domingo, 31 de maio de 2015

SOBRE OS MUNDOS LIBERTÁRIOS TERRÍVEIS

Por Michael Almeida

            Considere um mundo moralmente perfeito w, que inclui apenas agentes livres libertários. Todo o mundo em w está agindo moralmente, ninguém está agindo imoralmente. S é o conjunto de todos os agentes em w, onde S: [a0, a1, a2, a3, a4..., an]. E A é o conjunto de ações dos agentes em w, onde A: [M0, M1, M2, M3..., Mn], onde “Mn” indica que o agente n realizou uma ação moral. Mas nós sabemos que as ações dos agentes em w são livres libertárias, então nós sabemos que as ações são totalmente independentes: a ação de ninguém é causalmente dependente (ou logicamente dependente, ou o caso contrário dependente) da ação de alguém mais. Do contrário, estas ações não são livres. Então, nós sabemos que há um mundo possível w’ onde o conjunto de ações são A’= [Im0, M1, M2, M3, M4,.. ., Mn], onde ‘IMn’ indica que o agente n realizou uma ação imoral. Em w’, um dos agentes escolhe agir imoralmente. Mas então, sobre as mesmas premissas, nós sabemos que há um mundo possível w’’ onde o conjunto de ações é A’’= [Im0, Im1, Im2, M3, M4,..., Mn]. Em w’’, três dos agentes escolhem agir imoralmente, o restante age moralmente. Nós sabemos que eles são livres para fazer assim. Mas então nós sabemos que há também um mundo possível wn onde An= [Im0, Im1, Im2, Im3, Im4,..., Imn}. Em wn todos os agentes decidem agir imoralmente. Isto é possível também, dado o libertarianismo. Mas nós conhecemos algo muito, muito pior.
            Nós sabemos que os agentes morais libertários podiam ter decidido realizar não simplesmente ações imorais, mas ações verdadeiramente horrendas, os piores tipos de ações. Então, há também um mundo wt no qual os agentes realizam ações moralmente terríveis, Tn. Há um mundo wt no qual o conjunto de ações está em At = {T0, T1, T2, T3, T4,..., Tn}. Se há um mundo possível wt no qual as ações são aquelas em At, então é possível que Deus realize um mundo possível no qual os agentes realizam as ações em At. Isto é, há mundos possíveis wt no qual Deus existe e ele cria apenas agentes moralmente terríveis todos os quais realizam apenas ações moralmente terríveis. Mas não é possível que um ser onipotente e perfeitamente bom realize wt. Há duas razões porque um ser onipotente e perfeitamente bom não pode realizar wt, com exceção do desvalor intrínseco de wt: (I) Deus não poderia ter realizado nenhum dos agentes terríveis e, mais importante, (II) é garantido ser um mundo wt (há na verdade grandes números de mundos wt) no qual os fatos contingentes relativos aos outros, não criados, os agentes são tais que, tivesse Deus os criado todos eles teriam sempre acontecido corretamente (isto é surpreendentemente não difícil de provar). Deus com certeza teria que realizar alguns ou todos aqueles agentes. As únicas conclusões plausíveis disponíveis são que o libertarianismo é falso ou Deus não existe. Teístas do curso deveriam ser movidos a concluir o libertarianismo é incompatível com o teísmo.
Tradução: Francisco Alison Silva Aquino

Predestinação sem sentido


.

Por Peter Pike


Ao considerar o Arminianismo, há muita coisa que eu acho que simplesmente não faz qualquer sentido sobre ele. Na verdade, se eu tivesse quaisquer inclinações arminianas à esquerda, eu acho que eu seria um teísta aberto porque eu não considero muito o arminianismo como um todo consistente. Eu irei tratar apenas de uma área aqui: a predestinação absoluta no arminianismo.

Agora, para o crédito deles, a maioria dos arminianos reconhecem a predestinação. É difícil negar dado as passagens como Romanos 8.29 e Efésios 1.5, 11 que na verdade usam a palavra “predestinados”. Mas eu tenho descoberto que arminianos de internet com quem eu tenho discutido tendem a fracassar em dois campos quando vem à tona a predestinação. O primeiro campo acredita que a predestinação é o que Deus faz quando Ele examina o que o futuro será e então decide fazê-lo assim. O segundo campo acredita que a predestinação é quando Deus seleciona por grupos (não indivíduos) para serem apontados para a salvação.

Mas em nenhum caso a predestinação é de fato necessária ou útil. Por que Deus precisaria olhar através do tempo para declarar: “o que vai acontecer é o que vai acontecer” quando o que vai acontecer vai acontecer ainda que ele não olhe através do tempo? Aqueles que têm apresentado esta visão para mim estão decididos de que Deus não está executando nenhuma mudança ao predestinar o que acontecerá. Afinal de contas, o ponto todo de tal conceito de predestinação é evitar Deus de ser o fator determinante de quem é salvo e quem é condenado. Mas na verdade, este ponto de vista torna a predestinação como equivalente à presciência (pelo qual eu quero dizer a presciência da qual os arminianos tipicamente falam, não a visão reformada que leva junto ao aspecto do “conhecimento” a ideia de amor de Deus). Em resumo, o arminiano está dizendo que Deus prevê o que acontecerá e então predestina o que ele prevê, mas sua predestinação é simplesmente uma atualização de sua presciência. Isto é totalmente sem sentido aqui.

