A história bíblica da Criação do Mundo é causa de um
dos maiores e mais tensos debates entre os que acreditam na bíblia e aqueles
que seguem as modernas teorias científicas. Realmente há discrepâncias
entre a ciência e o relato bíblico da Criação.
Entretanto, o que devemos ter
em mente é que o texto da Torá, no livro de בְּרֵאשִׁית Bereshit
(Gênesis 1) não foi escrito com a intenção de trazer uma explicação científica
para o ato da Criação do Mundo por Deus.
A פָּרָשַׁת בְּרֵאשִׁית Parashá Bereshit
(um trecho, uma divisão do texto), foi primeiramente concebida para lidar e
mesmo refutar as histórias míticas da Criação do Mundo correntes na época de מֹשֶׁה רַבֵּנוּ
Moshe Rabeinu – Moisés:
1. A Enuma Elish – Conto mítico Babilônico da Criação;
2. O Épico do Gilgamesh –
Conto mítico Mesopotâmico; e
3. A crença Egípcia no deus Amon-ra como criador.
Portanto, ler o Gênesis com uma
perspectiva de encontrar explicações que se adequem às teorias científicas
atuais, não seria uma tarefa fácil, visto que o texto bíblico não tinha essa
intenção quando foi escrito.
Hoje em dia, o entendimento
comum, ensinado nas escolas, provém da teoria da evolução geológica e do Big
Bang, que dentre os seus defensores mais ilustres podemos citar o Físico
Teórico e Cosmólogo Stephen
Hawking.
Mas não era assim na época em
que o – עם ישראל – povo de Israel estava saindo do Egito. Naquele momento, a
crença comum estava em torno dos contos míticos que citamos mais acima neste
estudo.
No Princípio Criou Deus os Céus
e a Terra. Gênesis 1:1.
Apesar de serem
fundamentalmente diferentes, esses contos míticos da Criação do Mundo, trazem
elementos que se aproximam do relato da Criação contida no Gênesis. É como se
todos eles tivessem sido extraídos de uma fonte comum, porém com inserções
posteriores de componentes próprios de cada religião.
A própria Enuma
Elish (conto mítico babilônico) fala da existência de um oceano (face
das águas) e caos primitivos, que
seriam na verdade corpos dos vários deuses mesopotâmicos. E da batalha entre
esses deuses os demais elementos e o ser humano teriam sido criados.
Os egípcios acreditavam que o
deus Amon-ra era o ordenador do caos e das trevas primitivas
(havia trevas sobre a face do abismo). Por isso, no seu templo em Karnak, a
imagem de Amon-ra ficava em um santuário totalmente escuro (onde somente o
Faraó e o Sumo Sacerdote podiam entrar, e com o auxílio da luz de uma tocha).
Entretanto, mais do que
ficarmos examinando as teorias científicas, e/ou os contos míticos para a
Criação, neste estudo da Parashá Bereshit, gostaria de
abordar, de uma forma não muito específica, as principais palavras, mas no
contexto proposto pelo nosso blog, analisando o original hebraico e
também o Aramaico do Targum Onkelos – uma tradução
interpretada que nos traz muitos insights bons.
Se você não conhece o Hebraico
Bíblico, não se preocupe. Vamos fazer uma análise geral das palavras,
explicando o seu significado. Vejamos, primeiramente, o texto em Hebraico.
Gênesis 1:1-8 em Hebraico: Sefer Bereshit
בְּרֵאשִׁית, בָּרָא אֱלֹהִים, אֵת הַשָּׁמַיִם, וְאֵת הָאָרֶץ. וְהָאָרֶץ, הָיְתָה תֹהוּ וָבֹהוּ, וְחֹשֶׁךְ, עַל-פְּנֵי תְהוֹם; וְרוּחַ אֱלֹהִים, מְרַחֶפֶת עַל-פְּנֵי הַמָּיִם וַיֹּאמֶר
אֱלֹהִים, יְהִי אוֹר; וַיְהִי-אוֹר. וַיַּרְא אֱלֹהִים אֶת-הָאוֹר, כִּי-טוֹב; וַיַּבְדֵּל אֱלֹהִים, בֵּין הָאוֹר וּבֵין הַחֹשֶׁךְ. וַיִּקְרָא
אֱלֹהִים לָאוֹר יוֹם, וְלַחֹשֶׁךְ קָרָא לָיְלָה; וַיְהִי-עֶרֶב וַיְהִי-בֹקֶר, יוֹם אֶחָד.
וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים, יְהִי רָקִיעַ בְּתוֹךְ הַמָּיִם, וִיהִי מַבְדִּיל, בֵּין מַיִם לָמָיִם. וַיַּעַשׂ אֱלֹהִים, אֶת-הָרָקִיעַ, וַיַּבְדֵּל בֵּין הַמַּיִם אֲשֶׁר מִתַּחַת לָרָקִיעַ, וּבֵין הַמַּיִם אֲשֶׁר מֵעַל לָרָקִיעַ; וַיְהִי-כֵן. וַיִּקְרָא אֱלֹהִים לָרָקִיעַ, שָׁמָיִם; וַיְהִי-עֶרֶב וַיְהִי-בֹקֶר, יוֹם שֵׁנִי.
No princípio criou
Deus o céu e a terra.
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.
E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi.
E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo. Gênesis 1:1-8
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.
E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi.
E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo. Gênesis 1:1-8
Traduzindo a Criação do Mundo
A primeira palavra da Bíblia
Hebraica, בְּרֵאשִׁית bereshit –
que é comumente traduzida como “no princípio”, não
necessariamente significa que o mundo foi criado de forma completa no primeiro
dia. Esta palavra pode estar abrindo um resumo de tudo mais que se segue no
texto e que é relatado em cada um dos dias da Criação.
