sábado, 15 de setembro de 2018

A Criação do Mundo, Parashá Bereshit



A história bíblica da Criação do Mundo é causa de um dos maiores e mais tensos debates entre os que acreditam na bíblia e aqueles que seguem as modernas teorias científicas.  Realmente há discrepâncias entre a ciência e o relato bíblico da Criação.

Entretanto, o que devemos ter em mente é que o texto da Torá, no livro de בְּרֵאשִׁית Bereshit (Gênesis 1) não foi escrito com a intenção de trazer uma explicação científica para o ato da Criação do Mundo por Deus.

A  פָּרָשַׁת בְּרֵאשִׁית Parashá Bereshit (um trecho, uma divisão do texto), foi primeiramente concebida para lidar e mesmo refutar as histórias míticas da Criação do Mundo correntes na época de מֹשֶׁה רַבֵּנוּ Moshe Rabeinu – Moisés:

1.  Enuma Elish – Conto mítico Babilônico da Criação;
2.  O Épico do Gilgamesh – Conto mítico Mesopotâmico; e
3.  A crença Egípcia no deus Amon-ra como criador.

Portanto, ler o Gênesis com uma perspectiva de encontrar explicações que se adequem às teorias científicas atuais, não seria uma tarefa fácil, visto que o texto bíblico não tinha essa intenção quando foi escrito.

Hoje em dia, o entendimento comum, ensinado nas escolas, provém da teoria da evolução geológica e do Big Bang, que dentre os seus defensores mais ilustres podemos citar o Físico Teórico e Cosmólogo Stephen Hawking.

Mas não era assim na época em que o – עם ישראל – povo de Israel estava saindo do Egito. Naquele momento, a crença comum estava em torno dos contos míticos que citamos mais acima neste estudo.

No Princípio Criou Deus os Céus e a Terra. Gênesis 1:1.
Apesar de serem fundamentalmente diferentes, esses contos míticos da Criação do Mundo, trazem elementos que se aproximam do relato da Criação contida no Gênesis. É como se todos eles tivessem sido extraídos de uma fonte comum, porém com inserções posteriores de componentes próprios de cada religião.

A própria Enuma Elish (conto mítico babilônico) fala da existência de um oceano (face das águas) e caos primitivos, que seriam na verdade corpos dos vários deuses mesopotâmicos. E da batalha entre esses deuses os demais elementos e o ser humano teriam sido criados.

Os egípcios acreditavam que o deus Amon-ra era o ordenador do caos e das trevas primitivas (havia trevas sobre a face do abismo). Por isso, no seu templo em Karnak, a imagem de Amon-ra ficava em um santuário totalmente escuro (onde somente o Faraó e o Sumo Sacerdote podiam entrar, e com o auxílio da luz de uma tocha).

Entretanto, mais do que ficarmos examinando as teorias científicas, e/ou os contos míticos para a Criação, neste estudo da Parashá Bereshit, gostaria de abordar, de uma forma não muito específica, as principais palavras, mas no contexto proposto pelo nosso blog, analisando o original hebraico e também o Aramaico do Targum Onkelos – uma tradução interpretada que nos traz muitos insights bons.

Se você não conhece o Hebraico Bíblico, não se preocupe. Vamos fazer uma análise geral das palavras, explicando o seu significado. Vejamos, primeiramente, o texto em Hebraico.
Gênesis 1:1-8 em Hebraico: Sefer Bereshit 

בְּרֵאשִׁית, בָּרָא אֱלֹהִים, אֵת הַשָּׁמַיִם, וְאֵת הָאָרֶץוְהָאָרֶץ, הָיְתָה תֹהוּ וָבֹהוּ, וְחֹשֶׁךְ, עַל-פְּנֵי תְהוֹם; וְרוּחַ אֱלֹהִים, מְרַחֶפֶת עַל-פְּנֵי הַמָּיִם  וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים, יְהִי אוֹר; וַיְהִי-אוֹרוַיַּרְא אֱלֹהִים אֶת-הָאוֹר, כִּי-טוֹב; וַיַּבְדֵּל אֱלֹהִים, בֵּין הָאוֹר וּבֵין הַחֹשֶׁךְ.  וַיִּקְרָא אֱלֹהִים לָאוֹר יוֹם, וְלַחֹשֶׁךְ קָרָא לָיְלָה; וַיְהִי-עֶרֶב וַיְהִי-בֹקֶר, יוֹם אֶחָד.
וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים, יְהִי רָקִיעַ בְּתוֹךְ הַמָּיִם, וִיהִי מַבְדִּיל, בֵּין מַיִם לָמָיִםוַיַּעַשׂ אֱלֹהִים, אֶת-הָרָקִיעַ, וַיַּבְדֵּל בֵּין הַמַּיִם אֲשֶׁר מִתַּחַת לָרָקִיעַ, וּבֵין הַמַּיִם אֲשֶׁר מֵעַל לָרָקִיעַ; וַיְהִי-כֵןוַיִּקְרָא אֱלֹהִים לָרָקִיעַ, שָׁמָיִם; וַיְהִי-עֶרֶב וַיְהִי-בֹקֶר, יוֹם שֵׁנִי.

No princípio criou Deus o céu e a terra.
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.
E disse Deus: Haja luz; e houve luz.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas.
E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro.
E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi.
E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo. Gênesis 1:1-8

Traduzindo a Criação do Mundo

A primeira palavra da Bíblia Hebraica, בְּרֵאשִׁית bereshit – que é comumente traduzida como “no princípio”, não necessariamente significa que o mundo foi criado de forma completa no primeiro dia. Esta palavra pode estar abrindo um resumo de tudo mais que se segue no texto e que é relatado em cada um dos dias da Criação.

