“Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” Romanos 12.1.
No primeiro verso do capítulo 12 da carta à igreja de Roma, o apóstolo Paulo nos mostra a forma do culto racional e diário, assim como Moisés escreve o segundo mandamento (Ex 20.4-6; Dt 4.15-19) como regulamento do mesmo. A Bíblia revela, do começo ao fim, como devemos adorar a Deus e a forma como foi constituída essa adoração. O culto segundo as Escrituras provém da Escritura, é a palavra escrita que determina o culto solene. Não parece ser tão óbvio assim, devido a real situação do culto na maioria das igrejas. É tanto urgente, como necessário, oferecer o conceito de culto para que o culto seja devidamente estabelecido. Culto poderia ser definido como: ajuntamento solene com o propósito de glorificar a Deus de forma reverente e com muito temor. O povo da aliança é convocado de forma santa a cultuar a Deus de acordo com Hebreus 12.28-29, lembrando assim que Deus é fogo consumidor:
Tanto no Antigo como no Novo Testamento a estrutura do culto é abastecida de temor ao Senhor. Perceba que Hebreus 12 tem ecos do Salmo 50.3-4, como exemplo disso temos o que aconteceu no Monte Sinai. Deus exige um culto conforme Ele deseja e somente o aceita dessa forma. A exigência divina deve ser percebida, Ele exige um culto santo, pois é fogo consumidor. Nas palavras do Rev. Kenneth Wieske [1] sobre o caráter do culto solene: “Desde o Antigo Testamento já era necessário obedecer e atender à santa convocação do Senhor. Quando Deus convocava seu povo diante do Monte Sinai que fumegava, relampejava, trovejava e via-se a presença dos anjos (At 7.53; Hb 2.2; Dt 33.2), quem ousaria dizer 'não, não posso ir ao culto, pois tenho outros compromissos? Acho que papai e mamãe irão, mas eu tenho alguma coisa a comprar no shopping'. Que nada! Deus estava convocando seu povo e ai daquele que não obedecesse ao seu chamado! Se naquela época era impensável se desprezar a santa convocação, quanto mais hoje?”. Eis o que a CFW diz a respeito no capítulo XXI sobre o assunto do culto solene [2]:
O culto segundo as Escrituras deverá ter características fundamentalmente bíblicas. Ele deve ser unicamente e devidamente bíblico, evangélico, pactual, histórico, alegre, litúrgico e reverente [3]. O culto bíblico que o Senhor instituiu tem implicações nos dez mandamentos. Encontramos esses princípios nos primeiros mandamentos, onde Deus estabelece quem deve ser adorado, como deve ser adorado e a reverência dessa adoração. No primeiro mandamento (Ex 20.3; Dt 5.7) há uma ordem, “não terás outros deuses diante de mim”, aqui aprendemos a quem unicamente devemos adorar. No segundo mandamento (Ex 20. 4-6; Dt 5. 8-10) observamos a maneira que Ele instituiu essa adoração e nos deixou avisados da forma que Ele mesmo abominaria se fizéssemos.
No terceiro e quarto mandamentos, de forma contínua é pressuposto o dia e a reverência dessa adoração (Ex 20.7-11; Dt 5.11-15). Nem as especulações humanas, nem muito menos a sinceridade de um coração é suficiente para celebrar o Deus Triuno no culto solene. A exemplo disso temos Caim (Gn 4.5), Nadabe e Abiú (Lv 10.1-2), Uzá (2 Sm 6.6-7) que tentaram da sua própria forma realizar um culto e/ou oferecer um serviço na presença de Deus.
