Dizer que uma característica marcante do tempo presente é o espírito quase universal de inquietação é falar o óbvio. A coisa toda é tão patente ao ponto de ser evidente até para a mente mais frívola. Confronto de interesses, conflito, revolta e inquietação já não são novidades no mundo. Desde a entrada do pecado, quando foi que coisas assim não existiram? Todavia, ao admitirmos isso nos atrevemos a afirmar que a atual epidemia de agitação e revolta atingiu proporções tais que pode ser corretamente denominada como a principal característica desta era. E mais: tendo a Bíblia como nosso guia podemos antecipar que isso irá aumentar ainda mais.
A agitação que existe hoje traz em si duas características que são dignas de nota. A primeira é que ela é praticamente universal em sua extensão. Cada país de maior importância está sendo afligido por ela, e a maioria dos países menores também. Na antiguidade isso ficava mais manifesto nas terras bárbaras, porém agora é algo mais pronunciado nas nações mais ricas e civilizadas. Não importa se a civilização é oriental e antiga, como a China, ou ocidental e moderna, como os Estados Unidos e Grã-Bretanha. A mão de ferro do comunismo, massacrando milhões de seres humanos para atingir seus propósitos, podia parecer que tinha colocado um fim a essa agitação, mas sob a sua superfície ela continuou existindo. Além disso, nas terras com maior liberdade o vento da agitação e do levante sopra com força. Logo poderá se transformar num furacão.
A segunda característica é que a agitação nos dias de hoje atinge cada área do pensamento e atividade humana. Nunca antes foi assim. Impérios surgiram, floresceram e decaíram enquanto a calma reinava no mundo da filosofia e das ciências aplicadas. Hoje as mudanças violentas vêm de todas as direções. As mentes dos homens estão funcionando com uma energia quase sobre-humana na formulação de novas ideias e teorias nos campos social, político e teológico, e também na fabricação de equipamentos inacreditáveis.
O que tudo isso significa? Esta é a questão que certamente deve predominar na mente de todo observador sóbrio. Para o cristão, que se submete à Palavra de Deus e aceita a luz que ela derrama, não há dificuldade alguma para descobrir a resposta. As histórias humanas nos dão, no máximo, os melhores detalhes imperfeitos de alguns poucos acontecimentos de uma época, mas a somente Bíblia nos revela o fio dourado da meada do propósito divino, o qual corre ao longo de toda a história. Vamos tentar discernir isso pela orientação do Espírito Santo de Deus e, deste modo, encontrar a resposta divina a esta questão.
A maioria dos leitores está ciente de que não existia governo antes do Dilúvio. Aquela era culminou em tamanha violência e corrupção que o único remédio foi a destruição. Veja Gênesis 6:1-13. Por intermédio da pessoa de Noé, o governo foi instituído em uma terra limpa e lavada (Gênesis 9:1-6). Após a separação ocorrida em Babel, a autoridade parece ter se afastado da linha principal dos descendentes de Noé, e cada família separadamente começou a se colocar debaixo de sua própria cabeça tribal, surgindo a ideia da realeza. No que diz respeito ao governo da parte de Deus, não houve qualquer novo desenvolvimento até ele chamar o seu povo Israel para fora do Egito, a fim de que ele, o grande Jeová, pudesse exercer autoridade em seu meio.
O momento em que Deus decidiu fazer isso foi da maior importância. O Egito, talvez uma das nações mais antigas, havia atingido o ponto mais alto de sua glória, tendo expulsado a dinastia estrangeira dos “Reis Pastores”, e se unido sob o governo de Faraós nativos, poderosos e guerreiros, que levaram adiante suas conquistas até o Eufrates. Foi então que Deus reclamou seus direitos sobre o seu povo, e feriu o opressor com um duro golpe, o qual evidentemente marcou o início do declínio daquele império. Apesar das perversões de seu povo, Deus os conduziu até a terra da promessa. Jeová reclamou a terra como sendo sua, num sinal de que toda a terra pertence a ele. Duas vezes é dito do Senhor como“Senhor de toda a terra” em conexão com a travessia do Rio Jordão (veja Josué 3:11-13).
Tendo chegado à terra da promessa, aquele povo cansado de ser peculiar e de ter somente a Deus como seu Líder invisível, clamou por um rei humano. Isso lhes foi permitido, ainda que significasse um sério desvio deles para com seu Deus e, após a amarga experiência que tiveram com o homem segundo seus corações, Deus levantou a Davi, o homem segundo o coração de Deus, colocando-o como pastor sobre seu povo, estendendo o seu reino e coroando de sucesso os seus braços. O diadema, que na verdade não era apenas de Israel, mas de todo o mundo, foi colocado sobre sua cabeça e confirmado à sua descendência. Durante um curto período de tempo ele foi usado por Davi e por Salomão, seu sucessor.
