Texto base: Salmo 1.1-6
INTRODUÇÃO
O salmo 1, de autor desconhecido, é uma introdução de todo o livro. Este salmo, juntamente com o salmo 2, não é especificamente uma oração como os demais salmos, mas uma afirmação peremptória. A primeira oração no livro dos salmos começa a partir do salmo 3. Não obstante o Salmo 1 é um salmo de sabedoria, e, portanto, é mais do que uma introdução, ele contém ensinamentos preciosos para nós. Neste salmo, vemos às pessoas inseridas em dois modos de vida e o destino final de ambas.
O esboço analítico do salmo 1 pode ser dividido em três seções. Na primeira e na segunda seção, o salmista descreve um profícuo contraste entre duas classes de pessoas em suas respectivas categorias morais e espirituais – o justo e o ímpio (1.1-5). E, na terceira seção, o salmista conclui a sua declaração, mostrando o destino final dos justos e dos ímpios (1.6).
EXPLANAÇÃO
1. O RETRATO DO JUSTO (1.1-3)
a) A sua condição (vs.1a)
O termo bem aventurado אשך (esher), no hebraico, é o nome de um dos filhos de Jacó – “Aser” (Gn 30.12-13). A estrutura dessa palavra, no masculino, é um plural [“alegrias”], e significa que o homem aqui descrito é “feliz, abençoado”. Na cosmovisão grega, a ideia de bem-aventurança μακάριος (makarios) era geralmente ligada a algum tipo de benção terrena, tal como saúde, prosperidade financeira, estabilidade, casamento, filhos etc., podendo, também, ainda que não exclusivamente, referir-se as coisas espirituais, como o conhecimento e a paz interior.
No Antigo Testamento, especialmente nos salmos, podemos observar que a bem aventurança ou a verdadeira felicidade está intrinsecamente relacionada à confiança em Deus (Sl 40.4; 84.12); a estar debaixo da proteção de Deus (Sl 2.12; 34.8); em ser disciplinado e educado por Deus (Sl 94.12); a seguir a lei do Senhor (Sl 119.1-2); ter Deus por auxílio, esperança e senhor (Sl 146.5); ser escolhido de Deus para a salvação em Cristo Jesus (Sl 65.4); ter os pecados perdoados (Sl 32.1) e, por fim, temer a Deus e andar em seus caminhos (Sl 128.1).
APLICAÇÃO PRÁTICA
A condição do homem justo é de plena felicidade! Todavia, esta felicidade não reside ou, tampouco, é proporcionada pelo dinheiro, pelos bens materiais, pelo status social, por amigos, pelo namoro, pelo casamento, entre outras coisas. Equivocam-se àqueles que pensam que a felicidade está nas bênçãos, e não no Deus das bênçãos! Antes, quão feliz e abençoado é o homem que está em Cristo (2Cor 5.17), que foi comprado e resgatado da escravidão do pecado, da lei e salvo da morte eterna (1Tm 2.6). A posição de felicidade que o homem bem aventurado e justo se encontra é espiritual! Quem não está em Cristo, não pode experimentar esta felicidade interna produzida pelo Espírito Santo.
b) O caráter do justo (vs.1)
O salmista descreve o justo em sua posição de feliz no aspecto passivo/negativo, isto é, “o que ele não faz”, enfatizando, assim, três classes de pecadores: ímpios, pecadores e escarnecedores; três manifestações de pecado: andar, deter e assentar; e três caminhos de pecado: conselho, caminho e roda.
