sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Por que a Expiação?


Baillie intenciona neste capítulo procurar a razão por traz da expiação, como parte da Obra de Cristo. A primeira pergunta que levanta já havia sido dita por Alselmo de Cantuária séculos antes, durante o período do Escolasticismo Católico. Contudo, a princípio Baillie levanta questões que provavelmente são ouvidas em sua época sobre a realidade da fé cristã. Uma pergunta que teria sido muito ouvida durante a história do Cristianismo é a seguinte: “Seria isto verdade?”. A profundidade deste questionamento demonstra que a preocupação dos antigos cristãos estava voltada para a veracidade da sua fé. Contudo, no tempo de Baillie, o questionamento parece muito mais superficial, pois diz-se “Tem importância?”. Ou seja, os cristãos estão se perguntando se existe valor ou importância na existência de Deus amoroso que revela-se ao homem. “Tem alguma importância, para mim, na vida real, a existência desse misteriosos ser chamado Deus? Importa que eu creia em sua existência mais do que saiba de existência de alguma estrela distante, invisível a olho nu?” (pp.179).

A conclusão que se chega é que “Se tais perguntas inquietantes são freqüentes, é por que, sem dúvida, a Cristandade anda muito afastada dos próprios conhecimentos elementares do ensino cristão. Sugere também que nós, cristãoas, não estamos fornecendo explicações e informações adequadas do que cremos” (pp.180). Certamente os problemas não estão nas perguntas, pois são adequadas, mas na falta de respostas.

Algumas questões a serem consideradas: “Por que Deus se fez homem? Com que propósito Cristo desceu do céu? Será que a encarnação fazia parte do plano original e terno de Deus para a humanidade, como o verdadeiro fim da coroa da criação? Ou se tornou necessária somente por causa da Queda do Homem e a conseqüente necessidade de redenção? Teria Cristo vindo, se Adão não tivesse pecado? Se o homem não tivesse caído, a Encarnação ocoreria de maneira talvez diferente e sob condições diversas? Foi somente para morrer na Cruz, pela salvação humana que Cristo se encarnou? Seria necessário que a salvação humana se verificasse através desse único método? Não poderia Deus ter salvo o homem de outra forma, talvez menos custosa, mediante simples Fiat de sua vontade?” (pp.180).

Tais perguntas históricas do cristianismo são, sem dúvida, cruciais para a consolidação da fé cristã. Contudo, não é possível responde-las satisfatoriamente sem que alguns conceitos anteriores sejam tais como o problema do pecado e do perdão, da expiação e da reconciliação (1Tm.1.5; Mc.10.45; 1Jo.4.10). Por isso, “devemos responder a estas perguntas e tentar compreender o significado do perdão dos pecados na vida cristã, expor a compreensão de modo real e vital, e daí voltar à quetãos da expiação e sua conexão com a Encarnação” (pp.180-1).

A Necessidade do Perdão de Deus

Normalmente se ouve que o homem moderno não se preocupa com o pecado e sua realidade. Aliás, há quem diga que o sentido do pecado e da necessidade de perdão é muito estranhos à mente moderna. Contudo, Dr. Reinhold Niebuhr, em 1939, não podia deixar de falar da consciência complacente do homem moderno: “A universalidade dessa consciência complacente, entre os modernos, é tanto mais surpreendente quanto mais se expressa, sem restrições, em uma época de decadência social bem semelhante ai apogeu da cultura burguesa dos séculos XVIII e XIX” (pp.183).

A indiferença com relação à existência do pecado e da preocupação com suas conseqüências foi normalmente aplicado ao medo do juízo e castigo deles, seja neste mundo como o vindouro. Para eles, mais importante é o erro que a penitência, pois o primeiro permanece inalterado e pertence ao passado e não pode ser desfeito nem mesmo com muitas lágrimas penitenciais. O importante é futuro. Portanto, deixando para trás os erros, procurando repara-los a medida do possível, sigo com minha auto-expiação e não me importo nem me perturbo com os meus pecados e com o perdão dele.

O pensamento moderno não pode subsistir a realidade. Como disse Niebuhr: “Sobre o perpétuo sorriso da modernidade há uma careta de desilusão e cinismo” (pp.186). Se considerarmos o homem simplesmente como tendo uma “mera moral”, um ser apenas consciente de seus erros, ser simplesmente um moralista. Para o moralismo moderno não existe solução, pois jamais poderia perdoar-se a si mesmo. Não existe auto-perdão, ou conceito de liberdade moral que supra as acusações de uma consciência normal. Portanto, aqui demonstra-se o fracasso da vã moralidade desprovida de vida de fé. “Este esforço não terá sucesso, por que se centraliza no eu em vez de ter Deus no centro, e esta á a verdadeira raiz do mal. E quanto mais ansioso, mais desesperado se torna, por que não há maneira alguma que sirva para tratar de suas próprias falhas. O pobre moralista é orgulhoso demais para perdoar a si mesmo, e deste modo a auto-retidão e o auto-desespero se encontram, impedindo a salvação da alma” (pp.187-8).

Contudo, quando nos orientamos para Deus, a situação muda de figura, pois a moralidade, não torna-se “mera moralidade”, mas constitui-se Moral absoluta, transformada e saudável, como parte integral da fé. Assim, não existe apenas a consciência do erro, mas a certeza de um mal orientado contra Deus, uma desobediência e violação completa da vontade de Deus, bem como a traição do seu amor incondicional. Ou seja, o homem moderno, em sua concepção da vida meramente moral e moralista não tem “o segredo salvado para enfrentar suas faltas morais” (pp.189). Portanto, sua tristeza é a tristeza do mundo que produz a morte, que deveria transformar-se em tristeza segundo Deus que produz arrependimento para a salvação que a ninguém traz pesar, por que leva ao perdão (2Co.7.10).

A conclusão que se chega é que não existe resposta suficientemente completa para a questão moral do homem sem que exista o padrão moral absoluto. Não existe solução para o homem, como ser moral, em suas próprias forças e limitações. Não existe quem escape da verdade, veracidade e realidade do pecado como degradador da humanidade do homem. Se, temos pecado em não o negamos, temos certeza de que a verdade está em nós e que, “se confessarmos os nosso pecados ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo.1.8,9).

Perdão e Castigo?

A questão em pauta neste tópico é relacionada a existência do perdão na inevitabilidade de um castigo para o pecado. “Temos o caso de um homem que pela sua vida pecaminosa adquiriu doenças e incapacidade físicas, ou perdeu o emprego e as melhores perspectivas, caindo em séria privação. Ele deve considerar tudo isso como castigo de Deus. Contudo, quando sinceramente ele se arrepende e aceita o perdão de Deus, iniciando uma nova etapa de sua vida, as más conseqüências dos seus velhos pecados podem ainda acompanhá-lo em sua vida nova e mesmo permanecer com ele até o fim” (pp.191). “O castigo rela não está nos sofrimentos, mas na separação de Deus” (idem). “Martinho Lutero refere-se à regra da arte dramática proposta por Horácio, segundo a qual não se deve introduzir nenhum deus na ação e não ser que o argumento se haja complicado tanto, que somente um deus pudesse desenredar a trama. ‘Pois bem’, diz Lutero, ‘o pecado humano é esta complicação’. Somente Deus pode desenredar a trama dos nossos pecados” (pp.195).

Mas por que Expiação?

Portanto, a questão que insurge neste ponto é: “O perdão de Deus não é suficiente?“. O pressuposto dessa questão é visto pela própria argumentação de Baillie, pois demonstra o Amor de Deus como incondicional e seu Perdão como gratuito a todos que o aceitam. Então, por que elaborar uma Teologia de redenção, propiciação e reconciliação por meio do Sangue de Cristo? “Não é melhor crer, afinal de contas, no amor eterno de Deus que busca os pecadores para gratuitamente lhes dar o perdão?” (pp.197). Para responder a essa pergunta, Baillie procura demonstrar a diferença moral e espiritual entre um favor bem intencionado e uma reconciliação custosa.

A questão do amor incondicional de  Deus tem que ser compreendida corretamente, pois é certo que o Amor de Deus continua a atuar sobre homem mesmo em situação de pecado. Contudo, isso não significa que Deus não se importa com a gravidade do nosso pecado, como se tudo fosse parte da vida do homem, uma rotina a qual Deus está habituado. Tal pensamento pode ser claramente estampado pelo pensamento de Heine[1] em seu leito de morte que disse: “Deus me perdoará: este é o seu ofício“.

