Este artigo é uma exposição exegética e apologética de Efésios 1.13 que diz:
Há três principais interpretações desse texto: 1. O selo do Espírito como sendo o batismo cristão; 2. O selo do Espírito como sendo uma experiência pós-conversão (após crer); 3. O selo do Espírito como algo feito simultaneamente com a conversão.
Irei defender a terceira interpretação em oposição à segunda. A primeira interpretação não será refutada aqui, visto que não é muito defendida nem conhecida, carece totalmente de apoio contextual e já fora refutada várias vezes por defensores da segunda e terceira interpretação.
1. O selo do Espírito: significado e background
O conceito do selo é tanto antigo como comum. Na antiguidade, era costume selar gados, escravos, documentos e outras propriedades.[1] Na esfera religiosa, homens identificavam a si mesmos como propriedades de suas divindades imprimindo sobre si os seus selos.[2] No judaísmo, a circuncisão era chamada de “o selo de Abraão” ou o selo da “santa aliança”.[3] No Antigo Testamento, Deus selou seus escolhidos para distingui-los como Sua propriedade e para livrá-los da destruição (Ez. 9.4-6).
Portanto, selo pode significar possessão, autenticação e segurança. Como o contexto fala sobre o resgate da possessão de Deus (1.14), esse significado está em vista aqui. Entretanto, possessão implica autenticação e segurança e esses três elementos são verdadeiros em Ef, 1.13, uma vez que o Espírito marca os cristãos como posses de Deus, autentica que um cristão é verdadeiro (pois quem não tem o Espírito de Cristo não é de Cristo: Rm. 8.9) e é o Espírito que assegura a salvação final de todo cristão.
2. A crença e o selo: questões gramaticais
Os defensores da interpretação que diz que o selo do Espírito é posterior à conversão apontam para uma questão gramatical. O texto diz: “ ...e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (καὶ πιστεύσαντες ἐσφραγίσθητε τῷ Πνεύματι τῆς ἐπαγγελίας τῷ Ἁγίῳ). O particípio aoristo “crido” antecede o verbo principal “fostes selados” (aoristo passivo). Essa antecedência pode ser tanto causal (o crer causa a selagem) ou temporal (o crer antecede temporalmente o selo). Entretanto, nesse contexto a relação dessas duas palavras é mais bem entendida como sendo coincidentes/simultâneos.[4] Como observado por S. E. Porter, há algumas exceções na regra que diz que o particípio aoristo antecedendo o verbo principal tem a tendência de expressar ação antecedente, e Efésios 1.13 é uma dessas exceções.[5]
3. O selo do Espírito e o Espírito da promessa
O texto diz que os cristãos são “... selados com o Espírito Santo da promessa”. Provavelmente um semitismo para “O Espírito que fora prometido”. Alguns textos do AT que prometem o derramamento do Espírito são: Ezequiel 36.26-27; 37.14; Joel 2.28-30, etc. A marca distintiva desse derramamento escatológico do Espírito é que Ele seria derramado em todas as pessoas da comunidade da aliança (do povo de Deus). Semelhantemente, Gálatas 3.14 diz que os gentios recebem pela fé a promessa do Espírito, cumprindo as promessas feitas a Abraão. Portanto, quem não tem o Espírito prometido não faz parte do povo escatológico de Deus.
4. O selo do Espírito e a falácia da autoridade
Um conhecido e respeitado defensor de que o selo do Espírito é uma experiência posterior à fé é o Dr. Martin Lloyd Jones. Em sua exposição de Efésios 1.13, Lloyd Jones “consubstancia sua opinião” citando nomes de peso, como os puritanos Thomas Goodwin e John Owen, e de Charles Simeon e Charles Hodge. Entretanto, nas palavras de D. A. Carson, “o máximo de contribuição que isso pode dar a um argumento é o empréstimo da reputação geral da autoridade para apoiá-lo”.[6] Ainda que devamos aprender com todas as “autoridades” dos estudos bíblicos, nossa fonte de suprema autoridade é a própria Escritura.
