domingo, 12 de julho de 2015

Pode existir uma estética ... CRISTÃ?!


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Hoje estava conversando com uma garota cristã muito legal. Ela está terminando a sua faculdade de design de moda e resolveu me perguntar sobre a possibilidade de Deus estar realmente interessado na maneira como alguém se veste. "Há uma forma cristã de alguém se vestir?", creio ter sido o enunciado do problema levantado por ela. E como achei a indagação muito pertinente, aproveito a deixa para transformar minha resposta em um breve artigo.


Talvez esta garota não soubesse disso, mas a questão subjacente ao problema exposto tem a ver com a existência de absolutos. Seja lá qual for o jargão recrutado, o que importa é ter em mente o Deus bíblico e sua vontade revelada como justificativa para a afirmação de quaisquer padrões.

É muito fácil falarmos em uma ética cristã ou universal. Também não soa dissonante falarmos em uma epistemologia cristã ou uma metafísica cristã. Estes temas estão em voga no ambiente acadêmico cristão e, de certa maneira, alcançam todo o público mediante a literatura disponível. Todavia, quando falamos em uma ESTÉTICA cristã, não deixo de notar espanto e desconfiança no interlocutor. Uma estética cristã pressupõe valores estéticos universais, o que, por si só, já desperta animosidade nas mentes pluralistas e anti-intelectuais de nosso tempo. Porém, a situação se agrava ainda mais quando não apenas afirmamos os valores estéticos universais que subjazem à uma possível estética cristã, mas também a qualidade revelada de tais premissas.

Por que é tão difícil falarmos a respeito de uma estética cristã? Por que o terreno da estética é tão arenoso quando comparado aos outros temas da preocupação filosófica? Não temos problemas em admitir uma metafísica ou ética cristãs, como dissemos, mas por que, quando o assunto é orientado para a estética, adquire contornos tão delicados?

Embora eu possa arriscar algumas respostas [1], elas não são minha maior preocupação, que permanece sendo o problema entrevisto e enunciado previamente: pode existir, de fato, uma estética cristã? E a resposta é: sim, pode ... e existe!

Em primeiro lugar, não faz sentido supormos que todas as áreas da filosofia sejam objeto de interesse na mente de Deus, conforme sua revelação cristaliza, mas, ao delimitarmos a estética, nenhuma preocupação divina seja evidenciada, ainda que remotamente. Por que Deus não estaria preocupado com a estética?! A Escritura nos ensina, por meio do que chamamos de "mandato cultural", que Deus está interessado em TODAS as áreas da vida e pensamento humanos. É uma distorção medieval neoplatônica pensarmos que existe uma esfera de interesse divino - a esfera religiosa - e outra esfera com a qual Deus não interage ou não se interessa em interagir - a esfera de assuntos seculares ou não-religiosos. Tal dicotomia é falsa, herética e perniciosa, e Deus está profundamente interessado na TOTALIDADE da vida humana, que vive e existe sempre diante de Deus (coram Deo). Portanto, é mais do que razoável admitirmos que a estética, como um sítio do pensamento humano, é alvo do interesse divino. Logo, esta área da filosofia encontra terreno na mente e revelação divina, e, por consequência, a atividade filosófica cristã deve ecoar tal interesse.

Em segundo, a estética trata do que é belo. Pergunto: que outro parâmetro final pode existir para justificar a beleza, senão Deus? Se os ateístas tivessem razão e a realidade fosse resumida à matéria, então a noção de "belo" seria um absurdo filosófico. Aliás, não existiria filosofia. De que maneira uma cosmovisão materialista poderia dar suporte à noção de belo? Se tudo é material (materialismo), não há nada extra-material que imprima qualidades estéticas a um ou outro objeto de análise. As coisas não seriam bonitas ou feias, elas seriam apenas coisas, sem predicados estéticos. Contudo, a Bíblia diz que existe o material e o imaterial, e que a natureza bela de Deus e seus atributos (Sl 29.2; Is 9.6) não só justifica a beleza mas permite reconhecê-la nas obras de criação e redenção como extensões ou impressões desta perfeição divina. O Salmo 75.1 diz: "A TI, ó Deus, glorificamos, [...] as tuas maravilhas o declaram"; e o Salmo 139.14 diz: "[...] maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe muito bem".

