C. J. Mahaney
Na segunda metade da minha entrevista com Mark Dever, ele descreve um momento importante no início da sua trajetória como pregador, quando ele recebeu uma crítica atenciosa e perscrutadora de um presbítero da igreja chamado Bill Behrens. Depois que Mark pregou um sermão, o presbítero amavelmente chamou a atenção para uma ausência percebida por ele: o Evangelho.
Mas Mark não está só.
Lembro-me da correção dada a um certo um jovem pastor chamado Martyn Lloyd-Jones (na época ainda na faixa dos seus20 anos). Depois que Lloyd-Jones pregou como convidado em certa igreja, um dos pastores da cidade aproximou-se dele para corrigi-lo quanto à sua negligência da cruz. Mais tarde, Lloyd-Jones refletiu nessa correção e escreveu:
Eu era como Whitefield no início da minha carreira de pregação. Primeiro eu pregava a regeneração; que os esforços pessoais de qualquer homem na moralidade e na educação são inúteis, e que nós precisamos de um poder externo a nós mesmos. Eu assumia a expiação, mas não a pregava e nem a justificação pela fé somente. Este homem me fez refletir e eu comecei a ler mais amplamente em teologia.
Se um pastor como Lloyd-Jones precisava dessa correção, se Mark Dever precisava dessa correção, quanto mais todos os pastores precisam dessa correção!
"Depois que Mark pregou um sermão, o presbítero amavelmente chamou a atenção para uma ausência percebida por ele: o Evangelho."
Aqui vai minha experiência pessoal.
Anos atrás, na Inglaterra, eu estava pregando uma série sobre a vida de Davi, recomendando o seu exemplo e comparando-o a Salomão. Ao longo da série eu comparei e contrastei Davi e Salomão e tirei das vidas deles lições pertinentes para pastores.
Ao término do seminário, fui abordado por um homem piedoso, mais velho, chamado Henry Tyler (que havia servido sob Lloyd-Jones). Embora Henry esteja agora com Deus, minha memória dele permanece vívida.
Henry aproximou-se de mim depois da segunda das duas sessões do seminário e – com peculiar cuidado – proporcionou-me encorajamento específico. É claro que me encorajava o fato de que este pastor mais velho, mais bem treinado, mais experiente, tomasse tempo para me encorajar.
Depois de ter me encorajado, Henry sábia e adequadamente fez a transição para manifestar uma preocupação e uma crítica. Com um sorriso carinhoso no semblante, ele levantou a mão direita e apontou para o céu e disse: "C.J., lembre-se: alguém maior que Salomão veio!"
Naquele momento eu ouvi mais que a voz de Henry Tyler. Eu estava imediatamente preso e afetado por aquela declaração. Até hoje posso me lembrar até mesmo do lugar onde eu estava de pé momentaneamente congelado por aquela correção.
"...os puritanos sabiam que o viajante pelas terras bíblicas perde-se no caminho tão logo perca de vista a colina chamada Calvário."
Tudo o que eu ensinei naqueles sermões estava claramente fundamentado nas Escrituras. Entretanto, eu havia falhado em chamar atenção para o enredo da Bíblia. Eu não tinha chamado a atenção para aquele que é maior que Davi. Eu não preguei o Evangelho.
Esta breve e profunda crítica alterou minha pregação daquele dia em diante.
Nunca assuma o Evangelho
Nós nunca devemos assumir o Evangelho. Sempre temos que assumir que aqueles a quem nós servimos precisam ouvir o Evangelho sempre novamente. Qualquer sermão que pregarmos estará incompleto e insuficiente até que nós explicitamente façamos referência a Cristo e este crucificado.
No livro A Quest for Godliness: The Puritan Vision of the Christian Life (Uma Busca pela Piedade: A Visão Puritana da Vida cristã), J.I. Packer escreve:
A comissão dos pastores é declarar todo o conselho de Deus; mas a cruz é o centro daquele conselho e os puritanos sabiam que o viajante pelas terras bíblicas perde-se no caminho tão logo perca de vista a colina chamada Calvário.
Todo sermão deve ter um vislumbre da colina chamada Calvário, porque cada passagem das Escrituras aponta para a cruz. No livro Christ-Centered Preaching (Pregação Cristocêntrica), Bryan Chapell escreve:
Em seu contexto, toda passagem possui um ou mais de quatro focos redentivos. Todo texto é profético quanto à obra de Cristo, preparatório para a obra de Cristo, refletivo da obra de Cristo, e/ou resultante da obra de Cristo.
"Seja na leitura bíblica pessoal de um pastor ou na pregação semanal das Escrituras, nós nunca podemos perder de vista o Calvário. Em todo sermão deve haver algum vislumbre do Calvário."
E porque todo texto bíblico aponta para a cruz, todo tópico deveria igualmente dirigir-nos à cruz. Thomas Jones diz: "Nenhuma doutrina bíblica pode ser fielmente estabelecida diante dos homens a menos que seja exibida em sua relação com a cruz."
A mensagem da cruz é central à comissão do pregador. Deve estar presente em todo sermão, ser cultivada a partir de todo texto da Bíblia e estar embutida em todo tópico e doutrina cuja intenção seja nutrir a igreja.
Estrabismo
Seja na leitura bíblica pessoal de um pastor ou na pregação semanal das Escrituras, nós nunca podemos perder de vista o Calvário. Em todo sermão deve haver algum vislumbre do Calvário.
Minha oração pelos pastores da Sovereign Grace é para que eles construam igrejas que se reúnem esperando por um vislumbre do Calvário. Oro para que até mesmo enquanto a Bíblia é lida antes do sermão, nossas igrejas aguardem com profunda expectativa pelo ponto no sermão em que o Calvário será tornado visível. E quanto mais aparentemente obscura for a passagem, mais excitados eles ficarão de que desta passagem, em algum ponto durante o sermão, a visão espiritual deles será guiada para a colina chamada Calvário.
Por isso nunca perca de vista o Calvário e nunca deixe que aqueles a quem você serve percam de vista o Calvário. Em cada sermão deixe que haja um vislumbre da colina do Calvário e do que estava sendo realizado lá por nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Notas:
• Martyn Lloyd-Jones citado por Iain H. Murray, D. Martyn Lloyd Jones: The First Forty Years (1899–1939) (Edinburgh: Banner of Truth, 1982), p. 191.
• J.I. Packer - A Quest for Godliness: The Puritan Vision of the Christian Life (Wheaton: Crossway Books, 1990), p. 286.
• Bryan Chapell - Christ Centered Preaching: Redeeming the Expository Sermon (Grand Rapids: Baker Books, 2004), p. 275.
• Thomas Jones citado em Christ Centered Preaching: Redeeming the Expository Sermon, p. 271.
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