Então veio a inevitável história do declínio. O reino foi dividido, ficando apenas a parte menor portando o diadema de Davi e, como consequência de seu abandono, o declínio de seu poder se tornou cada vez mais pronunciado, apesar de reavivamentos ocasionais operados por Deus.
Finalmente o fim chegou. Zedequias, o último a portar o diadema, embora o portasse apenas de nome, acrescentou aos seus muitos pecados a traição e desonrou o nome de seu Deus. Diante disso, como ficou registrado não menos que três vezes nas Escrituras, em 2 Reis 25, 2 Crônicas 36 e Jeremias 52, Jerusalém caiu diante dos babilônios, e o domínio passou para as mãos de Nabucodonosor. Assim começou “o tempo dos gentios”.
Foi nessa época que a pena do profeta Ezequiel assinalou palavras memoráveis. Tendo em mente que o diadema não era apenas de Israel, mas de toda a terra, ele caiu da cabeça do último príncipe apóstata da linhagem de Davi atingido pela mão de Deus como castigo, foi por isso que aquelas palavras foram redigidas. Elas são tão importantes que as reproduzimos na íntegra:
“E tu, ó profano e ímpio príncipe de Israel, cujo dia virá no tempo da extrema iniquidade, assim diz o Senhor DEUS: Tira o diadema, e remove a coroa; esta não será a mesma; exalta ao humilde, e humilha ao soberbo. Ao revés, ao revés, ao revés porei aquela coroa, e ela não mais será, até que venha aquele a quem pertence de direito; a ele a darei.” (Ez 21:25-27)
Quão maravilhosamente esclarecedor! Quão revelador é o facho de luz que aqui é lançado sobre as tenebrosas páginas da história humana desde aquele dia! O diadema certamente foi removido, e se alguém escrevesse uma história abrangente do mundo, ela provaria ser não mais que um registro das várias tentativas dos homens e nações de se exaltarem e tentarem tomar para si o diadema, e apesar da maneira determinada e hábil em que todas as vezes pareciam ter conseguido seu intento, Deus os destronou e humilhou.
A Daniel foi dada uma visão disso, que ele registrou em sua profecia no capítulo 7 de seu livro. Ela confirmou o sonho previamente dado a Nabucodonosor e registrado no capítulo 2 de Daniel. Por um breve momento pareceu que o diadema iria pertencer àquele grande rei. Mas ao se exaltar acima de medida, ele foi dolorosamente humilhado com loucura extrema, como é registrado em Daniel 4. Não muito tempo depois o seu grande império de Babilônia seria derrubado. Assim também aconteceu com os impérios que se sucederam — Persa, Grego e Romano. Cada um teve o seu momento, e cada um foi derrubado no final.
Desde a dissolução do Império Romano, Deus não permitiu que qualquer grande império, que abrangesse praticamente toda a terra civilizada sob seu domínio, viesse a se levantar. É verdade que há cerca de um século os homens começaram a falar de um Império Britânico, já que a Rainha Victoria havia sido proclamada Imperatriz da Índia. Todavia, tudo aquilo passou e sua dissolução, se é que tal império realmente existiu, continua de forma constante. Duas grandes guerras de dimensão mundial aconteceram, e hoje tanto a Ásia como a Europa mais parecem campos armados. O diadema da terra está perdido, já não tem o seu lugar. Nações poderosas que desejam reconquistá-lo, hesitam temendo que, ao destronarem outras, elas próprias acabem derrubadas.
O atual estado de equilíbrio extremamente instável não pode, todavia, seguir assim para sempre. Não são poucos os que estão cientes disso e falam vagamente de um ‘Armagedom’ que se aproxima, significando com isso que um grande conflito irá engolfar toda a terra civilizada. Parecem se esquecer de que quando esta palavra é usada em Apocalipse 16:13-16, o que ela prediz não é um terrível conflito de homens contra homens, mas o ousado e ímpio avanço das forças humanas unidas contra Deus. É mais que possível, todavia, que esses avisos dos males que virão sirvam para anunciar que o real Armagedom está às portas. As palavras deles, como aquelas de Caifás em João 11:49-52, podem significar mais do que eles próprios imaginam.
