. A razão disso é que eles, sendo espiritualmente ricos, nunca utilizaram um centavo sequer da riqueza espiritual que possuem depositada em seus nomes. Vivem mendigando por atenção, respeito, poder e muitas outras coisas (sem mencionar as coisas materiais) enquanto trazem no bolso a chave para a felicidade.
Felicidade é um estado de espírito, portanto pode variar dependendo do modo como a pessoa enxerga suas circunstâncias. Para o incrédulo, e às vezes para o crente também, ser feliz é não sentir dor, medo, despontamentos, tristezas etc. Mas na Bíblia esse tipo de felicidade só é prometida para o salvo quando estiver com Cristo, não para sua vida aqui. "No mundo tereis aflições", disse o Senhor em João 16:33. Portanto não é no mundo que o crente espera ter esses benefícios, mas depois de ressuscitado. É por isso que Paulo escreve: "Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens." (1 Co 15:19).
Mas será que não é possível ao crente ser feliz ainda aqui neste mundo. Certamente é possível, e temos na Bíblia uma lista imensa de pessoas felizes apesar das circunstâncias, mostrando assim que a felicidade não depende das circunstâncias mas de como a encaramos e aplicamos a elas aquilo que já temos em depósito. E o que temos? "Todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo." (Ef 1:3) e "tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude." (2 Pe 1:3).
Todos os apóstolos, exceto João que morreu no exílio, sofreram mortes violentas. Do ponto de vista humano eles foram uns fracassados, já que terminaram a vida de forma trágica e infeliz. Será? Vamos ver o que Paulo pensava da morte:"Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro. Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor." (Fp 1:21)
O mesmo Paulo revela em Romanos que a base ou fundamento para a felicidade do crente está na posição que agora ocupa aos olhos de Deus: inculpável e livre da condenação eterna. Graças à obra de Cristo Deus já não vê o pecado depositado na conta do crente, perdoa suas maldades, cobre seus pecados, como quem cobre a dívida de outro, e deposita justiça sem obras em sua conta. Pelo menos é o que diz aqui, e vou usar a "Nova Versão Internacional" por ela usar "feliz" em lugar de "bem-aventurado", pois é este o sentido da palavra.
"Davi diz a mesma coisa, quando fala da felicidade do homem a quem Deus credita justiça independente de obras: 'Como são felizes aqueles que têm suas transgressões perdoadas, cujos pecados são apagados. Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa'". (Rm 4:6-8 - NVI)
Então o princípio da felicidade para o crente está em saber que foi perdoado, mas embora essa sua posição que ocupa em Cristo seja inabalável e ele nunca a perderá, a apreciação dela será perdida junto com a comunhão com Deus se ele tiver pecados não confessados. Davi entendeu isso depois de ter escondido por um longo tempo o seu adultério, e amargado consequências terríveis por isso. No Salmo 32 ele descreve assim o que experimentou, que é justamente a sequência dos versículos 1 e 2 que Paulo citou em Romanos:
Sl 32:3 "Enquanto eu me calei, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia." -- Em 1 João 1 e 2 aprendemos que precisamos confessar a Deus nossos pecados, confiantes em nosso Advogado, Cristo, que intercede por nós na presença de Deus. Também devemos confessar às pessoas que possam ter sido afetadas por nosso pecado, como o Senhor ensina várias vezes no evangelho, para termos também a reconciliação com elas.
Sl 32:4 "Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio." -- Um pecado não confessado é um peso na consciência do qual não conseguimos nos livrar. Se Deus é grande, imagine sua mão! A felicidade passará longe do cristão que tiver alguma coisa escondida de Deus, mesmo porque de Deus nada podemos esconder e ele pesará sua mão sobre nós até reconhecermos diante dele o nosso erro. O humor é grandemente afetado pelo pecado não confessado.
Sl 32:5 "Confessei-te o meu pecado e a minha maldade não encobri; dizia eu: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado." -- Finalmente Davi, confiando na misericórdia do Senhor, confessa a ele o seu pecado e pode ter a certeza de perdão. Enquanto isso não aconteceu ele não podia ser feliz. Pense em confessar o pecado como se você tivesse um lençol ocultando o cadáver de alguém que matou, ou o dinheiro que roubou. Ao decidir se entregar, você confessa seu crime à polícia, porém quando o policial levanta o lençol você descobre que já não há mais nada ali.
Sl 32:6 "Pelo que todo aquele que é santo orará a ti, a tempo de te poder achar; até no transbordar de muitas águas, estas a ele não chegarão." -- Este versículo faz ainda mais sentido para o cristão que agora vive do lado de cá da cruz e sabe que todas "as ondas e vagas" (Sl 42:7; Jn 2:3) já passaram sobre o Senhor Jesus na cruz, quando esteve atolado"em profundo lamaçal, onde se não pode estar em pé", e onde entrou "na profundeza das águas" (Sl 69:2). Se você tinha dúvidas de onde vem a expressão "lama" ou "lamaçal" como sinônimo de corrupção e mal, pense na profundidade do lamaçal que Jesus enfrentou na cruz "levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro." (1 Pe 2:24).
Sl 32:7 "Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges de alegres cantos de livramento." -- Após reconhecer que Deus não está distante a ponto de o crente não poder achá-lo, e encontrar refúgio em Deus (e não condenação, como será com o ímpio), Davi expressa sua felicidade em "alegres cantos de livramento". Este é o cântico de um homem que encontra a felicidade nos recônditos de Deus quando tem a certeza de que seus pecados foram perdoados.
Sl 32:8-10 "Instruir-te-ei e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os meus olhos. Não sejais como o cavalo, nem como a mula, que não têm entendimento, cuja boca precisa de cabresto e freio, para que se não atirem a ti. O ímpio tem muitas dores, mas aquele que confia no Senhor, a misericórdia o cercará." -- Uma vez restaurada sua comunhão com Deus, que estava interrompida por causa do pecado, vemos que já não é Davi quem fala, mas o próprio Deus que diz isto a ele. Não conseguiremos ouvir a voz de Deus falando a nós através da sua Palavra enquanto a comunhão não for restabelecida pela confissão. E o que Deus lhe diz é no sentido de insistir na dependência que o crente precisa ter dele, não vivendo como um animal que precisa ser guiado pela dor e sofrimento, instrumentos que às vezes Deus permite para nos disciplinar, como um pai disciplina seu filho com a vara (Pv 22:15; 23:13, 14: 26:3; 29:15).
Sl 32:11 "Alegrai-vos no Senhor e regozijai-vos, vós, os justos; e cantai alegremente todos vós que sois retos de coração." -- Agora é o salmista quem volta a falar, e isto para exortar a outros para que também busquem essa alegria e felicidade que está na certeza de se ter retidão de coração, algo que só se obtém, primeiro pela fé em Cristo que levou nossos pecados na cruz uma vez, e segundo pela confissão contínua de pecados sempre que tivermos nossa comunhão interrompida.
(Continua...)
por Mario Persona
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