(1) Até agora Deus foi considerado em si mesmo. Agora ele também precisa ser considerado em suas obras.
1. Isto inclui tanto as obras essenciais como as pessoais.
2. As obras essenciais são aquelas que são realizadas por toda a Santíssima Trindade operando como sendo apenas um Ser.
3. As obras pessoais são aquelas que são peculiares a uma pessoa em particular.
4. Tanto as obras essenciais como as pessoais incluem aquilo que afeta Deus somente [ad intra] e aqueles efeitos são percebidos fora de Deus [ad extra].
5. A primeira espécie não tem outro objeto [terminus] além de Deus. [A esta espécie pertencem] tais assuntos como a inteligência pela qual Deus conhece a si mesmo, a geração do Filho e a procedência do Espírito Santo.
6. As obras da segunda espécie têm alguns outros objetos além da Santíssima Trindade. Tais como a predestinação, criação e coisas semelhantes que concernem às criaturas como objetos externos a Deus.
PROPOSIÇÕES
I. A mesma obra externa é tanto pessoal como essencial de diferentes pontos de vista. Assim, a encarnação de Cristo, em seu aspecto eterno [inaugurativo] é uma obra essencial, comum à toda a Trindade; em seu aspecto histórico [consumativo] ela é uma obra pessoal apenas do Filho. Embora o Pai e o Espírito sejam causas da encarnação, somente o Filho tornou-se encarnado. Do mesmo modo, embora a criação, redenção e santificação são obras de toda a Santíssima Trindade, todavia, de um ponto de vista, elas podem ser chamadas de pessoais. O Pai é chamado criador, porque ele é, como era a origem [fons] da operação da Trindade, e o Filho e Espírito Santo agem pelo Pai. O Filho é chamado redentor, porque ele consumou a obra da redenção assumindo a natureza humana. O Espírito Santo é chamado santificador, porque ele é enviado pelo Cristo como um confortador e santificador.
II. As obras externas são indivisíveis ou comuns a todas as pessoas. Desta proposição segue do que foi declarado acima; uma vez que a essência é comum a todas as pessoas, as obras essenciais também precisam ser comuns a todos os três.
III. Toda obra específica sempre preserva o mesmo princípio essencial, causa eficiente e efeito.
(2) As obras de Deus que tem a sua realização fora dele são tanto imanente e interna, como exposta e externa. As obras imanentes e internas de Deus são aquelas que recebem lugar dentro de sua divina essência, e deste modo são os decretos de Deus.
PROPOSIÇÕES
I. Nem todas as obras cujo objeto é fora de Deus [ad extra] é uma obra externa. Um decreto de Deus é ad extra naquilo que se refere à criatura ou alguma coisa além de Deus, mas ela é interna naquilo que ela permanece em toda a essência de Deus.
II. As obras imanentes e internas de Deus são as realidades [res] não diferem da essência de Deus. Tudo o que estiver em Deus é Deus, como apresentamos acima como uma consequência da simplicidade da essência divina; e como essência e ser [essentia et esse] não são diferentes em Deus, assim, em sua vontade e o ato da vontade não são realidades [realiter] diferentes.
(3) Um decreto é um ato interno da vontade divina, pelo qual ele determina, da eternidade, livremente, com absoluta certeza, aqueles assuntos que acontecerão no tempo.
PROPOSIÇÕES
I. Os decretos são chamados “o plano definitivo” (At 2:23), “a mão e plano de Deus” (At 4:28), “o beneplácito de Deus” (Ef 1:9), e a eterna providência de Deus. Eles são chamados de “eterna providência” em distinção da atual providência que não é outra senão que a execução dos decretos de Deus.