O culto deve ser bíblico pelo inequívoco fato de que Deus, em Sua palavra, já ter regulado os elementos do culto e seus princípios que são segundo a sua vontade (Dt 12.29-32). Deus revela em Sua sagrada palavra tudo o que precisamos para cultuá-lo com zelo pela sua glória e reverência pelo seu nome. Desejo sincero não significa culto aceitável, cumprimento bíblico sim. Oferecer um culto ao Senhor sem ser prescrito pela Sua palavra é uma profanação a sua pessoa. Um culto à si mesmo é condenado pela própria Escritura (Cl 2.23). Não há desculpa para se apartar da regra, a regra é clara. O que não é proferido não pode ser oferecido. Segundo Daniel Hyde, em poucas palavras [4]: “Em tempos de analfabetismo bíblico, precisamos de um culto cheio das Escrituras, com uma linguagem escriturística em cada aspecto, das leituras responsivas e cânticos, às orações e leituras bíblicas propriamente ditas.” Importa que estejamos aptos para compreender que o culto segundo as Escrituras precisa ser cheio das Escrituras.
O culto deve ser evangélico, isto é, alicerçado nas boas novas de salvação em Cristo Jesus. O culto deve ser cristocêntrico, deve ter o evangelho ressoando do começo ao fim. O culto deve ser evangélico devido a obediência ativa e passiva de Cristo, Ele mudou tudo. Temos livre acesso a presença de Deus, o evangelho - Cristo nos garantiu esse caminho novo a presença do Criador (Ef 2.11-22; Hb 10.19-22). Temos um grande sacerdote sobre a casa de Deus, o autor aos Hebreus afirma com clareza que através do sangue de Cristo podemos confiantes nos aproximar humilhados além do véu. “Assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada e os nossos corpos lavados com água pura.” Hebreus 10.22. Assim como Abel (Hb 11.4), podemos nos aproximar com plena convicção de fé e um coração sincero, um culto superior, pois é segundo as Escrituras. O culto é evangélico pois o evangelho é o reflexo daquilo que é pregado, orado e cantado. O povo do pacto é alimentado pelo evangelho e o Espírito Santo atrai os incrédulos para ouvir as boas novas de salvação. A grande questão é que nos nossos dias os cultos foram divididos por temas. E com isso há grandes prejuízos. Me parece que o que temos hoje são fatias de um bolo que não poderia ser ratificado. Culto de adoração, culto da consagração, culto evangelístico, culto de oração e/ou doutrina. Acredito que o culto deverá conter esses elementos, não há culto solene sem oração ou exposição da sã doutrina. Não poderá haver culto sem o evangelho ou sem consagração. Todo culto deverá conter elementos prescritos na palavra, como disse Timothy Keller [5], em resumo:
Complemento dizendo que, todo esforço não será útil para somente abastecer os santos ou atrair os incrédulos, o culto deve ser bíblico e conter elementos que glorifiquem o Senhor, que é santo e soberano sobre todos os corações.
O culto deve ser pactual, significa não ser tradicional ou moderno. Essas formas culturais de culto não são apropriadas ao contexto teológico segundo as Escrituras. Manter a distância das formas contextualizadas de culto segundo as especulações humanas deve ser o dever do cristão. O culto deve ser pactual pelo fato de ser baseado na aliança de Deus com o seu povo. De acordo com a continuidade do Antigo e Novo Testamento, conforme prescrito na lei. O culto deve ser pactual porque possui um caráter legal e íntimo como um casamento, a comunidade dos eleitos com o Deus Triuno (Ef 5), uma verdadeira aliança. Muitos podem objetar dizendo que precisamos de um culto contemporâneo, com a intenção de atrair uma nova geração de crentes que vivem em uma outra forma cultural de adoração. Engano! Nosso culto deve ser guiado pelo padrão das Escrituras, não é a cultura que dita a forma da santa convocação nem os elementos oferecidos na adoração. Outros podem destoar do conceito de culto pactual, devido não ser uma linguagem acessível. No entanto, como disseram os reformadores devemos falar no vernáculo, ou seja, numa linguagem compreensível. A ordem da pactualidade do culto solene não despreza uma linguagem acessível, nem muito menos a suficiência do texto sagrado. A estrutura que predomina nas Escrituras é o pacto, a Bíblia é um documento pactual, deve ser necessário essa compreensão para não restar dúvidas sobre essa forma de culto. Há um diálogo entre Deus e o Seu povo no culto, vejamos essa citação: “Deus nos diz: 'Eu serei o seu Deus' e nós respondemos: 'Nós seremos o seu povo'. Deus nos chama à adoração e respondemos em cântico. Deus nos fala a sua Lei, nós lhe respondemos com a confissão dos nossos pecados. Ele nos absolve dos nossos pecados, nós respondemos em oração. Ele nos fala pela Palavra e nos sacramentos, nós respondemos com dádivas de gratidão e doxologia. Isto é o que realmente significa dizer que o nosso culto é pactual.” O culto é a renovação da promessa pactual que Deus fez em Cristo conosco, esse pacto da graça é renovado a cada semana na exposição da Palavra e nos Sacramentos.