Mas e quanto ao segundo campo que defende que o que Deus predestina são os grupos ou classes de pessoas? Uma vez mais, isto torna a predestinação desnecessária. Primeiramente, não há vantagem de predestinar uma classe de pessoas se você não está também predestinando os membros daquela classe. Por um lado, sem predestinar os membros você nem mesmo sabe se haverá quaisquer membros até que depois o tempo se desenrole (assim para preencher a classe, a versão arminiana de Deus vai ter de recorrer aos procedimentos desnecessários discutidos nos parágrafos anteriores a respeito da presciência). Por outro lado, o conteúdo do decreto não afeta as escolhas de ninguém (isto é crítico no arminianismo, pois Deus absolutamente não pode violar a liberdade sem destruir a responsabilidade, etc) e portanto este decreto pode simplesmente tão facilmente vir no final do tempo em vez de antemão. Finalmente, se tudo que a predestinação é resume-se a Deus dizer: “Eu vou tratar as pessoas que se encontram nesta condição específica nesta maneira específica” então qual é a diferença entre predestinação e a clara lei antiga? As leis de Deus especificamente dizem coisas como “Todo animal que tem unhas fendidas, mas cuja fenda não as divide em duas, e que não rumina, será para vós imundo; qualquer que tocar neles será imundo.” (Levítico 11.26). Isto é predestinação? E qual é a diferença entre dizer: “Se alguém tocar em animal impuro ele será impuro” e “se alguém crê em Cristo será salvo” em termos de estrutura de classe e grupos de pessoas?

Assim, me parece que não há propósito para a predestinação no Arminianismo, embora haja versos usando este termo. Por que Deus faria algo totalmente sem sentido e irrelevante? Por que ele em vez disso não teria uma razão para a predestinação, assim como o calvinista vê?

***
Fonte: Triablogue
Tradução: Francisco Alison Silva Aquino

Por que o Método Histórico-Crítico de Interpretação Bíblica deve ser rejeitado?


.

Por Thiago Oliveira


Filho do espírito racionalista de sua época, numa sociedade pós-Iluminismo, esse método pretendeu tornar a Bíblia relevante para o homem inerente daquele período. Colocando a razão para medir o conteúdo das Escrituras, os adeptos da alta crítica (assim também é chamado o método histórico-crítico) negam bastantes coisas do relato canônico. Inclinados (conscientemente ou não) ao deísmo, creem num Deus Criador que após finalizar a criação deixou o mundo com suas leis bem estabelecidas, assim sendo, não há necessidade de intervenções transcendentais. Com isso, o relato da Queda não é visto como um fato real acontecido no espaço/tempo e todo registro de milagres é invalidado.


Por se apresentar como uma metodologia científica, pregando a neutralidade investigativa, muitos foram os teólogos que se admiraram com a proposta da alta crítica. Toda assertiva dogmática foi vista com desprezo e a produção teológica existente até então foi até ridicularizada. Adjetivos como infantil e supersticiosa foram termos pejorativos adotados para atacar outras escolas hermenêuticas.

O mote do método histórico-crítico o antecede. É justamente a ideia de separar Palavra de Deus e Escritura. De acordo com tal proposta, é preciso investigar dentro do cânon formal, isto é, os 66 livros da Bíblia Sagrada, o que é normativo para os cristãos. Essa investigação parte do pressuposto de que há erros na Escritura lado à lado com a Palavra revelada e autoritativa do SENHOR. Por isso, a razão de ser do método é separar - na Escritura – o que é divino e o que é humano. No entanto, não existe nenhum consenso entre os adeptos da alta crítica sobre quais trechos serviriam para compor o cânon normativo.

Contrariando a ortodoxia reformada de que a Escritura é suficiente e inerrante, a alta crítica não foi capaz, em mais de dois séculos de pesquisa, de elucidar o que de fato seria Palavra de Deus. Existe muito subjetivismo e isto obscurece o conteúdo bíblico. Eis um motivo para rejeitarmos o método histórico-crítico: Ele utiliza-se da razão natural e esta é incapaz de interagir corretamente com a Revelação Divina. O pecado tornou o intelecto humano incapacitado de reagir positivamente as coisas divinas, é o que a Teologia Reformada chama de “Depravação Total do Homem”. É necessário que haja iniciativa do Alto para que tudo aquilo que seja inerente a Deus seja descortinado e faça com que o homem, pelo poder do Espírito Santo, volte-se para o Todo-Poderoso e compreenda aquilo que Ele revelou sobre si mesmo.

Diante do caminho apontado pelo método histórico-crítico que não nos leva a lugar nenhum, é necessário utilizarmos uma hermenêutica que assegure a infalibilidade escriturística e a partir deste pressuposto, estudar a Bíblia tendo ela por Palavra de Deus, necessária e suficiente para andarmos instruídos segundo a vontade de Deus. Os reformadores utilizavam o método histórico-gramatical, talvez, incorporando recentes descobertas hermenêuticas a este método, caminhemos por uma via sadia, ortodoxa, que edifique a Igreja e - sobretudo - glorifique ao SENHOR dela.

