domingo, 14 de abril de 2013

Os atos de justiça de um crente são trapos imundos?




por Kevin DeYoung


Muitos são os cristãos que creem que todos os seus atos justos não passam de trapos imundos. Afinal, é o que Isaías 64.6 parece dizer: até mesmo nossos melhores feitos são imundos e destituídos de valor. Mas não penso ser isso que Isaías quis dizer. Os “atos de justiça” que Isaías tinha em mente eram, muito provavelmente, os rituais superficiais oferecidos por Israel, desprovidos de uma fé e de uma obediência sinceras. Em Isaías 65.1-7, o Senhor rejeita os sacrifícios pecaminosos de Israel. Eles são um insulto ao Senhor, fumaça para seu nariz, assim como a “obediência” ritualista de Isaías 58 não impressionou ao Senhor porque seu povo continuava oprimindo o pobre. Os “atos de justiça” eram “trapos imundos” porque não eram nem um pouco justos. Tinham aparência boa, mas não passavam de farsa, literalmente uma cortina de fumaça para acobertar a incredulidade e a desobediência deles.

Por isso, não deveríamos pensar que todo “ato de justiça” nosso é como trapos imundos aos olhos de Deus. Aliás, no versículo anterior, Isaías 64.5, Isaías declara: “Vens ajudar aqueles que praticam a justiça com alegria, que se lembram de ti e dos teus caminhos”. Não é impossível o povo de Deus praticar atos de justiça que agradam a Deus. John Piper explica:

“Às vezes as pessoas são descuidadas e falam de forma negligente sobre toda a justiça humana, como se não houvesse nada que agradasse a Deus. Muitas vezes elas citam Isaías 64.6 que diz que nossa justiça é como ‘trapo de imundícia’. É verdadeiro – gloriosamente verdadeiro – que ninguém do povo de Deus, antes ou depois da cruz, seria aceito pelo Deus imaculadamente santo se a justiça perfeita de Cristo não nos fosse imputada (Romanos 5.19; 1 Coríntios 1.30; 2 Coríntios 5.21). Mas isso não quer dizer que Deus não produza nessas pessoas ‘justificadas’ (antes e depois da cruz) uma justiça experiencial que não é ‘trapo de imundícia’. Ao contrário, ele o faz; e essa justiça é preciosa a Deus e é exigida, não como fundamento da justificação (que é a justiça de Cristo somente) mas como evidência de sermos filhos verdadeiramente justificados de Deus”.[1]

É perigoso ignorar-se a suposição, e expectativa, da Bíblia, de que a justiça é possível. É claro que nossa justiça jamais é capaz de aplacar a ira de Deus. Precisamos da justiça imputada de Cristo para isso. Tem mais: não temos como produzir justiça em nossa própria força. Mas como crentes nascidos de novo, é possível agradarmos a Deus por meio de sua graça. Os que geram fruto em cada boa obra e crescem no conhecimento de Deus são totalmente agradáveis a Deus (Cl 1.10). Apresentar nosso corpo como sacrifício vivo agrada a Deus (Rm 12.1). Cuidarmos de nosso irmão mais fraco agrada a Deus (Rm 14.18). Obedecer nossos pais agrada a Deus (Cl 3.20). Ensinar a Palavra de forma autêntica agrada a Deus (1 Ts 2.4). Orar por autoridades de governo agrada a Deus (1 Tm 2.1-3). Sustentar familiares em necessidade agrada a Deus (1 Tm 5.4). Partilhar recursos financeiros com outros agrada a Deus (Hb 13.16). Agrada a Deus quando guardamos os seus mandamentos (1 João 3.22). Em linhas gerais, sempre que você confia em Deus e o obedece, ele se agrada disso.[2]

Pensamos ser marca de sensibilidade espiritual considerar tudo que fazemos como moralmente suspeito. Mas essa não é a forma da Bíblia pensar acerca da justiça. Ainda mais importante, tal tipo de resignação não retrata a verdade acerca de Deus. A. W. Tozer está correto:

Um mundo de infelicidade sobrevém a bons cristãos até mesmo hoje, a partir de um falso entendimento de quem Deus é. Pensa-se na vida cristã como algo lúgubre, um carregar de cruz cuja monotonia não sofre solução de continuidade, sob os olhos de um Pai rígido que espera muito e nada desculpa. Ele é austero, rabugento, tremendamente temperamental e extremamente difícil de agradar.[3]

Mas esta não é a forma de se enxergar o Deus da Bíblia. Nosso Deus não é um capataz caprichoso. Não é hipersensível nem inclinado a ataques de raiva por causa da menor ofensa. Ele é tardio em irar-se e cheio de amor (Ex 34.6). “Ele não é difícil de agradar”, relembra-nos Tozer, “embora possa ser difícil de satisfazer”. [4]

Por que é que imaginamos um Deus tão indiferente diante de nossas sinceras tentativas de obedecer? Ele é, afinal de contas nosso Pai celeste. Que pai seria capaz de olhar para o cartão de aniversário feito pela filha e reclamar porque não gostou das cores? Que mãe haveria de dizer ao filho, depois deste limpar a garagem, mas colocar as latas de tinta nas prateleiras errada: “Isso tudo nada vale aos meus olhos”? Que tipo de pai ou mãe reage com impaciência diante do primeiro tombo do filho ao aprender a andar de bicicleta? Não há justiça que nos torne retos diante de Deus exceto pela justiça de Cristo. Mas para os que foram feitos retos diante de Deus exclusivamente pela graça mediante a fé, tendo, portanto, sido adotados na família de Deus, muitos de nossos atos de justiça não só não  são imundos aos olhos de Deus, eles são doces, preciosos e agradáveis a ele.

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Notas:
[1] John Piper, Graça Futura (São Paulo, SP: Shedd Publicações, 2009), pág. 148
[2] Veja Wayne Grudem, “Pleasing God by Our Obedience”, em For the Fame of God’s Name: Essays in Honor of John Piper, ed. Sam Storms and Justin Taykir (Wheaton, IL: Crossway, 2010), pág. 277.
[3] A. W. Tozer, The Best of A. W. Tozer, Volume 1 (Grand Rapids, MI: Baker, 1978), pág. 121.
[4] Ibid.
Trecho do livro A Brecha em Nossa Santidade, próximo lançamento de março da Editora Fiel

Fonte: Blog Fiel

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