5. A dimensão escatológica do selo do Espírito
Concluo meus argumentos apontando para a dimensão escatológica do Selo do Espírito. O próximo verso (Ef. 1.14) diz: “...o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para o louvor da sua glória”. Semelhantemente em Ef. 4.30: “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção”, e em 2Co. 1.21: “...o qual também nos selou e nos deu como penhor o Espírito em nossos corações”. O Espírito é o penhor, o pagamento antecipado da redenção final dos cristãos. Os paralelos com o livro apócrifo “Salmos de Salomão” (15.6-13) são instrutivos[7]: 1. Em ambas as passagens há dois tipos de pessoas, em Sl. Sal. 15 temos os justos e os pecadores (15.6-13) e em Efésios temos os crentes e os filhos da desobediência (Ef. 1.13; 2.2; 5.3). 2. Ambos os grupos são distinguidos por uma marca ou sinal. Em Sl. Sal. os justos são marcados por Deus com a marca da salvação e os pecadores são marcados com o sinal da destruição (Sl. Sal. 15.6-9), em Efésios os crentes são marcados com o Espírito (1.13; 4.30); 3. Os dois grupos terão destinos diferentes. Um grupo receberá salvação e o outro herdará a destruição (Sl. Sal. 15. 6-13, Ef. 1:13-14; 5:5-6, 6:9); 4. Eles encontrarão seus respectivos destinos em um dia particular. Em Sl. Sal. será o dia de misericórdia para os justos e o dia do julgamento para os pecadores (Sl. Sal. 15.12-13) e em Efésios será o dia da redenção para os cristãos e o dia da ira para os filhos da desobediência (Ef. 2.2-3; 5.6).[8] As imagens apocalípticas de Ef. 1.13 e 4.30 já são uma realidade. Isso é normalmente denominado de “escatologia inaugurada”. Os cristãos já foram resgatados, mas ainda aguardam o resgate final. Portanto, excluir alguns cristãos dessa realidade é excluí-los do esquema escatológico paulino do “já e ainda não”.
Conclusão
Nas palavras de Gordon Fee, crer e ser selado com o Espírito são dois lados do mesmo evento.[9] Para Paulo, O Espírito sempre é sine qua non para a existência cristã.[10] O selo do Espírito não é algo meramente empírico, onde um cristão experimenta alguma segurança, mas sim é algo ontológico e funcional, ou seja, Deus efetivamente sela os seus (Deus indicado pelo passivo divino de Ef. 1.13). Portanto a incoerência de dizer que o selo do Espírito é posterior ao crer (e a conversão) se dá nos seguintes pontos: 1. Se isso for realidade, então há cristãos genuínos que não são propriedades de Deus, nem são autênticos (contradição explícita) nem possuem segurança de sua salvação (conforme os significados de selo do ponto 1; 2. Como o Espírito é prometido à todo o povo de Deus, então é possível ser um cristão genuíno e não fazer parte do povo de Deus. Se o “Espírito da promessa” significar “O Espírito que nos promete” a futura redenção (como alguns exegetas apontam), então há cristãos que não possuem a promessa da vida eterna.
Nenhum desses dois pontos possui respaldo bíblico, pelo contrário, todo o NT aponta para direções opostas. Não devemos confundir os ministérios e as operações do Espírito. Ser selado é um ato instantâneo e irrevogável. Entretanto, o enchimento com o Espírito é algo que devemos sempre buscar. Paulo posteriormente em Efésios diz: Enchei-vos do Espírito! (Ef. 5.18). Mas ele nunca diz para buscarmos constantemente o selo do Espírito, pois essa selagem é um ato único de Deus somente no momento da conversão de todos os cristãos.
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Notas:
[1] Archie Wang Do HUI, The Concept of the Holy Spirit in Ephesians and its Relation to the Pneumatologies of Luke and Paul, pp. 181-187.
[2] Ibid.
[3] Betz, TDNT, 7.662.
[4] Peter O´Brien, Ephesians (PCNT) p. 118.
[5] S. E. Porter, verbal aspects, pp. 383-85.
[6] D. A. Carson, perigos da interpretação Bíblica, p. 115.
[7] Archie Wang Do HUI, pp. 181-187.
[8] C. Arnold, Ephesians, p. 113, 157.
[9] Gordon Fee, God´s Empowering Presence, pp. 669-670.
[10] Ibid.