É interessante notar
que , בְּרֵאשִׁית bereshit não significa exatamente “no princípio”, mas isso é um
assunto para o nosso próximo artigo – Traduzindo a Criação do mundo –
onde trataremos especificamente desta palavra. Por agora, vamos ficar com
esta tradução – que é boa.
Mas se bereshit não é
exatamente “no princípio”, por que é assim traduzida? Bom, isso decorre
do exílio babilônico, quando os Judeus foram levados cativos
por Nabucodonosor. Lá na Babilônia, o povo de Deus passou a falar a língua
daquela cidade – o Aramaico.
Assim, resumindo, quando os
Judeus voltaram para Jerusalém, a maioria do povo já não entendia mais o
Hebraico das Escrituras Sagradas, a Torá. Esdras (o Escriba) traduziu a Torá
para o Aramaico (esta língua ainda era falada em Israel na época de Yeshua
haMashiach e seus תלמידם Talmidim – Discípulos), porém essa
tradução se perdeu.
Onkelos, um Judeu convertido, também fez um Targum, uma tradução da
Torá para o Aramaico. E é desse Targum que vem a tradição de ler “bereshit” como
“no princípio”, pois “no princípio” é uma tradução interpretada do
Aramaico בְּקַדְמִין “bekadmin” – “No Princípio”.
- CRIOU – Nachmanides, (mais conhecido Rambam), e os
Rabinos ibn Kaspi e Sforno, sustentam que a palavra בָּרָא
“Bara”, “criou”, denota a criação de algo que
vem “do nada”. Eles acreditaram que a Torá está fazendo
uma afirmação Teológica de que o Mundo foi criado ex nihilo, “do
nada”.
Bara (lê-se bará), é um verbo
divino, sempre atribuído a Deus, pois somente Ele tem o poder de Criar
do Nada.
A tradução para o Aramaico foi
precisa e literal, pois o Targumista (tradutor) usou a palavra בְּרָא Bero, “Criou”.
- Deus – אֱלֹהִים , Elohiym – A Tradução Aramaica
substitui o original hebraico Elohiym pelo Tetagrama –
o nome sagrado do Eterno, composto pelas letras י yod,
ה hei, ו vav,
ה hey, que é geralmente traduzido como “Senhor”.
Michael J. Alter em seu livro “Why The Torah Begins With the
Letter Beit”, ensina que cada letra do nome Sagrado do Eterno corresponde a
um dos quatro mundos que foram criados por Ele – Atzilut (Emanação –
Domínio Divino), Beriah (Criação – Trazer do Nada à Existência), Yetzirah
(Formação – Formou o homem do Pó da Terra) ,e Asiyah (Mundo Constituído pelas
Ações).
A todos os que são
chamados pelo meu nome, e os que criei (Beriah) para a minha glória (Atzilut):
eu os formei (Yetzirah), e também eu os fiz (Asiyah). Isaías 43:7
Pela fé entendemos
que os mundos pela palavra de Deus foram criados;
de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente. Hebreus 11:3
Uma vez que a tradução para o
Aramaico visava ajudar a grande massa da população judaica que não era
“letrada” no hebraico bíblico, o targumista (tradutor) queria evitar a forma
plural do nome Elohiym que literalmente quer dizer
“deuses”. O singular seria אלוה Eloah.
Mas se Deus é um, (como na
leitura da Shemá: “Adonay Echad”), como o seu nome aparece no plural, e bem no
início da Torá?
Há a explicação do plural
majestático, como por exemplo quando falamos com uma autoridade, um Senador da
República: É chamado de Vossa Excelência, e não de Sua Excelência,
portanto um pronome de tratamento plural, majestático, que indica a importância
dessa autoridade.
Ainda assim, para nós que
cremos em Yeshua haMashiach, e em sua divindade, sabemos que
o Eterno é um, mas ao mesmo tempo é um ser (se é que pode ser assim definido)
majestaticamente plural.
E esse nome Elohiym vai
aparecer novamente no Evangelho de יוֹחָנָן Yochanan – João 1:1 – que afirma que o Elohiym do Princípio
era Yeshua haMashiach.
בְּרֵאשִׁית
הָיָה הַדָּבָר, וְהוּא הַדָּבָר הָיָה אֵצֶל הָאֱלֹהִים,
וֵאלֹהִים
הָיָה הוּא הַדָּבָר.
No princípio era o
Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
João 1:1
João 1:1
- Os Céus e a Terra – Aqui são as palavras הַשָּׁמַיִם , Hashamayim “os Céus” e הָאָרֶץ Haaretz “a Terra”. Há discordâncias entre estudiosos
sobre se a Terra e os Céus, no Princípio, formavam uma unidade, ou se eram
já elementos separados um do outro, uma vez que as águas – הַמָּיִם Hamayim – foram separadas posteriormente deixando
uma “expansão”.
- Sem Forma e Vazia – (do hebraico תֹהוּ
וָבֹהוּ “tohu vavohu”) – Como é perceptível na sua sonoridade,
estas duas palavras formam um tipo de “wordplay”, ou seja, um jogo de
palavras para estabelecer relações entre a sonoridade, a escrita e
facilitar a sua memorização.
É uma técnica muito frequente
na Bíblia, e Yeshua haMashiach se utilizava muito da sonoridade das palavras em
suas mensagens.
Mas o significado dessas
palavras é surpreendente, e será o assunto do nosso próximo Estudo
Bíblico, onde daremos prosseguimento à leitura da Parashá Bereshit.
Não perca o nosso próximo
Estudo Bíblico!
Shalom, Shalom!
Autor: Israel Silva.
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