sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

As cicatrizes da batalha: reflexões a partir do suicídio de um pastor - Juan de Paula


Fonte: Revista Teologia Brasileira

Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino; persevera nessas coisas. Dessa forma, salvarás tanto a ti mesmo como os que te ouvem (1Tm 4.16; A21).
Introdução

Recentemente um colega escreveu em uma rede social uma reflexão sobre um pastor que havia se suicidado. Posteriormente a mídia evangélica começou a divulgar matérias sobre um pastor que havia se enforcado quando havia retornado da igreja a sua casa. Deixou esposa e dois filhos. Há indícios de que ele lutava contra a depressão.

Pode parecer novidade no Brasil, mas nos Estados Unidos tem sido comum a notícia de pastores que se suicidam. Porém aqui já há matérias sobre pastores que abandonam o ministério.1
Minha intenção aqui não é julgar ou tentar responder o que aconteceu com aquele pastor. Eu não o conhecia. Apenas desejo lançar uma reflexão sobre a guerra em que os pastores se encontram. Sim! Guerra! Até porque todos os cristãos encontram-se numa guerra. E os pastores estão na linha de frente da batalha. No front!



Com meus poucos anos de caminhada pastoral já vi e ouvi muita coisa. E já vivi algumas. Meu sentimento é de compaixão pela família e pelo colega que agora descansa nos braços do pai. Não acredito que um cristão que se suicida vai para o inferno. Essa é uma das muitas “crendices dos crentes”, parodiando o pastor e professor Luiz Sayão. Não há base bíblica alguma para tal “achismo”. Porém, isso é assunto para outra postagem.

O pastor e escritor Renato Vargens salientou que 

mais de 90% dos pastores levam para casa a bagagem ministerial. Dados confirmam que 75% dos pastores dedicam menos de uma noite por semana a seu cônjuge e amizades. Cerca de 80% dos pastores creem que o ministério afetou suas famílias de uma maneira negativa. Setenta por cento dizem que não têm alguém que consideram amigo mais chegado e 97% dizem que não foram preparados adequadamente para enfrentar assuntos que encontram na igreja.2
O que leva um pastor a abandonar o pastorado? Por que alguns se suicidam? Não são homens de Deus ungidos e capacitados pelo Espírito Santo para tal tarefa? Não deveriam ser os mais maduros?

Seria presunção dizer que tenho todas as respostas. Não as tenho. Mas baseado na caminhada, tendo a Escritura Sagrada como fonte para todas as áreas da vida, guia de fé e prática, e contando com mestres e professores que ao longo dos séculos a estudam, interpretam e ensinam, vou levantar alguns pontos que para mim têm sido servido como direção. Claro que não posso afirmar que tudo que escreverei tem a ver com o caso que inspirou a postagem. Como escrevi, repito, não posso julgar; posso me compadecer. Apenas usarei esse caso para levantar questões relacionadas ao ofício pastoral.

1 – O cuidado consigo mesmo

No texto de 1Timóteo 4.16, o apóstolo Paulo orienta um jovem obreiro chamado Timóteo, seu filho na fé, a cuidar de seu próprio coração. Isso nos traz a certeza de que o pastor deve cuidar de si mesmo antes de cuidar do rebanho. Richard Baxter escreveu sobre isso em 1656 em seu clássico O pastor aprovado, reeditado com outro título Manual pastoral do discipulado.3 
Então como o pastor pode cuidar de si próprio?
1.1 – Sendo realista com sua própria condição

Algo negativo para os pastores é a alta expectativa sobre a sua pessoa e sua família. Isso pode ser evidente pelo positivismo na cultura brasileira, e também pela cultura do legalismo que há muito tempo dominou o cenário evangélico e ainda hoje continua fazendo estragos. Mas a principal fonte é o coração humano das pessoas com o ídolo de controle que leva a dominação. Membros de igrejas controladores, ou não, podem fomentar uma alta expectativa quanto ao pastor. 

