domingo, 21 de abril de 2013

Predestinação Dupla?


Por R.C. Sproul

Em qualquer ocasião em que surge o assunto de predestinação ou eleição, a pergunta se segue depressa: "É predestinação una ou dupla?".

A questão mais profunda é como a reprobação ("o decreto da providência referente à condenação dos maus às penas eternas") está relacionada com a eleição. Reprobação é o lado leviano de eleição, o lado escuro do assunto que levanta muitas preocupações. E é a doutrina da reprobação que tem feito aparecer o rótulo de "decreto horrível". Uma coisa é falar na graciosa predestinação à eleição de Deus, mas outra é falar no decreto de Deus, desde toda a eternidade, de que certas pessoas desafortunadas estão destinadas à condenação às penas eternas.

Alguns defensores da predestinação argumentam a favor de uma predestinação única. Mantêm que, embora alguns sejam predestinados à eleição, ninguém é predestinado à condenação ou reprovação. Deus escolhe alguns que definitivamente salvará, mas deixa aberta a oportunidade de salvação para o restante. Deus se certifica de que alguns indivíduos são salvos providenciando para eles ajuda especial, mas o restante da humanidade ainda tem uma oportunidade de ser salva. Eles podem, de algum modo, tornar-se eleitos respondendo positivamente ao evangelho.

Esse modo de ver é baseado mais em sentimento do que em lógica ou exegese. É manifestamente óbvio que se algumas pessoas são eleitas e algumas não são eleitas, então a predestinação tem nela dois lados. Não é suficiente falar em Jacó; também precisamos considerar Esaú. A não ser que a predestinação seja universal, ou para eleição universal ou reprovação universal, ela precisa ser dupla em algum sentido.

Dado que a Bíblia ensina tanto eleição como particularismo, não podemos evitar o assunto de predestinação dupla. A pergunta então não é se predestinação é dupla, mas como a predestinação é dupla. Há dois pareceres diferentes de predestinação dupla. Um deles é tão assustador que muitos recusam completamente o uso do termo dupla predestinação. Essa visão assustadora é chamada de ultimação igual, e se baseia numa visão simétrica de predestinação. Ela vê uma simetria entre a obra de Deus em eleição e sua obra em reprovação. Ela busca um equilíbrio exato entre os dois. Assim como Deus intervém na vida dos eleitos para criar fé em seus corações, assim ele similarmente intervém nos corações dos réprobos para operar descrença. Esta é inferida de passagens bíblicas que falam em Deus endurecer os corações das pessoas.

A teologia reformada clássica rejeita a doutrina de ultimação igual. Embora alguns tenham rotulado essa doutrina de "hipercalvinismo", eu prefiro chamá-la de "subcalvinismo", ou, até mais precisamente, "anticalvinismo". Ainda que o calvinismo certamente mantenha uma espécie de predestinação dupla, ela não abraça a ultimação igual. A visão reformada faz uma distinção crucial entre os decretos positivos e negativos. Deus decreta positivamente a eleição de alguns e negativamente decreta a reprovação de outros. A diferença entre positivo e negativo não se refere ao final (conquanto o resultado de fato seja ou positivo ou negativo), mas à maneira pela qual Deus faz acontecer seus decretos na História.

O lado positivo se refere à intervenção ativa de Deus nas vidas dos eleitos para operar fé em seus corações. O negativo se refere não a Deus estar operando descrença nos corações dos réprobos, mas simplesmente a ele não tomar conhecimento deles e reter deles sua graça regeneradora.

Calvino comenta sobre isso: "Ora, se nós não estamos realmente envergonhados do Evangelho, precisamos necessariamente reconhecer o que está nele abertamente declarado: que Deus, por sua eterna bondade (para a qual não houve nenhuma causa senão seu próprio propósito), nomeou aqueles que quis para a salvação, rejeitando todos os demais; e que aqueles a quem ele abençoou com essa livre adoção para serem seus filhos ele ilumina pelo seu Santo Espírito, para que possam receber a vida que lhes é oferecida em Cristo; enquanto que outros, continuando de vontade própria em descrença, são deixados destituídos da luz da fé, em escuridão total".

Para Calvino e outros reformadores Deus passa por cima dos réprobos, deixando-os a seus próprios inventos. Ele não os força a pecar ou criar novo mal em seus corações. Ele os deixa a si mesmos, com suas opções e desejos, e eles sempre escolhem rejeitar o evangelho.

Uma vez ouvi o presidente de um seminário presbiteriano responder a uma pergunta sobre predestinação dizendo: "Eu não creio em predestinação porque não creio que Deus traz algumas pessoas chutando e gritando, contra suas vontades, para dentro de seu reino, enquanto ao mesmo tempo ele recusa acesso àqueles que sinceramente desejam estar lá". Essa resposta me surpreendeu, não só porque a negação pública de predestinação do presidente violava ostensivamente seus votos de ordenação na Igreja Presbiteriana, mas também porque revelava uma incompreensão radical de uma doutrina com a qual ele deveria estar bastante familiarizado.

A teologia reformada não ensina que Deus traz os eleitos "chutando e gritando, contra suas vontades", para dentro de seu reino. Ensina que Deus opera de tal modo nos corações dos eleitos de maneira a fazê-los dispostos e felizes de vir a Cristo. Eles vêm a Cristo porque querem. Querem porque Deus já criou em seus corações um desejo por Cristo. Do mesmo modo os réprobos não querem abraçar Cristo sinceramente. Não têm nenhum desejo por Cristo e estão fugindo dele.

O conceito de justiça incorpora tudo que é justo. O conceito de não-justo inclui tudo fora do conceito de justiça: injustiça, que viola justiça e é má, e misericórdia, que não viola justiça e não é má. Deus dá sua misericórdia (não-justiça) para alguns e deixa ao restante sua justiça. Ninguém é tratado com injustiça. Ninguém pode acusar que há injustiça em Deus.

Quando Paulo fala de Deus ter amado Jacó e odiado Esaú (Rm 9.13), esse "ódio" divino não pode ser igualado com ódio humano. É um ódio santo (veja Salmos 139.22). O ódio divino nunca é malicioso. Ele retém favor. Deus é "a favor" de seus eleitos de um modo especial, demonstrando seu amor por eles. Ele volta a face daquelas pessoas más que não são objeto de sua graça especial. Aqueles que ele ama com seu "amor de complacência" recebem sua misericórdia. Aqueles a quem ele "detesta" recebem sua justiça. Ninguém é tratado de maneira injusta.

Concluímos que a eleição da qual a Bíblia fala é incondicional. Nenhuma ação prevista dos eleitos faz que eles sejam eleitos ou fornece as bases de sua eleição. As condições para salvação ou justificação são realmente satisfeitas pelo crente, mas são satisfeitas porque Deus fornece essas condições a eles por sua graça soberana. Calvino resume isso do seguinte modo:

Muitos controvertem todas as posições que nós temos colocado, especialmente a eleição gratuita de crentes, que, entretanto, não pode ser derrubada. Pois comumente imaginam que Deus distingue entre homens de acordo com os méritos que ele prevê que cada indivíduo terá, dando a adoção de filhos àqueles que ele sabe de antemão que não serão indignos de sua graça, e condenando aqueles à destruição cujas disposições ele percebe que serão voltadas a danos e maldade. Assim interpondo pré-ciência como um véu, eles não só obscurecem a eleição, como pretendem dar a ela uma origem diferente.

Fonte: Josemar Bessa

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