domingo, 10 de março de 2013

Martinho Lutero e o anti-semitismo


Por Robson T. Fernandes


Muito tem sido dito acerca de Lutero, desde a Reforma Protestante. Alguns o admiram e outros o odeiam de forma voraz. Tudo isso, devido a iniciativa surpreendente do monge agostiniano de fixar na porta da Igreja do castelo de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517, as conhecidas 95 teses.

Ao seguir em rota de colisão contra Roma e contra o astuto Johann Tetzel, vendedor de indulgências a mando do arcebispo Alberto, Lutero desencadeia a Reforma que há muito já vinha sendo travada por outros, a exemplo de John Wycliff, Jerônimo de Praga, Jerônimo Savonarola, João de Wessália, João Wesselus, Jan Hus etc.

Diferentemente do que alguns têm afirmado, Lutero não é idolatrado pela igreja reformada, mas relembrado por ter sido um instrumento de Deus, usado para confrontar as distorções doutrinárias e éticas do catolicismo romano. Dessa forma, ao confrontar, por exemplo, a venda de indulgências, Lutero ataca diretamente os planos do papa Leão X, que utilizava parte do dinheiro arrecadado com a venda de perdão para a construção da basílica de São Pedro, conhecida hoje como Vaticano. Ainda, levanta outro inimigo, o arcebispo Alberto, que recebia a outra metade do dinheiro arrecadado através da exploração do povo por meio da venda descarada da salvação, já que Tetzel pregava não ser necessário arrependimento para o perdão de pecados, mas apenas a compra de indulgências, válidas inclusive em nome dos que já haviam morrido.

Nesse sentido, a tese 82 diz o seguinte:

Por que o papa não esvazia o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas–, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?

Com isso, percebemos que as 95 teses atacam diretamente o coração do catolicismo romano, e por isso Lutero despertou tanto ódio e perseguição contra si mesmo, inclusive nos dias de hoje.

Então, quando tratamos da figura do reformador alemão, estamos lidando com uma história de perseguição, acusações, ódio, calúnia e difamações, e diante do que foi exposto podemos entender os motivos que levam a isso. Dr. Sam Storms afirma que “após a reforma começar, Lutero foi frequentemente difamado por seus oponentes católicos romanos. Em particular, foi dito que a mãe de Lutero manteve relações sexuais com o diabo e que Martinho era sua prole!” [1].

Uma das acusações recorrentes contra Lutero diz respeito ao seu anti-semitismo. Um dos trechos muito conhecido e utilizado é este:

Em primeiro lugar, suas sinagogas deveriam ser queimadas [...] Em segundo lugar, suas casas também deveriam ser demolidas e arrasadas [...] Em terceiro, seus livros de oração e Talmudes deveriam ser confiscados [...] Em quarto, os rabinos deveriam ser proibidos de ensinar, sob pena de morte [...] Em quinto lugar, os passaportes e privilégios de viagem deveriam ser absolutamente vetados aos judeus [...] Em sexto, eles deveriam ser proibidos de praticar a agiotagem [cobrança de juros extorsivos sobre empréstimos] [...] Em sétimo lugar, os judeus e judias jovens e fortes deveriam pôr a mão na debulhadeira, no machado, na enxada, na pá, na roca e no fuso para ganhar o seu pão no suor do seu rosto [...] Deveríamos banir os vis preguiçosos de nossa sociedade [...] Portanto, fora com eles [...]

Contudo, poucos se referem ao escritos de Lutero, no início da Reforma, a exemplo deste:

Talvez eu consiga atrair alguns judeus para a fé cristã, pois nossos tolos, os papas, bispos, sofistas e monges [...] até agora os têm tratado tão mal que [...] se fosse judeu e visse esses idiotas cabeças-duras estabelecendo normas e ensinando a religião cristã, eu preferiria ser um porco a ser cristão. Pois esses homens trataram os judeus como cães, e não como seres humanos. [2]No início de sua caminhada Lutero defendia e respeitava os judeus, porém com o passar dos anos as coisas começaram a mudar. Então, como conciliar dois escritos tão diferentes?

Primeiramente, precisamos compreender que o fato de ser usado por Deus não pode servir de pretexto para se pensar que é perfeito ou isento de erros.

Então Lutero errou?

Sim, nesse aspecto, certamente errou!