O culto deve ser histórico porque é necessário que seja coerente com a doutrina dos apóstolos, que tenha continuidade com a história da igreja e que realce a maneira que os nossos antigos cristãos cultuaram solenemente o Deus Triuno. Deve ser um culto histórico e unido a tão grande nuvem de testemunhas (Hb 12.1). Quando nos reunimos no dia do Senhor, devemos ter em mente que estamos de forma coerente afirmando aquilo os antigos cristãos também afirmaram sobre a solenidade e simplicidade do culto. Seguindo o modelo básico da igreja primitiva sobre o culto, conforme testemunho dos pais da igreja, dos reformadores e seus escritos. Como afirma o Hyde [6], “em resumo, seguimos este modelo básico da Igreja primitiva de culto, no qual a Palavra é lida e pregada, os sacramentos são celebrados com ação de graças, orações de confissão, intercessão, graças são dadas, e as ofertas do povo de Deus coletadas para o ministério da misericórdia.”
O culto deve ser alegre e reverente, e isso quer dizer cheio de temor ao Senhor. Não espontâneo e sem entendimento. Aqui, chegamos num ponto controverso. Quem disse que um culto recheado de risos, gritos e danças é um culto alegre? Quem disse que um culto silencioso, harmonioso, sem expressões extravagantes é um culto triste? A liquidez dos cultos perde completamente o sentido de alegria sólida e perseverante. Segundo os Salmos, o culto é extremamente alegre e reverente (Sl 100.1-3). Percebemos o salmista enfatizando extrema alegria e temor. A questão é que a falta de percepção de quem nós somos não permite-nos entender o que significa verdadeira alegria no culto ao Senhor. Não seria a hora de entender o que de fato é, e não é alegria? Alegria não quer dizer ter liberdade para fazer o que quiser, também não quer dizer oferecer ao Senhor o seu culto do seu jeito conforme seu bem parecer. Um culto alegre significa uma grande expectativa que Deus irá lançar sobre nós a Sua graça quando diante dEle estivermos reverentes com tremor e temor (Sl 2.11). O culto alegre é um deleite na bondade do Senhor e em resposta manifestamos nossa gratidão diante do seu favor. A alegria é a condição de um coração que foi profundamente convicto dos seus pecados diante de um Deus Santo que foi compassivo e misericordioso. A alegria de um culto é a qualidade de um coração que foi livre da condenação e aceito por um supremo e justo redentor. Alegria e agitação não são sinônimos, emoções desenfreadas e extravagantes na verdade só enfatizam falta de reverência e temor diante de Deus que é fogo consumidor. Nas palavras do Robert Godfrey [8], “Devemos lembrar que reverência nem sempre significa calma, e alegria nem sempre significa ruído. Alegria e reverência são, antes de tudo, atitudes do coração para as quais procuramos manifestações apropriadas no culto. A alegria pode ser intensa no canto de uma canção muito tranquila. A reverência pode ser manifesta no cantar alto.” Devemos a exemplo dos santos no AT e NT oferecer ao Senhor um culto alegre e reverente, grandes coisas fez o Senhor por nós e por isso estamos alegres (Sl 126.3).