Isso faz com que ele esqueça a sua própria condição de humano, pecador, vaso de barro, carente e necessitado da graça de Deus como todos os demais. É bem verdade que para ingressar no pastorado ele precisa de certo tempo de caminhada, maturidade no evangelho e conhecimento bíblico. Comentarei isso mais adiante. Mas ele é um ser humano e como tal tem pontos fracos, hábitos culturais e hobbies, fome, sede, ri, chora, fica sério e brinca. Alguns são introvertidos, outros extrovertidos. Uns são simpáticos e alegres, outros são sisudos e de poucas palavras na forma de tratar as pessoas.  

Diferentes pessoas, todos são unidos pelo vínculo da raça humana. São feitos de carne, osso, coração, afeições, emoções e vontades. Um pastor deve sempre ensinar a sua igreja que ele é um ser humano e expor a dificuldade de uma alta expectativa da congregação em questões fora das Escrituras.

1.2 – Avaliando seu próprio coração, suas motivações para o ingresso ao ministério pastoral


Existe um debate na tradição evangélica se há uma chamada interna baseada em um sentimento subjetivo nas afeições ou se o pastor se voluntaria para o serviço ministerial cristão, pois a Escritura não dá base para o “chamado interno”. 

Mesmo que não seja o foco aprofundar esse tema,  é válido chamar atenção no sentido de que o pastor deve analisar as suas motivações para ingressar no ministério pastoral. Lembro das aulas do meu mentor, o professor Franklin Ferreira, que afirmou que muitos entram para o ministério para serem amados. Outros por tradição familiar, outros por motivos de ver o ministério não como vocação, mas como profissão.

Não estou afirmando nem julgando a motivação do pastor que se suicidou, muito pelo contrário, ouvi que era um homem de Deus. Estou apenas usando a situação como exemplo para refletir sobre o ofício pastoral.

Para ingressar no ministério, o homem deve enxergar evidências internas e externas, sua maturidade espiritual e crescimento no conhecimento das Escrituras, se gera vida na comunidade e se a igreja, sua comunidade de fé, reconhece seu chamado. O aspirante a pastor nunca deve planejar o ministério como um projeto individual e independente de uma igreja.

1.3 – Tendo mentores e amigos na caminhada


 Este é um ponto importantíssimo e nevrálgico. Muitos afirmam que o ministério pastoral é solitário. Mesmo sendo verdade, é uma cultura que precisa acabar urgentemente. Como ser humano o pastor precisa de relacionamentos, amigos, parceiros no ministério.

Confesso que não é fácil. Quando envolve posição, recursos e poder, o coração humano rapidamente revela qual é o seu verdadeiro tesouro. Alguns pastores optam pela solidão e por não ter equipe (auxiliares, adjuntos, presbíteros) por causa da competição interna. Jay Bauman, missionário norte-americano no Brasil, em uma das mensagens da 5ª Conferência da Atos 29 no Brasil, salientou que um dos maiores pecados dos pastores é a cobiça. Por isso, pastores se trancam em si próprios e não desenvolvem amigos e parceiros de ministério e, em alguns casos, acabam na bolha da solidão. Isso contribui muito para depressão e tristeza profunda. 

É fundamental um pastor ser mentoreado. Ele pode ter um mentor mais experiente com quem caminhou durante anos, ao lado, ou pode ter uma pluralidade de mentores. Ele deve se aconselhar frequentemente para tomada de decisões importantes, manter algum contato, ser confrontado quanto as motivações, ser encorajado. A síndrome do messianismo, muito comum na América Latina, faz com que pastores se isolem e se sintam os salvadores da pátria. Como isso é errado e tem consequências terríveis! Há exemplos claros de pastores que têm problemas morais e quando são confrontados percebe-se que se isolaram. Pastores precisam de pastores. Não se faz o ministério sozinho. Timóteo se tornou um modelo nesse sentido. O ministério do evangelho é feito em mentoria. Pastores treinam pastores. Pastores formam pastores. 