Em sua concepção posterior, 20 anos após a Reforma, Lutero adquiriu um pensamento distorcido sobre os judeus, mas isso não põe em cheque as suas ações iniciais sobre a Reforma. Na verdade, os princípios adotados pela igreja Reformada devem ter por base a Escritura Sagrada. Assim sendo, sempre que alguém desejar buscar a verdade entre o cristianismo verdadeiro e o catolicismo romano deve buscar nas páginas da Sagrada Escritura – A Bíblia, e não nas 95 teses, pois um dos princípios da própria Reforma é Sola Scriptura, ou seja, somente a Bíblia é inspirada, infalível, inerrante e suficiente. As 95 teses foram um escrito que expuseram erros do catolicismo romano, mas nunca foram tratadas como inerrantes, infalíveis, inspiradas ou suficientes para a vida cristã.

Se por um lado Martinho Lutero teve o seu valor como Reformador Protestante, por outro não podemos atribuí-lo o título de infalível nem inerrante. Quem faz isso são os católicos acerca do papa. Na igreja reformada não temos papa, apenas o Senhor.

Portanto, mais uma vez, não se pode julgar os princípios da Reforma com base nos erros de um homem. Os princípios devem ser julgados à luz da Bíblia Sagrada. Então, nesse aspecto, discordamos de Martinho Lutero e reconhecemos isso publicamente, diferentemente do catolicismo romano que continua a encobrir os erros da própria religião.

Utilizar os erros de Martinho Lutero para rejeitar os princípios bíblicos da Reforma é uma insensatez e válvula de escape que beira a desonestidade, porque – como já foi dito – os princípios da Reforma devem ser julgados a luz da Bíblia Sagrada e não a luz das ações de Lutero ou de qualquer outro reformador.

Jan Willem van der Hoeven [3] nos apresenta a seguinte explicação, em seu artigo [4]:

Portanto, em seus últimos anos de vida, Martim Lutero pode ter abortado o efeito da Reforma que ele mesmo havia iniciado, por causa de seu ódio e de seus discursos amargos contra o mesmo povo que nos legou as Escrituras, que trouxe ao mundo os apóstolos e profetas e através do qual veio até nós o Messias – Jesus, nosso Senhor.
Tudo isso é extremamente triste e deve nos servir de alerta, pois o que ocorreu a um homem tão poderosamente usado por Deus pode acontecer com qualquer um de nós, no que se refere aos judeus – o povo de Deus.
Lutero deveria ter prestado mais atenção às palavras de Paulo em sua Epístola aos Romanos (como todos nós devemos), que ele conhecia tão bem: "Pergunto, pois: terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum! [...] Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo..." (Romanos 11.1,25-26).
Portanto, talvez a arrogância e a cegueira que se verificam nos dias de hoje em relação ao plano e propósito final de Deus para com Seu povo, os judeus, sejam piores que a cegueira e o anti-semitismo da maior parte dos membros da igreja no passado, inclusive de Lutero, pois, enquanto eles viveram no período da dispersão dos judeus, nós vivemos no período da reunião de Israel.

Agora, se os católicos utilizam como argumento os erros de Lutero para reprovar e comprometer a Reforma Protestante, deveriam rejeitar o catolicismo também, pois se Lutero errou, e errou mesmo, o catolicismo romano tem errado muito mais no decorrer de séculos com este mesmo povo, os judeus.

Em um artigo que escrevei há alguns anos atrás, intitulado “Pio XII, O Papa Anti-semita de Hitler” [5] isto fica bastante claro.

O pesquisador e escritor John Cornwell [6] disse o seguinte:

Hitler declarou, escrevendo para o Partido nazista, em 22 de julho: "O fato de o Vaticano estar concluindo um tratado com a nova Alemanha significa o reconhecimento do Estado nacional-socialista pela Igreja católica. Esse tratado comprova para o mundo inteiro, de maneira clara e inequívoca, que a insinuação de que o nacional-socialismo é hostil à religião não passa de uma mentira [7].

Quatro dias após ser eleito papa, Pacelli, envia uma carta à Adolf Hitler, com o seguinte conteúdo:

Ao Ilustre Herr Adolf Hitler, Führer e chanceler do Reich Alemão! No início de nosso pontificado, desejamos lhe assegurar que permanecemos devotados ao bem-estar do povo alemão, confiado à sua liderança. (...) Durante os muitos anos que passamos na Alemanha, fizemos tudo ao nosso alcance para consolidar relações harmoniosas entre a Igreja e o Estado. Agora que as responsabilidades de nossa função pastoral aumentaram as oportunidades, rezamos com muito mais fervor para alcançar esse objetivo. Que seja uma realidade a prosperidade do povo alemão e seu progresso em todas as áreas, com a ajuda de Deus! [8]

