Apesar de tudo, acontecem certas ações que mesmo cometidas por
ignorância foram condenadas, com obrigação de serem reparadas. Lemos
nas Sagradas Escrituras o Apóstolo dizer: “Obtive misericórdia porque agi
por ignorância” (1 Tm 1,13). E o rei-profeta: “Não recordes, ó Senhor,
meus desvios da juventude e os meus pecados por ignorância” (Sl 24,7).
Existem também ações condenáveis, ainda que praticadas por
necessidade. Isso quando pretende agir bem e não o consegue. Pois de
onde viriam estas palavras: “Não faço o bem que eu quero, mas pratico o
mal que não quero? E estas outras: “Pois o querer o bem está ao meu
alcance, não, porém, o praticá-lo” (Rm 7,19.18)? e ainda: “A carne tem
aspirações contrárias ao espírito e o espírito contrárias às da carne.
Opõem-se reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis” (Gl 5,17)?
Mas tudo isso pertence aos homens, enquanto suas ações são
derivadas da primitiva condenação à morte. Pois senão existisse aí
uma punição dada ao homem, mas apenas uma conseqüência de sua
natureza, não haveria nesses atos pecado algum.
Na verdade, se o homem não se afasta nisso da condição conforme
à qual foi criado naturalmente, de modo que não pode se encontrar num
estado melhor, ele está executando o que deve, ao fazer essas coisas.
Todavia, se o homem fosse bom, agiria de outra forma. Agora,
porém, porque está nesse estado, ele não é bom nem possui o poder de se
tornar bom. Seja porque não vê em que estado deve se colocar, seja
porque, embora o vendo, não tem a força de se alçar a esse estado melhor,
no qual sabe que teria o dever de se pôr. Assim sendo, que duvidaria que
haja aí uma penalidade?
Ora, toda penalidade se for justa é a punição do pecado e
denomina-se castigo. Se nossa condição fosse injusta, visto que ninguém
hesita a ver aí uma penalidade, é bem evidente que teria sido imposta ao
homem por algum denominador injusto.
Ora, só um louco duvidaria da onipotência e da justiça de Deus.
Logo, a penalidade é justa, e está destinada a punir algum pecado.
Posto que nenhum dominador injusto poderia subtrair o homem ao poder de Deus, sem que ele o percebesse.
Tampouco, arrebatá-lo desse mesmo Deus, contra a sua verdade, como se
fosse algum adversário menos forte, empregando ameaças ou violência,
para depois vir a atormentar os homens com punições injustas. Resta,
portanto, que essa justa penalidade é fruto da condenação do homem.
Agostinho de hipona
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