A EXISTÊNCIA ETERNA DO HOMEM
(IMORTALIDADE) parte 1 – por Leonardo Damaso
INTRODUÇÃO
O conceito
de “imortalidade da alma” surgiu nas religiões de mistério na Grécia antiga,
sendo desenvolvido e recebendo grande expressão, porém, nos escritos de Platão
(427-347 a.C),
que foi um dos maiores filósofos da história.
Doravante, no século XVIII, o conceito de imortalidade
da alma foi rigorosamente defendido pela elite intelectual que compunha o
iluminismo europeu. Apesar de não ser uma doutrina distintivamente cristã, a
imortalidade da alma foi considerada uma doutrina superior e distinta do
Cristianismo na epóca.
Contudo, mesmo assim, ela se adentrou tenazmente nos
recônditos da fé cristã e influenciou, de certa forma, o pensamento de muitos
teólogos que trataram deste tema em seus escritos e compêndios de teologia.
PLATÃO E A IMORTALIDADE DA ALMA
Via de regra,
segundo Platão, a alma e o corpo são substâncias que diferem entre si. A alma,
todavia, é a parte imortal do homem. Sua origem é divina e desceu do céus onde
outrora desfrutava, em sua pré existência, de uma alegria indízivel para vir
habitar no corpo, especificamente na “cabeça”.
O corpo, por sua vez, é constituído de matéria e, sendo
assim, é uma substância inferior e de valor pífio em relação à alma, porque na
morte, o corpo se desintegra, mas a alma, que é a parte racional do homem,
retorna para o céu, isto se suas ações enquanto esteve presente na terra
vivendo num corpo tenham sido honoráveis.
Caso contrário, com a morte do corpo na qual habitava, a
alma, que é indestrutível, volta outra vez para habitar em outro homem ou em um
animal.
Todavia,
para Platão, a imortalidade da alma está ligada à metafísica racionalista que enfatiza aquilo que é
racional como algo verdadeiro e superior, e o que não é racional é reputado
como algo inferior.
Desse modo, a alma é considerada como uma substância
superior, indestrutível e, portanto imortal, enquanto o corpo é uma substância
inferior, mortal e passível de ser destruído. Platão considerava o corpo como
um túmulo para a alma que, indubitavelmente, é mais feliz sem ele.
Portanto, de acordo com este conceito, a ressurreição e
a glorificação do corpo que acontecerá no último dia na segunda vinda de Cristo
não são necessárias, uma vez que o próprio Platão não acreditava neste eventos.
EXPLANAÇÃO
Não
obstante, será, então, que vemos nas Escrituras o conceito de imortalidade da
alma sendo ensinado? As Escrituras utilizam esta expressão: “imortalidade da
alma”? Senão vejamos:
1) As distinções de significado do
termo imortalidade
Nas Escrituras, o termo
imortalidade, aparece somente no Novo Testamento por três vezes apenas. Este
termo é usado exclusivamente por Paulo e aparece duas vezes em (1 Cor 15.53-54)
e uma vez em (1 Tm 6.16).
Todavia, devemos observar que o
termo imortalidade não tem o mesmo sentido em cada uma destas duas passagens em
que aparece. Em cada passagem há um sentido diferente.
No grego, existem duas palavras que são
traduzidas pela maioria das versões Bíblicas por imortalidade, que são – αθανασια (athanasia) e αφθαρσια (aphtharsia). Athanasia é a palavra grega utilizada na primeira passagem do Novo
Testamento que acabamos de mencionar, isto é, (1 Cor 15.53-54) .
Portanto, senão vejamos o
significado do termo imortalidade de acordo com o contexto de cada uma das duas
passagens em voga.
a) A
IMORTALIDADE EM RELAÇÃO AO HOMEM
Análise do texto
1 Coríntios 15:53-54 - Pois é
necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e
aquilo que é mortal, se revista de αθανασια (athanasia)
imortalidade. Quando,
porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal,
de αθανασια (athanasia)
imortalidade, então se
cumprirá a palavra que está escrita: A morte foi destruída pela vitória! NVI
Paulo, nesta passagem, ressalta o que vai acontecer não com
todos os homens, mas especificamente com os cristãos que estiverem vivos bem
como os cristãos que já haviam morrido por ocasião da segunda vinda de Cristo (vs.52),
que é um evento designado para o futuro.
O apóstolo, todavia, se refere necessariamente ao efeito
da transformação que ocorrerá não somente nos corpos dos cristãos [vivos e
mortos] em virtude da glorificação, mas na natureza constitucional deles num todo;
ou seja, tanto a parte material (corpo) como a imaterial (espírito) será
transformada e revestida da imortalidade pelo poder Deus.
Embora o
foco da passagem esteja na ressurreição do corpo, ainda assim, não há qualquer
alusão sobre a imortalidade da alma apenas. Paulo não descreve a imortalidade
aqui como uma caracteristica isolada, restrita a alma do cristão; antes, ele enfatiza
a imortalidade da pessoa completa do cristão.
Adão,
por exemplo, se não tivesse pecado contra Deus, viveria para sempre. Não que
ele possuísse em sua natureza a imortalidade, mas que Deus o conservaria pelo
seu poder no estado de imortalidade (Gn 2.16-17). Nessa linha pensamento,
Berkhof escreve:
O termo “imortalidade” é empregado na
teologia para destacar o estado do homem no qual ele está inteiramente livre das sementes
da decadência e da morte. Nesse sentido, o homem era imortal [conservado por
Deus nesse estado - minha ênfase] antes da Queda. Esse estado evidentemente não
excluía a possibilidade do homem se tornar sujeito à morte. Embora o homem, no
estado de retidão não estivesse sujeito à morte, todavia, estava propenso à ela.
Era inteiramente possível que, mediante o pecado, ele se tornasse sujeito à lei
da morte; e o fato é que ele caiu vítima dela.1
Contudo, vale
a pena ressaltar para um entendimento correto do tema em pauta que, o homem, é
uma totalidade, uma unidade psicossomática, um ser unipessoal, e não um ser
dividido em duas ou três partes conforme a dicotomia e a tricotomia salientam.
Não
obstante, a outra palavra grega que geralmente é traduzida por imortalidade é aphtharsia,
que denota “ausência de morte e se
refere a plenitude de vida”.2 Traz a ideia de algo que é impericível.
Esta palavra aparece sete vezes em todo o Novo Testamento.
Em (Rm 2.7), aphtharsia
é usada para indicar o alvo e o motivo da perseverança dos cristãos em buscar viver uma vida
piedosa que glorifica a Deus;
ou seja, a consumação da salvação pela glorificação dos
seus corpos que se tornarão incorruptíveis ou, especificamente – αφθαρσια (aphtharsia) “imperecíveis ou indestrutíveis”; haja
vista que eles, os cristãos, a partir da conversão, já desfrutam não na sua
plenitude, mas de nesgas da glória da salvação eterna.
Entretanto,
em (2Tm 1.10), esta mesma palavra grega mostra
que a obra da redenção dos pecadores eleitos já estava planejada antes da
criação, na eternidade (vs.9), e que na primeira vinda de Cristo ele executou
esta obra que trouxe a salvação e a imortalidade ou αφθαρσια (aphtharsia) “imperecibilidade” a todos quanto o Pai escolheu nele.
Em 1 Coríntios 15, aphtharsia aparece quatro vezes nos
(vs. 42, 50, 53-54). Porém, em nenhuma
destas passagens esta palavra é usada se referindo a parte imaterial do homem,
isto é, a alma.
O adjetivo
grego derivado da palavra aphtharsia,
αφθαρτος (aphthartos), é
também usado sete vezes no Novo Testamento. Aphthartos
é usado na maioria dos casos por Paulo. Em (Rm 1.23; 1 Tm 1.17), esta
palavra é usada para descrever Deus;
em (1 Cor 15.52) para descrever a ressurreição do corpo
e a sua glorificação, que o tornará incorruptível ou, numa tradução mais exata αφθαρτος
(aphthartos) – “impericível
ou indestrutível”. E por fim, em (1 Cor 9.25), a mesma palavra grega é usada
para descrever a coroa incorruptível que é de valor eterno e é a vida eterna
propriamente dita.
Nas três
ocasiões restantes, αφθαρτος (aphthartos) aparece em (1 Pe 1.4), onde se refere a herança incorruptível
ou “imperecível” da salvação, que é sem
mácula, imarscescível e que está guardada nos céus para os eleitos.
No (1.23), este adjetivo denota a semente incorruptível
ou “impericível” da qual os eleitos nasceram de novo e, finalmente, no (3.4), aphthartos salienta a beleza interior “imperecível”
de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor perante Deus. Portanto,
concluímos, então, que as Escrituras não utilizam o termo “imortalidade da
alma”.
Entretanto, alguns
teólogos reformados do passado, como Calvino, Charles Hodge, A.A. Hodge,
William G.T. Shedd e Berkhof, utilizaram e defenderam a expressão “imortalidade
da alma”.
Em suma, este teólogos afirmaram em seus compêndios
teólogicos a “imortalidade da alma” como um tipo de conceito que não prejudicava
em nada o que as Escrituras ensinavam sobre o assunto, mesmo que tal expressão
não exista nas Escrituras.
Charles Hodge, por exemplo, ressalta que
a doutrina protestante acerca do estado da alma depois da morte inclui,
sobretudo, a existência contínua da alma depois da dissolução do corpo. Isso se
opõe não só a doutrina de que a alma é meramente uma função do corpo e com ele
perece, mas também à doutrina do sono da alma durante o intervalo entre a morte
e a ressurreição.3
Calvino, por sua vez, acentua nas
Instituas a imortalidade da alma como um tipo de doutrina4, porém, ele
também admite que o estado de imortalidade não provém da própria natureza da
alma em si, antes, é Deus quem conserva a alma imortal pelo seu poder.5
Também, em seu Comentário Bíblico expositivo de 1
Coríntios, Calvino afirma na interpretação dos (vs.45 e 47) do capítulo 15 que
o homem [Adão] tem uma alma imortal.6
Por outro
lado, em contrapartida, Berkouwer rejeita a imortalidade da alma como um tipo
de doutrina cristã defendida por estes teólogos mencionados. Ele escreve:
As
Escrituras nunca se ocupam de um interesse independente na imortalidade como
tal, não mencionando a imortalidade de uma parte do homem que despreza e
sobrevive à morte sob todas as circunstâncias e sobre a qual podemos refletir
bem à parte da relação do homem com o Deus vivo. 7
Embora não haja
certa unanimidade entre os grandes teólogos reformados do passado acerca da
imortalidade da alma, como, então, entender essa questão? A imortalidade da
alma é um tipo de doutrina mesmo que tal expressão não esteja mencionada nas
Escrituras?
A idéia de imortalidade da alma está em harmonia com o
que as Escrituras ensinam acerca do homem? Em que sentido o homem, no caso o
cristão, é imortal? Vejamos a resposta para estas perguntas de forma mais ampla
a seguir:
b) A IMORTALIDADE EM RELAÇÃO A DEUS
Analíse do texto
1 Timóteo 6.16 - O único que possui αθανασια (athanasia)
imortalidade, que habita em
luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra
e poder eterno. Amém! ARA
Esta é a segunda passagem em que o termo
“imortalidade” aparece em todo o Novo Testamento. Paulo diz aqui que Deus é o
único que possui a imortalidade em sua natureza, isto é, essencialmente, ele é
o único ser imortal e, por conseguinte, habita em luz inacessível, e que nenhum
homem o viu e jamais poderá vê-lo. Acerca disso, Hendriksen escreve:
A idéia de
vida, implícita na imortalidade, naturalmente leva a idéia de luz. Nele [em
Jesus] estava a vida, e a vida era a luz dos homens (Jo 1.4). Esta luz é como o
sol. Necessitamos dele para ver, porém, não podemos fitá-lo, porque seu brilho
é por demais intenso. Nesse sentido, Deus habita na luz inacessível. A metáfora
é ainda mais forte que aquela empregada no Salmo 104.2 (“coberto de luz como de
um manto”). Como uma casa que protege os seus moradores e os esconde ainda mais
quando a luz é inacessível, assim é a própria essência de Deus em virtude do
que ela é, o protege. Daí, o termo luz, como aqui usado, reenfatiza sua
incomparável grandeza.8
John Stott
reitera, mas acrescentando que Deus, por ser invisível, está fora da capacidade
de visão humana e totalmente além da compreensão dos homens, pois ele é aquele
que ninguém viu nem pode ver. O máximo que seus olhos humanos tiveram a
permissão de contemplar foi a sua glória (Ex 24.9-11; Is 6.1-5; Ez 1.28), suas
costas, mas não a sua face (Ex 33.18-23), e suas aparições em teofanias (Gn
16.7-14) ou a sua imagem em seu Filho encarnado (Jo 1.18; 14.6, 8-9; Cl 1.15).9
Desse modo, mesmo na eternidade e com os corpos transformados
pela glorificação e livres da presença do pecado, todavia, ainda sim, os
cristãos não verão a de Deus (Jo 1.18). No entanto, veremos Deus por meio de
Cristo (Ap 22.4; 1 Jo 3.2). Quando a terra for
restaurada por Deus, não haverá templo para cultuarmos a ele, mas o templo será
o próprio Deus (Ap 21.22).
Chegará
o dia em que não seremos mais habitados pelo Espírito Santo e que o papel de
Cristo como o nosso mediador entre Deus cessará, uma vez que habitaremos em
Deus. A nova Jerusalém que desce do céu é a igreja habitando dentro do próprio
Deus!
Contudo, o fato de que habitaremos em
Deus na eternidade, não significa que iremos penetrar ou compartilhar dos seus
atributos incomunicáveis que fazem parte da sua natureza singular e que são
restritos a ele, somente. Não teremos a nossa natureza finita transformada em
infinita; não nos tornaremos onipresentes e, tampouco, onipotentes.
Mesmo
na eternidade e com os corpos transformados pela glorificação, por exemplo, não
teremos em nós mesmos a capacidade de nos mantermos nesse estado para sempre.
Pelo
contrário; seremos mantidos ou preservados pelo Espírito Santo [que também não
o veremos literalmente, pois ele será a esfera de vida na eternidade, veja Ap
22.1-2] nesse estado de glorificação habitando em Deus.
Portanto,
habitaremos em Deus no sentido de que ele irá residir com o seu povo na nova
Jerusalém [a terra restaurada] que será um templo, e este templo será o próprio
Deus (Ap 21.22-24).
Simon Kistemaker corrobora que a presença
de Deus e de Cristo serve como o templo da nova Jerusalém. Deus será o soberano
e Senhor, o todo poderoso, o qual habita com os eleitos na nova Jerusalém. O
templo e a cidade são um e o mesmo.10 Habitaremos em Deus e o veremos
mediante a face de Cristo que é a imagem exata do seu ser (Cl 1.14-15; Hb 1.3).
Em
contrapartida, retomando ao assunto da imortalidade, todos os outros seres que
Deus criou, em adição os homens e os anjos, não possuem na sua natureza a
imortalidade, antes, são mortais e passíveis de serem separados de Deus, como
no caso dos anjos que se rebelaram.
No entanto, há um sentido em que o homem é imortal, porém,
não no sentido essencial como Deus.
Via de regra, a
imortalidade faz parte da natureza de Deus. Sendo assim, a questão da
imortalidade deve ser entendida no sentido de que o homem vai existir para
sempre, que ele nunca deixará de existir mesmo depois da morte vivendo
eternamente com Deus salvo, ou vivendo eternamente perdido em condenação. Dessa
perspectiva, então, o homem é imortal.
Se entendermos a questão da imortalidade no sentido de que
o homem não morre literalmente e
possui uma natureza imortal, não obstante, isto é um equívoco e impossível,
porque, indubitavelmente, o homem morre literalmente
devido ao pecado (Rm 6.23).
Em vista disso, os homens não são mortais somente porque
são separados de Deus por causa de seus pecados, mas são separados de si mesmos,
quando o corpo [que é o homem] se separa do espírito [que também é o homem] na
morte.
Conforme vimos anteriormente, o homem não é um ser dividido em duas ou três partes na sua
constituição, antes, ele é um ser unipessoal
composto de duas partes [material e imaterial] que formam a sua
constituição psicossomática.
Existem casos
de homens mortos espiritualmente que não foram vivificados ou regenerados e
morreram fisicamente. Estes, depois da ressurreição [uma vez que os ímpios
também ressuscitarão para serem julgados], continuarão mortos espiritualmente para
sempre, quando serão lançados no lago de fogo, vivos e conscientes para
sofrerem a condenação (Ap 20.11-15).
Finalmente,
os homens morrem porque recebem vida e a vida lhes é tirada. A imortalidade não
faz parte da essência humana. Por outro lado, a vida é essencial em Deus. Se
Deus morre, ele perde a sua própria essência. Por isso é que ele é o único que
é imortal. A sua imortalidade reside no fato de ele também ser infinito,
espiritual, independente, soberano etc.
2) A revelação geral denota a
existência eterna do homem
A revelação geral é o meio no qual Deus
se revela aos homens, e isto através da criação, consciência e historia, além
de Jesus Cristo pelas Escrituras. Existem várias passagens na Escritura que
falam acerca da revelação geral (veja Sl 19.1-4; 1 Cor 1.21; Hb 1.1-2 dentre
outras). Herman Bavinck escreve:
A revelação geral, apesar de estar
contida na natureza, é, contudo, extraída da Sagrada Escritura, pois, sem ela,
nós, seres humanos, por causa da escuridão de nosso entendimento, nunca
teríamos sido capazes de encontrá-la na natureza. Sendo assim, a Escritura
lança luz sobre nosso caminho através do mundo, e coloca em nossas mãos a
verdadeira compreensão da natureza e da história. Ela nos faz ver Deus onde nós
de outra forma não o veríamos. Iluminados por ela nós contemplamos as
excelências de Deus em toda a expansão das obras de Suas mãos.11
Não obstante,
a revelação geral não tem o poder de salvar ou gerar a fé salvadora numa
pessoa. Por outro lado, alguns teólogos entendem a revelação geral como uma
espécie de “graça comum” sobre os ímpios.
Contudo, em (Rm 1.18-20), Paulo declara que a revelação
geral é meramente uma revelação da ira de
Deus sobre o ímpio, cuja função é deixá-lo sem desculpa perante Jesus no
dia do julgamento final.
Em virtude de preferir viver a sua vida na prática
deliberada do pecado e da sua incredulidade em rejeitar Jesus como o filho de
Deus, Deus e Senhor em sua vida, o ímpio será julgado e condenado ao tormento
eterno no lago de fogo de acordo com a sua responsabilidade, uma vez também que
tal condenação já havia sido determinada por Deus.
Dentre todas as passagens contida nas
Escrituras, indubitavelmente, Romanos 1.18-32 é a passagem que abarca de forma
mais ampla e explícita a revelação geral. Comentando esse trecho de Romanos
1.18-32, Ronald Hanko diz que:
A manifestação de Deus nas coisas que foram
criadas é a razão pela qual ninguém será capaz de se queixar no dia do juízo
que não conhecia a Deus. Se considerarmos Romanos 1, não existe nenhum ateu.
(...) O único resultado dessa manifestação de Deus, no que diz respeito ao
ímpio, é que eles recusam glorificar a Deus, continuam a ser ingratos, e
transformam a glória de Deus, manifesta a eles e neles, em imagens de coisas
corruptíveis (vs. 21-25). (...) Eles, de acordo com Romanos 1, não estão
procurando a verdade, mas suprimindo-a (v. 25). A sua filosofia e religião não
representa um pequeno princípio da verdade ou um amor pela verdade, mas a
verdade recusada e abandonada. (...) A revelação geral, portanto, serve somente
para aumentar a culpa daqueles que não ouvem ou não crêem no evangelho.12
Por meio
destes aspectos que formam o pilar da revelação geral (criação, consciência,
história), Deus não somente se revela ao homem como um ser superior incriado,
supremo, eterno, infinito que está acima de tudo e que criou os céus e a terra,
mas, sobretudo, que a vida não cessa após a morte; antes, que existe vida após
a morte.
Não obstante, já nos primórdios da história e
ao longo dos anos, inúmeros livros e argumentos foram escritos e defendidos por
filósofos e eruditos acerca da imortalidade da alma. Certamente, tais obras
literárias não são absolutamente conclusivas e infalíveis em suas proposições.
Eu quero analisar de maneira breve e
restrita, cinco argumentos principais concernentes a revelação geral baseados
na criação, consciência e história, [com exceção de Jesus Cristo pelas
Escrituras] não somente sobre a existência de Deus, mas também sobre a
existência eterna do homem.
a) O argumento ontológico
Alguns
estudiosos tem argumentado que não existe no mundo pessoas que são céticas ou
descrentes. Eles dizem que a noção absoluta da religião é universal.
Por mais depravados que sejam diante de Deus por causa de
seus pecados – todos os homens – sem exceção, lá no fundo, tem o conhecimento
da existência de Deus e da vida após a morte pela consciência, ainda que este
conhecimento esteja obscurecido pelo pecado.