Então, diante dos fatos históricos documentados, se torna no mínimo curioso o fato de alguns questionarem as raízes bíblicas do Protestantismo quando desconhecem os fatos acerca, por exemplo da santa Inquisição, que assassinou 60 mil pessoas no ano de 1209, em Beziers (França); queimou 400 pessoas vivas no ano de 1211, em Lauvau (França); assassinou 10.200 protestantes entre os anos de 1420-1498, sob o comando do frade Torquemada; matou cruelmente 31.912 cristãos, martirizou 291.450 pessoas e baniu 2.000.000 de seres humanos da Espanha; matou 50.000 cristãos entre os anos de 1500 e 1558, sob o comando de Carlos V; exterminou 100.000 anabatistas entre os anos de 1566 e 1572, a mando de Pio V; assassinou covardemente 70.000 protestantes franceses em uma única noite, em 24 de agosto de 1572, sob as ordens de Gregório XIII; eliminou 200.000 hugenotes no ano de 1590 e exterminou cerca de 15.000.000 de pessoas entre os anos de 1578 e 1637, sob o comando de Fernando II.

E, o que dizer – então – de uma religião que é capaz de organizar um exército de elite chamando-os de missionários evangelizadores, catequizadores membros da “Companhia de Jesus” (Jesuítas), cujos membros estão dispostos a fazer o seguinte juramento:

Prometo ensinar a guerra lenta e secreta contra os protestantes e maçons... queimar vivo esses hereges, usar o veneno, o punhal ou a corda de estrangulamento. ..farei arrancar o estômago e o ventre de suas mulheres e esmagarei a cabeça de seus filhos contra a parede, a fim de aniquilar a raça!...Se eu for perjuro, as milícias do papa poderão cortar meus braços e minhas pernas, degolar-me, cortando minha garganta de orelha a orelha, abrir minha barriga e queimá-la com enxofre, etc.! – Assino meu nome com a ponta deste punhal molhado no meu próprio sangue. [9]

Com tudo isso, podemos extrair várias lições que poderão nos servir para a vida, mas dentre elas a mais importante é esta: Sempre alicerce as suas convicções naquilo que a Escritura Sagrada disser. Se algum homem falar de acordo com o Texto Sagrado, o seu escrito deve ser respeitado, mas se falar aquilo que a Escritura não diz deve ser rejeitado imediatamente.

Portanto, somos gratos a Martinho Lutero pelo que ele fez de bíblico, mas rejeitamos qualquer ensino ou prática que esteja em desacordo com a Sagrada Escritura, a Bíblia.

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1. A Vida de Martinho Lutero. Disponível em: . Acesso em 04 jan 2013.
2. Martinho Lutero: That Jesus Christ was born a Jew [Que Jesus Cristo Nasceu Judeu], reimpresso em Frank Ephraim Talmage, ed. Disputation and Dialogue: Readings in the Jewish-Christian Encounter (Nova York: Ktav/Anti-Defamation League of B’nai B’rith, 1975), p. 33.
3. Jan Willem van der Hoeven é diretor do International Christian Zionist Center.
4. Por Que Lutero Tornou-se um Anti-Semita?. Disponível em: . Acesso em: 04 jan 2013.
5. Pio XII, O Papa Anti-semita de Hitler. Disponível em:
6. CORNWELL, John. O Papa de Hitler. Imago, 2ª Edição, pág. 147.
7. SCHOLDER, K. The Churches and the Third Reich. Vol. 1, 1933, págs. 488-522.
8. Actes et Documents Du Saint Siège reletifs à La Seconde Guerre Mondiale (Atas e Documentos da Santa Sé relativos à Segunda Guerra Mundial), Vaticano, 1965-1981. Ii, pág. 420.
9. Congregacional de Relatórios. pág. 3262.

Sobre o Autor: Robson Tavares Fernandes é casado com Maria José Fernandes e pai de Isabela. É Pastor auxiliar na Igreja Cristã Nova Vida em Campina Grande, onde lidera a Secretaria de Ensino. Graduado em Teologia pelo STEC e pelo IBRMEC e Mestrando em Hermenêutica e Teologia do Novo Testamento pelo Betel Brasileiro. Tem se dedicado desde 1998 ao ensino e pesquisa na área de Hermenêutica, Apologética, História, Teologia e Fé e Ciência. É escritor e co-autor do livro “Apostasia, Nova Ordem Mundial e Governança Global” (em co-autoria com Augustus Nicodemus Lopes, Russell Shedd, Norman Geisler, Uziel Santana e Norma Braga). Professor de Teologia e Apologética e um dos fundadores da VINACC, tendo feito parte da primeira diretoria e posteriormente servido como pesquisador e consultor teológico.

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