Em terceiro lugar, como se não bastasse o fato de Deus ser belo em suas perfeições, tal beleza ser amplamente reconhecida na criação e viabilizar a reflexão estética, o próprio Deus, em sua Palavra, nos encoraja a refletir e falar sobre ela. Isto é muito sério, pois significa que o labor filosófico sobre a estética não apenas encontra terreno no pensamento cristão como NÃO DEVE ser relegado ao ostracismo nas discussões filosóficas. Em outras palavras, nós devemos pensar sobre o assunto, redimí-lo à luz das Escrituras levando cativo TODO o entendimento (inclusive a estética) à obediência de Cristo (2Co 10.5). Abraham Kuyper (1837-1920), em uma de suas palestras, disse uma frase que se tornou famosa:
“[...] não há um único centímetro quadrado em todos os domínios da existência humana sobre o qual Cristo, que é o Soberano sobre tudo, não clame: 'é Meu!'”

Portanto, a estética deve ocupar as preocupações filosóficas dos homens e, sobretudo, dos filhos de Deus.

Em quarto, e talvez este seja o ponto principal, todas as referências bíblicas ou considerações teológicas mostradas até aqui implicam, necessariamente, na afirmação de padrões absolutos de estética, sem os quais seria impossível aos salmistas declararem, inerrantemente, que as obras de Deus são belas e DIGNAS de serem contempladas. Algo que é digno de ser contemplado não pode ter sua qualidade estética fundamentada em parâmetros subjetivos pois, assim fosse, algumas pessoas seriam capazes de cumprir esta contemplação enquanto outras não. Mas o apelo estético da revelação geral (bem como seu apelo metafísico) é dirigido a todos os homens. Assim, todos os homens deveriam ser capazes de reconhecer a beleza na criação, ainda que não atribuam tal beleza ao Deus Criador, de modo que, podemos inferir, a beleza é um valor objetivo ou, ao menos, não é tão subjetivo quanto costumamos supor.

Deste modo, podemos concluir que há, sim, uma estética cristã. Assim como as outras esferas da discussão filosófica, ela é caracterizada por valores absolutos e objetivos [2]. Ademais, ela é tão absoluta que, conforme nos mostra a Palavra de Deus, é passível de ser estruturada e discutida.

O ponto aqui é: todas as áreas da vida e pensamento humanos existem diante da face e dos interesses de Deus. Não há uma esfera sequer sobre a qual Deus não reivindique autoridade. Sendo assim, todas as áreas da vida e do pensamento humanos ... todas! ... devem ser resgatadas das elocubrações fúteis e carnais, e devem ser submetidas e reorientadas ao senhorio de Cristo (Cl 2.8) segundo a revelação especial de nosso Senhor, que está plena e infalivelmente expressa na Escritura Sagrada. Em outras palavras, não apenas há uma estética a ser pensada, mas há, de fato, uma estética cristã revelada.

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Notas:
1. Creio que um dos motivos pelos quais a afirmação de uma estética cristã seja tão indigesta na mentalidade comum resida na aversão a absolutos cultivada e disseminada sistematicamente pelo marxismo cultural. Outro motivo - este mais concentrado no próprio cenário cristão - pelo qual uma estética cristã seja tão impopular jaz na escassez de informações bíblicas diretas sobre o assunto. A Escritura fornece princípios de estética, mas não fórmulas prontas. Entretanto, creio que a maior razão seja o fato de que, por muito tempo, os valores estéticos têm tido qualquer fração de sua objetividade subtraída em função de uma exagerada parcela de subjetividade. As pessoas simplesmente imaginam que, quando se trata de "belo" e "feio", não existe objetividade alguma, mas somente opiniões subjetivas.
2. É claro que não ignoro a dificuldade latente em delinearmos todos os parâmetros para uma estética biblicamente orientada. A Escritura, como disse, não nos apresenta fórmulas prontas, padrões de cores, formas e sons cujas combinações resultem na construção do belo. Todavia, a Escritura nos fornece princípios que podem nos orientar neste sentido. Neste ponto, que excede minha expertise, prefiro confiar na graça de Deus atuando sobre os verdadeiros artistas para que produzam o belo e Deus seja glorificado.

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Autor: Paulo Ribeiro
Fonte: Teologia Expressa
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