A questão do pecado pode ser ilustrada como uma ação depreciativa de um amigo para outro. Suponhamos que um deles use de falsidade para com seu amigo e o coloque em situação de risco. A reação dele vai depender da intimidade que existe entre eles, pois se for uma amizade superficial, com leviandade será tratada a ofensa. Contudo, se for um bom amigo, será custosa a restauração desse relacionamento. Observe essa analogia da perspectiva do casamento. Traição é apenas perdoada com muito custo, pois o ofendido teve sua honra maculada, sua vergonha exposta. O ofendido é quem sofre mais, ele carrega a vergonha como se fosse dele, por causa do seu amor traído. A agonia do ofendido é muito maior que a do ofensor, pois é certo que seu amor é muito mais profundo. Portanto, se o perdão for concedido, é neste misto nobre de vergonha e agonia que advém o perdão, e por certo é deveras custoso. Mas, deve-se levar em conta a falibilidade da humanidade, pois o ofendido, na questão da traição no casamento, pode muito bem ser levado por seu amor próprio e desempenhar um julgamento unilateral, e não lhe atribuir o perdão.

No que tange ao pecado, o ofendido é Deus e o ofensor sou eu. “Se lhe fui desleal como acontece em todas as minhas más ações, a minha deslealdade é para com o Amor infinito que é o coração do universo, a fonte e o fim da minha existência e o próprio significado da ‘Lei Moral’ que eu quebrei. Não pode haver nada mais inexorável do que este amor. Se o traí a traição é definitiva. Esta é que deve ser apagada, e uma ‘expiação’ assim deve ser a mais difícil, a mais sobrenatural e custosa do mundo” (pp.199).

A questão do perdão não trata-se de um Tirano de boa índole conceder anistia com um simples mover de sua caneta. O perdão “provém do coração de um amor que carregou todos os nosso pecados e, por seu amor infinito, a paixão é também infinita. ‘ Quem sofre mais do que Deus?’ pergunta Piers Plowman. Existe no próprio coração de Deus uma expiação, um sacrifício,produzindo o perdão dos nossos pecados“.

Os termos “expiação”, “prociciação” e “reconciliação” vem do antigo sistema sacrificial de Israel, e encontra seu clímax no Cristianismo do Novo Testamento, mais especificamente, em Cristo, onde se entende que Deus é quem paga o preço pelo pecado.

[1] “Seu nome em alemão era Heinrich Heine. Assina a mensagem inserida em O Evangelho segundo o espiritismo, no item 3 do capítulo XX, intitulada “Os últimos serão os primeiros”. Nasceu em Düsseldorf em 13 de dezembro de 1797, de família judaica. Seu destino era o comércio e por isso foi encaminhado pelo pai a um tio banqueiro em Hamburgo. Logo verificou-se que ele não tinha dom para a atividade e o tio o remeteu a Bonn, a fim de estudar direito. Mas o jovem Harry como era chamado então, interessou-se pelos assuntos literários e abraçou os cursos de literatura. Berlim foi seu ambiente mais propício, permitindo-lhe freqüentar os salões literários e seguir a filosofia política de Hegel. Poeta e jornalista, ficou famoso pelos poemas e livros de viagens. Desgostoso pelo clima anti-semita do país, emigrou para Paris no ano de 1831. Ali se tornaria correspondente de grandes jornais alemães. Foi um dos mais inquietos e polêmicos jornalistas de seu tempo. Para o Jornal Geral de Augsburgo descrevia quadros da vida francesa, sendo seus temas constantes o parlamento, a imprensa, o mundo artístico, o teatro e a música. Sua influência foi enorme dentro e fora da Alemanha. Na segunda metade do século XIX todos os poetas alemães pareciam heinianos. Sua poesia é de um lirismo melancólico de início. Seus poemas sentimentais são cheios de infelicidade e lamentações amorosas. Alguns poemas de amor conquistaram fama universal, sendo depois musicados por Schubert , Schumann e muitos outros compositores. Escreveu poemas dedicados ao mar, em versos livres. E por fim, a poesia política, tangendo versos que retratavam situações da época como Os Tecelões, poema inspirado pela greve dos tecelões esfomeados da Silésia. Como prosador é considerado um dos mais ágeis da literatura de língua alemã, em qualquer tempo. Suas obras mais ambiciosas são A escola romântica e Sobre a história da religião e da filosofia na Alemanha. Nesse último, Heine parece querer completar o livro de Mme de Stäel sobre a Alemanha, tentando mostrar aos franceses o pensamento estético e filosófico do seu país. Nele está estampada a profecia de um despertar revolucionário da consciência alemã e, sobretudo, a crença do poeta na importância universal do pensamento de Hegel. Sofreu dificuldades financeiras, enfrentou conflitos políticos e a doença acabou por vitimá-lo. Sofreu uma paralisia que o conduziu à morte em 17 de fevereiro de 1856, em Paris. A mensagem que se encontra em O Evangelho segundo o espiritismo é datada de 1863, também em Paris”.  (www.panoramaespirita.com.br).

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