Voltemos nossa atenção para uma figura muitas vezes subestimada na narrativa do nascimento do Messias: José, o homem escolhido por Adonai para ser o pai terreno de Yeshua.
A tradição e a devoção popular frequentemente enaltecem a santidade de Myriam (Maria), e com razão, pois sua fé e submissão foram exemplares.
Contudo, o papel de José é igualmente crucial e nos revela lições profundas sobre caráter, obediência e paternidade espiritual.
Pensemos por um momento: quão meticuloso Adonai seria ao escolher a família que cuidaria de Seu Filho unigênito?
Ele certamente procuraria não apenas uma mãe pura, mas também um pai que pudesse incutir os valores do Reino, um homem de hesed (bondade amorosa) e mishpat (justiça).
E é exatamente isso que encontramos em José.
Vamos mergulhar em Mateus 1:18-25 e desvendar o caráter desse homem justo.
I. O Dilema de um Homem Justo (Mateus 1:18-19)
O texto começa apresentando-nos o dilema de José.
Myriam, sua noiva, é encontrada grávida antes que eles tivessem consumado o casamento.
No contexto judaico da época, o noivado (Kiddushin) era muito mais do que um simples compromisso.
Era um vínculo legalmente vinculante, quase tão forte quanto o próprio casamento, e só poderia ser desfeito por meio de um divórcio formal.
A quebra desse compromisso trazia grande desonra para a mulher.
Mateus 1:18 diz: "Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo."
Mateus 1:19 prossegue: "Então José, seu marido, como era justo, e não queria infamá-la, intentou deixá-la secretamente."
A Torá estabelecia severas penalidades para a fornicação e o adultério.
Em Deuteronômio 22:20-21, lemos que se uma mulher fosse encontrada sem prova de virgindade ao se casar, ela seria apedrejada até a morte.
Embora a interpretação rabínica pudesse permitir um divórcio público, ainda traria grande vergonha.
José se encontra entre a espada e a parede. Ele poderia ter seguido a lei ao pé da letra, denunciando Myriam e expondo-a à desgraça pública, e até à morte.
No entanto, o texto nos revela algo profundo sobre José: ele era "justo" (צדיק - tzaddik).
O tzaddik não é apenas alguém que cumpre a lei, mas alguém cujo coração é reto diante de Adonai.
José, apesar de não compreender a situação, não deseja infamar Myriam. Sua compaixão supera a rigidez da letra da lei.
Ele planeja "deixá-la secretamente", ou seja, dar-lhe uma certidão de divórcio na presença de duas testemunhas, evitando a humilhação pública e a pena capital.
Isso demonstra uma sensibilidade ética e moral que ia além do que a sociedade esperava, revelando a hesed de seu caráter.
Yeshua, mais tarde, demonstrou essa mesma compaixão em João 8:1-11, ao lidar com a mulher pega em adultério, mostrando que a misericórdia precede o julgamento. Essa característica de José reflete a própria natureza de Adonai, que é rico em misericórdia.
II. O Sonho Divino e a Revelação (Mateus 1:20-23)
Enquanto José ponderava sobre essas coisas, Adonai interveio de forma sobrenatural.
Mateus 1:20 nos diz: "E, pensando ele nestas coisas, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonho, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo."
Aqui, três verdades fundamentais são reveladas a José:
A. A Origem Divina da Gravidez: O anjo esclarece a José que a concepção de Myriam não é resultado de pecado humano, mas sim do Ruach HaKodesh (Espírito Santo).
José não é apenas um pai adotivo, ele está sendo chamado a ser parte de um plano redentor que transcende a compreensão humana.
B. O Nome e a Missão do Messias: Em Mateus 1:21, o anjo instrui: "E dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados."
O nome Yeshua (ישוע) é hebraico e significa "Yahweh salva" ou "Yahweh é salvação".
Este nome é profundamente significativo. Não é um nome qualquer; é a declaração do propósito de Sua vida e ministério.
Ele veio para salvar Seu povo, Israel, e a humanidade, dos seus pecados, trazendo redenção e teshuvá (arrependimento).
A profecia de Isaías 7:14, mencionada em Mateus 1:23, "Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco", reforça a identidade divina e a encarnação.