***
Divulgação: Bereianos

A Palavra de Deus é Viva e Eficaz - João Calvino

A palavra de Deus é viva e eficaz - (Hb 4.12). Tudo o que ele diz aqui com relação à eficácia da Palavra é com o propósito de que soubessem que não poderiam desmerecê-laimpunemente. É como se dissesse: Sempre que o Senhor se nos acerca com sua Palavra, ele está tratando conosco da forma mais séria, com o fim de mover todos os nossos sentidos mais profundos. Portanto, não há parte de nossa alma que não receba sua influência. Entretanto, antes de darmos um passo adiante, carece que consideremos se o apóstolo está falando da Palavra em termos gerais, ou se ele está fazendo, aqui, uma referência particular àqueles que crêem. E geralmente aceito que a Palavra de Deus não é igualmente eficaz em todos. Ela aplica seu poder nos eleitos, com o fim de humilhá-los através de um genuíno reconhecimento do que na verdade são, para que fujam e se escondam na graça de Cristo. Isso jamais aconteceria, se a Palavra não penetrasse as profundezas do coração. A hipocrisia, que se acha presente nos admiráveis e infinitamente tortuosos recantos dos corações humanos, deve ser erradicada. Devemos estar não só humildemente dispostos a espicaçar-nos e a afligir-nos, mas também a ser profundamente feridos, para que, prostrados pelo senso da morte eterna, aprendamos amorrer para nós mesmos. Jamais seremos renovados emtoda a nossa mente (como Paulo requer em Efésios 4.23) até que nosso velho homem haja sido morto pelo gume dessa espada do Espírito. Eis a razão por que Paulo diz em outro lugar [Fp 2.17] que aqueles que crêem são oferecidos em sacrifício a Deus, visto que não podem ser trazidos à obediência a Deus senão pela morte de seus própriosdesejos, bem como não podem ver a luz da sabedoria divinasenão pela destruição de sua sabedoria carnal. Tudo isso não pode aplicar-se no caso dos incrédulos. Oudisplicentemente desconsideram a Deus quando lhes fala, e dessa forma motejam dele, ou bradam contra sua doutrina e se levantam insidiosamente contra ela. Sendo a Palavrra de Deus semelhante a um martelo, o coração deles ésemelhante a uma bigorna, de modo que sua dureza repele os golpes por mais fortes que sejam. Eles se acham muito longe para que a Palavra de Deus penetre neles, até ao ponto de dividir alma e espírito. Desse modo parece que essa cláusula deve restringir-se somente àqueles que crêem, visto que unicamente eles podem ser examinados no mais profundo de seu ser.
Em contrapartida, o contexto do apóstolo revela que este é um princípio geral que se aplica também aos incrédulos.Embora se oponham à Palavra de Deus com um coração deferro ou de aço, não obstante devem necessariamente serrefreados por seu próprio sentimento de culpa. Riem, éverdade, mas é um riso sardônico, porque sentem como seestivessem sendo sufocados interiormente, e forjam todaespécie de evasivas com o intuito de evitar a aproximação dotribunal de Deus. Por mais indispostos que eles sejam, sãoarrastados para a presença dessa mesma Palavra que tãoveementemente ridicularizam, para que sejam comparadosapropriadamente com cães furiosos, que mordem e esganam a corrente a que se acham presos, embora sem qualquer efeito,porque ainda permanecem firmemente acorrentados. Alémdisso, embora o efeito dessa Palavra talvez não se reveleimediatamente, no mesmo dia, contudo o resultado seráinevitável, e aquele que a prega descobrirá que a ninguém apregou em vão. Cristo certamente falou em termos deaplicação geral quando afirmou: "Quando ele vier convencerá o mundo..." [Jo 16.8]. O Espírito exerce esse juízo através da pregação do evangelho.
Finalmente, ainda quando a Palavra de Deus nem sempremanifeste esse poder nos homens, todavia ela, em algumamedida, o possui em si mesma. O apóstolo está discutindo,aqui, acerca da natureza e da função própria da Palavra para opropósito único, a fim de que saibamos que assim que elasoa em nossos ouvidos, nossas consciências são citadas acusativamente diante do tribunal de Deus. É como sedissesse: Se porventura alguém presume que a Palavra deDeus ecoa no vazio, ao ser proclamada, esse tal está fazendouma grande confusão. Essa Palavra é algo vivo e cheio depoder secreto, a qual não deixa nada no homem que não sejatocado. A suma de tudo isso é que tão logo Deus abra seussantos lábios, todos os nossos sentidos também devem abrir-se para receber sua Palavra, porque não faz parte de suavontade permitir que suas palavras sejam semeadas em vão,nem tampouco feneçam ou desapareçam no solo da vida,senão que desafiem eficazmente as consciências humanas,até que as tragam jungidas ao seu domínio. Ele, pois, dotousua Palavra com tal poder, para que a mesma perscrute cada área de nossa alma, para revelar os escrutínios dos pensamentos, para decidir entre as afeições e para manifestar-se como juiz.
