Os estudiosos classificam os salmos em vários gêneros literários, dentre os quais estão os “salmos de ações de graças”. Curiosamente são poucos os salmos que podem ser classificados nesse gênero. Isso porque nosso conceito de gratidão talvez não condiga com a mentalidade dos autores bíblicos. Vejamos.
Salmo 100.4: “Entrai por suas portas com ações de graças e nos seus átrios, com hinos de louvor; rendei-lhe graças e bendizei-lhe o nome.” (ARA). O verbo traduzido por “render graça” é o hebraico yadah. Essa palavra significa essencialmente um reconhecimento (confissão pública) dos atos de Deus na história.
Segundo Claus Westermann, não existe nenhuma palavra no AT que expresse a ideia contemporânea de “agradecer”. Quando se quer expressar gratidão, usa-se o verbo yadah, “louvar”, ou berek, “abençoar” (o adorador reconhece Deus como abençoador). Westermann afirma que “o AT não possui o nosso conceito autônomo de agradecimento. A expressão de gratidão a Deus está incluída no louvor, é um modo de louvor.” [1]
Por isso, a melhor tradução do termo yadah seria “confissão”: o adorador confessa os atributos e os atos de Deus na história.
A noção de ‘agradecimento’, que seria a base da ação de graças, não é habitual ao homem bíblico. Esse homem, quando beneficiário de um dom, não ‘agradece’, ele ‘louva’ (veja exemplos dessa reação em Dt 9.10; 24.13; 2Sm 14.22; Jó 31.19s.; Ne 11.11). Por outro lado, o verbo que traduções recentes traduziam por ‘dar graças’ (forma causativa hodah) significa, na realidade, louvar, apreciar, especialmente ‘reconhecer’ (comparar justamente com ‘reconhecimento’’), a saber: experimentar uma verdade abstrata já conhecida e ‘reconhecer’ toda a sua riqueza. Essa significação é demonstrada, e também ilustrada, pelos verbos que os salmistas põem em paralelo com hodah, isto é, sapper, ‘contar, enumerar, enuncia’ (Sl 9.2; 78.3-6); haggid, ‘narrar’ (30.10; 92.2s.), hallel, ‘louvar’ (33.18; 44.9; 109.30; 111.1); zammer, “cantar” (18.50; 30.5,13, etc.).[2]
Ou seja, na mentalidade hebraica, agradecimento se traduz em louvor. Assim, agradecer é louvar a Deus. Você quer agradecer a Deus? Então, não vá a ele com meras palavras do tipo “obrigado”, mas derrame-se diante dele em louvor e adoração.
Ora, o que é gratidão senão o reconhecimento de que não existe nenhuma possibilidade de retribuição por um benefício recebido? O que é gratidão senão o surgimento da consciência de que não podemos retribuir um benefício? Daí vem a indagação do salmista: “O que darei ao Senhor, por todos os seus benefícios?” (Sl 116.12).
Há uma estória judaica que ilustra muito bem esse conceito de gratidão. Conta-se que Abraão recebia peregrinos e os alimentava. Depois Abraão impelia os peregrinos a louvarem Adonai. Caso os peregrinos se recusassem a render graças ao Deus de Abraão, então o patriarca dizia veementemente: “Então pagas o que deves”.
Ou seja, caso você não consiga quitar sua dívida, e se a quitação da mesma lhe for oferecida, então simplesmente agradeça. Mas se não quiser agradecer, então pague. Se não puder pagar, então agradeça.
Assim, mediante tudo aquilo que o Senhor fez por você, mediante a impossibilidade de retribuição pela bênção recebida, não lhe resta mais nada, senão se prostrar diante dele em adoração. Mas lembre-se: gratidão a Deus não é um mero “obrigado”. É, antes, um coração rendido. É louvar. Por isso, atenda o convite do salmista:
“Cantem hinos a Deus, o SENHOR, todos os moradores da terra! Adorem o SENHOR com alegria e venham cantando até a sua presença.” (Sl 100.1-2 [NTLH]).
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Referências bibliográficas:
- WESTERMANN, Claus. The praise of God in the Psalms. Richmond, John Knox Press, 1965.
- MONHOUBOU, L. “Os Salmos” em Os Salmos e os outros escritos. São Paulo, Paulus, 1996.
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Fonte: Teologia Brasileira
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