A glória de Deus cabe num abraço

Quando faltava pouco tempo para minha filha nascer fiz um curso de primeiros-socorros para pais de primeira viagem. A professora, uma enfermeira, contou uma história cuja fonte ignoro e os detalhes me fogem agora à memória. Mas basicamente era o relato de uma experiência de um dos reis franceses pré-Revolução que decidiu estudar o que acontece com as pessoas quando há falta do contato humano. Pelo que me lembro da história, ele mandou recolher ao palácio um grupo de órfãos recém-nascidos, que não deveriam ser tocados por ninguém. Para as necessidades essenciais, as amas que cuidavam dos bebês deveriam usar luvas grossas. No restante do tempo eles viveriam isolados. O resultado é que em pouco tempo, mesmo bem alimentadas e medicadas, todas as crianças morreram. Em suma: sem afeto o indivíduo definha.

Leia, por favor, devagar e com muita atenção essa conhecida passagem, que você já leu muitas vezes. Mas tente ler como se fosse a primeira: “Então, o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me. E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e não te assistimos? Então, lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer. E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna” (Mt 25.41-46).
Pense: não é interessante que Jesus tenha posto comida e bebida no exato mesmo patamar que dar acolhida a um forasteiro solitário, socorro ao que passa vergonha por sua nudez, carinho e preocupação por quem está isolado ou dedicação ao que vive uma situação de carência emocional devido à saúde debilitada? Será que foi à toa?

Assim, a religião verdadeira e a demonstração de amor a Cristo estão intimamente ligadas à entrega de si pelo próximo. E não estou falando de ação social, luta de classes ou envolvimento institucional da igreja em causas de caridade. Mas à devoção individual e pessoal em forma de conforto e carinho. A gestos feitos por pura preocupação com o bem-estar alheio, seja o carente uma pessoa pobre ou rica. Ao mais autêntico amor desinteressado. Quer glorificar Deus, meu irmão, minha irmã? Ame o próximo. Demonstre afeto. Dedique seu tempo ao outro. Cuide. Nutra. Ampare. Solidarize-se. Esteja junto. Viva a dor dele. Viva a nudez dele. Viva a fome e a sede dele. Viva as perdas dele. Viva as cadeias dele. Viva a solidão e o pavor dele. Sinta o outro na sua pele. Na melhor metáfora: abrace.

Fala-se muito de cristãos que pecam, e com razão. Temos de fugir do pecado e não há o que discutir sobre isso. Mas fala-se pouco ou quase nada sobre cristãos que pecam por não amar o próximo. É um pecado invisível. E tenho a firme convicção de que há mais cristãos que não amam seus semelhantes do que cristãos que adulteram, fumam ou bebem álcool. Mas quem se importa, não é? Desobedecer o primeiro mandamento não escandaliza ninguém.
A maior causa da crise que a Igreja vive atualmente e do nosso descrédito entre os não cristãos é a falta de amor ao próximo. Muitos ficam chateados quando livros como “Feridos em nome de Deus”, de Marília Camargo (editora Mundo Cristão), expõem o desamor que existe entre nós, achamos que “roupa suja se lava em casa”. Mas… o que está ali não é a pura verdade? Não é o que ocorre? Tenhamos peito para assumir. E mais peito ainda para começar a amar de fato e não só de palavra. Pedro, tu me amas? Então cuida dos meus. Você ama a Cristo? Cuide.

Deus amou entregando o próprio Filho. E você, que perda é capaz de sofrer para demonstrar amor? Que risco está disposto a correr para amar o próximo? Quão fundo afundaria o pé na lama pelo outro? O quanto de si você tem peito de entregar em solidariedade por quem sofre, por quem te ofendeu, por quem pecou, por quem não merece? As respostas a essas perguntas podem mostrar que tipo de cristão você é: um agente da graça, da misericórdia e do amor ou um servo do legalismo, dos lugares-comuns e do egoísmo.
Ofereça afeto. Dê carinho. Doe presença. Oferte seu tempo. Ame. Ou, em outras palavras: seja um cristão. Isso é glorificar Deus mais do que qualquer outra coisa – está lá, na Bíblia, para quem quiser ver. E Jesus agradece. Pela comida, pela bebida, pela roupa, pela visita, pelo amor. Pelo abraço, enfim.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
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Maurício
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