Aqui surge uma nova questão, se essa Palavra deve serconsiderada como sendo a lei ou o evangelho. Os queentendem que o apóstolo está falando da lei, evocam estestestemunhos paulinos: que é um ministério de morte; que é aletra que mata [2 Co 3.6-7]; que não opera outra coisa senãoira [Rm 4.15], e outros da mesma natureza. Mas aqui oapóstolo realça seus efeitos divergentes. E, por assim dizer,um gênero de matança que faz viva a alma, e que se dá atravésdo evangelho. Devemos entender, pois, que quando o apóstolodiz que ela é viva e eficaz, ele está a referir-se à doutrinageral de Deus. Paulo dá testemunho de tal efeito [2 Co 2.16],dizendo que de sua pregação exala um odor de morte para amorte daqueles que não crêem, bem como de vida para a vidados fiéis, de modo que jamais fala em vão, sem que conduzaalguns à salvação, compelindo outros à destruição. Esse é o poder de atar e desatar que o Senhor conferiu a seus apóstolos [Mt 18.18]. Esse é o poder do Espírito no qualPaulo se gloria [2 Co 10.4]. Aliás, ele jamais nos prometesalvação em Cristo sem, em contrapartida, pronunciarvingança sobre os incrédulos que, ao rejeitarem a Cristo,trazem morte sobre si próprios.
Além do mais, é mister que observemos que o apóstolo, aqui, está a discutir a Palavra de Deus que nos é comunicada pelo ministério dos homens. São dementes e mesmo danosas todas as noções de que, não obstante a Palavra interna sercertamente eficaz, aquela que emana dos lábios humanos émorta e carente de qualquer efeito. Admito que a eficáciacertamente não flui da língua humana, nem consiste em seupróprio som, senão que deve ser atribuída totalmente ao Espírito Santo; no entanto não impede o Espírito demanifestar seu poder na Palavra que é proclamada. PorqueDeus mesmo não fala senão através dos homens; ele tomagrande cuidado para que sua doutrina não seja recebida comdescaso por seus ministros serem homens. E assim, quandoPaulo diz que o evangelho é o poder de Deus [Rm 1.16],deliberadamente distinguiu sua própria pregação com talhonra, a qual o apóstolo percebeu ser aprovada por alguns e rejeitada por outros. Ao ensinar-nos em outro lugar [Rm 10.8-10] que a salvação nos é conferida pelo ensinamentoproveniente da fé, ele expressamente diz que essa é a doutrina que é anunciada. Vemos que Deus semprerecomenda publicamente a doutrina que nos é ministradapelo esforço humano, com o propósito de induzir-nos a recebê-la com reverência.
Ao dizer que a Palavra é viva, é preciso entender talexpressão "em ralação aos homens". Isso se faz ainda mais evidente à luz do segundo adjetivo. Ele mostra que espéciede vida ela possui ao prosseguir chamando-a eficaz. Oobjetivo do apóstolo era ensinar-nos o gênero de utilidadeque a Palavra tem para nós. A Escritura faz uso da metáforada espada em outras passagens, o apóstolo, porém, não secontenta com uma simples comparação. Ele diz que a Palavra de Deus é mais cortante que qualquer espada; aliás, umaespada de dois gumes, porque em sua época era freqüente ocaso de espadas que só cortavam de um lado, e do outro não.
Penetra até... etc. O substantivo alma amiúde significa o mesmo que espírito, mas quando são ambos associados, aprimeira inclui todas as afeições, enquanto que o último in­dica a faculdade a que chamam intelectual. Assim também em 1 Tessalonicenses 5.23, quando Paulo ora a Deus para que guardasse o espírito, a alma e o corpo deles incorruptíveis até à vinda de Cristo, ele quer dizer simplesmente quepermanecessem puros e santos em sua mente e vontade eações exteriores. Semelhantemente, quando Isaías diz [26.9];"Com minha alma suspiro de noite por ti, e com o meuespírito dentro em mim", certamente que sua intenção eraque seu esforço em buscar a Deus era tão profundo, queaplicava sua mente tanto quanto seu coração a tal intento.Estou consciente de que há aqueles que apresentam umainterpretação diferenciada. Mas espero que toda pessoasensível esteja disposta a concordar comigo.
Voltemos à passagem que ora estamos a considerar. APalavra de Deus penetra ao ponto de dividir alma e espírito.Significa que ela testa toda a alma de uma pessoa. Ela exploraseus pensamentos e sonda sua vontade e todos os seusdesejos. O mesmo significado se acha implícito na frase jun­tas e medulas. Significa que não há nada tão difícil ou sólido numa pessoa, nada tão profundamente oculto que a eficácia da Palavra não penetre até lá. Isso é o que Paulo diz em 1Coríntios 14.24, ou seja: que a profecia tem o poder deconvencer e julgar os homens, a fim de que os segredos docoração se manifestem. Visto que a função de Cristo édescobrir e trazer a lume os pensamentos que fluem dosrecessos mais profundos do coração, em grande medida ele o faz através do evangelho.
A Palavra de Deus, portanto, é Kp itikóç (=discernidora), porque traz à mente humana a luz do conhecimento, como se a tirasse de um labirinto onde jazia outrora enredada. Não há trevas mais densas do que a incredulidade, e a hipocrisia nos cega de uma forma terrificante. A Palavra de Deus dissipa tais trevas e faz a hipocrisia bater em retirada. É daqui queemana o discernimento e o juízo que o apóstolo menciona,visto que os vícios que se ocultam sob a falsa fachada devirtudes começam agora a descortinar-se e sua aparência sedesvanece. Ainda quando os réprobos fiquem por algumtempo ocultos em seus covis, descobrirão que até mesmo ali a luz da Palavra finalmente penetrou, de modo que nãopodem escapar do juízo divino. Daqui se ergue seu lamento e deveras seu furor, porquanto se não forem estremecidospela Palavra, jamais perceberiam sua loucura. Tentam escaparou evadir-se e evitar seu poder, ou ainda procedem como senão a tenham notado. Mas Deus não permite que logremsucesso. Portanto, enquanto caluniam ou injuriam a Palavrade Deus, admitem, embora a contra gosto ou relutantemente,que sentem seu poder em seu íntimo. 