Outro aspecto é ter irmãos de caminhada. Não mentores, mas irmãos. O mentor geralmente é alguém com mais experiência, possivelmente (mas não é uma regra) com mais idade. O irmão de caminhada é alguém com a mesma faixa etária e tempo de experiência (ou não, não é necessariamente uma regra). O pastor deve se encontrar com esses colegas para refeições, se possível com as famílias. Devem rir juntos e celebrar a bondade de Deus na vida. Compartilhar as lutas e dores no ministério. Sempre evitando a cobiça e o mito da grama mais verde do vizinho.

Em filmes de guerra, vejo que quando um soldado é ferido na batalha, seus companheiros de força o carregam em seus ombros. Se houver algum egoísta na tropa considerará o militar, ou agente atingido, peso morto e impedimento para a missão. Muitos pastores quando veem um colega atingido e ferido o consideram peso morto. Isso é horrível! Verdadeiros irmãos de caminhada carregam o ferido no ombro.

1.4 – Tendo ferramentas vocacionais

Um dos aspectos que traz muitas dores aos pastores é o campo financeiro. Em tempos de tele-evangelistas ricos pode parecer brincadeira, mas não é. A realidade de muitos pastores que pregam o evangelho com seriedade é muito dura. Alguns em igrejas muito pequenas, que não conseguem sustentá-los, muitas vezes têm de trabalhar fora, ou seja, ser bivocacionais.4 O ideal é que todo pastor tenha uma ferramenta. A carpintaria de Jesus ou a tenda do apóstolo Paulo, parodiando uma fala do Pastor Gilson Santos da Igreja Batista da Graça em São José dos Campos – SP.5 

1.5 – Observando suas mudanças constantes 

Dependendo da denominação, pastores são deslocados para outros Estados e muitas vezes a esposa, filhos ou ele próprio não têm boa capacidade de viver em um ritmo parecido com o de militar. Antes de almejar o ministério em denominações de constantes deslocamentos, o aspirante ao pastorado deve avaliar se tem essa facilidade de adaptação. O médico Dr. Pérsio Gomes de Deus, neurologista, é especialista em tratar de pastores. Filho de pastor presbiteriano, lecionando no curso de Teologia da Universidade Mackenzie, em 2009, disse que mudanças constantes são fator que leva muitos pastores e suas famílias a um alto nível de stress. 

Ele é mestre em ciências da religião e sua dissertação foi sobre a depressão em pastores. Em uma de suas aulas ele salientou que o stress pastoral é equiparado ao de um policial ou motorista de ônibus de grandes centros urbanos. Ele escreve “Do contato no atendimento médico aos pastores, sabe-se que, em razão das condições peculiares e particulares do exercício do pastorado, estes, a exemplo dos líderes de outros segmentos da sociedade, apresentam inúmeras variáveis que tornam especialmente difícil para eles lidar com estados de fragilização, como o fato de estar doente; o fato se agrava se essa doença for um estado depressivo”.6 

1.6 – Tratando dos pecados não tratados

De longe, novamente escrevo, não associo isso ao pastor que se suicidou. Mas muitos pastores sofrem por não terem alguns maus hábitos tratados. A Palavra de Deus orienta muito bem que todo pecado deve ser confessado e o arrependimento (abandono do pecado e retorno a Cristo) deve ser praticado (Salmo 51). Infelizmente, alguns pastores que se desencantam com o ministério (e, às vezes, com o próprio evangelho) começam a ter casos extraconjugais. Soberba, orgulho e cobiça são pecados comuns entre pastores.

1.7 – Observando se sua identidade está em Cristo ou no ministério


Quando a identidade de discípulo de Jesus Cristo não está no pastor e ele é guiado e definido pelo ministério, este se torna um ídolo em sua vida e ocorre uma troca de prioridade. Entretanto é preciso salientar que o ministério é importante porque é de Cristo; ele é que é o mais importante! Se a identidade do pastor está no ministério, suas afeições e sua alegria serão afetadas, pois somos criados para sermos satisfeitos em Deus por meio de Cristo, e Jesus é a nossa fonte maior de satisfação. Todas as outras coisas criadas e boas para a humanidade são reconhecidas como dádivas da bondade e da graça do Senhor.