Essa sinopse de pecados está disponível para o justo, entretanto, não é praticado por ele, ou seja, o justo não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores e não se assenta na roda dos escarnecedores. Portanto, vejamos, então, as três atitudes “passivo-negativas” do justo – o que ele não faz.
i. Não anda no conselho dos ímpios (vs.1b)
Os ímpios são pessoas deliberada e persistentemente perversas.[1] O justo, por outro lado, é conhecido por aquilo que ele evita; nas coisas que ele não faz; no que ele nega. Todavia, o progresso no pecado começa pelo andar no conselho equivocado, o qual, influenciando a pessoa, culmina na prática moral deste conselho, ainda que não explicitamente. Não andar no conselho dos ímpios, então, implica que a conduta do justo não é adaptada pelos padrões éticos do mundo. A mentalidade do ímpio, por sua vez, é contrária aos padrões de ética estabelecidos por Deus nas Escrituras. O cristão, portanto, não geri a sua vida pautando-se no conselho dos ímpios; antes, ele é passivo, evita agir de forma negativa a estes padrões.
Jó. 21-16 – ... longe de mim o conselho dos perversos.
O Antigo Testamento fornece alguns exemplos de pessoas que ruíram por seguirem os conselhos dos ímpios. Amnon, um dos filhos de Davi, seguiu o mau conselho de seu amigo Jonadabe e estrupou a sua meia irmã, Tamar (2Sm 13.1- 20). Este pecado, todavia, levou à desintegração da família de Davi, onde Absalão, indignado com o ato sórdido de seu irmão para com a sua irmã, decidiu matá-lo por vingança (para mais detalhes, veja 2Sm 13.23-36). Roboão, sucessor de Salomão, recusou dar ouvidos ao conselho dos anciãos sábios e optou por seguir a recomendação de seus jovens amigos. Como resultado, a nação de Israel se dividiu em dois reinos que nunca mais se reuniram (1Rs 12-1- 20).
APLICAÇÃO PRÁTICA
O pecado começa com andar, que indica seguir os conselhos pecaminosos na prática, mas não ainda inelutavelmente, onde o homem, de tal modo envolvido, já não possui mais forças para libertar-se da prática do pecado e sair da condição decadente de fraqueza espiritual em que se encontra. Quando andamos no conselho dos ímpios, pecamos contra o Senhor e desprezamos seu conselho descrito nas Escrituras. Antes de tomarmos qualquer decisão, seja ela qual for, devemos aconselhar-nos primeiramente observando o conselho de Deus na sua Palavra (Pv 19.21), e, em seguida, com pessoas experientes, sábias e de confiança.
Provérbios 15-22 – Os planos fracassam por falta de conselho, mas são bem sucedidos quando há muitos conselheiros. (NVI)
ii. Não se detém no caminho dos pecadores (vs.1c)
Conforme vimos, o justo não anda no conselho dos ímpios. Agora, vemos que ele também é passivo nas coisas manifestas, preferindo não se deter. O justo se não vive da maneira que os pecadores vivem, isto é, numa vida baseada no pecado deliberado. “Os pecadores, contudo, são aqueles que erram os alvos determinados por Deus, mas não se importam com isso”.[2]
APLICAÇÃO PRÁTICA
Não se deter no caminho dos pecadores é não fazer associação, aliança com eles. Em contrapartida, isso também não significa que o cristão terá de insular-se dos ímpios e não se relacionar com eles de forma alguma. O salmista não tinha isso em mente. Antes, não é bom que o cristão tenha amizade profunda, se relacione amorosamente nem, tampouco, se case com quem não professe a fé no Deus das Escrituras. Todavia, podemos e devemos nos relacionar com os ímpios, porém em um nível restrito. Devemos evitar um relacionamento profundo com eles, com exceção do marido, esposa e filhos. Nosso maior objetivo para com os ímpios é evangeliza-los, a fim de que, se for da vontade de Deus, alguns deles venham a ser alcançados e salvos por Cristo Jesus.
iii. Não se assenta na roda dos escarnecedores (vs.1d)
Se o justo não anda no conselho dos ímpios, e não se detém no caminho dos pecadores, ele, dessa vez, é passivo e não busca se assentar na roda dos escarnecedores. O assentar é o último e o mais torpe estágio de uma vida arraigada no pecado. No hebraico, a palavra escarnecedores לךץ (lûs), traz a ideia de uma pessoa que “faz caretas, que zomba das coisas divinas; um imitador sarcástico que ridiculariza pessoas, coisas e, especialmente Deus, demonstrando, assim, um profundo desprezo por esses”. Warren Wiersbe diz que os escarnecedores são aqueles que fazem pouco das leis de Deus e ridicularizam aquilo que é sagrado.[3] O homem neste estado é peremptoriamente obstinado pelo hábito de uma vida pecaminosa.