***“... no qual também vós, tendo ouvido a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa”.
Há três principais interpretações desse texto: 1. O selo do Espírito como sendo o batismo cristão; 2. O selo do Espírito como sendo uma experiência pós-conversão (após crer); 3. O selo do Espírito como algo feito simultaneamente com a conversão.
Irei defender a terceira interpretação em oposição à segunda. A primeira interpretação não será refutada aqui, visto que não é muito defendida nem conhecida, carece totalmente de apoio contextual e já fora refutada várias vezes por defensores da segunda e terceira interpretação.
1. O selo do Espírito: significado e background
O conceito do selo é tanto antigo como comum. Na antiguidade, era costume selar gados, escravos, documentos e outras propriedades.[1] Na esfera religiosa, homens identificavam a si mesmos como propriedades de suas divindades imprimindo sobre si os seus selos.[2] No judaísmo, a circuncisão era chamada de “o selo de Abraão” ou o selo da “santa aliança”.[3] No Antigo Testamento, Deus selou seus escolhidos para distingui-los como Sua propriedade e para livrá-los da destruição (Ez. 9.4-6).
Portanto, selo pode significar possessão, autenticação e segurança. Como o contexto fala sobre o resgate da possessão de Deus (1.14), esse significado está em vista aqui. Entretanto, possessão implica autenticação e segurança e esses três elementos são verdadeiros em Ef, 1.13, uma vez que o Espírito marca os cristãos como posses de Deus, autentica que um cristão é verdadeiro (pois quem não tem o Espírito de Cristo não é de Cristo: Rm. 8.9) e é o Espírito que assegura a salvação final de todo cristão.
2. A crença e o selo: questões gramaticais
Os defensores da interpretação que diz que o selo do Espírito é posterior à conversão apontam para uma questão gramatical. O texto diz: “ ...e tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa” (καὶ πιστεύσαντες ἐσφραγίσθητε τῷ Πνεύματι τῆς ἐπαγγελίας τῷ Ἁγίῳ). O particípio aoristo “crido” antecede o verbo principal “fostes selados” (aoristo passivo). Essa antecedência pode ser tanto causal (o crer causa a selagem) ou temporal (o crer antecede temporalmente o selo). Entretanto, nesse contexto a relação dessas duas palavras é mais bem entendida como sendo coincidentes/simultâneos.[4] Como observado por S. E. Porter, há algumas exceções na regra que diz que o particípio aoristo antecedendo o verbo principal tem a tendência de expressar ação antecedente, e Efésios 1.13 é uma dessas exceções.[5]
3. O selo do Espírito e o Espírito da promessa
O texto diz que os cristãos são “... selados com o Espírito Santo da promessa”. Provavelmente um semitismo para “O Espírito que fora prometido”. Alguns textos do AT que prometem o derramamento do Espírito são: Ezequiel 36.26-27; 37.14; Joel 2.28-30, etc. A marca distintiva desse derramamento escatológico do Espírito é que Ele seria derramado em todas as pessoas da comunidade da aliança (do povo de Deus). Semelhantemente, Gálatas 3.14 diz que os gentios recebem pela fé a promessa do Espírito, cumprindo as promessas feitas a Abraão. Portanto, quem não tem o Espírito prometido não faz parte do povo escatológico de Deus.
4. O selo do Espírito e a falácia da autoridade
Um conhecido e respeitado defensor de que o selo do Espírito é uma experiência posterior à fé é o Dr. Martin Lloyd Jones. Em sua exposição de Efésios 1.13, Lloyd Jones “consubstancia sua opinião” citando nomes de peso, como os puritanos Thomas Goodwin e John Owen, e de Charles Simeon e Charles Hodge. Entretanto, nas palavras de D. A. Carson, “o máximo de contribuição que isso pode dar a um argumento é o empréstimo da reputação geral da autoridade para apoiá-lo”.[6] Ainda que devamos aprender com todas as “autoridades” dos estudos bíblicos, nossa fonte de suprema autoridade é a própria Escritura.