C. A Tarefa de José: Além de compreender a origem e o propósito do menino, José recebe a difícil tarefa de aceitar Myriam e criar Yeshua. Isso significava que ele carregaria o peso das fofocas, das suspeitas e do julgamento social.
A tradição oral judaica e alguns escritos apócrifos (como o Proto-Evangelho de Tiago) mencionam o escrutínio sobre a gravidez de Myriam.
Alguns até sugeriam que ela havia tido um caso com um soldado romano ou que a concepção era ilícita. José, ao aceitar Myriam, estava assumindo essa "cruz" de reprovação social em silêncio e com dignidade.
Seu exemplo de sofrimento silencioso por causa de Adonai deve ter sido uma lição profunda para Yeshua, que mais tarde também carregaria a vergonha e a calúnia da humanidade.
III. A Decisão de Obediência (Mateus 1:24-25)
A verdadeira prova do caráter de José está em sua obediência imediata à revelação divina.
Mateus 1:24 afirma: "E José, despertando do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher."
A. Obediência Sem Questionamentos: A obediência de José não foi tardia ou relutante; foi um ato de fé e rendição.
Ele fez "como o anjo do Senhor lhe ordenara".
Essa atitude revela um coração completamente entregue à vontade de Adonai.
A obediência é a maior prova de amor e lealdade a Adonai, como Yeshua ensinou em João 14:15, "Se me amais, guardai os meus mandamentos", e como Samuel proclamou em 1 Samuel 15:22, "Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar".
José foi um exemplo vivo disso.
B. Respeito à Pureza de Myriam: Em Mateus 1:25, lemos: "E não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe o nome de JESUS."
A expressão "não a conheceu" refere-se à intimidade conjugal.
José honrou a pureza da concepção divina, abstendo-se de relações com Myriam até depois do nascimento de Yeshua.
Isso demonstra seu autocontrole, sua moralidade e seu respeito profundo pelo plano de Adonai.
Ele poderia ter reivindicado seus direitos conjugais, mas optou por uma conduta de santidade, protegendo e honrando o propósito divino.
Ele agiu com a integridade de um homem como o José do Antigo Testamento, que se recusou a pecar contra Adonai (Gênesis 39:9).
C. Exercendo a Paternidade Espiritual: Ao dar o nome "Yeshua" ao menino, José cumpriu a ordem angelical e exerceu seu papel legal e espiritual como pai.
No contexto judaico, o pai era quem nomeava a criança, conferindo-lhe identidade e destino.
Ao nomear Yeshua, José reconhecia publicamente a paternidade divina da criança e sua própria responsabilidade em criá-Lo.
O Legado de José.
José foi um homem escolhido por Adonai não por sua posição social ou riqueza, mas por seu caráter justo, sua compaixão, sua fé inabalável e sua obediência incondicional. Ele foi o pai ideal para Yeshua, não biologicamente, mas espiritualmente.
Ele ensinou Yeshua sobre a Torá, sobre o ofício de carpinteiro, e mais importante, sobre como viver uma vida de retidão e submissão à vontade de Adonai.
O silêncio das Escrituras sobre a vida adulta de José (provavelmente falecido antes do ministério público de Yeshua) não diminui seu impacto.
Chamada à Reflexão:
Assim como José, Adonai busca homens e mulheres hoje que estejam dispostos a se submeter à Sua vontade, mesmo quando ela parece desafiadora ou ilógica aos olhos do mundo.
Adonai ainda tem planos gloriosos para cumprir através de pessoas dispostas.
Perguntemo-nos:
Como respondemos aos dilemas inesperados em nossas vidas? Agimos com justiça e compaixão, ou somos guiados pelo ego e pelo medo da vergonha?
Estamos abertos à voz de Adonai, mesmo quando ela vem de maneiras incomuns, como um sonho ou uma intuição?
Estamos dispostos a aceitar a verdade, mesmo que ela contradiga nossas expectativas?
Nossa obediência a Adonai é imediata e incondicional?
Estamos dispostos a carregar a "cruz" da incompreensão ou do sofrimento silencioso por amor ao Reino?
Que o exemplo do justo José nos inspire a sermos pessoas de caráter, fé e obediência, totalmente rendidas ao plano de
Adonai, para que Ele possa nos usar de maneiras extraordinárias para Sua glória.
Que o Eterno nos abençoe e nos guarde. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário