“Todos os povos da terra são como nada diante dele. Ele age como lhe agrada com os exércitos dos céus e com os habitantes da terra. Ninguém é capaz de resistir à sua mão ou dizer-lhe: “O que fizeste?” (Dn 4:35, NVI).
A tragédia de Tsunami que afetou principalmente a Indonésia e Sri Lanka levantou antigos questionamentos acerca da Providência de Deus. Inclusive a fatídica questão se Deus é poderoso e bom, como pôde acontecer tamanha tragédia? Se Ele é onipotente e nada fez, resta-nos pensar que não é bom. Mas, se Ele é bom e nada fez que pudesse evitá-la, a conclusão óbvia é que não é onipotente? Artilharia pesada volta-se contra Deus. Mas não há necessidade de corrermos em auxílio do Senhor. Ele não precisa de advogados!
Não pretendo com este artigo defender ou justificar os atos de Deus. O soberano juiz não precisa de advogados. Ele não é um réu sentado e acusado numa cadeira num canto indefeso. Nem mesmo solicitou para que justificássemos o porque Ele fez, ou deixou de fazer!
Os teólogos adeptos do Open Theism têm usado como munição argumentos que questionam a chamada “concepção clássica de Deus”. Como este movimento de “reformar nosso entendimento de quem Deus é” ainda está desenvolvendo os seus tentáculos, não podemos generalizar todos os seus intérpretes, e esperar que todos tenham o mesmo raciocínio e conclusões. Mas o zigoto desta heresia está fecundado e precisa ser abortado.
Deus continua sendo Deus. A ortodoxia tem declarado um só Deus em três Pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Que Ele é perfeito, imutável, independente, infinito, eterno e pessoal, santo, bondoso, sábio, justo, verdadeiro em seu Ser. É Criador e Senhor de todas as coisas. É providente em todas as Suas obras. A Sua soberania é absoluta sobre tudo e todos.
Diante de tais tragédias nossa cosmovisão em relação a Deus pode ser resumida basicamente a três opções. Primeiro, podemos vê-lo como um Deus culpado. Isto pressupõe que embora sendo soberano é indiferente às necessidades da humanidade, Deus tem o dever de cuidar da humanidade, e não o faz, sendo por isso irresponsável, torna-se culpado por nossas calamidades. Segundo essa perspectiva somos vítimas nas mãos de Deus. Devemos honestamente refletir: Ele sente prazer no cheiro de sangue? Talvez, a primeira reflexão que devemos fazer é se Deus realiza o bem-estar de suas criaturas por dever, ou por graça? O próprio Senhor nos escolheu para um relacionamento pactual em amor. Amou de tal maneira, que enviou o Seu unigênito para morrer tão humilhante e dolorosa morte em nosso lugar. Cristo recebeu toda a punição que era nossa. O nosso inferno foi derramado sobre Ele na cruz! Deus Pai jorrou a Sua ira contra o Seu amado Filho. Esta é a graciosa mensagem do Evangelho, não uma interpretação teológica medieval, concebendo Deus como um mero déspota suserano em sua vil administração feudal. O apóstolo Paulo diz que “nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Co 1:23, NVI).
Na segunda opção teremos que concluir que Ele é um tolo incapaz. Ou, Deus é um tolo, pois, não sabe o que é melhor para as suas criaturas, ou é incompetente para realizar o melhor para o bem-estar delas! Esta concepção de Deus nivela o Criador com a criatura. Ele é um de nós melhorado. Mas nem tanto! Se Deus decidiu não saber, Ele também poderia ser considerado um irresponsável diante da tragédia. Pois se Ele tivesse exercido a Sua onisciência, então Ele poderia saber e fazer o melhor! Mas se Ele decidiu não saber o que aconteceria, então foi incompetente para evitar a calamidade. Assim, Deus não pode ser considerado Deus, pois havia uma força maior em ação enquanto Ele estava apenas observando passivamente o que estava acontecendo, assustado com o que para Ele era imprevisto, incapaz de conter o mal, e agora senta e chora, pois, não consegue nem sequer enxugar as lágrimas da tragédia que não pôde evitar! Tolo ou incompetente por não exercer a Sua onisciência? Ou ambos? Qualquer pessoa com um pouco de sensatez numa situação tão óbvia saberia o que escolher e fazer. Mas o soberano Deus adverte “pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”; declara o SENHOR. “Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do os seus caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os seus pensamentos” (Is 55:8-9, NVI).
A última opção é receber como verdade o que Deus revela de Si mesmo na Sua Palavra. Deus é absolutamente soberano. Toda a criação está sob o Seu meticuloso cuidado. Todos os acontecimentos, mesmo as tragédias mais dolorosas, fazem parte do seu propósito eterno. Mas ao mesmo tempo em que Ele cuida, também exerce juízo sobre a criação. O exercício parcial de Sua ira manifestando-se em punições temporais, também coopera na Sua Providência. O apóstolo Paulo declara com vigorosa convicção que“sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito” (Rm 8:28, NVI). Ele tem domínio sobre o mal, a ponto de poder transformá-lo em bem (Gn 50:20).
Pecadores não são coitadinhos, e Deus não é terrorista. Vamos fingir que os países afetados pela tragédia do maremoto eram países inocentes diante do santo Deus? Fecharemos os olhos para os pecados da Índia, Sri Lanka, Tailândia e Indonésia? Países que vendem as suas filhas por pouco mais do que $5,00 dólares para tornarem-se escravas sexuais. Cidades costeiras que promovem o turismo sexual aberto, de crianças inclusive, e tudo legalizado pelo governo! Que cultivam a mais crassa idolatria, com seus suntuosos templos consagrados para a adoração de ratos, macacos, morcegos, cobras e outros animais peçonhentos, como religião oficial do estado! Com a sua cultura pagã reproduzindo dia a dia a miséria social como reflexo de seu estado moral e espiritual. Deus perdeu o direito de ser justo! A ira de Deus tornou-se passiva, ou foi afrouxada?
O que diríamos do inferno? Um Deus de amor condenaria pobres humanos que viveram na ignorância do Evangelho, e por causa de sua cultura pagã tiveram uma vida miserável, e ainda por fim seriam condenados a sofrer a punição divina por toda eternidade, não tendo em vida, nem após a morte, um instante de alívio de seu sofrimento existencial? Não é de se estranhar que o próprio Clark H. Pinnock tenha abandonado a crença de uma punição final eterna [1]. Ora, o Deus que não tem supremacia para decidir sobre os vivos, não pode condená-los após a sua morte!
Deus não deveria também amar os demônios? Se os demônios são Suas criaturas, como os seres humanos, por que razão Deus os despreza tanto? Deus na eternidade não sabia da conspiração de Satanás, ou não pôde evitá-la? Mas, mesmo depois de caídos e contaminados pelo mal, Deus não poderia, por amor, dar uma segunda chance? Afinal, qualquer um poderia se encontrar na mesma condição se estivesse absolutamente sem a influência da graça de Deus! Deus não se importa com o sofrimento dos demônios? Estas são questões que sinceramente desejaria que um teólogo do Open Theism respondesse.
Podemos imaginar adeptos do Open Theism parafraseando Gn 1:26: façamos Deus a nossa imagem e semelhança. Esta tem sido a tarefa destes teólogos. Reconstruir uma teologia de Deus que limita a Si mesmo, tornando-se mais frágil e um pouco mais humano. A sua transcendência permanece sendo uma de Suas perfeições. O profeta Isaías registra “com quem vocês vão me comparar? Quem se assemelha a mim? Pergunta o Santo” (Is 40:25).
Redefinir a nossa concepção de Deus não enxugará as lágrimas dos olhos dos enlutados. O Open Theism não é capaz de consolar ninguém. Que consolo pode ter alguém ao ouvir: Deus quis, mas não pôde fazer nada! Ou, Deus não previu este acidente. Ouvir que Deus está chorando comigo, porque não pôde fazer nada, não conforta, apenas aumenta a incredulidade e o desespero. Quem afinal governa o mundo? Seria a pergunta mais responsável a se fazer.
Deus não fica impassível diante do sofrimento. Na boca do profeta Ezequiel Ele diz: “Teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o SENHOR. Ao contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver?” (Ez 18:23, NVI). O Senhor consola os abatidos. É Ele quem ordena “aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46:10, ARA). Ele em Sua Providência sustenta toda a criação “porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5:45, NVI). Sendo que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (Tg 1:17, NVI). No fim, quando Ele retirar a maldição e restaurar toda a criação (Rm 8:18-25), então “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21:4, NVI).
Deus não necessita de advogados. Ele é o “Eu Sou o que Sou” (Êx 3:15).
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Notas:
[1] - Clark H. Pinnock, Deus Limita Seu Conhecimento in: Predestinação e Livre-Arbítrio (São Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1996), pp. 173-197.
[2] - Clark H. Pinnock, The Destruction of the Finally Impenitent in: Criswell Theological Review, Spring 1990, vol. 4, número 2, pp. 243-259.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Igreja Presbiteriana de Cerejeiras – RO
Prof. de Teologia Sistemática do STBC – Extensão Ji-Paraná
Fonte: Monergismo
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