Um aspecto relevante é o pastor saber, em sua identidade em Cristo, quais são os seus dons espirituais e talentos ministeriais. Certa vez o Rev. Ronaldo Lidório, missionário presbiteriano e doutor em antropologia cultural, ao expor Efésios 4.10-12 em uma palestra, tratou da questão do pastor conhecer seus dons e seu chamado; por exemplo, um pastor com vocação missionária se sentirá frustrado ao exercer um pastoreio local, mais sacerdotal, assim como um pastor local que ama cuidar de pessoas poderá se sentir frustrado se servir somente ocupando uma cátedra acadêmica no seminário.7  Claro que há pastores que amam servir à igreja e ensinar, e missionários que também lecionam. Mas no serviço ao Rei, o servo deve discernir, conhecer e se aprimorar em quais são os talentos dados por Deus refletindo a Trindade Santa em que há uma unidade divina na diversidade de pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo).

Naquele desenho animado chamado Os Incríveis, quando em um dado momento a família protagonista deixa o posto de super-heróis, e o pai vai trabalhar como vendedor de seguros, ele se sente totalmente frustrado por não estar exercendo sua vocação. Claro que cada caso é um caso, mas o princípio geral fica através do mandato cultural em Gênesis 1—2 que nos leva a sermos apaixonados pela nossa vocação. Essa noção aparece, popularmente falando, quando chamam o trabalho de lazer, pelo aspecto passional e deleitoso do exercício da vocação.

Esses são pontos relevantes para a sondagem do próprio coração e o cuidado próprio. Agora vou refletir sobre evidências externas que podem ser prejudiciais ao coração do pastor.

2 – Evidências externas que podem causar danos aos pastores

No ponto 1, levantei questões referentes ao pastor consigo mesmo. Agora quero levantar questões coletivas, externas, do ambiente onde o pastor está inserido.

2.1 – Quando a igreja tem expectativas irreais de seu pastor

Já refleti sobre esse aspecto no primeiro ponto. Aqui volto a ele com um olhar coletivo, da igreja para com o pastor. A igreja deve aprender que seu pastor é humano. Ele pode chegar domingo preocupado com o filho que dormiu com febre. E por ele não ter dormido por causa da febre do filho pode não estar de bom humor ou desatento por causa do sono e não sorrir ou dar o cumprimento ao membro da igreja.

Como a igreja é lugar para tratar feridos, há muitas pessoas com deficiência afetiva. É perfeitamente normal e saudável quando pessoas procuram a cura de suas feridas em Jesus Cristo e na comunhão da família de Deus chamada igreja. O problema é quando elas não são tratadas e/ou não progridem em seu amadurecimento espiritual causando grandes transtornos aos seus pastores. 

Igreja, seu pastor é um ser humano. A família dele também.

2.2 – Quando a igreja é liderada ou composta por pares imaturos ou pessoas não convertidas

Outro problema é quando a igreja não compreende bem o evangelho e tem um conselho/diretoria de membros às vezes não regenerados, ou seja, não nasceram de novo, não são convertidos, ou são bastante imaturos no evangelho e caem na soberba. Geralmente, essas pessoas viciadas em poder são extremamente cruéis podendo levar o pastor e sua família a uma forte crise.

É desgastante para um pastor quando, por exemplo, uma família ou famílias que fundaram a igreja, se sentem donas levando o pastor a exercer manobras políticas, muitas vezes até ilícitas, para permanecer no ministério. Como diz o pastor norte-americano Mark Dever, da Capitol Hill Baptis Church “falsas conversões levam a igreja ao suicídio”.8 

2.3 – Quando a mentalidade de mercado invade a igreja

Não sou contra a economia de mercado, mas esta tornou-se um ídolo na igreja. A lógica de mercado invadiu a igreja e desenvolveu a filosofia do pragmatismo, ou seja, grosso modo, os meios justificam os fins. O rebanho que custou o sacrifício de Jesus passou a ser visto como uma clientela.