O culto de ser litúrgico, organizado e estruturado. Isso não quer dizer mecânico ou seco, como se não houvesse vida. O culto deve ser compreensível e simples, seguido conforme o rito (Lv 9.16 cf. Lv 10.1; Dt 12.29-32), isso não quer dizer cheio de rituais antropocêntricos. Liturgia ou ordem de culto significa um serviço, Cristo e o Seu povo como num banquete santo, uma atividade pactual. Nos é devido adorar ao Pai em espírito e em verdade (João 4.24), todavia, existe uma estrutura para que essa adoração seja oferecida. A necessidade da liturgia não é transformar o culto em ritos idolátricos, a ausência da liturgia não quer dizer que o culto torna-se dirigido pelo Espírito Santo. É necessário cautela, precisamos ser fiéis ao padrão divino que está prescrito em Sua palavra. Uma estrutura litúrgica bíblica de culto não será enfadonha ou cansativa, será sim, de grande ensinamento e isso apontará a glória de Deus em Cristo. O centro da liturgia é a Palavra de Deus lida e proclamada, como também os Sacramentos administrados corretamente. A congregação entoa cânticos, faz orações e confissões, declara a confissão de fé e ajunta ofertas para os necessitados, finalizando com uma benção, desafiando os cristãos a seguirem firmes e com fé na proclamação do evangelho. Os elementos do culto, conforme prescritos nas Escrituras, precisam enfatizar e anunciar o Senhor Jesus Cristo e seu supremo e perfeito sacrifício. A igreja precisa compreender que a cultura não tem autoridade sobre o culto ao Senhor. O Culto conforme o Evangelho é contra e supra cultural. A adoração deve ser segundo as Escrituras, o sermão expositivo deve ser compreensível, os sacramentos devem ser administrados corretamente, as orações e ações de graça no culto precisam ser rendidas segundo a vontade soberana e a renovação pactual estabelecida. Combatemos o culto místico, louvores que exaltam o homem, uma liturgia idólatra, confissões positivas, apelos compulsivos, orações que obrigam Deus satisfazer desejos ególatras. Juntamente com as Escrituras precisamos priorizar o culto solene abastecido de sermões expositivos, liturgias confessionais, sacramentos biblicamente administrados e orações humilhadas. Nas palavras de Calvino temos uma ótima advertência [9]:
Portanto, concluo que devemos rejeitar todo e qualquer culto a si próprio. O culto do ego, das habilidades, das conveniências. Rejeitemos com força a hipocrisia dos fariseus e a religiosidade dos líderes dos judeus. Rejeitemos toda influência cultural e que a cada semana seja a nossa doxologia oferecer ao Senhor um culto segundo as Escrituras.
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Notas:
[1] Prefácio do livro - Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[2] Confissão de Fé de Westminster, capítulo XXI.1.
[3] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[4] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[5] Timothy J. Keller, “Reformed Worship in the Global City,” in Worship by the Book, p. 219.
[6] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[7] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[8] W. Robert Godfrey, Pleasing God in Our Worship (Wheaton, IL: Crossway Books, 1999), p. 24.
[9] João Calvino, The Necessity of Reforming the Church (Audubon, NJ: Old Paths Publications, 1994), p. 25–26.
***No primeiro verso do capítulo 12 da carta à igreja de Roma, o apóstolo Paulo nos mostra a forma do culto racional e diário, assim como Moisés escreve o segundo mandamento (Ex 20.4-6; Dt 4.15-19) como regulamento do mesmo. A Bíblia revela, do começo ao fim, como devemos adorar a Deus e a forma como foi constituída essa adoração. O culto segundo as Escrituras provém da Escritura, é a palavra escrita que determina o culto solene. Não parece ser tão óbvio assim, devido a real situação do culto na maioria das igrejas. É tanto urgente, como necessário, oferecer o conceito de culto para que o culto seja devidamente estabelecido. Culto poderia ser definido como: ajuntamento solene com o propósito de glorificar a Deus de forma reverente e com muito temor. O povo da aliança é convocado de forma santa a cultuar a Deus de acordo com Hebreus 12.28-29, lembrando assim que Deus é fogo consumidor:
“Pelo que, recebendo nós um reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente, com reverência e temor; pois o nosso Deus é um fogo consumidor.”