Hermisten Maia sintetiza que esse homem familiarizou-se com os conselhos dos ímpios; daí, ele passa, então, a se deter com uma curiosidade mais intensa no caminho dos pecadores e, por fim, se assenta na roda dos escarnecedores. Aqui há um agravamento de sua situação pecaminosa; ele passa a zombar das coisas santas.[4] Derek Kidner afirma que as três frases mostram três aspectos, e, realmente, três graus de separação de Deus, ao retratarem a conformidade a este mundo em três níveis diferentes: a aceitação dos seus conselhos, a participação dos seus costumes e a adoção da sua atitude mais fatal.[5]
APLICAÇÃO PRÁTICA
John Stott ressalta com propriedade que o justo não modela sua conduta pelo conselho de pessoas más. E mais, os justos não se demoram na companhia de ímpios persistentes; muito menos ficam “permanentemente” [ainda que estejam sujeitos temporariamente – minha ênfase] entre os cínicos que zombam de Deus abertamente.[6] Calvino, por sua vez, complementa, observando que, mesmo que uma pessoa, em especial, o cristão, não tenha todo o aviltamento provido dos maus exemplos, no entanto é possível que se assemelhe aos escarnecedores perversos, ao imitar espontaneamente seus hábitos corruptos.[7]
c) As virtudes do justo (vs.2)
Depois de esboçar o aspecto passivo/negativo do justo, destacando aquilo que ele não faz, o salmista, agora, mostra o justo em sua posição de felicidade no aspecto “ativo/positivo” (vs.2-3), ou seja, aquilo que ele faz. Sendo assim, vejamos, então, as três atitudes “ativo/positivas” do justo – a saber, o que o justo faz.
i. Tem prazer na lei do Senhor (vs.2a)
Em vez de andar no conselho dos ímpios, se deter no caminho dos pecadores, e se assentar na roda dos escarnecedores, o homem feliz é caracterizado pelo prazer que tem na lei de Deus. O substantivo prazer ץפע (hephes), no hebraico, acentua “um desejo por algo valioso”. Basicamente traz a ideia de “inclinar-se para algo com interesse nesse algo”. A expressãolei do Senhor refere-se não apenas à lei de Moisés [o pentateuco], mas a Escritura num todo.
APLICAÇÃO PRÁTICA
É preciso que cultivemos o hábito de ler a Palavra e descobrir dentro de um processo de aprendizado, o prazer em cumpri-la. O prazer na Palavra faz com que direcionemos nossos pensamentos e corações para ela. Ao invés de alimentarmos mágoas, ressentimentos e desejos de vingança, buscamos na Palavra, que é o nosso prazer, o suprimento para as nossas necessidades e a orientação em nossas decisões. Quando descobrimos o prazer na Palavra de Deus, passamos mais tempo lendo e refletindo sobre os seus ensinamentos.[8]
Salmo 119.24 – Teus testemunhos são meu prazer e meus conselheiros.(Almeida Século 21)
Salmo 112.1 – Bem aventurado o homem que teme ao Senhor e tem grande satisfação em seus mandamentos. (Almeida Século 21)
Salmo 40.8 – ... agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei.
