sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Não julgueis


Por Frank Brito


“Não julgueis, para que não sejais julgados”. (Mateus 7:1)

Certamente este é um dos versos mais conhecidos da Bíblia. É também um dos mais mal compreendidos. O entendimento comum das palavras de Jesus é que não temos o direito de analisar de forma crítica nada nem ninguém, mas que devemos reconhecer o direito de cada um de pensar e agir da maneira que achar melhor sem ser moralmente criticado ou repreendido por isso. O problema dessa interpretação das palavras de Jesus Cristo é que, logo em seguida e no mesmo sermão, Ele manda que a gente faça uma avaliação crítica de determinadas pessoas:

“Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores. Pelos seus frutos os conhecereis…” (Mat 7.15-16)

Além disso, nas cartas de Paulo vemos ele identificando falsos mestres pelo nome e até mesmo lhes entregando a Satanás:

“Este mandamento te dou, meu filho Timóteo, que, segundo as profecias que houve acerca de ti, milites por elas boa milícia; Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé. E entre esses foram Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar. (I Timóteo 1.18-20)

“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais são Himeneu e Fileto; Os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e perverteram a fé de alguns”. (II Timóteo 2.15-18)

“Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague segundo as suas obras. Tu, guarda-te também dele, porque resistiu muito às nossas palavras”. (II Timóteo 4.14-15)

Jesus ordena que a gente faça uma análise crítica para descobrir se alguém é um falso profeta ou não. O meio de avaliar isso, segundo Jesus, é “pelos seus frutos”. Se Jesus tivesse ensinado que não temos o direito de analisar nada nem ninguém de forma crítica e que devemos reconhecer o direito de cada um de pensar e agir da maneira que achar melhor sem ser moralmente criticado ou repreendido por isso, então ele teria nos proibido da tentativa de identificar quem sejam os falsos profetas. A ordem de identificar os falsos profetas pressupõe que seja necessário fazermos análises críticas das pessoas com quem convivemos e temos contato para saber se são falsos profetas ou não. Portanto, a ordem de Jesus – “não julgueis” – não pode ser entendida como a anulação do direito e de dever de analisar as de forma crítica.

As palavras de Jesus em outro contexto nos esclarecer sobre o real sentido do que Ele disse no Sermão do Monte:

“Vós julgais segundo a carne; eu a ninguém julgo. E, se na verdade julgo, o meu juízo é verdadeiro, porque não sou eu só, mas eu e o Pai que me enviou”. (João 8.15-16)

Quando Jesus disse “eu a ninguém julgo” e logo em seguida “o meu juízo é verdadeiro”, Ele não estava entrando em contradição, mas estava enfatizando a origem de seu julgamento. Seu julgamento não era propriamente seu – em sua natureza humana – mas tinha origem no Pai. Neste ponto, é bom ter sempre em mente o que as Escritura ensinam sobre a dupla natureza de Jesus Cristo. Jesus Cristo é verdadeiramente Deus e simultaneamente verdadeiro homem. Quando as Escrituras se referem a Jesus Cristo, elas podem estar enfatizando tanto o aspecto humano quanto o Divino de Sua Pessoa. Em Mateus 1.18, por exemplo, está escrito: “O nascimento de Jesus Cristo foi assim…” Por outro lado, em João 8.58, está escrito: “E disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, EU SOU”. Mas como poderia essas duas afirmações a respeito de Jesus Cristo ser igualmente verdadeiras? Como poderia Jesus Cristo ter nascido como um homem e ao mesmo tempo ter existido antes do próprio Abraão de quem ele era descendente? As duas afirmações são igualmente verdadeiras porque na Pessoa de Jesus Cristo havia tanto a natureza humana quanto a natureza Divina. Jesus Cristo existia antes de Abraão, em sua Divindade. Neste sentido, além d’Ele ser anterior a Abraão cronologicamente, era também o Criador do próprio Abraão. “Todas as coisas foram feitas por ele e sem ele nada do que foi feito se fez”. (João 1.3) Mas sob o aspecto humano Jesus Cristo era um descendente de Abraão, passando a existir somente depois dele. É por esse motivo que Tomé não hesitou em clamar prostrado diante de Jesus: “Meu Deus e meu Senhor!” (João 20.28) Não é porque Tomé acreditava que Deus somente passou a existir a partir do momento em que Maria deu à luz seu filho primogênito ou porque Tomé deixou de acreditar em um Deus diferente daquele que já havia sido revelado no Antigo Testamento. É porque Tomé sabia que Jesus, antes de seu nascimento, já existia em sua Divindade.

Sendo assim, em um sentido verdadeiro, poderia ser dito que Cristo a ninguém julgava. Pois o juízo que ele emitia não era outra coisa se não a declaração da verdade cuja origem estava em Deus e não na natureza humana. Como ele diz logo em seguida: “Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, Ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar”. (João 12.49) O erro de seus oponentes era julgar “segundo a carne” (João 8.15), isto é, segundo o padrão humano, como se a verdade tivesse origem neles. Em outra ocasião lemos Jesus falando:“Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça”. (João 7:24) Julgar conforme a reta justiça significa julgar segundo o padrão estabelecido por Deus. Julgar segundo a reta justiça significa se omitir de um juízo cuja origem não está no próprio homem, para ser somente um porta voz do juízo que pertence unicamente a Deus.