A questão é que crente não é cliente, evangelho não é produto, igreja não é empresa e Reino de Deus não é mercado. Uma igreja dirigida por uma lógica do mercado e a síndrome do sucesso pode causar um enorme desgaste ao pastor.9 

Somos chamados para sermos fiéis. Somos guiados pela Palavra, ou seja, pela teologia bíblica e não pelo mercantilismo. Noé teve poucos convertidos em sua comunidade da aliança na Arca; Jeremias não chegou a ver um só convertido; em relação ao próprio Jesus, apesar de pregar para multidões, a narrativa bíblica não fala de muitos discípulos. Na crucificação, muitos o abandonaram; após a ressurreição, alguns o viram em sua ascensão ao Pai. A fidelidade é a resposta à graça de Deus e o alvo é a sua glória, o crescimento é dado pelo Senhor (At 2.47), mesmo que o mandamento de pregar o evangelho e fazer discípulos (Mt 28.20, Mc 16.15) seja claro para a igreja.

Há um abismo entre a praticidade e o pragmatismo. Segundo Tim Keller, pastor presbiteriano em Nova Iorque, EUA, devemos ser práticos, não pragmáticos.

3 – Apontando caminhos para o cuidado do pastor, tanto por si mesmo quanto por sua comunidade


É de responsabilidade pessoal do pastor cuidar de si próprio, e também de sua igreja providenciar o cuidado do guia do rebanho. Isso não tira a humanidade do pastor, mas auxilia em diversos aspectos.

Com muito cuidado, reflito algumas direções mesclando a teologia bíblica (não apenas citar textos, mas pensar através deles, lidos e interpretados dentro do seu contexto histórico e gramatical, dentro de parâmetros bíblicos), história da igreja, particularmente a tradição reformada, e a experiência prática de pastores. 

3.1 – Tenha o Jesus que é pregado como sua realidade total e única fonte de satisfação

Não quero ser utópico nem ingênuo aqui. Eu sei muito bem que em certos momentos o lado humano fala mais alto, que nem sempre somos espirituais, que lutamos com tristeza e abatimento e que o descontentamento existe em nós (alguns mais e outros menos). Mas precisamos conhecer e nos relacionar de forma vibrante e robusta com o Jesus que pregamos. Nossa relação com Deus deve buscar ser íntima e profunda.

Isso acontece de forma devocional. Tempo devocional: leitura da Bíblia, meditação e oração é essencial, digo, ESSENCIAL para todo crente, ainda mais o pastor. A agenda não pode deixar a devocional à deriva senão todo trabalho acontecerá fora da base certa. Na devocional, em caso de abatimento, a leitura de Salmos, Filipenses, 1 e 2Tessalonicenses, 1 e 2Timóteo e Tito (as chamadas epístolas pastorais) e Hebreus (caso esteja sendo perseguido ou ausente de esperança) certamente serão abençoadores em sua caminhada.

Para se aprofundar em contentamento sugiro a leitura dos livros de John Piper. Seu moto ministerial é “Deus é mais glorificado em nós quando estamos plenamente satisfeitos Nele”. Não é depositar a confiança em um homem, mas aprender com um ancião que lutou para encontrar alegria em Deus e foi chamado para espalhar material sobre isso aos quatro cantos da terra. Você pode ler Em busca de Deus, Graça futura, suas séries biográficas, Os cisnes não estão silenciosos, publicadas por Shedd Publicações,10 devocionais comoPenetrados pela palavra, provai e vede e Uma vida voltada para Deus, ambas publicadas pela Editora Fiel,11  dentre outros do autor, que nos encoraja e capacita a lutar contra a incredulidade e o descontentamento.

3.2 – Use o sofrimento como uma oportunidade para se identificar com Cristo em seu sacrifico substitutivo na Cruz do Calvário

Colossenses 1 e 2 nos chama a nos identificarmos com o sofrimento de Cristo quando sofremos ao exercermos o ministério. Não estou minimizando a dor de cada um, sabemos o quanto dói. Mas uma vez enxergando o sofrimento da perspectiva da realidade de Cristo, a graça de Deus nos manterá fieis e no ministério enquanto sofremos.
E assim como nos identificamos com ele na cruz quando atravessamos o vale do sofrimento, também mantemos a esperança da ressurreição quando não haverá mais choro e nem sofrimento (Ap 20.4-5).