Para os que não acreditam nisso, existem duas opções: ou a
humanidade está mergulhada numa superstição tola e absurda da existência de
Deus e da vida após a morte; ou o conhecimento da existência de Deus e da vida
após a morte, ainda que distorcido pelo pecado, é presente na consciência de
todos homens. A segunda opção, contudo, me parece ser a mais coerente de acordo
com a fé Crista.
Bavinck
corrobora que há na consciência de todos os homens alguma noção de um ser
supremo sobre o qual não se pode conceber algo que seja mais elevado, e que é
auto existente. Se tal ser não existe, a maior, mas perfeita e mais inevitável
ideia seria uma ilusão, e o homem perderia sua confiança na validade de sua
consciência.13
b) O argumento cosmológico
O argumento cosmológico parte do
pressuposto de que, se algo existe, com base nesse algo, concluísse que há uma causa
primária e suficiente que causou a existência desse algo. Sendo
assim, tudo que tem um começo ou veio a existir tem uma causa primária por de
trás.
Thomás de Aquino disse que o nada
não pode causar a si mesmo, caso contrário teria de conferir existência a si
mesmo [isto é, causar a sua própria existência], o que é impossível. Tudo o que
é causado, portanto, é causado por alguma outra coisa.14
Assim, o mundo, nesse caso, não veio a
existir do nada ou, tampouco, se auto causou. Com base na lógica racional da
fé, entendemos e cremos que o mundo foi criado por Deus.
c) O argumento histórico
Ao longo dos
anos, sempre
houve pessoas, eruditos e filósofos descrentes que negavam a existência de Deus
e da vida após a morte ou da “imortalidade da alma”. Contudo, de forma geral, a
crença na existência disso é estabelecida em várias religiões e entre pessoas
do mundo todo.
Portanto, esta “crença comum” na existência de Deus e da
vida após a morte é baseada em argumentos
históricos que foram passados de geração para geração através de pessoas
e de literatura.
d) O argumento teológico
Em suma, este argumento denota que Deus,
pela sua providência, poder e sabedoria governa com equidade toda a sua
criação, onde nada acontece fora da sua vontade e sem que ele tenha
predeterminado todas as coisas pela sua Soberania Absoluta. Bavinck acentua que:
O mundo, em suas leis e ordenanças, em
sua unidade e harmonia e na organização de todas as suas criaturas, exibe um
propósito cuja explicação seria ridícula na base da casualidade, e que,
portanto, aponta para um ser todo abrangente e todo poderoso que com mente
infinita estabeleceu esse propósito, e por seu poder infinito e onipresente age
para alcançá-lo.15
e) O argumento moral
Este argumento
é uma conseqüência do argumento ontológico e trata do homem como um ser
racional e moralmente responsável pelos seus atos. O homem, todavia, “sente em
sua consciência que é limitado por uma lei que está acima de si mesmo e que
requer obediência incondicional de sua parte. Tal lei pressupõe um Santo e
Justo legislador que pode preservar e destruir”.16 Ou seja, fazer o
que quiser (Sl 115.3).
CONCLUSÃO
Acerca da “imortalidade da alma” ou
simplesmente do termo “imortalidade”, concluímos, então, baseados nos quatro
argumentos de Hoekema no seu livro – A Bíblia e o futuro de que:
1) As Escrituras não utilizam a
expressão “imortalidade da alma”. A palavra imortalidade é aplicada a
Deus, à existência total do homem na hora da ressurreição, e a coisas tais como
a coroa e a semente incorruptível da Palavra, mas nunca para a alma do homem.
2) As Escrituras não ensinam a existência continuada da alma
devido a sua indestrutibilidade inerente. Este argumento está relacionado com a visão metafísica do homem. Na
filosofia de Platão, por exemplo, a alma é considerada indestrutível porque ela
faz parte de uma realidade metafísica superior à do corpo. A alma é considerada
como uma substância não criada, eterna e, por causa disso, divina. Mas as
Escrituras não ensinam esse tipo de conceito da alma. De acordo com as
Escrituras, o homem foi criado por Deus e continua a ser dependente de Deus
para sua existência, não podemos indicar no homem nenhuma qualidade ou qualquer
aspecto do homem que o faça indestrutível.
