sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Mateus 3.8-12 – D.A. Carson



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8,9. A vinda do Reino de Deus exige arrependimento (v. 2) ou traz julgamento. O arrependimento tem de ser genuíno; se quisermos escapar da ira futura (v. 7), então, todo nosso estilo de vida tem de estar em harmonia com nosso arrependimento oral (v. 8). Apenas descender de Abraão não é suficiente (v. 9). No Antigo Testamento, Deus cortou fora, repetidas vezes, muitos israelitas e salvou um remanescente. Contudo, no período interbíblico o uso geral da descendência de Abraão, no contexto de levantamento de mérito teológico, sustenta a noção de que Israel foi separada porque foi uma escolha e de que o mérito dos patriarcas seria suficiente para seus descendentes (cf. Carson, Divine Sovereignty [Soberania divina ], p. 39ss.).

Mas Deus pode não só reduzir Israel a um remanescente, como também pode levantar filhos autênticos de Israel “destas pedras” (talvez pedras do leito do rio — tanto o hebraico como o aramaico têm um jogo de palavras com “filhos” e “pedras”). Pedras comuns serão suficientes, não há necessidade da “rocha” dos patriarcas e do mérito deles (cf. S. Schechter, Some Aspects of Rabbinic Theology [Alguns aspectos da teologia rabínica] [London: Black, 1903], p. 173; cf. também Rm 4). O versículo 9 não só censura a hipocrisia dos líderes que se achavam retos, mas também sugere que a participação no Reino é resultado da graça e se estende as fronteiras para além do povo de Deus e das diferenças raciais (cf. 8.11).

10. O machado “já” (enfático) está posto na raiz das árvores (para a expressão idiomática, cf. Is 10.33,34; Jr 46.22). “Não só há a vinda da ira messiânica, como já há o início da descriminação messiânica entre os descendentes de Abraão” (Broadus). Da mesma forma como o Reino já está irrompendo (v. 2), também o julgamento se aproxima; os dois são inseparáveis.

Pregar o Reino é pregar arrependimento; qualquer árvore (não “toda árvore”, NVI; cf. Turner, Syntax [Sintaxe], p. 199), independentemente de suas raízes, que não produzir bom fruto será destruída.

11. Compare os versículos 11 e 12 com Lucas 3.15-18 (Q?). Em razão de só Mateus dizer: “Eu os batizo com água para arrependim ento,, (grifo do autor), Hill detecta um esforço consciente para subordinar João Batista a Jesus. João batiza como preparação “para arrependimento”; Jesus batiza para cumprimento “com o Espírito Santo e com fogo”. Mas Marcos (1.4) e Lucas (3.3) falam do batismo de João como batismo de arrependimento. E quando Jesus começa a pregar, ele também exige arrependimento (4.17). Se há uma antítese aqui entre João e Jesus, ela está presente em todos os três evangelhos sinóticos. Mateus pode estar enfatizando a diferença entre os batismos de João e de Jesus a fim de apresentar o ponto a respeito de escatologia (veja abaixo e sobre 11.7-13).

A expressão “para arrependimento” (eis metanoian) é difícil; com frequência, eis mais o acusativo sugerem propósito (“Eu os batizo [...] para arrependimento”).

Do ponto de vista contextuai (v. 6), isso é improvável, mesmo no peculiar sentido télico sugerido por Broadus: “Eu os batizo com vistas a arrependimento contínuo”. Mas o eis causal, ou muito próximo disso, não é desconhecido no Novo Testamento (cf. Turner, Syntax [Sintaxe], p. 266-67): “Eu os batizo por causa de seu arrependimento”. No entanto, a força pode ficar mais fraca — ou seja: “Eu os batizo com referência ao arrependimento ou em conexão com o arrependimento”.

Em qualquer caso, João quer contrastar seu batismo com o daquele que vem depois dele (é duvidosa qualquer alusão aqui ao título messiânico em “vem alguém”; cf. Arens, p. 288-90). Esse alguém é “mais poderoso” que João: o mesmo termo (ischyros) é aplicado a Deus no Antigo Testamento (L)OÍ, Jr 32.18; Dn 9.4; cf. também Is 40.10) e o substantivo cognato para Messias em Salmos de Salomão 17.

Essa não é a ordem normal, em geral, o que vem depois é o discípulo, o menor (cf. 135 Mateus 3.1-12 M t 16.24; Jo 13.16; 15.20). Mas pelo fato de o ministério especial de João ser o de anunciar a figura escatológica, ele não pode fazer outra coisa a não ser precedê-la. Embora João seja o pregador mais procurado de Israel em séculos, ele protesta que não é digno de “levar” (Marcos e Lucas, “desamarrar”) as sandálias daquele que vem. Muitos estudiosos argumentam que essa fala deve ter sido uma invenção posterior de cristãos determinados a manter João Batista em seu lugar e a exaltar Jesus. Na verdade, essa humildade de João, na ética cristã, é uma virtude, não uma fraqueza. Além disso, se ele via seu papel como de precursor do Messias, João não podia se situar em igualdade com aquele para quem ele apontava (cf. também Jo 3.28-31).

Sem dúvida, a igreja foi rápida em usar a depreciação de si mesmo de João em conflitos posteriores com os seguidores dele. Mas não há evidência de que os cristãos inventaram essa fala. Segue-se que, da mesma maneira que o propósito de João era preparar o caminho para o Senhor chamando às pessoas ao arrependimento, também seu batismo aponta para aquele que traria o batismo escatológico em espírito e em fogo. O batismo de João era “essencialmente preparatório” (cf. J. D. G. Dunn, Baptism in the Holy Spirit [Batismo no Espírito Santo\ [London: SCM, 1970], p. 14-17; Bonnard E Lang, “Erwägungen zur eschatologischen Verkündigung Johannes des Täufers” [“Considerações sobre a pregação escatológica de João Batista”], em Strecker,/ímf Christus, p. 459-73); o batismo de Jesus inaugurou a era messiânica.