Quando refletimos sobre a realidade do juízo de Deus, precisamos refletir sobre o padrão que serve de base para este juízo. Aqueles que ignoram a realidade do juízo de Deus vivem como se jamais serão julgados. Mas aqueles que reconhecem que serão julgados, precisar se perguntar sobre qual padrão servirá de base para este juízo. O juízo de Deus é o fundamento da capacidade humana de discernir adequadamente entre o bem e o mal aqui e agora. Se “Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo” (Romanos 2.16), isso significa que deve existir antes deste Juízo, meios de discernir o padrão deste juízo. A relação entre o juízo de Deus e a necessidade de discernimento antes do Juízo reflete o que Paulo ensinou sobre o litígio entre os membros da igreja de Corinto:

“Ousa algum de vós, tendo uma queixa contra outro, ir a juízo perante os injustos, e não perante os santos? Ou não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo há de ser julgado por vós, sois porventura indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida? Então, se tiverdes negócios em juízo, pertencentes a esta vida, constituís como juízes deles os que são de menos estima na igreja? Para vos envergonhar o digo. Será que não há entre vós sequer um sábio, que possa julgar entre seus irmãos?” (I Coríntios 6.1-5)

O argumento de Paulo era que se os cristãos irão participar do juízo de Deus sobre o mundo no fim da história, eles então devem ser competentes para discernir corretamente entre o bem e o mal aqui e agora. Os santos deveriam ser capazes de constituir juízes justos, pois tinham acesso a revelação de Deus que define o que é justo e injusto. Moisés já havia escrito sobre a soberania do padrão moral revelado pela Lei de Deus em relação ao padrão moral dos pagãos:

“Vedes aqui vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o SENHOR meu Deus; para que assim façais no meio da terra a qual ides a herdar. Guardai-os pois, e cumpri-os, porque isso será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão todos estes estatutos, e dirão: Este grande povo é nação sábia e entendida. Pois, que nação há tão grande, que tenha deuses tão chegados como o SENHOR nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta Lei que hoje ponho perante vós? Tão-somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, que não te esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e não se apartem do teu coração todos os dias da tua vida; e as farás saber a teus filhos, e aos filhos de teus filhos”. (Deuteronômio 4.5-9)

A sabedoria da Lei de Deus em contraste com a flagrante estupidez dos estatutos e ordenanças dos pagãos vinha do fato da Lei ter sido revelada por Deus, tendo nele a sua única fonte e não o entendimento humano e carnal: “Vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o SENHOR”. (v.5) Os cristãos, diferente dos pagãos, tem acesso ao padrão que servirá de base para o julgamento do homem no fim da história e por isso devem ser os mais competentes, aqui e agora, tanto pra julgar entre o bem e o mal. Isto não é baseado no próprio juízo, mas no juízo de Deus.

A reclamação de Paulo aos coríntios é que eles não estavam em conformidade com isso: “Para vos envergonhar o digo. Será que não há entre vós sequer um sábio, que possa julgar entre seus irmãos?” (I Coríntios 6.5) Apesar de terem acesso a revelação de Deus – o único fundamento verdadeiro e seguro de todo juízo correto e apurado – eles não utilizavam da revelação recebida e por isso eram incapazes de julgar entre seus irmãos. É a mesma reclamação feita na carta aos Hebreus: “Muito temos que dizer, de difícil interpretação; porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite, e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino. Mas o mantimento sólido é para os maduros, os quais, em razão do costume, têm os sentidos exercitados para discernir tanto o bem como o mal”. (Hebreus 5.11-14) O autor aqui reclama que os leitores ainda não estavam prontos para compreender assuntos mais complexos porque eles nem mesmo conseguiam dominar os mais fáceis. Apesar de todo o tempo que já eram cristãos, ainda era necessário tratá-los como bebês recém convertidos. O sinal da maturidade, diz ele, era a capacidade desenvolvida de discernir o bem e mal.

Sendo assim, as palavras de Jesus no Sermão da Montanha devem ser entendidas como uma proibição da gente emitir juízo que tenha origem no próprio homem, na opinião humana. O nosso juízo pra ser válido e verdadeiro não pode ser um reflexo de nossa própria carne, mas precisa ser propriamente o juízo de Deus. Não devemos julgar com base naquilo que há em nós mesmos, mas devemos reconhecer e ser porta voz da absoluta soberania do juízo que Deus estabeleceu. Era sobre isso que Jesus estava falando no Sermão da Montanha:

“E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão”. (Mateus 7.3-5)

Se alguém repara no argueiro no olho do seu irmão, mas não se importa com a trave no próprio olho, ela não pode estar julgando conforme a reta justiça de Deus. Ela está julgando com base na própria “justiça”, tendo substituído a Lei de Deus pelas imaginações da própria cabeça. Se estivesse julgando conforme a reta justiça de Deus, ela começaria julgando a si mesma para então proclamar a verdade de Deus ao seu irmão, pois entenderia que a Lei de Deus tem jurisdição sobre todos os homens e não somente sobre os outros.

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