3) As Escrituras não ensinam que
uma simples existência contínua após a morte seja supremamente desejável,
porém, insistem que uma vida em
comunhão com Deus é o maior bem do homem.
O conceito de imortalidade da alma, como tal, não diz nada acerca da
qualidade de vida após a morte; ele simplesmente afirma que a alma continua a
existir. Mas isto não é o que as Escrituras enfatizam.
O que a Bíblia salienta, é que viver separado de Deus é
morte, e que relação e comunhão com Deus é vida verdadeira. Esta vida
verdadeira já é desfrutada por aqueles que creêm em Cristo (Jo 3.36; 5.24;
17.3). A vida em comunhão com Deus continuará a ser desfrutada pelos crentes após
a morte, conforme Paulo ensina em Filipenses (1.21-23) e em 2 Coríntios (5.8).
É esse tipo de existência após a morte que as Escrituras nos apresentam como um
estado a ser anelado. Elas ensinam que mesmo aqueles que não têm esta vida
verdadeiramente espiritual, continuarão a existir após a morte; sua existência
continuada, entretanto, não será uma existência feliz, mas de tormento e
angústia (2 Pe 2.9; Lc 16.23,25).
4) A mensagem das Escrituras acerca
do futuro do homem é a ressurreição do corpo. (...) De acordo com as
Escrituras, o corpo não é menos real do que a alma; Deus criou o homem em sua
totalidade, corpo e alma. Nem o corpo é inferior à alma, nem é não-essencial à
verdadeira existência do homem; se fosse assim, Jesus nunca poderia ter assumido
uma natureza humana genuína, com um corpo humano genuíno.
No ensino bíblico, o corpo não é um túmulo para a alma
[conforme acreditava Platão e outros], mas um templo do Espírito Santo; o homem
não é completo sem o corpo. Por causa disso, o futuro estado da bênção do
crente não é simplesmente a existência continuada de sua alma, mas inclui, como
seu aspecto mais rico, a ressurreição de seu corpo. Esta ressurreição será,
para os crentes, uma transição para a glória, na qual nossos corpos deverão
tornar-se semelhantes ao corpo glorioso de Cristo (Fp 3.21).17
Em vista de
tudo que tratamos, entendemos que o conceito de imortalidade da alma não pode
ser considerada uma doutrina legitimamente cristã. Pelo contrário, o ponto central
que rege a escatologia bíblica correta é o conceito da ressurreição do corpo.
A palavra imortalidade, portanto, deve ser aplicada não
a alma de forma isolada, mas, sobretudo, ao homem como um todo e apenas ao
cristão. Embora o impio também existirá para sempre, porém condenado no lago de
fogo, todavia, na Escritura, os cristãos é que são chamdos de imortais porque
somente eles possuem a vida eterna em Jesus Cristo.
Portanto, o corpo do homem [cristão] ainda será
transformado através da ressurreição no último dia para, assim, desfrutar
plenamente da imortalidade com Deus na
eternidade de corpo e alma.
NOTAS:
1-
Berkhof. Teologia Sistemática, pág 668.
2- William Hendriksen. 1, 2
Timóteo e Tito, pág 260.
3- Charles Hodge. Teologia Sistemática, pág 1547
4-
Calvino. As Institutas I, capítulo XV, 2, pág 186.
5- Ibid. III, capítulo XXV, 6, pág 454-455.
6-
Calvino. 1 Coríntios, pág 496, 499.
7-
Antony Hoekema citando Berkouwer
em seu livro: A Bíblia e o Futuro, capítulo 8.
8- William Hendriksen. 1, 2
Timóteo e Tito, pág 261.
9- John Stott. A mensagem de 1 Timóteo e Tito, pág 163.
10- Simon Kistemaker.
Apocalipse, pág 719-720.
11- Herman Bavinck.
Teologia Sistemática (Socep), pág 40.
12- Ronald Hanko. Doctrine
according to Godliness. Reformed Free Publishing
Association,
pág. 8-9.
13- Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág
42.
14- William Lane Craig citando Tomás de Aquino em seu
livro: Apologética Contemporânea, pág 93.
15- Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág
42.
16- Herman Bavinck. Teologia Sistemática (Socep), pág
43.
17- Antony Hoekema. A Bíblia e o futuro, capítulo 8.
Extraído de: http://www.materiasdeteologia.com
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