5. A dimensão escatológica do selo do Espírito
Concluo meus argumentos apontando para a dimensão escatológica do Selo do Espírito. O próximo verso (Ef. 1.14) diz: “...o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para o louvor da sua glória”. Semelhantemente em Ef. 4.30: “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção”, e em 2Co. 1.21: “...o qual também nos selou e nos deu como penhor o Espírito em nossos corações”. O Espírito é o penhor, o pagamento antecipado da redenção final dos cristãos. Os paralelos com o livro apócrifo “Salmos de Salomão” (15.6-13) são instrutivos[7]: 1. Em ambas as passagens há dois tipos de pessoas, em Sl. Sal. 15 temos os justos e os pecadores (15.6-13) e em Efésios temos os crentes e os filhos da desobediência (Ef. 1.13; 2.2; 5.3). 2. Ambos os grupos são distinguidos por uma marca ou sinal. Em Sl. Sal. os justos são marcados por Deus com a marca da salvação e os pecadores são marcados com o sinal da destruição (Sl. Sal. 15.6-9), em Efésios os crentes são marcados com o Espírito (1.13; 4.30); 3. Os dois grupos terão destinos diferentes. Um grupo receberá salvação e o outro herdará a destruição (Sl. Sal. 15. 6-13, Ef. 1:13-14; 5:5-6, 6:9); 4. Eles encontrarão seus respectivos destinos em um dia particular. Em Sl. Sal. será o dia de misericórdia para os justos e o dia do julgamento para os pecadores (Sl. Sal. 15.12-13) e em Efésios será o dia da redenção para os cristãos e o dia da ira para os filhos da desobediência (Ef. 2.2-3; 5.6).[8] As imagens apocalípticas de Ef. 1.13 e 4.30 já são uma realidade. Isso é normalmente denominado de “escatologia inaugurada”. Os cristãos já foram resgatados, mas ainda aguardam o resgate final. Portanto, excluir alguns cristãos dessa realidade é excluí-los do esquema escatológico paulino do “já e ainda não”.
Conclusão
Nas palavras de Gordon Fee, crer e ser selado com o Espírito são dois lados do mesmo evento.[9] Para Paulo, O Espírito sempre é sine qua non para a existência cristã.[10] O selo do Espírito não é algo meramente empírico, onde um cristão experimenta alguma segurança, mas sim é algo ontológico e funcional, ou seja, Deus efetivamente sela os seus (Deus indicado pelo passivo divino de Ef. 1.13). Portanto a incoerência de dizer que o selo do Espírito é posterior ao crer (e a conversão) se dá nos seguintes pontos: 1. Se isso for realidade, então há cristãos genuínos que não são propriedades de Deus, nem são autênticos (contradição explícita) nem possuem segurança de sua salvação (conforme os significados de selo do ponto 1; 2. Como o Espírito é prometido à todo o povo de Deus, então é possível ser um cristão genuíno e não fazer parte do povo de Deus. Se o “Espírito da promessa” significar “O Espírito que nos promete” a futura redenção (como alguns exegetas apontam), então há cristãos que não possuem a promessa da vida eterna.
Nenhum desses dois pontos possui respaldo bíblico, pelo contrário, todo o NT aponta para direções opostas. Não devemos confundir os ministérios e as operações do Espírito. Ser selado é um ato instantâneo e irrevogável. Entretanto, o enchimento com o Espírito é algo que devemos sempre buscar. Paulo posteriormente em Efésios diz: Enchei-vos do Espírito! (Ef. 5.18). Mas ele nunca diz para buscarmos constantemente o selo do Espírito, pois essa selagem é um ato único de Deus somente no momento da conversão de todos os cristãos.
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Notas:
[1] Archie Wang Do HUI, The Concept of the Holy Spirit in Ephesians and its Relation to the Pneumatologies of Luke and Paul, pp. 181-187.
[2] Ibid.
[3] Betz, TDNT, 7.662.
[4] Peter O´Brien, Ephesians (PCNT) p. 118.
[5] S. E. Porter, verbal aspects, pp. 383-85.
[6] D. A. Carson, perigos da interpretação Bíblica, p. 115.
[7] Archie Wang Do HUI, pp. 181-187.
[8] C. Arnold, Ephesians, p. 113, 157.
[9] Gordon Fee, God´s Empowering Presence, pp. 669-670.
[10] Ibid.
Autor: Willian Orlandi
Divulgação: Bereianos
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