Tanto no Antigo como no Novo Testamento a estrutura do culto é abastecida de temor ao Senhor. Perceba que Hebreus 12 tem ecos do Salmo 50.3-4, como exemplo disso temos o que aconteceu no Monte Sinai. Deus exige um culto conforme Ele deseja e somente o aceita dessa forma. A exigência divina deve ser percebida, Ele exige um culto santo, pois é fogo consumidor. Nas palavras do Rev. Kenneth Wieske [1] sobre o caráter do culto solene: “Desde o Antigo Testamento já era necessário obedecer e atender à santa convocação do Senhor. Quando Deus convocava seu povo diante do Monte Sinai que fumegava, relampejava, trovejava e via-se a presença dos anjos (At 7.53; Hb 2.2; Dt 33.2), quem ousaria dizer 'não, não posso ir ao culto, pois tenho outros compromissos? Acho que papai e mamãe irão, mas eu tenho alguma coisa a comprar no shopping'. Que nada! Deus estava convocando seu povo e ai daquele que não obedecesse ao seu chamado! Se naquela época era impensável se desprezar a santa convocação, quanto mais hoje?”. Eis o que a CFW diz a respeito no capítulo XXI sobre o assunto do culto solene [2]:
“A luz da natureza mostra que há um Deus, que tem domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração, de toda a alma e de todas as forças; mas, a forma aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituída por Ele mesmo, e é tão limitada pela sua própria vontade revelada, que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras.”
O culto segundo as Escrituras deverá ter características fundamentalmente bíblicas. Ele deve ser unicamente e devidamente bíblico, evangélico, pactual, histórico, alegre, litúrgico e reverente [3]. O culto bíblico que o Senhor instituiu tem implicações nos dez mandamentos. Encontramos esses princípios nos primeiros mandamentos, onde Deus estabelece quem deve ser adorado, como deve ser adorado e a reverência dessa adoração. No primeiro mandamento (Ex 20.3; Dt 5.7) há uma ordem, “não terás outros deuses diante de mim”, aqui aprendemos a quem unicamente devemos adorar. No segundo mandamento (Ex 20. 4-6; Dt 5. 8-10) observamos a maneira que Ele instituiu essa adoração e nos deixou avisados da forma que Ele mesmo abominaria se fizéssemos.
“Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles nem lhes prestarás culto, porque eu, o Senhor, o teu Deus, sou Deus zeloso, que castigo os filhos pelos pecados de seus pais até a terceira e quarta geração daqueles que me desprezam, mas trato com bondade até mil gerações aos que me amam e obedecem aos meus mandamentos.” Êxodo 20. 4-6.
No terceiro e quarto mandamentos, de forma contínua é pressuposto o dia e a reverência dessa adoração (Ex 20.7-11; Dt 5.11-15). Nem as especulações humanas, nem muito menos a sinceridade de um coração é suficiente para celebrar o Deus Triuno no culto solene. A exemplo disso temos Caim (Gn 4.5), Nadabe e Abiú (Lv 10.1-2), Uzá (2 Sm 6.6-7) que tentaram da sua própria forma realizar um culto e/ou oferecer um serviço na presença de Deus.
O culto deve ser bíblico pelo inequívoco fato de que Deus, em Sua palavra, já ter regulado os elementos do culto e seus princípios que são segundo a sua vontade (Dt 12.29-32). Deus revela em Sua sagrada palavra tudo o que precisamos para cultuá-lo com zelo pela sua glória e reverência pelo seu nome. Desejo sincero não significa culto aceitável, cumprimento bíblico sim. Oferecer um culto ao Senhor sem ser prescrito pela Sua palavra é uma profanação a sua pessoa. Um culto à si mesmo é condenado pela própria Escritura (Cl 2.23). Não há desculpa para se apartar da regra, a regra é clara. O que não é proferido não pode ser oferecido. Segundo Daniel Hyde, em poucas palavras [4]: “Em tempos de analfabetismo bíblico, precisamos de um culto cheio das Escrituras, com uma linguagem escriturística em cada aspecto, das leituras responsivas e cânticos, às orações e leituras bíblicas propriamente ditas.” Importa que estejamos aptos para compreender que o culto segundo as Escrituras precisa ser cheio das Escrituras.
