Robert. H. Srour, em seu livro Poder, Cultura e Ética nas Organizações,
argumenta que a legitimidade do líder pode repousar em três bases
fundamentais, segundo a clássica tipologia de Max Weber: a tradição; a
conjunção da legalidade e da racionalidade; e o carisma.
A
legitimidade tradicional funda-se, segundo o autor, na crença da
santificação dos costumes e das convenções que regeram desde sempre as
condutas. Aqui, as fontes do mando são a herança, a concessão régia ou a
cooptação. Seria, a meu ver, algo próximo do papado católico, muito
embora este apresente traços do que vem a seguir.
Para
Srour, na legitimidade racional-legal, o título é conferido a quem
seguir os rituais de admissão e de capacitação. Assim, a competência
técnica precisa ser comprovada, de forma que prevalecem os critérios de
objetividade, impessoalidade e universalidade, oferecendo a todos os
agentes sociais iguais oportunidades de acesso às posições de comando.
Este tipo pode ser facilmente visualizado nas igrejas históricas, que
exigem de seus pastores, com raras exceções, formação teológica e
vocação, avaliada mediante critérios objetivos, para o sagrado
ministério.
O
último tipo de legitimidade, e mais importante para nós no momento, é a
legitimidade carismática, cuja conceituação do autor irei repetir
integralmente: “Fixa-se na crença de que um agente e suas ordenações têm
caráter providencial, heroico e exemplar. Caracteriza-se pela devoção
dos seguidores à causa do líder, pela veneração de sua pessoa e pela
imensa confiança depositada nele e nas suas qualidades prodigiosas”.
Alguma semelhança encontrada?
Olhando
para a bíblia, vemos que a mesma apresenta em suas páginas os três
tipos de líderes. Os reis de Israel, por exemplo, enquadram-se dentro do
primeiro tipo: legitimidade tradicional. Davi, como exceção, está
dentro do segundo grupo de líderes (sua habilidade como líder e
guerreiro o credenciou diante de seu povo para ser rei). Por fim, Moisés
foi claramente o tipo de líder cuja legitimidade era carismática.
No
Novo Testamento há também exemplos de líderes nestes três grupos.
Obviamente, o que mais nos interessa é o tipo de líder encontrado em
Jesus. Sua legitimidade é, incontestavelmente, carismática. Meu
argumento, e por que não dica, parte desse ponto: Jesus Cristo foi o
último líder carismático nas páginas da Bíblia, e depois dele não houve
nenhum outro em toda a história do Cristianismo.
Talvez
alguém argumente que os apóstolos foram também líderes carismáticos,
mas esta é uma conclusão equivocada, se tomamos como critério as
características apresentadas por Srour. Segundo o autor, os seguidores
do líder carismático o veem como alguém especial e extraordinariamente
agraciado por Deus. Este líder é dotado de grandeza e é capaz de
infundir sua virtude a todos aqueles que quiserem segui-lo para
remodelar a ordem constituída.
Embora
os apóstolos pudessem ser vistos como seres especialmente dotados por
Deus, faziam um caminho contrário em seu discurso, deixando claro, por
vezes, que eram tão somente homens, pecadores e carentes da graça de
Deus. Não se julgavam, logo, possuidores de alguma virtude a qual
poderiam transmitir segundo sua vontade pessoal aos recém-conversos.
Jesus,
por outro lado, dispensava a modéstia, que em seu caso seria realmente
falsa, e não negociava quando se tratava de sua natureza e poder para
perdoar pecados, por exemplo. Ele não apenas pregava a vinda do reino,
mas também colocava-se como ponto central dessa mensagem, ao afirmar que
era “o caminho, a verdade e a vida”, o “pão vivo” ou a “porta” para a
vida eterna. Creio que ninguém em sã consciência acredita que algum
discípulo ousasse referir-se a si mesmo de forma semelhante.
Entretanto,
nos últimos dias (permita-me esse trocadilho) tem aparecido no meio
evangélico um sem número de líderes carismáticos. Obviamente, nenhum
deles é estúpido ao ponto de referir-se a si mesmo com as mesmas
palavras de Jesus. Na verdade, são pessoas bastante inteligentes, a
ponto de fazerem uso da imagem e palavras de Jesus para legitimarem sua
autoridade. O fazem, porém, arrogando para si exclusividade sobre as
divinas revelações.
A
atuação desses líderes, em sua maioria pastores neopentecostais, há
muito é objeto de piadas e críticas em sites, e tratar desse assunto
aqui é praticamente chover no molhado. No entanto, a contribuição que
quero deixar para os leitores é de como identificar esses picaretas que
todos os dias surgem no meio "gospel evangélico" brasileiro, usando,
para isso, os critérios apresentados por Srour.
1. Tome
cuidado quando seu líder revelar ter recebido visões celestiais. Ele
provavelmente está buscando uma maneira de justificar alguma decisão ou
atitude que já tenha tomado ou irá tomar. Para conferir credibilidade à
visão, fará uso de um texto bíblico descontextualizado.
2. Preste
atenção se seu líder inventa práticas/rituais, buscando diferenciar
aqueles que estão em seu curral das ovelhas de outros pastos. Esse é o
método do terrorismo, em que todo aquele que se recusa a participar das
novas práticas e rituais é tido como herege, endemoninhado ou desviado.
Novamente, ele poderá fazer uso de passagens bíblicas fora de seu
contexto.
3. Desconfie
de alguém que faz promessas condicionadas a certos compromissos que
você assumir (em geral financeiros), sejam elas de prosperidade
financeira, sejam relacionadas a dons espirituais. Ninguém pode prometer
qualquer coisa em nome do Senhor. Se as promessas já constam na Bíblia,
e a própria não estabelece nenhuma condição específica para sua
concretização, então não aceite a suposta revelação especial.
4. Abra
bem o olho quando seu pastor passar a se envolver com movimentos
evangélicos duvidosos. Em seguida vem o ecumenismo doutrinário, e
finalmente os passos acima mencionados.
5. Por
fim, para saber se seu pastor tem inclinações para o tipo de líder
carismático, tente usar como critério de comparação o comportamento
apresentado pelo fariseu e pelo publicano, na parábola contada por Jesus
em Lc 18.10-14. É pouco provável que o líder carismático de hoje faça a
oração do publicano, pois isso demonstraria excessiva fraqueza. Se seu
pastor tem o hábito de contar sobre seus longos momentos de oração,
milagres alcançados e revelações divinas privilegiadas, ele está mais
para fariseu e, logo, o típico líder carismático.
Atenciosamente,
Renato César
"Senhor...
não rogo por saúde nem por doença, vida ou morte, mas que possa usar
minha saúde e minha doença, minha vida e minha morte em tua glória"
Blaise Pascal
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