ii. Medita na lei do Senhor de dia e de noite... (vs.2b)
Do prazer pelas Escrituras e pela sua observância na vida prática, nasce o desejo de meditar nela diligentemente, de dia e de noite. No hebraico, o termo medita הנה (haghah), significa “refletir; contemplar algo; pensar detidamente; proferir palavras com voz baixa e suave”. Este verbo representa algo tranquilo diferente do sentido de meditação enquanto exercício mental. No pensamento hebraico, meditar nas Escrituras é repeti-las calmamente em som suave e baixo, abandonando interiormente as distrações exteriores. Dessa tradição vem um tipo especial de oração judaica chamada reza, ou seja, recitação de textos, oração intensa ou estar absorto em comunhão com Deus, curvando-se ou balançando-se para frente e para trás. Essa forma dinâmica de meditação remonta evidentemente ao tempo de Davi.[9]
APLICAÇÃO PRÁTICA
O verbo meditar, em sua origem latina, significa, entre outras coisas, “preparar para a ação”. A meditação nas Escrituras, portanto, não é um fim em si mesmo; antes, o seu propósito é conduzir-nos a viver na prática aquilo que meditamos. J.I. Packer corrobora que a meditação é o ato de trazer à mente as várias coisas conhecidas sobre os procedimentos, as peculiaridades, os propósitos e as promessas de Deus; pensar, deter-se nelas e aplicá-las à própria vida.[10] O meditar na Palavra e nos feitos de Deus, salienta Hermisten Maia, é uma prática abençoadora pelo fato de ocupar nossas mentes e corações com o que realmente importa; estimula a nossa gratidão e perseverança em meio às angustias.[11]
É lamentável como grande parte dos cristãos de hoje não têm o prazer de meditar na lei do Senhor de dia e de noite. Que venhamos a estar continuamente meditando nas Escrituras, pois é desse ato que procede o crescimento na santificação (Jo 17.17). Charles Hodge assevera que não podemos fazer progresso na santidade a menos que empreguemos mais tempo lendo e ouvindo a Palavra de Deus, e meditando sobre ela; pois é ela que é a verdade pela qual somos santificados.[12] Sendo assim, o homem bem aventurado e justo é aquele que ama meditar e obedecer a lei do Senhor.
Josué 1.8 – ... antes, medite nele [no livro da lei] de dia e de noite, para que tenha cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem sucedido.
c) A posição do justo (vs.3)
Além de ter sublinhado o estado de bem aventurança e o caráter do homem justo (vs.1-2), o salmista, dessa vez, lista três aspectos de sua posição na graça de Deus. Então, quais são as virtudes do justo?
i. Estável na vida cristã (vs.3a)
Fazendo uso de uma metáfora, o salmista diz que o justo é como árvore plantada à beira de águas correntes. (NVI) Por causa do solo essencialmente árido em Israel no Antigo Testamento, uma árvore frondosa servia como um símbolo apropriado de benção. A palavra plantada indica que o justo não tem raízes acidentalmente e nem tem iniciativa própria de plantar-se. Árvores não são plantadas sozinhas e nem pecadores se transportam sozinhos pela vontade própria para o reino de Deus. O pecador é morto espiritualmente e incapaz de se voltar para Deus em arrependimento e fé (Ef 2.1-3; Rm 3.10-11).
Contudo, o justo foi enraizado junto a correntes de águas (ARA), que simboliza a graça maravilhosa de Deus que o vivificou e salvou da morte eterna. “Não somos capazes de nos nutrir nem de nos sustentar por nossa própria conta; precisamos estar arraigados em Cristo e nos alimentar de seu poder espiritual”.[13] Logo, o propósito de Deus em plantar o homem no solo fértil de sua graça divina por meio de Cristo Jesus é viver uma vida que o glorifica, o que veremos mais detidamente a seguir, como outra virtude do justo.
ii. Produz frutos (vs.3b)
O propósito de Deus plantar o homem no solo fértil da sua graça é a produção de frutos de justiça que glorifiquem o seu nome (Jo 15.16). O homem não é salvo pelas obras, mas para as boas obras; em outras palavras, não pelos bons frutos, mas para os bons frutos (Ef 2.10). Note que a árvore não dá o seu fruto logo após ser plantada, mas, sim, na estação própria, no tempo certo, no tempo de Deus.