Novas forças de grande poder se levantaram nos últimos anos. Nas terras onde ainda perdura alguma forma de cristianismo, elas estão centralizadas na ideia de uma ‘irmandade de todos os homens’ baseada na ‘paternidade universal de Deus’. A nova teologia, progressiva e humanista, o Unitarismo, o Socialismo, são todos ramos de uma mesma ideia raiz. Mais imponente ainda é o comunismo ateu, que agora domina as mentes e ações de grandes nações, abrangendo cerca de um terço da raça humana. Tudo isso nas mãos de Satanás pode muito bem pavimentar o caminho para a última grande federação humana, a fim de prepará-la para o anticristo.
Alguns poderão observar que o Messias, a quem o diadema realmente pertence, já veio. Ele certamente veio, mas não para tomar posse desses direitos, mas para permitir que o homem tivesse a sua hora, e o poder das trevas se afirmasse a fim de que o Messias pudesse cumprir a redenção por sua morte. Satanás, que usurpou de maneira profana o diadema, chegou mesmo a oferecê-lo a ele durante a tentação no deserto. Ele o recusou, e não quis aquele atalho rápido e fácil para a glória, mas sim a senda de sofrimento que passava pela morte e ressurreição.“Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?” (Lc 24:26)
Ele, no entanto, claramente previa a vinda de outro príncipe que aceitaria o diadema das mãos de Satanás, alegando ser aquele o verdadeiro diadema do mundo. “Eu vim em nome de meu Pai, e não me aceitais; se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis.” (Jo 5:43)
Nos dias da vinda da grande trindade maligna — o dragão, a besta e o falso profeta, dos quais lemos em Apocalipse 13 — ela será vista como se a última profecia de Ezequiel tivesse sido invertida e nulificada. Os homens terão se reunido em confederação numa condição conhecida como ‘irmandade’, que precisará apenas ter a aparência de um ‘super-homem’ sem escrúpulos para poder tomar posse dos reinos de poder, e instituir uma tirania de uma monstruosidade tal como o mundo jamais testemunhou. Quando esse estado de coisas chegar, o que poderá salvar os homens da rede na qual eles enfiaram seus próprios pés? Mesmo assim, uma vasta maioria poderá até mesmo se gloriar na tirania que será estabelecida. As pessoas dirão “paz e segurança”, achando que finalmente o diadema foi recuperado de forma tão permanente que não terão de se preocupar com mais nenhuma ruína.
Mas, “quando disserem: ‘Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição’” (1 Ts 5:3). A última linha da profecia de Ezequiel terá um repentino cumprimento. A derradeira e grande queda acontecerá no verdadeiro Armagedom. Primeiro, tanto a besta quanto o falso profeta e seus exércitos serão destruídos pela súbita aparição daquele “a quem [o diadema] pertence de direito” (Ez 21:27). Logo depois, conforme nosso entendimento, os imponentes poderes do Norte, Gogue, o príncipe de Rós, Meseque, Tubal e seus muitos aliados, trarão enorme destruição conforme foi previsto em Ezequiel 38 e 39. Terá então ocorrido a última e decisiva destruição.
Naquele dia, o diadema há muito perdido, então com o fulgor não apenas das gemas da criação, mas também com as joias mais brilhantes da redenção, será visto sobre a cabeça daquele Homem de Nazaré, outrora rejeitado, nosso adorável Senhor Jesus. Dali nunca mais será removido, pois, no final dos mil anos de seu reinado de justiça, acontecerá a rebelião engendrada por Satanás libertado, como previsto em Apocalipse 20:7-10, rebelião essa que será instantaneamente esmagada para que nunca mais ocorra outra destruição. Sobre sua sagrada cabeça o diadema terá então encontrado seu lugar de descanso permanente e eterno.
Tendo estas coisas em vista, o que podemos dizer? Primeiro, não devemos nos perturbar em nossos pensamentos quando observarmos a inquietude e o espírito de revolta que hoje enche a terra. Ao contrário, devemos estar preocupados em manter alçada a bandeira do verdadeiro testemunho de Cristo e do Evangelho que é centrado nele. Deus não altera seu plano de ação à semelhança do modo como os homens invariavelmente precisam fazer. As instruções dadas por nosso Senhor em seus últimos momentos aqui continuam valendo — o Espírito Santo já veio e seguimos o exemplo dos primeiros discípulos do Senhor, aos quais ele disse: “Sereis minhas testemunhas” (At 1:8).
E tem mais: não saiamos de mãos dadas com o mundo e nem auxiliemos seus esquemas e movimentos, pois eles ignoram que estão pavimentando o caminho para o Anticristo. Fiquemos em comunhão com o Pai e com o Filho, quando então nossa atitude para com os homens do mundo será aquela que as Escrituras nos ensinam: “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens”, e ao invés de nos deixarmos dominar pelo mal, devemos vencer “o mal com o bem” (Rm 15:18-21).
Frank Binford Hole - 1874-1964
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