3.3 – Respeite seus limites

Isso quer dizer entender o momento de tirar folga, férias, um tempo sabático e até mesmo sair um tempo do ministério. Não há nada errado ou desonroso em tomar essa atitude.

Ultrapassarmos os nossos limites é um perigo real que pode causar um dano enorme. Em caso de dar um tempo, ou tirar uma licença do ministério, caso esteja lutando contra depressão é saudável estar sendo acompanhado por outro pastor para que ele cuide do seu coração. Alguns anos atrás, o conhecido John Piper fez isso ao ficar um ano fora do pastorado de sua igreja local.12  Ele é americano. Aqui no Brasil, há uma forte cultura legalista que impede que o pastor faça isso. Por isso deve ser incentivada uma cultura do pastor se tratar. A atitude do Piper foi nobre!


O pastor pode ir para uma igreja de um pastor mais experiente ou de um pastor que atua na área de aconselhamento. Deve-se tomar cuidado com a alta expectativa de se ter mais um membro no staff pastoral ou de alguém na equipe vê-lo como uma ameaça à própria posição. O pastor em tratamento deve estar em uma igreja saudável, sob a liderança de outro pastor saudável para que sua cura seja promovida pelo evangelho. Deve se afastar e fugir de qualquer movimento com marca política dentro ou fora de uma denominação para evitar desgaste. Deve evitar reuniões desgastantes como conselho ou assembleia. Seu foco é a revitalização do seu coração através da fé redentora em Jesus. Nessa comunidade, respeite o tempo de silêncio, se for o caso. Somos, como pastores, acostumados a dar e formar opinião, mas nem sempre o momento é ideal. Eclesiastes 3 oferece enorme sabedoria nesse sentido.

Há pastores feridos em ministérios titulares, que se recuperaram e depois voltaram como auxiliares ou em um departamento ou ministério específico. Há alguma sabedoria nisso.

3.4 – Leve a depressão a sério

Sabe-se que, numa postagem, não dá para definir o que é depressão e quais são as suas causas,  nem é o propósito aqui. Mas a realidade tem mostrado que ela existe, inclusive em crentes e em pastores (Salmo 42.5).

O pastor Wilson Porte Junior, quando entrevistado sobre a possibilidade do crente ter depressão, afirmou categoricamente que a depressão também é uma realidade para os filhos de Deus. E que, em momentos de grande aflição, o cristão jamais é abandonado por Deus; por mais que se sinta só Deus está sempre presente.13 

Nesta mesma linha, o pastor e professor David Murray, do Puritan Reformed Theological Seminary (Grand Rapids, Michigan, EUA), escreveu um livro intitulado Crente também tem depressão, no qual afirma biblicamente a realidade de sintomas em filhos de Deus que são iguais aos que levam ao diagnóstico da depressão hoje. Segundo Murray, isso é uma falácia  porque “o falso sentimento de culpa associado à falsa conclusão de que crentes de verdade não entram em depressão”.14 

O puritano Richard Baxter salienta, em um sermão para auxiliar cristãos que enfrentavam depressão (na época chamada de melancolia), no século 17, que a tristeza excessiva “nos engole”.15 O Doutor Martin Lloyd-Jones, notável pregador com formação e exercício da medicina, também afirma a realidade da depressão entre os crentes quando escreve que “há um tipo de pessoa que é vulnerável ao problema da depressão espiritual”. 16

Murray salienta “é necessário muito cuidado para se chegar a uma conclusão sobre a nossa própria condição ou a dos outros. É importante relembrar os dois princípios que governam nosso entendimento sobre a depressão: evitar os extremos e buscar o equilíbrio”.17 

Então, há uma necessidade de desmitificar a ideia de que o pastor está imune a depressão. O fenômeno deve ser tratado com cautela e de forma multifatoral. Tratamento é fundamental para que o obreiro seja restaurado, e que tanto ele quanto sua família sejam beneficiados, restaurados e desfrutem de uma vida plena no Senhor.