APLICAÇÃO PRÁTICA
Os frutos aqui são variados, e podem se referir a uma vida piedosa, o serviço diligente na obra do Senhor, contribuir financeiramente, evangelizar, presença frequente nos cultos, entre outras coisas. Desse modo, percebemos, aqui, um incentivo à perseverança na fidelidade a Deus, pois a obediência aos seus preceitos produz frutos, porém não imediatos, mas no tempo certo; e em alegria iremos colhê-los. Nem sempre vamos colher todos os frutos nesta vida como resultado da nossa dedicação a Deus. Mas, na eternidade, quando estivermos na terra restaurada, iremos colher todos os frutos, como resultado do nosso serviço e obediência ao Senhor prestados nessa terra.
William McDonald escreve:
O homem que está separado do pecado e separado para as Escrituras tem todas as qualidades de uma árvore forte, saudável e frutífera plantada junto a ribeiros de águas – ele tem suprimento de alimento e refrigério que nunca falha. Isso faz com que seus frutos aparecem na estação apropriada. Ele mostra a graça do Espírito, e suas palavras e ações são sempre oportunas. Suas folhas também não murcharão – sua vida espiritual não está sujeita a mudanças cíclicas, mas é caracterizada pela renovação contínua interior.[14]
As intempéries que sobrevêm na vida do homem bem aventurado não tem o poder de fazer murchar “suas folhas verdes”, tirando a sua alegria de servir a Deus em fidelidade e permanecer firme em seus caminhos. O homem bem aventurado, sobretudo, é uma árvore plantada; suas raízes estão arraigadas no solo da graça divina, onde ele tem todos os nutrientes para permanecer firme e crescer com vigor espiritual. As árvores plantadas pelo Senhor podem até se secar durante um tempo, que implica um período de fraqueza espiritual e pecado que o cristão está passível a cair. No entanto, a árvore plantada no solo da graça não pode morrer, ou, em outras palavras, não pode apostatar-se da fé, rejeitando o Senhor Jesus. A árvore que morre nunca foi plantada por Deus!
Jeremias 17.7-8 – Bendito o homem que confia no Senhor, e cuja esperança é o Senhor. Porque ele é como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e no ano de sequidão não se perturba nem deixa de dar fruto.
João 6.39 – E a vontade daquele que me enviou é esta: que eu não perca nenhum de todos os que me deu, mas que eu o ressuscite no último dia.(Almeida Século 21)
João 10.28 – Dou-lhes [as minhas ovelhas] a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrancará da minha mão. (Almeida Século 21)
Hermisten Maia afirma que, assim como as árvores se alimentam e se solidificam por meio de suas raízes, o fiel se nutre espiritualmente, fortalecendo a sua fé em Deus por meio da meditação sincera e constante na Sua Palavra.[15]
iii. É bem sucedido por Deus (vs.3c)
A vida bem sucedida que o salmista e as Escrituras enfatizam não é financeira, necessariamente [embora seja possível, se Deus quiser], mas está associada, especificamente, à vida espiritual e a observância da lei do Senhor (vs.2). A verdadeira prosperidade é uma abundância da graça divina em nossa vida, que nos é proporcionada como o resultado de uma vida frutífera para a glória de Deus. A nossa prosperidade, sobretudo, é Cristo ardendo em nós; é o Espírito de Deus que transforma a nossa vida.