O culto deve ser evangélico, isto é, alicerçado nas boas novas de salvação em Cristo Jesus. O culto deve ser cristocêntrico, deve ter o evangelho ressoando do começo ao fim. O culto deve ser evangélico devido a obediência ativa e passiva de Cristo, Ele mudou tudo. Temos livre acesso a presença de Deus, o evangelho - Cristo nos garantiu esse caminho novo a presença do Criador (Ef 2.11-22; Hb 10.19-22). Temos um grande sacerdote sobre a casa de Deus, o autor aos Hebreus afirma com clareza que através do sangue de Cristo podemos confiantes nos aproximar humilhados além do véu. “Assim, aproximemo-nos de Deus com um coração sincero e com plena convicção de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada e os nossos corpos lavados com água pura.” Hebreus 10.22. Assim como Abel (Hb 11.4), podemos nos aproximar com plena convicção de fé e um coração sincero, um culto superior, pois é segundo as Escrituras. O culto é evangélico pois o evangelho é o reflexo daquilo que é pregado, orado e cantado. O povo do pacto é alimentado pelo evangelho e o Espírito Santo atrai os incrédulos para ouvir as boas novas de salvação. A grande questão é que nos nossos dias os cultos foram divididos por temas. E com isso há grandes prejuízos. Me parece que o que temos hoje são fatias de um bolo que não poderia ser ratificado. Culto de adoração, culto da consagração, culto evangelístico, culto de oração e/ou doutrina. Acredito que o culto deverá conter esses elementos, não há culto solene sem oração ou exposição da sã doutrina. Não poderá haver culto sem o evangelho ou sem consagração. Todo culto deverá conter elementos prescritos na palavra, como disse Timothy Keller [5], em resumo:
“se o culto de domingo visa em primeiro lugar o evangelismo, aborrecerá os santos. Se visa principalmente a instrução, confundirá os incrédulos. Mas se visa louvar o Deus que salva pela graça, isso vai instruir os de dentro e desafiar os de fora. A boa adoração corporativa será naturalmente evangelística”.
Complemento dizendo que, todo esforço não será útil para somente abastecer os santos ou atrair os incrédulos, o culto deve ser bíblico e conter elementos que glorifiquem o Senhor, que é santo e soberano sobre todos os corações.
O culto deve ser pactual, significa não ser tradicional ou moderno. Essas formas culturais de culto não são apropriadas ao contexto teológico segundo as Escrituras. Manter a distância das formas contextualizadas de culto segundo as especulações humanas deve ser o dever do cristão. O culto deve ser pactual pelo fato de ser baseado na aliança de Deus com o seu povo. De acordo com a continuidade do Antigo e Novo Testamento, conforme prescrito na lei. O culto deve ser pactual porque possui um caráter legal e íntimo como um casamento, a comunidade dos eleitos com o Deus Triuno (Ef 5), uma verdadeira aliança. Muitos podem objetar dizendo que precisamos de um culto contemporâneo, com a intenção de atrair uma nova geração de crentes que vivem em uma outra forma cultural de adoração. Engano! Nosso culto deve ser guiado pelo padrão das Escrituras, não é a cultura que dita a forma da santa convocação nem os elementos oferecidos na adoração. Outros podem destoar do conceito de culto pactual, devido não ser uma linguagem acessível. No entanto, como disseram os reformadores devemos falar no vernáculo, ou seja, numa linguagem compreensível. A ordem da pactualidade do culto solene não despreza uma linguagem acessível, nem muito menos a suficiência do texto sagrado. A estrutura que predomina nas Escrituras é o pacto, a Bíblia é um documento pactual, deve ser necessário essa compreensão para não restar dúvidas sobre essa forma de culto. Há um diálogo entre Deus e o Seu povo no culto, vejamos essa citação: “Deus nos diz: 'Eu serei o seu Deus' e nós respondemos: 'Nós seremos o seu povo'. Deus nos chama à adoração e respondemos em cântico. Deus nos fala a sua Lei, nós lhe respondemos com a confissão dos nossos pecados. Ele nos absolve dos nossos pecados, nós respondemos em oração. Ele nos fala pela Palavra e nos sacramentos, nós respondemos com dádivas de gratidão e doxologia. Isto é o que realmente significa dizer que o nosso culto é pactual.” O culto é a renovação da promessa pactual que Deus fez em Cristo conosco, esse pacto da graça é renovado a cada semana na exposição da Palavra e nos Sacramentos.