É interessante notar que , בְּרֵאשִׁית bereshit não significa exatamente “no princípio”, mas isso é um assunto para o nosso próximo artigo – Traduzindo a Criação do mundo –  onde trataremos especificamente desta palavra. Por agora, vamos ficar com esta tradução – que é boa.

Mas se bereshit não é exatamente “no princípio”, por que é assim traduzida? Bom, isso decorre do exílio babilônico, quando os Judeus foram levados cativos por Nabucodonosor. Lá na Babilônia, o povo de Deus passou a falar a língua daquela cidade – o Aramaico.

Assim, resumindo, quando os Judeus voltaram para Jerusalém, a maioria do povo já não entendia mais o Hebraico das Escrituras Sagradas, a Torá. Esdras (o Escriba) traduziu a Torá para o Aramaico (esta língua ainda era falada em Israel na época de Yeshua haMashiach e seus תלמידם Talmidim – Discípulos), porém essa tradução se perdeu.

Onkelos, um Judeu convertido, também fez um Targum, uma tradução da Torá para o Aramaico. E é desse Targum que vem a tradição de ler “bereshit” como “no princípio”, pois “no princípio” é uma tradução interpretada do Aramaico בְּקַדְמִין “bekadmin” – “No Princípio”.
  • CRIOU – Nachmanides, (mais conhecido Rambam), e os Rabinos ibn Kaspi e Sforno, sustentam que a palavra בָּרָא “Bara”, “criou”, denota a criação de algo que vem “do nada”. Eles acreditaram que a Torá está fazendo uma afirmação Teológica de que o Mundo foi criado ex nihilo“do nada”.
Bara (lê-se bará), é um verbo divino, sempre atribuído a Deus, pois somente Ele tem o poder de Criar do Nada.
A tradução para o Aramaico foi precisa e literal, pois o Targumista (tradutor) usou a palavra בְּרָא Bero, “Criou”.
  • Deus – אֱלֹהִים , Elohiym – A Tradução Aramaica substitui o original hebraico Elohiym pelo Tetagrama – o nome sagrado do Eterno, composto pelas letras י yod, ה hei, ו vav, ה hey, que é geralmente traduzido como “Senhor”.
Michael J. Alter em seu livro “Why The Torah Begins With the Letter Beit”, ensina que cada letra do nome Sagrado do Eterno corresponde a um dos quatro mundos que foram criados por Ele – Atzilut (Emanação – Domínio Divino), Beriah (Criação – Trazer do Nada à Existência), Yetzirah (Formação – Formou o homem do Pó da Terra) ,e Asiyah (Mundo Constituído pelas Ações).
A todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei (Beriah) para a minha glória (Atzilut): eu os formei (Yetzirah), e também eu os fiz (Asiyah). Isaías 43:7

Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente. Hebreus 11:3

Uma vez que a tradução para o Aramaico visava ajudar a grande massa da população judaica que não era “letrada” no hebraico bíblico, o targumista (tradutor) queria evitar a forma plural do nome Elohiym que literalmente quer dizer “deuses”. O singular seria אלוה Eloah.

Mas se Deus é um, (como na leitura da Shemá: “Adonay Echad”), como o seu nome aparece no plural, e bem no início da Torá?
Há a explicação do plural majestático, como por exemplo quando falamos com uma autoridade, um Senador da República: É chamado de Vossa Excelência, e não de Sua Excelência, portanto um pronome de tratamento plural, majestático, que indica a importância dessa autoridade.

Ainda assim, para nós que cremos em Yeshua haMashiach, e em sua divindade, sabemos que o Eterno é um, mas ao mesmo tempo é um ser (se é que pode ser assim definido) majestaticamente plural.
E esse nome Elohiym vai aparecer novamente no Evangelho de יוֹחָנָן Yochanan – João 1:1 – que afirma que o Elohiym do Princípio era Yeshua haMashiach.
בְּרֵאשִׁית הָיָה הַדָּבָר, וְהוּא הַדָּבָר הָיָה אֵצֶל הָאֱלֹהִים, וֵאלֹהִים הָיָה הוּא הַדָּבָר.
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
João 1:1
  • Os Céus e a Terra – Aqui são as palavras הַשָּׁמַיִם , Hashamayim “os Céus” e הָאָרֶץ Haaretz “a Terra”. Há discordâncias entre estudiosos sobre se a Terra e os Céus, no Princípio, formavam uma unidade, ou se eram já elementos separados um do outro, uma vez que as águas – הַמָּיִם  Hamayim – foram separadas posteriormente deixando uma “expansão”.
  • Sem Forma e Vazia – (do hebraico תֹהוּ וָבֹהוּ “tohu vavohu”) – Como é perceptível na sua sonoridade, estas duas palavras formam um tipo de “wordplay”, ou seja, um jogo de palavras para estabelecer relações entre a sonoridade, a escrita e facilitar a sua memorização.
É uma técnica muito frequente na Bíblia, e Yeshua haMashiach se utilizava muito da sonoridade das palavras em suas mensagens.
Mas o significado dessas palavras é surpreendente, e será o  assunto do nosso próximo Estudo Bíblico, onde daremos prosseguimento à leitura da Parashá Bereshit.
Não perca o nosso próximo Estudo Bíblico!
Shalom, Shalom!

Autor: Israel Silva.

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