2. O RETRATO DO ÍMPIO (1.4-6)
a) O estado do ímpio (vs.4a)
Existe aqui um contraste rigidamente definido. O salmista pinta a superficialidade dos ímpios com um duplo negativo – não e assim, tanto em sua conduta como no seu estado de aparente “felicidade”. O dinheiro e a vida bem sucedida que muitos ímpios desfrutam não são e não podem trazer a verdadeira felicidade. Ao contrário dos justos, os ímpios não são descritos como árvores, uma vez que estão mortos em seus pecados e não possuem raízes.
b) O caráter do ímpio (vs.4b)
Se a vida do perverso não pode sequer ser comparada a uma árvore plantada aos ribeiros de águas, tampouco pode ser comparada a uma árvore seca. Antes, o ímpio é comparado pelo salmista como a palha que o vento dispersa.
A palha é uma imagem comum no AT. Extraída das épocas de colheita de trigo, essa figura também foi usada por João Batista em sua mensagem, onde conclamava o povo de Israel ao arrependimento (Mt 3.7-12). O trigo era debulhado numa superfície dura e plana, sobre um monte, e exposto ao vento. O trigo era erguido por pás e jogado para cima. Os grãos preciosos, então, caíam e eram recolhidos, enquanto que as palhas leves eram espalhadas pelo vento.
A palha é composta de cascas de grãos vazias, não tem peso substancial para estabilizar-se e é facilmente levada pelos ventos da adversidade. Pelo modo de peneiração do oriente contra o vento, a palha era totalmente espalhada. Assim é o ímpio – que vive superficialmente e não tem raízes na graça de Deus, pois é morto espiritualmente. Os ímpios não estão plantados junto a corrente de águas, isto é, na palavra de Deus e, portanto, não são salvos. Não possuem valor algum, são facilmente levados pelo vento porque são leves, estéreis e vazios da presença de Deus em amor.[16]
c) A condenação dupla dos ímpios (vs.5)
i. O destino final dos perversos (vs.5a)
A conjunção por isso introduz a indubitável conclusão de que os perversos, no último dia, serão reprovados por Jesus Cristo no julgamento. Henry Law escreve:
O julgamento está próximo. O juiz está às portas. O grande trono branco em breve será estabelecido. Os mortos serão julgados pelas coisas escritas nos livros, de acordo com suas obras. Eles não podem fugir desse tribunal terrível. Nenhuma máscara pode ocultar a culpa deles. Seus pecados estão todos registrados. Nenhum sangue apagou as manchas. Eles não buscaram o mérito do salvador. Não tiveram interesse na cruz salvadora. Eles não podem permanecer.[17]
Mateus 25.46 – E irão estes para o castigo eterno...
ii. A separação dos pecadores da congregação dos justos (vs.5b)
A expressão congregação dos justos se refere a um grupo de pessoas e nações sobre os quais Deus preside como governante (veja, como exemplo, o Sl 7.7-8). Essa expressão também tem conotação escatológica, e denota que os ímpios não farão parte da comunidade dos justos na eternidade, na terra restaurada.
Matthew Henry chama a atenção para o fato de que o joio pode estar no meio do trigo por um tempo [na igreja – minha ênfase], porém, vem aquele que tem em sua mão a foice afiada e que limpará o seu solo completamente. Os que por seus próprios pecados e atitudes néscias são como o joio, encontrar-se-ão diante do redemoinho e do fogo da ira divina.[18] Warren Wiersbe completa, dizendo que, quando o dia do julgamento chegar, o senhor, o justo juiz, separará o trigo do joio, as ovelhas dos bodes e os grãos da palha, e nenhum incrédulo poderá reunir-se com os justos.[19]
3. DUAS VIDAS E DOIS DESTINOS DIFERENTES (1.6)
A base que determinará o julgamento de Deus sobre essas duas classes de pessoas é o conhecimento que ele possui de ambos. “O conhecimento refere-se a todo o curso de vida, incluindo o que a motiva, o que ela produz e onde termina”.[20] Este conhecimento de Deus é denominado de onisciência, que é o conhecimento que ele tem de todas as possibilidades (veja, como exemplo, Mt 11.20-21) e eventos concretos preordenados pela sua soberania que ocorrem no tempo. Vejamos, então, o conhecimento que Deus tem do justo e do ímpio.