3.5 – Deleite-se nas coisas boas da vida


A Escritura revela que todas as coisas que Deus criou são boas (cf. 1Tm 4.4). Aproveite as coisas boas da vida dentro do que for possível a você, dentro da sua realidade. Comer em um bom restaurante, ouvir boa música, ver bom filme, fazer passeios, viajar para um lugar legal. Sei que muitos amados pastores lutam com problemas financeiros. Mas há irmãos e colegas que generosamente hospedam ministros para repouso e passeio. Dependendo do local, em nosso país há ricas belezas naturais que podem ser desfrutadas.

Exercício físico é fundamental para a saúde, pois libera endorfina que causa sensação de bem estar. Óbvio que, sem Cristo, isso vira mais um ídolo; adoração de coisas criadas ao invés do Criador. Mas é uma excelente ferramenta na saúde física e mental do pastor que, afinal, é um ser humano criado à imagem e semelhança de Deus.

3.6 – Tenha amigos

Muitos pastores afirmam que um dos seus maiores inimigos é a solidão. Seres humanos não foram criados por Deus para viverem sozinhos por isso há o aspecto do mandato social na Criação. 

A Bíblia afirma e reconhece o valor da amizade (Pv 17.17; 18.24) e o pastor não está isento da necessidade de ter bons amigos. Conforme mencionado anteriormente, há pecados e ídolos, como cobiça e inveja, que impedem que pastores venham a formar fortes laços de amizade.

Sem cair na ingenuidade de negar essa realidade, há a esperança de que os corações daqueles que proclamam o evangelho e cuidam do rebanho do Supremo Pastor formem tais laços e mantenham uma cobertura mútua. Uma igreja liderada por uma pluralidade de presbíteros que compreendem o que é uma vida centrada no evangelho colherá os benefícios da amizade entre os líderes da congregação. O pastor deve sim ser cercado de boas amizades e desfrutar disso como uma benção do Senhor.

3.7 – Frequente conferências para pastores, congressos, eventos, qualquer coisa do gênero que tenha como público alvo, pastores e líderes de igrejas


Conferências ou eventos do gênero são uma benção na vida do pastor e de sua família. Sei que os que lutam com dificuldades financeiras podem se sentir privados. A Editora Fiel tem um projeto chamado Adote um Pastor,18  coordenado pelo Pr. Kevin Millard, em que o pastor é adotado por uma igreja mantenedora, recebe livros gratuitamente e verba para a conferência (podendo estar com esposa ou não). Eu fui adotado durante 3 anos e posso dizer que, sem gastar muito, desfrutei de excelentes semanas em Águas de Lindoia, em hotéis com boa infraestrutura, além das palestras edificadoras e encorajadoras.

Conferências e eventos são excelentes para se encontrar com colegas, conhecer outros, abrir o coração, fazer contato e ser edificado e encorajado. É uma benção! Se possível, a igreja deve apoiar financeiramente o pastor a frequentar tais conferências. É um investimento no seu pastor e a própria igreja!

Seminários teológicos devem fazer encontros de formados para oferecer também cuidado pastoral aos que já estão pastoreando. Deve-se tomar cuidado com o corpo docente, pois professores liberais, conservadores mortos, sem paixão uo politizados, podem influenciar o aluno negativamente com suas mágoas e feridas. Os professores devem ser cuidadosos e pastorais, mostrando ao aluno a realidade ministerial, mas também o privilégio de servir a Cristo e a esperança que o evangelho nos traz.

Conclusão

Que o cuidado do pastor seja compreendido por ele próprio e pela igreja e não tratado de forma leviana ou legalista. Que seja mais debatido, refletido, e as leituras e direções pautadas nas Escrituras, na boa tradição evangélica e na sabedoria, e que venham a abençoar os pastores que militam no ministério do evangelho.