“Bati[smo] com o Espírito Santo” não é uma expressão especializada do Novo Testamento. Seu histórico do Antigo Testamento inclui Ezequiel 36.25-27; 39.29; Joel 2.28. Não podemos pensar que João Batista não poderia ter mencionado o Espírito Santo, no mínimo, por causa de referências um tanto similares na literatura de Qumran (1QS 3.7-9; 4.21; 1QH 16.12; cf. Dunn, Baptism [Batismo], p. 8­ 10). Todavia, Mateus e Lucas acrescentam “e fogo” (NTLH). Muitos veem isso como um duplo batismo, um no Espírito Santo para o justo e outro no fogo para o impenitente (cf. o trigo e a palha no v. 12). O fogo (Ml 4.1) destrói e consome. Há bons motivos, contudo, para falar de “fogo”, junto com o Espírito Santo, como agente purificador.

As pessoas a quem João se dirige estão sendo batizadas por ele; elas, provavelmente, arrependeram-se. Mais importante, a preposição en (“com”) não é repetida antes de fogo: uma preposição governa o “Espírito Santo” e o “fogo”, e isso normalmente sugere um conceito unificado, Espírito-fogo, ou algo semelhante (cf. M. J. Harris, DNTT, 3:1178; Dunn Baptism [Batismo], p. 10-13). No Antigo Testamento, fogo, com frequência, tem uma conotação purificadora, não destrutiva (e.g., Is 1.25; Zc 13.9; Ml 3.2,3).

O batismo de água de João relaciona-se com arrependimento; mas aquele de quem ele prepara o caminho administrará o batismo de Espírito-fogo que purifica e refina a pessoa. Em uma época na qual muitos judeus sentiam que o Espírito Santo fora removido até a era messiânica, esse anúncio só podia ser saudado com animada antecipação.

12. A vinda do Messias separará o trigo da palha. O forcado de separar balança tanto o trigo quanto a palha no ar. O vento sopra a palha para longe, e o grão mais pesado cai para ser recolhido no chão. A palha espalhada é amontoada e queimada, Mateus 3.13-17 136 e a eira fica limpa (cf. SI 1.4; Is 5-24; Dn 2.35; Os 13.3). O “fogo que nunca se apaga” representa o julgamento escatológico (cf. Is 34.10; 66.24; Jr 7.20), o inferno (cf. 5.29). O “fogo que nunca se apaga” não é só uma metáfora: a realidade temível está subjacente à separação do trigo da palha feita pelo Messias. Portanto, a proximidade do Reino pede arrependimento (v. 2).

Notas

1 Mateus apresenta 'o Paimornç (ho baptistês, “o batista”); Marcos (1.4) usa o particípio [b] paTruíCcw ([ho] baptizên, lit., “o batizante”). E duvidoso se foi pretendida alguma distinção uma vez que “Batista” não tem aroma sectário nem denominacional. E um exagero fazer coro com Gundry (M atthew [Mateus]) e dizer que Mateus usa consistentemente “Batista”, em vez de “o batizante” a fim de distrair a atenção da prática de batismo de João para seu papel de pregador; pois o último não é enfatizado, e Mateus inclui a declaração específica do versículo 6: “Eram batizados por” João. “Pregação” (verbo KTpúaoco [kêryssô], substantivo K ip u y jia [kêrygmd]) tem sido, com frequência nos últimos cinquenta anos, distinguida de “ensino” (õiôaxr| [didachê]) de tal maneira que os ditos elementos querigmáticos, muitas vezes, foram tirados de seu conteúdo; e praticamente tudo do Novo Testamento, com segurança, estava em uma categoria ou na outra. Estudo mais recente demonstrou como essa antítese foi totalmente super simplificada (J. I. H. McDonald, Kerygma and Didache [Querigma e didaqué] [Cambridge: University Press, 1980]) e sugeriu outras categorias igualmente importantes e, às vezes, sobrepostas (e.g., A. A. Trites, The New Testament Concept ofW itness [O conceito de testemunho no Novo Testamento] [Cambridge: University Press, 1977]).
2 O verbo |i€Tavoá(J (metanoeô, “arrependam”) foi traduzido do latim poenitentiam agere (“exercício de penitência”), a palavra “penitência” sugere pesar, angústia e dor, mas não necessariamente mudança. De vez em quando a expressão poenitentiam agite (“fazer penitência”) era preferida, e a contradição de “fazer penitência” completava o deslize de um conceito pernicioso e bem estranho ao Novo Testamento. 7 A expressão èiu’ xò (3ÓTia|ia aúçxoü (epi to baptisma autou) é peculiar (lit., vindo “para seu batismo”); ela também poderia querer dizer “vir para ser batizado” ou “vir para o lugar em que ele estava batizando” (conforme NVI). 10 Moule (Idiom Book [Livro de expressões idiomáticas], p. 53) vê irpóç (pros) mais o acusativo aqui combinando movimento linear com descanso meticuloso na chegada: o machado, por assim dizer, dá seu primeiro talho. Mas é possível que o verbo Keixai (keitai, lit., “repousa”; NVI, “está”) sugere que o machado está apenas repousando na raiz da árvore, pronto para a ação.

Extraído: O comentário de Mateus / D.A. Carson

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