O culto deve ser histórico porque é necessário que seja coerente com a doutrina dos apóstolos, que tenha continuidade com a história da igreja e que realce a maneira que os nossos antigos cristãos cultuaram solenemente o Deus Triuno. Deve ser um culto histórico e unido a tão grande nuvem de testemunhas (Hb 12.1). Quando nos reunimos no dia do Senhor, devemos ter em mente que estamos de forma coerente afirmando aquilo os antigos cristãos também afirmaram sobre a solenidade e simplicidade do culto. Seguindo o modelo básico da igreja primitiva sobre o culto, conforme testemunho dos pais da igreja, dos reformadores e seus escritos. Como afirma o Hyde [6], “em resumo, seguimos este modelo básico da Igreja primitiva de culto, no qual a Palavra é lida e pregada, os sacramentos são celebrados com ação de graças, orações de confissão, intercessão, graças são dadas, e as ofertas do povo de Deus coletadas para o ministério da misericórdia.”
O culto deve ser alegre e reverente, e isso quer dizer cheio de temor ao Senhor. Não espontâneo e sem entendimento. Aqui, chegamos num ponto controverso. Quem disse que um culto recheado de risos, gritos e danças é um culto alegre? Quem disse que um culto silencioso, harmonioso, sem expressões extravagantes é um culto triste? A liquidez dos cultos perde completamente o sentido de alegria sólida e perseverante. Segundo os Salmos, o culto é extremamente alegre e reverente (Sl 100.1-3). Percebemos o salmista enfatizando extrema alegria e temor. A questão é que a falta de percepção de quem nós somos não permite-nos entender o que significa verdadeira alegria no culto ao Senhor. Não seria a hora de entender o que de fato é, e não é alegria? Alegria não quer dizer ter liberdade para fazer o que quiser, também não quer dizer oferecer ao Senhor o seu culto do seu jeito conforme seu bem parecer. Um culto alegre significa uma grande expectativa que Deus irá lançar sobre nós a Sua graça quando diante dEle estivermos reverentes com tremor e temor (Sl 2.11). O culto alegre é um deleite na bondade do Senhor e em resposta manifestamos nossa gratidão diante do seu favor. A alegria é a condição de um coração que foi profundamente convicto dos seus pecados diante de um Deus Santo que foi compassivo e misericordioso. A alegria de um culto é a qualidade de um coração que foi livre da condenação e aceito por um supremo e justo redentor. Alegria e agitação não são sinônimos, emoções desenfreadas e extravagantes na verdade só enfatizam falta de reverência e temor diante de Deus que é fogo consumidor. Nas palavras do Robert Godfrey [8], “Devemos lembrar que reverência nem sempre significa calma, e alegria nem sempre significa ruído. Alegria e reverência são, antes de tudo, atitudes do coração para as quais procuramos manifestações apropriadas no culto. A alegria pode ser intensa no canto de uma canção muito tranquila. A reverência pode ser manifesta no cantar alto.” Devemos a exemplo dos santos no AT e NT oferecer ao Senhor um culto alegre e reverente, grandes coisas fez o Senhor por nós e por isso estamos alegres (Sl 126.3).