II. Eles também são chamados de vontade de Deus, e o que Deus intenta fazer [voluntas beneplaciti]. Na realidade, o decreto é a própria vontade de Deus; mas, para o propósito de ensino a vontade é tratada como a causa eficiente, e o decreto como o efeito. Outra nomenclatura acerca da vontade pode ser adotada para vários propósitos e várias distinções são feitas pelos teólogos; a distinção entre o que Deus intenta fazer e o que ele nos quer fazer [voluntas beneplaciti et signi], entre vontades antecedente e consequente, absoluta e condicional, oculta e revelada. Estas não são divisões reais, ou partes da vontade divina de Deus, pois de fato, ela é propriamente chamada àquilo que Deus intenta fazer [voluntas beneplaciti] porque pela sua completa liberdade e beneplácito, ele decretou tudo que acontecerá. O mesmo é “antecedente” porque ele existiu antes das coisas criadas, e foi contado com Deus desde a eternidade. Ele é chamado “absoluto” porque se baseia unicamente na boa vontade de Deus e não de nada no tempo, e finalmente, ele é chamado de “oculto” porque nem anjos, ou homens entendem-no sem auxílio [a priori]. Mas como está numa cantiga popular “Ele comanda e ele proíbe, permite, divide e completa” possa ser vagamente chamado pela designação da vontade divina. Assim como os editos de um magistrado são chamados de sua vontade, do mesmo modo a designação da vontade pode ser dada aos preceitos, proibições, promessas e bem como aos fatos e eventos. Assim, a divina vontade também é chamada daquilo que Deus quer fazer [voluntas signi], pois ela significa o que é aceitável a Deus; o que ele quer fazer a nosso favor. O decreto é chamado de “consequente” porque ele segue aquela vontade que antecede a eternidade; ele é “condicional” porque os mandamentos, proibições ou desobediência estão ligados a ele. Finalmente, ele é chamado de “revelado” porque é o modo explicado na palavra de Deus. É necessário observarmos que esta espécie de discussão não postula outra realidade diversa, ou contraditória, como se fossem vontades de Deus.
III. Ao lado da vontade de Deus não há causas que podem ser contrárias a sua vontade. De fato, muitas coisas podem ser contrárias àquilo que Deus quer [voluntas signi], no entanto, elas se conformam ao plano divino [voluntas beneplaciti]. Deus não criou o pecado do homem, pelo contrário, mais estritamente ele o proibiu. Contudo, ao mesmo tempo ele o decretou de acordo com a esta vontade [beneplaciti] como um meio de revelar a sua glória.
IV. Tanto o bem como mal, entretanto, resultam do decreto e vontade de Deus; primeiro ele causa, e depois ele permite.
V. Contudo, o decreto e vontade de Deus não têm o mesmo sentido como causa do mal ou do pecado, embora tudo o que Deus decreta assume a posição de necessidade. Desde os males que são decretados, não efetivamente, mas permissivamente, o decreto de Deus não é a causa do mal. Nem são os decretos de Deus a causa do mal sobre a explicação da inevitabilidade de seu resultado, ou mesmo que eles conduzam os resultados não por uma necessidade coerciva, mas meramente por algo imutável.
VI. A inevitabilidade [necessitas] dos decretos de Deus não destrói a liberdade nas criaturas racionais. A razão é que a necessidade não é uma necessidade da coerção, mas da imutabilidade. Que a queda de Adão aconteceu pela necessidade com respeito a um decreto divino; todavia, Adão pecou livremente, nem ordenado, nem coagido, ou influenciado por Deus; de fato, ele teve a mais estrita advertência para não pecar.
VII. A inevitabilidade dos decretos de Deus não destrói a contingência das causas secundárias. Muitos eventos que acontecem pela necessidade com respeito aos planos de Deus são contingentes com as causas secundárias.
VIII. Não existe uma causa ativa [causa impulsiva] além da absolutamente livre vontade e prazer de Deus capaz de determinar os decretos divinos.
IX. O propósito [finis] dos divinos decretos é a glória de Deus.
X. Um decreto de Deus é singular e simples em si mesmo; nele não existe algo que seja anterior ou posterior.
XI. Com respeito a todas as coisas decretadas, deve ser especificado que na ordem em que ocorrem, Deus diz ter decretado quais deveriam ocorrer.
Tais questões como se Deus primeiro decretou isto ou aquilo, ou se ele decretou primeiro e o fim, ou os meios, são tolice. Desde que um decreto de Deus é em si mesmo um ato absolutamente simples, não há nele nem antecedente ou posterior; apenas com respeito às coisas decretadas podem ser especificadas. Com este entendimento podemos dizer que Deus decretou (1) criar o homem, (2) dar-lhe a sua imagem, mas de um modo que pudesse se perder, (3) permitir a queda, (4) e deixar alguns dos caídos entregues a si mesmos, mas eleger outros e preservá-los para a vida eterna.
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Fonte: Traduzido de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics: seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Books, 1977).
Tradução: Rev. Ewerton B. Tokashiki
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