Lista bibliográfica de material para encorajamento e apoio a pastores

Baxter, Richard. Manual pastoral de discipulado. Trad. Elizabeth Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
Baxter, Richard. Superando a tristeza e a depressão com a fé. São Paulo: Arte Editorial, 2008. 
Deus, Pérsio Ribeiro Gomes de. “Um estudo da depressão em pastores protestantes”. Revista ciências da religião – história e sociedade, v. 7, n.º 1. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2009.
Harvey, David. Eu sou chamado: a vocação para o ministério pastoral. São José dos Campos: Fiel, 2013.
Lloyd-Jones, D. M. Depressão espiritual. São Paulo: PES, 1996.
Murray, David. Crente também tem depressão. Recife: Os Puritanos/Clire, 2012. 
Patrick, Darrin. O plantador de igreja. São Paulo: Vida Nova, 2013.
Piper, John. Irmãos, nós não somos profissionais: um apelo aos pastores para terem um ministério radical. São Paulo: Shedd Publicações, 2009.
Piper, John. Os cisnes não estão silenciosos. São Paulo: Shedd Publicações, 3 vols., 2002-2010.
Vargens, Renato. Feridos na batalha. Niterói: Scrittura Editora, 2011.

_____________________
1http://www.cristianismohoje.com.br/materias/igreja/pastores-feridos. Acesso em 07/10/2014.
2Vargens, Renato. Feridos na batalha. Niterói: Scrittura Editora, 2011.
3Baxter, Richard. Manual pastoral de discipulado. Trad. Elizabeth Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
4O autor deste artigo escreveu algumas postagens sobre este tema em seu blog pessoal: http://juandepaula.blogspot.com.br/2012/04/ministerio-pastoral-tem-que-ser-tempo.htmlhttp://juandepaula.blogspot.com.br/2012/04/ministerio-pastoral-tem-que-ser-tempo_12.htmlhttp://juandepaula.blogspot.com.br/2012/04/ministerio-pastoral-tem-que-ser-tempo_17.html ehttp://juandepaula.blogspot.com.br/2012/04/ministerio-pastoral-tem-que-ser-tempo_18.html 
5Ponto salientado em e-mail pessoal com o autor do artigo.
6Deus, Pérsio Ribeiro Gomes de. “Um estudo da depressão em pastores protestantes”. Revista ciências da religião – história e sociedade, vol. 7, n.º 1. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2009, p. 199.
7Palestra Plantando e pastoreando igrejas missionais em http://www.youtube.com/watch?v=kOQsN9a_ROI&spfreload=1#
8http://voltemosaoevangelho.com/blog/2013/05/falsas-conversoes-o-suicidio-da-igreja-mark-dever-pregacao-completa/. Acesso em 08/10/2014.
9Uma excelente literatura que aborda esse fenômeno é Wagner, Glenn. Igreja S.A: dando adeus à igreja-empresa e recuperando o sentido da igreja-rebanho. São Paulo: Vida, 2001 (esgotado).
10www.vidanova.com.br
11www.editorafiel.com.br
12http://www.desiringgod.org/articles/john-pipers-upcoming-leave. Acesso em 07/10/2014.
13http://voltemosaoevangelho.com/blog/2014/03/pode-um-crente-ter-depressao/. Acesso em 08/10/2014.
14Murray, David. Crente também tem depressão. Recife: Os Puritanos/Clire, 2012, p. 17.
15Baxter, Richard. Superando a tristeza e a depressão com a fé. São Paulo: Arte Editorial, 2008, p. 26.
16Lloyd-Jones, D. M. Depressão espiritual. São Paulo: PES, 1996, p. 17. Lloyd-Jones trabalha especificamente a relação da depressão com a vida espiritual. O livro anteriormente citado de Davi Murray já trabalha um diálogo maior com as ciências como a psiquiatria, medicina e a psicologia, ainda que afirme sua vocação como pastor e teólogo e recorra a fontes e autoridades de outras áreas do saber quando necessário, chamando de “luz da natureza”. Richard Baxter também demonstra em seu livro, ao encorajar cristãos com depressão, um diálogo com a ciência no século 17.
17Murray, op cit., p. 35.
18http://www.adoteumpastor.com.br/

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