Vivemos numa era de incertezas, onde o chamado multiculturalismo nos diz que a simples afirmação de que cremos no Deus verdadeiro é um insulto para outros povos e outras crenças. Daí, muitos cristãos não estão certos se devem assumir dogmaticamente que a fé cristã é a verdadeira religião. Alguns, dentro das próprias igrejas e/ou seminários teológicos, advogam que a declaração de fé dogmática é coisa de outros tempos, algo que deve ficar restrito ao passado. Em suma, dizem não haver espaço para credos em nosso mundo pluralista.
Mas será que devemos nos curvar diante da cartilha multicultural e negar a nossa fé para não provocar nenhuma ofensa ou ressentimento em quem professa uma fé distinta?
Se pararmos para pensar nos cristãos do primeiro século, veremos que eles levaram a sua confissão de fé até as últimas consequências e foram mortos por sustentar as doutrinas basilares do cristianismo. Estes cristãos também viviam num mundo plural, em que o panteão de divindades era quase infindável. Cercados de ídolos por todos os lados, eles sustentavam que havia um só Deus e Senhor sobre todos e pagavam com a vida, mas não negavam a sua fé. Eles não retrocediam em nenhum ponto sequer.
O Credo dos Apóstolos, documento subscrito por católicos romanos, ortodoxos e protestantes, é uma compilação do ensino bíblico que remonta a esta época. Estudá-lo é importante, pois o seu conteúdo, traz aquilo que foi e continua sendo crido por cristãos em qualquer tempo e lugar. O conteúdo do Credo é composto de sentenças que foram retiradas da doutrina apostólica, daí a sua nomenclatura. Não é Credo dos Apóstolos por ter sido escrito pelos Doze, mas sim por resumir todo o ensino que eles levaram pelo mundo, comissionados pelo próprio SENHOR.
Resumindo o conteúdo do cristianismo em sentenças dogmáticas, o Credo dos Apóstolos acaba servindo como parâmetro para atestarmos, mediante a declaração ou negação de seus postulados, quem de fato é cristão e quem não é. Alguns podem rebater dizendo que o que atesta a fé genuína é a crença na Escritura, e que colocar o Credo como parâmetro de julgamento seria o mesmo que dizer que ele é tão autoritativo e inspirado quanto a Bíblia. Obviamente que não é isso, todavia, o Credo tem em seu texto afirmações que são provenientes da Escritura, de modo que negar uma de suas sentenças é negar o que a própria Bíblia nos ensina. O Credo nos diz “Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador dos céus e da terra”. Isso nos remete a qual texto bíblico? Tal afirmação não te leva para Gênesis 1? E quando diz em seguida “Creio em Jesus Cristo, seu único filho, Nosso Senhor”, não te reporta para João 3.16? Todo o texto credal é profundamente bíblico, de modo que não crer no que ele diz é ir de encontro com o ensino da inspirada Palavra de Deus. Pode um cristão não crer que Jesus foi nascido de uma virgem? É autêntica a fé de quem nega a ressureição do Cristo? Por isso reitero que o Credo dos Apóstolos acaba servindo como critério para atestarmos quem são os autênticos cristãos.
CONTEÚDO DO CREDO
Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra.
Creio em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu ao mundo dos mortos, ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu, e está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, na santa Igreja universal, a comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do corpo e na vida eterna.
Amém.
UM SÍMBOLO
Um recurso comum na cultura helênica era o de quebrar um objeto em duas partes e dá uma metade para outra pessoa com quem se tinha algum negócio. Tal objeto era chamado de “símbolo” e representava a autenticidade das partes envolvidas no contrato. Os romanos tornaram o símbolo um conceito militarizado. Quando generais precisavam se comunicar, quando legiões eram separadas nas fronteiras, quebravam um vaso e pegavam dois pedaços que se encaixavam perfeitamente um no outro. Assim, quando levavam alguma mensagem, o mensageiro portava juntamente com ela aquele caco e assim, havia o reconhecimento de que era um mensageiro legítimo, portando uma mensagem legítima.
Nesse ponto, o Credo dos Apóstolos é um símbolo, pois, ao ser proferido serve para autentificar o cristão a partir de sua mensagem, que vem diretamente do que ensinaram os apóstolos. Algumas tradições até o chamam de Símbolo Apostólico ou Símbolo de Fé. Portanto, num contexto onde havia crenças concorrentes, heresias e perseguição aos cristãos, o Credo tornou-se um artifício para que aqueles que eram sinceros fossem reconhecidos, perante a igreja visível, como crentes genuínos.
A PALAVRA CREDO
Credo é uma palavra que já se inseriu em nosso idioma, todavia, sua origem é latina e a sua grafia é a mesma que usamos. Credo, em latim, é creio. O nome Credo dos Apóstolos deriva da primeira frase que diz: “Credo in Deum”.
Aqui precisamos refletir mais sobre o que significa crer. Por se tornar um termo banalizado, muitos não se dão conta de que afirmar crer em algo é o mesmo que dizer “eu confio”. A crença em Deus requer tal confiança de que assim como Ele é real, a Sua palavra também é. Logo, aquele que crê se curva ao objeto de sua crença, devotando – com plena confiança – a sua vida. Vejam Abraão, o nosso pai na fé, conforme nos diz a Escritura. A sua crença em Deus não o levara a inércia. A fé depositada é uma fé que move a vida, assim, nossos atos devem corroborar aquilo que cremos.
“Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta?” - Tiago 2:19,20
Embora não sejamos salvos por aquilo que fazemos, isto é, não por obras, somos salvos para as boas obras e estas devem ser públicas, servindo como testemunho de nossa fé. Assim sendo, quando declaramos a nossa crença em Deus, nos comprometemos com a realização das boas obras, o que envolve o compromisso de guardar os Seus estatutos. Crer não é apenas assimilação intelectual. Também não é um emaranhado de experiências sensoriais. Crer é demonstrar com a própria vida aquilo que professamos.
Portanto, o conteúdo do Credo, quando recitado, nos lembra de nosso compromisso servil perante o Senhor de nossas vidas. E este compromisso não é particular. A profissão de fé é pública, conhecida por todos. Mesmo que “creio” esteja no singular, indicando um compromisso pessoal, ele extrapola a esfera da individualidade, pois, cada eleito do Senhor faz tal declaração, o que nos confere pertencimento a um grupo que comunga da mesma fé. Então, na comunhão dos santos, o “creio” se transforma em “cremos”.
PAI, FILHO E ESPÍRITO SANTO
Crer em Deus, por si só, acaba sendo uma afirmativa vaga. São muitos os que dizem crer em Deus - com exceção dos ateus e agnósticos. Mas daí, em que Deus se crê? A nomenclatura acaba sendo a mesma para outras divindades. O que dá a singularidade para o Deus cristão é grafá-lo com o D maiúsculo. Todavia, há uma distinção mais detalhada. No cristianismo, a Divindade é triúna. O Divino é único, subsistindo em três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Trindade é a nomenclatura recorrente, e se tivéssemos que dar um nome para Deus, este seria um bom nome.
A estrutura do Credo é trinitariana. Nele temos a afirmação de crença em Deus Pai, no Filho Jesus Cristo e no Espírito Santo. Logo, a Igreja deve estar alicerçada nesta afirmação basilar. O triúno Deus é o único Deus verdadeiro e desde os tempos eternos Ele existe como sendo uma comunidade composta de três personas distintas. Essas três pessoas são – juntas – Deus. Estão unidas por compartilharem da mesma essência, mas são distintas. O Pai não é o Filho e vice-versa. O Filho não é o Espírito e vice-versa. O Espírito não é o Pai e vice-versa. Desde os primórdios este tem sido o credo dos cristãos. Outro credo, datado do século IV, escrito por Atanásio, num período em que heresias contrárias à doutrina trinitariana se propagavam, diz:
“Ora, a verdadeira fé cristã é esta: que honremos um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade. (...) Sem confundir as Pessoas ou dividir a substância. (...) Contudo não são três eternos, mas um só Eterno. (...) Contudo não são três todo-poderosos, mas um só Todo-poderoso. (...) Pois, assim como pela verdade cristã somos obrigados a confessar cada pessoa em particular como sendo Deus e Senhor, assim somos proibidos pela fé cristã de falar de três Deuses ou Senhores”.
Ao estudarmos cada postulado do Credo, esmiuçaremos a essência de cada membro da Trindade. O que nos resta afirmar sobre isso é que mesmo que possa ser algo que fira, aparentemente, a lógica, devemos ter em mente que Deus é tão intangível que alguns aspectos de Sua natureza não serão totalmente claros para nós. Todavia, o que for revelado por Ele acerca de si mesmo, devemos crer, mesmo que não saibamos explicar através da razão, assim sendo, precisamos acatar o pressuposto sabendo que nada sobre Deus é ilógico, apenas não alcançamos a plenitude do conhecimento devido a nossa finitude diante do Eterno.
CONCLUSÃO
Uma coisa maravilhosa que devemos aprender com o Credo é que seu texto não fala do homem. Ele aponta somente para Deus. Em muitas igrejas a pregação virou um meio termo entre psicanálise e palestras motivacionais. Isso porque se nutre uma atenção demasiada no ser humano. Precisamos resgatar o teocentrismo dos primeiros cristãos e falar mais sobre o Senhor e sua glória. Quanto mais conhecemos o Deus triúno, mais conheceremos sobre a natureza humana. Não há necessidade de inverter a ordem. Nossa busca por conhecimento deve começar tendo o Criador como ponto de partida, afinal, Ele é a medida de todas as coisas.
Que ao estudarmos o Credo dos Apóstolos, o Senhor possa nos abençoar com uma porção mais graúda de Sua presença em nosso meio. Que as palavras deste Credo ressoem e façam estremecer a nossa vida, para nos devotarmos a Trindade. No ato de se debruçar em cada postulado, haja deslumbramento diante da grandeza do SENHOR. Busquemos a face do Altíssimo e louvemos o esplendor de Sua santidade.
Soli Deo Gloria
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Sobre o autor: Thiago Oliveira é graduado em História e especialista em Ciência Política, ambos pela Fundação de Ensino Superior de Olinda (Funeso). Mestrando em Estudos Teológicos pelo Mints-Recife. Casado com Samanta e pai de Valentina, atualmente pastoreia a Igreja Evangélica Livre em Itapuama/PE.
Divulgação: Bereianos
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