A Gênese de um Enigma - Alister McGrath

Sugerir que Calvino representa algo como um enigma histórico pode, à primeira vista, parecer absurdo. Não sabemos mais a seu respeito do que sobre várias outras figuras do século 16? Antes de iniciar a análise histórica e a reconstituição da incrível carreira de Calvino, porém, é relevante atentar­mos para o fato de que sabemos muito menos sobre ele, particularmentesobre seu período inicial, do que gostaríamos de saber. Seu maior legado para a civilização ocidental foram suas idéias e as formas literárias com que elas foram expostas. Na verdade, mais de um historiador sugeriu a existência de paralelos entre Calvino e Lênin, alegando que os dois possuíam um grauextraordinário de visão teórica e aptidão organizacional. Ambos fornece­ram fundamentos teóricos para movimentos revolucionários, os quais depen­deram justamente de tais fundamentos para sua organização, direção e pos­terior sucesso. O próprio Calvino, porém, como figura humana, de carne e osso, por detrás dessas idéias, permanece vago. As razões para isso não são difíceis de se entender, sendo, talvez, melhor compreendidas pela compara­ção de Calvino com o grande Reformador saxão, Martinho Lutero.
Em primeiro lugar, possuímos um material abundante, proveniente da pena generosa de Lutero, datado do período anterior ao seu surgimento como importante Reformador. Sua carreira como Reformador tem por marcos iniciais as suas Noventa e Cinco Teses, referentes às indulgências (3 í de outu­bro de 1517), o debate de Leipzig de junho-julho de 1519 e os três tratados reformistas de 1520. Por volta de 1520, Lutero era tido como um Reformador carismático e popular. Essa vocação, entretanto, fundamentava-se em um conjunto de idéias religiosas que se desenvolveram anteriormente a seuengajamento público. De 1513 a 1517, Lutero tinha-se engajado no ensino teológico, na Universidade de Wittenberg, período em ele refletiu sobre as idéias que exerceram tão grande influência sobre os acontecimentos que se seguiram. Possuímos a maioria de seus escritos, em uma ou outra forma, daqueles primeiros anos, o que nos habilita a traçar a evolução destes con­ceitos religiosos básicos.
No caso de Calvino, contudo, somos confrontados com uma ausência quase que absoluta de material de sua autoria, relacionado a seu período de formação. As origens de sua carreira como Reformador podem ser fixadas a partir de algum ponto entre o final de 1533 ou o início de 1534, mas não se sabe, precisamente, quando. Seu comentário sobre a obra De clementia, de Sêneca, que surgiu em abril de 1532, pouco revela em relação a seu autor, exceto quanto a sua erudição e as prováveis ambições juvenis de um estudi­oso humanista. A razão para essa escassez de material não é difícil de enten­der. As relações entre a coroa francesa e os ativistas evangélicos vinham se deteriorando, continuamente, durante o início da década de 1530. No início da manhã de domingo, do dia 18 de outubro de 1534, a nuvem negra, que já vinha se formando há algum tempo, finalmente se rompeu com o "Incidente dos Panfletos". Ocorreu que, naquele dia, panfletos que atacavam violentamente práticas religiosas católicas, escritos pelo panfletista Antoine Marcourt, foram afixados em importantes locais, por todo o reino da França, inclusive na antecâmara do quarto do rei, em Amboise.
Enfurecido por esses acontecimentos, Francisco I foi levado a deflagrar uma série intimidante de medidas repressivas contra os evangélicos, na Fran­ça,32 tornando desaconselhável, àqueles que tivessem uma visão reformista, chamar atenção para este fato. João Calvino já havia chegado a essa conclusão, em novembro de 1533, quando deixou Paris pela segurança relativa de Angoulême, um dia após Nicolas Cop - o recém empossado reitor - ter feito um discurso inflamado pelo Dia de Todos os Santos, na Universidade de Paris. Devemos ressaltar que o discurso de Cop, que parecia promover con­vicções evangélicas, provocou considerável oposição por parte dos mais conservadores. Calvino, provável suspeito de haver escrito o discurso, achou aconselhável deixar Paris o mais rápido possível, atitude totalmente justificá­vel em face dos acontecimentos posteriores. Como ressaltam seus biógrafos, ele escapou por pouco: dentro de algumas horas, a polícia havia revistado suas salas e confiscado seus trabalhos. Esses trabalhos que, sem dúvida, possuíam um valor inestimável para o esclarecimento da evolução do pensa­mento de Calvino durante esta fase tão importante Jamais foram encontra­dos. Assim, somos obrigados a considerar esse período de formação como um enigma. No entanto, relutando em se deixarem conter por essa falta de evidências, alguns relatos destes primeiros anos parecem ter cedido à tenta­ção de apresentar suposições históricas como fatos históricos. Até mesmo Doumergue, que corretamente afirma que se deve reconhecer ao menos par- te da carreira de Calvino como "une enigme chronologique", tende a acei­tar essas suposições históricas de seus estudiosos, em vez de se empenhar nasuareconstituição crítica.
Em segundo lugar, Lutero é excepcionalmente generoso com relação a re­ferências autobiográficas, as quais encontram-se espalhadas por todas as suas obras. Talvez a referência mais famosa seja o "fragmento autobiográfico", de 1545, escrito no ano anterior à sua morte. Esse segmento funciona como umaintrodução à primeira edição da coletânea de suas obras escritas em latim, na qual ele se apresenta a seus leitores. Ao longo desse prefácio, ele descreve com detalhes sua experiência pessoal, a evolução de suas idéias religiosas e omodo como se desenrolou a crise que levou à origem da Reforma Luterana. Embora reminiscências pessoais de homens idosos não sejam, em regra, muito confiáveis, as memórias de Lutero parecem acuradas, até onde podem ser comprovadas. O modo como ele sugere que se desenvolveram suas idéiasreligiosas (sobre as quais sua proposta de reforma se fundamentaria) também pode ser comprovado pela comparação com suas obras relativas ao período inicial de sua carreira.35 Calvino, contudo, parece ter sido reticente quanto a inserir qualquer referência pessoal em suas obras. É provável que uma passa­gem da obra Réplica a Sadoleto (1539), na qual um representante evangélico descreve seu rompimento com a Igreja medieval, possa ser autobiográfica; entretanto, Calvino não faz qualquer afirmação neste sentido. Aparte explicita­mente autobiográfica do prefácio de seu Comentário sobre os Salmos?1 de 1557, é, porém, de uma brevidade intrigante e, em certos pontos, de difícil interpretação. Em seus sermões Calvino usa, freqüentemente, a primeira pes­soa - mas não se pode, necessariamente, concluir que revele muito sobre simesmo ao fazê-lo.38 Sua modéstia o impediu de revelar as reflexões e reminis­cências, das quais tanto depende a reconstituição histórica.
