Recentemente tive uma breve discussão com outro cristão sobre a natureza da libertação efetuada em cada um de nós no processo da conversão. O posicionamento do irmão em Cristo que comigo debatia era o de que Deus transforma os desejos do homem pecador, de modo que até os pensamentos pecaminosos são por este abandonados.
A despeito das conclusões a que possam chegar os mais profundos estudos teológicos sobre o assunto, eu somente os considero válidos para minha vida se estes passarem pelo crivo da vida real, ou seja se confirmarem, se possível, na prática cristã. Essa foi uma maneira que encontrei para manter-me sempre com pelo menos um dos pés no mesmo chão sobre o qual pisa a imensa maioria dos cristãos, com seus problemas e conflitos diários. Vale salientar que a experiência pessoal não é base para fundamentação de qualquer doutrina, pois para isso temos as Sagradas Escrituras. Eu apenas utilizo esse método como teste de confirmação ou negação das hipóteses levantadas.
Pois eu acredito ser exatamente este o calcanhar de Aquiles dessa tão difundida "teologia da conversão", para não falarmos em soteriologia, que é um tema bem mais amplo. Muitos afirmam que cristãos são libertos de seus vícios e pecados recorrentes juntamente com a transformação que se segue com a conversão. Embora seja verdade inconteste que a mente do cristão é restaurada no sentindo de passar a reconhecer o pecado e suas implicações, não posso concordar que em decorrência disso suas inclinações carnais também o sejam. Talvez em uma minoria dos casos. Mas, para a maioria, na qual me incluo, o que vejo são tentações e embates diários vividos contra pecados tantas vezes repetidos, em muitos casos vindos desde antes da conversão.
Ainda não tive o privilégio de conhecer a fundo um cristão que não sofresse com as mesmas tentações ao longo de sua vida, embora deva admitir que conheci alguns poucos que passaram a sentir nojo, não apenas moral, mas físico, de certas práticas que exerciam antes da conversão. Contudo, uma teoria não pode ser fundamentada em exceções, e é exatamente o que são estes casos de testemunhos de transformações excepcionais no modo de vida: alcoólatras que passaram a sentir a bebida amargar na boca, ex-drogados que não suportam mais sequer o aroma do cigarro e por ai vai. A lista é longa, mas estou certo de que ela não se aplica à maioria de nós, que sofre com seus pecados secretos, seus espinhos na carne que por algum motivo Deus não retira. Creio que quase todos os ex-viciados em alguma coisa precisam se policiar dia após dia para não voltarem a incorrer nos mesmos vícios. Essa concepção pode ser, por exemplo, verificada numa das principais filosofias do AA: Só por hoje...
A grande verdade é que todos nós temos de lutar diariamente, e batalharemos até nosso último dia nesse mundo decaído contra as inclinações pecaminosas de nossa natureza decaída (1 Co 7:15-25). Deus transforma nossa mente, muda nossa consciência a respeito do pecado, mas nós continuamos a pecar. Entretanto sabemos que ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados (1 Jo 1:9). O que diferencia o justo do ímpio não é a transformação dos desejos carnais em espirituais, mas a mudança na vontade de seguir ou não a esses desejos e o arrependimento que vem quando o justo comete pecado (1 Jo 8-10).
Todos nós teremos de travar nossa guerra santa interior em busca de nos santificarmos para o Senhor, enquanto o ímpio permanece em suas práticas carnais, morto no lamaçal do pecado. Nós, conversos, caminhamos sobre esse lamaçal, por vezes escorregando e caindo, mas sempre incomodados e arrependidos, buscando evitar a próxima queda. E essa regra vale para todos os pecados, desde o da fofoca até o da homossexualidade.
Assim é a vida do autêntico cristão: lutar e manter-se de pé o maior tempo possível, devendo ao mesmo tempo ter plena consciência de que sobre ele não vem tentação à qual não possa resistir (1Co 10:13), mas também tendo por certo que Deus jamais desprezará um coração contrito e verdadeiramente arrependido, mesmo que o dono desse coração peça-lhe perdão 70x7 vezes pelo mesmo pecado (Mt 18:21-22).
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