O culto de ser litúrgico, organizado e estruturado. Isso não quer dizer mecânico ou seco, como se não houvesse vida. O culto deve ser compreensível e simples, seguido conforme o rito (Lv 9.16 cf. Lv 10.1; Dt 12.29-32), isso não quer dizer cheio de rituais antropocêntricos. Liturgia ou ordem de culto significa um serviço, Cristo e o Seu povo como num banquete santo, uma atividade pactual. Nos é devido adorar ao Pai em espírito e em verdade (João 4.24), todavia, existe uma estrutura para que essa adoração seja oferecida. A necessidade da liturgia não é transformar o culto em ritos idolátricos, a ausência da liturgia não quer dizer que o culto torna-se dirigido pelo Espírito Santo. É necessário cautela, precisamos ser fiéis ao padrão divino que está prescrito em Sua palavra. Uma estrutura litúrgica bíblica de culto não será enfadonha ou cansativa, será sim, de grande ensinamento e isso apontará a glória de Deus em Cristo. O centro da liturgia é a Palavra de Deus lida e proclamada, como também os Sacramentos administrados corretamente. A congregação entoa cânticos, faz orações e confissões, declara a confissão de fé e ajunta ofertas para os necessitados, finalizando com uma benção, desafiando os cristãos a seguirem firmes e com fé na proclamação do evangelho. Os elementos do culto, conforme prescritos nas Escrituras, precisam enfatizar e anunciar o Senhor Jesus Cristo e seu supremo e perfeito sacrifício. A igreja precisa compreender que a cultura não tem autoridade sobre o culto ao Senhor. O Culto conforme o Evangelho é contra e supra cultural. A adoração deve ser segundo as Escrituras, o sermão expositivo deve ser compreensível, os sacramentos devem ser administrados corretamente, as orações e ações de graça no culto precisam ser rendidas segundo a vontade soberana e a renovação pactual estabelecida. Combatemos o culto místico, louvores que exaltam o homem, uma liturgia idólatra, confissões positivas, apelos compulsivos, orações que obrigam Deus satisfazer desejos ególatras. Juntamente com as Escrituras precisamos priorizar o culto solene abastecido de sermões expositivos, liturgias confessionais, sacramentos biblicamente administrados e orações humilhadas. Nas palavras de Calvino temos uma ótima advertência [9]:
“Exortamos os homens a que não adorem a Deus de modo frígido e descuidado, e enquanto apontamos o modo, não podemos perder de vista o fim, nem omitir qualquer coisa que diga respeito àquilo que apontamos. Proclamamos a glória de Deus em termos muito mais elevados do que estávamos acostumados a proclamar antes, e com todo vigor trabalhamos para tornar as perfeições nas quais a glória de Deus brilha mais e mais conhecidas. Exaltamos tão eloquentemente quanto podemos seus benefícios a nós, ao tempo em que conclamamos outros a reverenciar sua majestade, render a devida homenagem à sua grandeza, sentir a devida gratidão por sua misericórdia, e nos unirmos em seu louvor.”
Portanto, concluo que devemos rejeitar todo e qualquer culto a si próprio. O culto do ego, das habilidades, das conveniências. Rejeitemos com força a hipocrisia dos fariseus e a religiosidade dos líderes dos judeus. Rejeitemos toda influência cultural e que a cada semana seja a nossa doxologia oferecer ao Senhor um culto segundo as Escrituras.
“Apliquem-se a fazer tudo o que eu ordeno a vocês; não acrescentem nem tirem coisa alguma.” Deuteronômio 12.
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Notas:
[1] Prefácio do livro - Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[2] Confissão de Fé de Westminster, capítulo XXI.1.
[3] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[4] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[5] Timothy J. Keller, “Reformed Worship in the Global City,” in Worship by the Book, p. 219.
[6] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[7] Hyde, Daniel R. O que é um culto reformado? Os Puritanos, 2014.
[8] W. Robert Godfrey, Pleasing God in Our Worship (Wheaton, IL: Crossway Books, 1999), p. 24.
[9] João Calvino, The Necessity of Reforming the Church (Audubon, NJ: Old Paths Publications, 1994), p. 25–26.
Autora: Morgana Mendonça dos Santos
Divulgação: Bereianos
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