A reconstituição histórica da complexa personalidade de Calvino tem sido bastante obstruída pela subsistência de uma imagem profundamente hostil do Reformador, traçada por Jerônimo Bolsec, com quem Calvino se desentendera em 1551. Ressentido com o episódio, em junho de 1577, Bolsec publicou um livro, Vie de Calvin, em Lyon. Calvino, de acordo com Bolsec, era irremediavelmente aborrecido, malicioso, violento e frustrado. Ele considerava suas próprias palavras como se fossem a palavra de Deus e se permitia ser adorado como Deus. Além de, freqüentemente, ser vítima de suas tendências homossexuais, ele tinha o hábito de flertar com qualquer mulher que se aproximasse dele. De acordo com Bolsec, Calvino abriu mão de seus benefícios, em Noyon, em razão de terem vindo a público suas atividades homossexuais. Abiografia de Bolsec é uma leitura muito maisinteressante do que as de Teodoro de Beza ou de Nicolas Colladon; no entanto, sua obra se baseia, predominantemente, em relatos orais, anôni­mos e inconsistentes, provenientes de "pessoas dignas de confiança" (personnes digne de foy), que pesquisas mais recentes consideraram de valor questionável. A despeito desse fato, a reconstituição de Calvino, traçada por Bolsec, tem influenciado muitas outras descrições, bastante desfavorá­veis, a respeito da vida e das ações do Reformador, que apresentam uma linha divisória, cada vez mais nebulosa, entre fatos e ficção. O mito de Bolsec, como tantos outros mitos que se referem a Calvino, sobrevive como uma tradição sagrada, por meio de uma repetição leviana,39apesar de sua evi­dente ausência de fundamentação histórica.
No entanto, é bastante justo sugerirmos que Calvino não era propriamente uma pessoa agradável, faltando-lhe a perspicácia, o humor e a cordialidade que faziam de Lutero uma pessoa tão divertida nas rodas que freqüentava. Apersonalidade de Calvino, como se pode inferir a partir de suas obras, é a de um indivíduo um tanto quanto frio e reservado, cada vez mais predisposto ao mau humor e à irritabilidade, à medida que sua saúde se deteriorava, e dado a se engajar em brutais ataques pessoais contra aqueles com quem se desenten­dia, em vez de combatê-los apenas ao nível de suas idéias. No ano de sua morte ele escreveu aos médicos emMontpellier, descrevendo os sintomas das doenças que deterioravam sua saúde. De modo significativo, alguns dos sinto­mas eram compatíveis com enxaquecas e perturbação intestinal - ambos sinto­mas incontestáveis de stress. E impossível determinar se as situações excepci­onalmente estressantes, as quais Calvino teve que enfrentar, especialmente du­rante o começo da década de 1520, contribuíram para essa enfermidade ou se ele era naturalmente propenso ao stress em função de alguma característica de sua personalidade. No entanto, a despeito de sua relutância em falar de si mesmo, é óbvio que ele era um homem infeliz, motivo pelo qual é bastante difícil que o leitor atual sinta algum traço de simpatia. Portanto, é muito fácil se predispor a ter uma atitude antagônica em relação a Calvino.
Porque Calvino deveria ser tão relutante em se revelar? A explicação para sua personalidade complexa encontra-se na forma pela qual ele entendia seu chamado. Em um raro momento de revelação pessoal, ele deixou clara sua crença veemente de que teria sido separado por Deus para um propósito específico. Ao meditar sobre sua carreira, ele pôde perceber a mão oculta de Deus dirigindo sua vida nos momentos cruciais. Ele acreditava que, apesar de não possuir qualquer mérito pessoal, Deus o chamou, mudou o curso de suá vida, conduziu-o a Genebra e o investiu na função de pastor e pregador do Evangelho.40 Qualquer que fosse a autoridade que Calvino possuísse, ele a entendia como sendo derivada de Deus, e não de seus talentos e habilida­des inatos. Ele não era nada mais do que um instrumento nas mãos de Deus. Deve-se ressaltar que Calvino compartilhava da ênfase comum à Reforma, expressa na doutrina da justificação pela fé de Lutero e na doutrina reforma­da da eleição imerecida{ante praevisa mérito), na pecaminosidade e nainsignificância da humanidade caída. O fato de que Deus o tivesse escolhido era uma expressão da compaixão e generosidade divinas, e não de qualquer mérito ou qualidade pessoal que Calvino pudesse possuir. Sugerir que seu senso de chamado divino reflete sua arrogância revela uma peculiar falta de conhecimento a respeito da espiritualidade da Reforma.
A compreensão a respeito de seu chamado é o que contém as aparentes tensões em nosso conhecimento sobre a personalidade de Calvino. Tímido e reservado, ainda assim, ele era capaz de uma coragem que beirava a intransigência, recusando-se a fazer concessões quando acreditava que avontade de Deus estava em jogo. Pronto a ser ridicularizado, se preciso (embora isto costumasse feri-lo profundamente), Calvino não estava pronto a permitir que este ridículo fosse transferido dele, como indivíduo, para a suacausa e ao Deus que ele acreditava servir. Acima de tudo, aparentava estar convencido de que era apenas um simples instrumento, através do qual Deus poderia trabalhar; um porta-voz, através do qual Deus poderia falar. Consi­derava sua personalidade como um obstáculo potencial a essas ações divi­nas e, em resposta, aparentava ter cultivado a modéstia.
Desde o início o leitor deve estar, portanto, atento às dificuldades existen­tes em torno de qualquer reconstituição histórica da carreira e da personali­dade de Calvino e também em relação à natural - e totalmente compreensí­vel - tendência a se adotar uma atitude antagônica em relação a ele. Adiante,tentaremos fazer uso dos recursos disponíveis aos historiadores, ao final da Renascença, para desenvolver, do modo mais plausível que pudermos, um quadro das forças religiosas, sociais, políticas e intelectuais que modelaramalguns dos contextos em que Calvino viveu e, posteriormente, transformou. Existem, entretanto, lacunas significativas em nosso conhecimento. Calvino era um indivíduo extraordinariamente introspectivo, que optou por reter omaterial histórico que teria iluminado as sombras de sua história. Assim, é inevitável que ele seja retratado como uma figura um tanto quanto pálida, sem vida, um homem cujos mais íntimos pensamentos, atitudes e ambições nos são totalmente negados. Insatisfeitos com o esboço monocromático resultante, alguns historiadores caíram na eterna tentação de expandir os limites da história. Ainda que esta atitude seja compreensível, seu perigo deve ser prontamente reconhecido: o perfil retratado pode refletir pressuposições ocul­tas, por parte de historiadores tendenciosos, cujas lentes coloridas podem até mesmo nos negar acesso ao Calvino histórico.
O lugar de Calvino na história da humanidade fundamenta-se, de forma predominante, em suas idéias. Conseqüentemente, é essencial não apenas apontar quais possam ter sido essas idéias, mas, também, permitir ao leitor oacesso às correntes intelectuais que possam ter tido alguma influência em sua formação.