a) O caminho do justo (vs.6a)
O verbo conhecer, aqui, assinala que Deus não apenas conhece a vida do justo; antes, o conhecimento que Deus possui do justo significa que, desde a eternidade, antes da criação, ele o conheceu, o predestinou, o chamou, o justificou e o glorificou para a sua glória (Rm 8.29-30). Portanto, o justo nunca há de perecer, uma vez que é guardado por Deus para a consumação da salvação, a qual se dará no último dia (1Pe 1.5).
b) O caminho dos ímpios (vs.6b)
O mesmo conhecimento que Deus possui da vida do justo se aplica ao conhecimento que ele também possui da vida do ímpio. Entretanto, o conhecimento que Deus tem do ímpio é uma antítese do conhecimento que ele tem do justo no que se refere à salvação eterna. O ímpio, de coração obdurado, que permanece na incredulidade até o fim de sua vida, demonstra que não foi escolhido por Deus. Eles são “entregues” por Deus aos seus desejos pecaminosos como resultado do decreto de Deus, onde os quais não serão, mas “já estão” condenados à justa punição eterna no lago de fogo.
João 3.18 – Quem nele não crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.
CONCLUSÃO
Os dois modos de vida apresentados no salmo 1 determina o destino final dos que o seguem. O justo, que é ó homem bem aventurado, obedece aos preceitos de Deus e tem prazer em esmerar-se nas Escrituras para o crescimento espiritual. O ímpio, por sua vez, não é assim; pelo contrário, ele não obedece aos mandamentos de Deus, não tem prazer, não deseja e ignora as Escrituras. O salmo 1 termina com uma solene advertência acerca da importância de vivermos uma vida cristã diligente e frutífera para a glória Deus com vista no julgamento final. Assim, por amor a Deus ficará provado quem é justo e verdadeiro cristão, e quem é ímpio e falso cristão. Jesus disse que aquele que o amar verdadeiramente obedecerá aos seus mandamentos (Jo 14.15). O cumprimento dos preceitos de Deus é uma das maiores evidências do verdadeiro cristão.
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NOTAS:
1 Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo. Antigo Testamento, vol 3, pág 88.
2 Ibid.
3 Ibid.
4 Hermisten Maia Pereira da Costa. Citação extraída do seu artigo disponível em:http://www.mackenzie.br/
5 Derek Kidner. Salmos 1-72. Introdução e Comentário, pág 63.
6 Calvino. Comentário de Salmos – Vol 1, pág 45.
7 John Stott. Salmos Favoritos, selecionados e comentados – Abba Press, 1997, pág 8.
8 Hermisten Maia Pereira da Costa. Citação extraída do seu artigo disponível em:http://www.mackenzie.br/
9 Dicionário Hebraico do Antigo Testamento James Strong, pág 1601.
10 J.I. Packer. O Conhecimento de Deus, pág 17.
11 Hermisten Maia Pereira da Costa. Citação extraída do seu artigo disponível em:http://www.mackenzie.br/
12 Charles Hodge. O Caminho da Vida, New York: Sociedade Americana de Tratados, pág. 294.
13 Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo. Antigo Testamento, vol 3, pág 88.
14 William McDonald. Believers Commentary.
15 Hermisten Maia Pereira da Costa. Citação extraída do seu artigo disponível em:http://www.mackenzie.br/
16 John Stott. A Bíblia toda, o ano todo, pág 94.
17 Henry Law. Psalms.
18 Matthew Henry. Comentário Bíblico transcrito e adaptado, pág 398.
19 Warren Wiersbe. Comentário Bíblico Expositivo. Antigo Testamento, vol 3, pág 89.
20 Thomas L. Constable. Nots on Psalms.
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Autor: Leonardo Dâmaso
Fonte: Bereianos
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