A Difrença entre Arrependimento e Fé!


O Arrependimento pode ser definido como a volta para Deus, em fé, a qual é indissoluvelmente associado, porém inconfudivelmente distinto.

Se bem que estas coisas todas são verdadeiras, contudo o termo arrependimento, em si, até onde posso alcançar das Escrituras, deve ser tomado em acepção diferente. Visto que querem confundir a fé com arrependimento, se põem em conflito com o que Paulo diz em Atos [20.21]: “Testificando a judeus e gentios o arrependimento para com Deus e a fé em Jesus Cristo”, onde enumera arrependimento e fé como duas coisas diversas. E então? Porventura pode o verdadeiro arrependimento subsistir à parte a fé? Absolutamente, não. Mas, embora não possam ser separados, devem, no entanto, ser distinguidos entre si. Da mesma forma que a fé não subsiste sem a esperança, e todavia fé e esperança são coisas diferentes, assim o arrependimento e a fé, embora sejam entre si ligados por um vínculo perpétuo, no entanto demandam que permaneçam unidos, e não confundidos.


Certamente não ignoro que sob o termo arrependimento se compreende toda a conversão a Deus, da qual a fé é parte não mínima; contudo, claramente se verá em que sentido se afirma isto, quando se explica sua força e natureza. O termo arrependimento foi, para os hebreus, derivado da palavra que significa expressamente conversão ou retorno; para os gregos, ele veio do vocábulo que quer dizer mudança da mente e de desígnio. À etimologia de um e outro desses dois termos não se enquadra mal o próprio fato, cuja síntese é que, emigrando de nós mesmos, nos voltemos para Deus; e, deposta a mente antiga, nos revistamos de uma nova. Isto posto, pelo menos em meu modo de julgar, não se poderá assim definir mal o arrependimento: é a verdadeira conversão de nossa vida a Deus, procedente de um sincero e real terror de Deus, que consiste da mortificação de nossa carne e do velho homem e da vivificação do Espírito.


Nesse sentido devem ser tomadas todas as alocuções com que ou os profetas outrora ou os apóstolos, mais tarde, exortavam os homens de seu tempo ao arrependimento. Pois, estavam pleiteando apenas que, confundidos por seus pecados e trespassados pelo medo do juízo divino, se prostrassem e se humilhassem diante desse contra quem haviam se revoltado e, em verdadeiro arrependimento, a seu reto caminho se volvessem. Por isso usaram esses termos indiscriminadamente, com o mesmo sentido: converter-se ou volver-se para o Senhor, arrepender-se e fazer penitência.


Quando até mesmo a História Sagrada diz que arrepender-se é ir após Deus, a saber, quando os homens, que não tinham a Deus em mínima conta, se esbaldavam em seus deleites, agora começam a obedecer-lhe à Palavra e se põem à disposição de seu Chefe para avançar aonde quer que ele os houver de chamar. E João Batista e Paulo usaram da expressão produzir frutos dignos de arrependimento [Lc 3.8; At 26.20; Rm 6.4] em lugar de levar uma vida que demonstre e comprove, em todas as ações, arrependimento desta natureza.

João Calvino (1509-1564)

Você já fez a oração do inferno?


.

Por Josemar Bessa


Antes de falar sobre a oração do inferno, uma pergunta: você ora?

Percebo que há muitos que jamais oram de verdade, comem, bebem, dormem, “defendem” a verdade, escrevem em redes sociais, trabalham, respiram o ar de Deus, andam sobre a terra de Deus, gostam da misericórdia de Deus, seus corpos estão inexoravelmente morrendo... mas orar?

Há muitos outros que oram, mas nada mais é do que mera formalidade, sem pensamentos profundos, sem meditação verdadeira, sem sentido espiritual... apenas frases...

Palavra ditas sem coração são inúteis, palavras ditas sem refletir sobre a Verdade de Deus são inúteis para nossa alma – é como o culto pagão, como os profetas de Baal tocando tambores e retalhando o corpo.

Ninguém pode orar contra o pecado enquanto planeja mergulhar nele. Ninguém pode orar contra o mundanismo se o seu desejo é ser mundano, ser absorvido por ele, ser ocupado por ele... Ninguém pode orar pedindo graça para servir a Deus se não deseja servi-lo em tudo.

Muitos quando estão diante da morte, mesmo tendo falado e ouvido tanto sobre Deus, defendido o ponto de vista de grandes gigantes da fé... porque é perfeitamente possível ser bem versado em apologética de Van Til, no terceiro uso de Calvino da lei... e mesmo assim ser um completo estranho para Deus.

Eu não posso ver seu coração. Eu não sei a sua história particular nas coisas espirituais. Mas pelo que eu vejo na Bíblia e no mundo - Estou certo de que não posso fazer uma pergunta mais necessária do que essa a você - você de fato ora?

Mas você pergunta: Mas e a oração do inferno que você falou? Bem vamos a ela.

E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai Pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.” - Lucas 16:27-28

Aqui Cristo nos dá uma visão panorâmica do inferno! É, Jesus não ficava constrangido em falar do inferno, na verdade, ninguém falou mais do inferno do que Jesus. Há um jovem lá (no inferno), ele era rico, ele estava cercado por uma multidão de tudo que o homem acha constituir o valor da vida e pelo qual um homem deve ser medido. Mas agora ele está desprovido de tudo isso, ele não tem mais nada... dinheiro, bens, juventude... nada disso significa mais nada para ele – ele está no inferno. Sua condenação (Apesar dos Rob Bells, Caio Fábios... da vida) é fixa, e fixada para sempre. Ele não pode obter nada para si, estando desprovido da presença misericordiosa de Deus, tendo apenas a presença da sua Justa e Santa ira, ele não pode obter nenhum descanso para si.

Ele acha, na verdade sabe, que agora é inútil tentar pedir favores para si mesmo. Mas ele tem família, tem irmãos. Na verdade tem cinco irmãos. Será que ele pode evitar a vinda deles para o inferno? Ele vai tentar!

Então ele ora. Ele ora para que Deus faça de Lázaro um missionário para sua família, para ser enviado em uma missão de misericórdia para a casa do seu pai. Ouça sua oração: “Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai Pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.” – "Envie Lázaro a casa de meu pai!” – Ele achava que se sua família visse o milagre de Lázaro voltando dos mortos, iria crer...

Quem esperaria encontrar uma oração no inferno voltada para os outros e não para si? Quem esperaria encontrar preocupação com os outros no inferno? Tenho que admitir que é muito, muito estranho. Mas aqui está ela! Era tarde demais para ser feita, mas aqui está ela. Intercessão pela salvação de outros no inferno. Será que os Cristãos professos podem ser piores do que uma alma perdida no inferno?

Você tem parentes? Você tem amigos? Você tem...? E qual é o estado espiritual deles? Estão caminhando em direção ao inferno? Eles estão vendo um caminhar completamente diferente em você? Um caminhar onde “o viver é Cristo!?” – Como você age em relação a eles? Este miserável no inferno descrito aqui não pode ir a seus irmãos... mas você pode. A preocupação desse miserável no inferno é maior do que a sua? Você irá testemunhar a eles e treme só de pensar neles naquele lugar de tormento? Quando foi que seus amigos, parentes... ouviram de você a respeito? Quando você escreveu a eles por causa disso? Escreveu com um coração partido como nessa oração feita no inferno? Falou com essa paixão? Quando sua voz foi a eles e ao mesmo tempo Deus ouviu seu grande clamor e viu lágrimas... lágrimas diante do único que é capaz de salvá-los da morte? Quando você lhes enviou uma boa literatura, rogando juntamente a Deus para lhes dar vida por Seu poder Soberano e irresistível?

Almas perdidas no inferno desejariam que alguém fosse enviado a seus parentes ímpios – como esse homem rico – para se possível, evitar sua condenação – mas você negligencia seus parentes, amigos, colegas...? Ao contrário disso eles lhe veem como mais mundano e parecido com eles possível? Eles não estão vendo em sua vida que existe um Deus santo e que esse Deus não pode deixar de punir o pecado? Um Deus que se deleita em santidade como expressão do seu próprio ser?

Você ora e vive assim? O amor de Cristo não tem nenhum poder constrangedor em teu coração? A piedade pelas almas perdidas, das pessoas mais próximas, não tem nenhuma influência em seu coração? O inferno é uma fábula? Seus tormentos são uma ninharia?

Como é possível amar, ser constrangido pelo amor de Cristo, seguir seus passos, se Ele desceu do Céu com o propósito de salvar pecadores – sofreu, sangrou e morreu para isso, se você simplesmente os vê sem piedade, preocupação, intenso clamor, pregação, vida santa...?

Nosso zelo pela glória de Deus é real? Vidas assim (perdidas) vivem para o seu desprazer e afrontam diariamente a Sua glória. Onde está o amor e a glória de Deus aos perdidos? Podemos falar como Paulo que podia dizer que, enquanto esteve em Éfeso, por três anos, ele não cessou de advertir a cada um deles com lágrimas?

Onde estão hoje? Onde estão aqueles que muitas vezes ficam acordados nas horas da noite pelo amor a glória de Deus e a salvação das almas? Que choram diariamente sobre almas descuidadas e que ao mesmo tempo em que oram, os advertem a fugirem da ira que está por vir? Quão poucos por pregação, oração, escrita... insistem para que pecadores se reconciliem com Deus, confiando que assim, no chamado geral, o Espírito chamará eficazmente os que hão de serem salvos!

Que sejamos despertos agora, que Deus nos encha de zelo, para que façamos a oração agora, vivamos assim agora... orações no inferno são inúteis. Que sejamos despertados pelo zelo de ver pecadores convertidos. Que para isso preguemos tão somente a verdade que no poder do Espírito regenera a alma. Sem truques, sem estratégias, sem confiar no braço humano e sua mente. Orando para que ao pregar a Verdade, Cristo envie o Consolador, como quando abriu o coração de Lídia em Atos 16.14: “E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia.” – convença o homem do pecado e vejamos homens salvos para a glória da Graça infinita de Deus.

Que a oração do inferno não tenha sido registrada apenas para a nossa vergonha:

E disse ele: Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai Pois tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.” - Lucas 16:27-28

***
Fonte: Josemar Bessa