Como geralmente é traduzido, o versículo acima significa: "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino..." etc. (grifo do autor). Essa é a tradução apresentada porkjv, rsv, nasb, e virtualmente todas as demais versões em inglês, exceto rv e asv, que traduzem o adjetivo theopneustos ("inspirada por Deus") como atributivo em vez de predicativo. Tais versões dizem: "Toda escritura inspirada por Deus é também útil para o ensino", etc. Entretanto, elas apresentam como nota marginal: "Toda escritura é inspirada por Deus, e útil..." (grifo do autor).
Tanto quanto sei, nenhuma tradução inglesa do século vinte seguiu rs e asv fazendo de theopneustos um complemento atributivo, quer porque os tradutores fossem liberais, conservadores, em suas perspectivas teológicas. A razão disso é que não se pode encontrar outro exemplo no nt grego em que um adjetivo em função atributiva venha conectado a um adjetivo predicativo por meio da preposição kai ("e"). 0 verbo "ser" está oculto nessa cláusula; portanto, deve ser suprido ou antes ou depois de theopneustos. Mas desde que theopneustos venha seguido de kai e de um segundo adjetivo, ophelimos, que todos concordam quanto a ser predicativo, segue-se necessariamente que theopneustos também é predicativo. Daí sabermos que a única tradução legítima é: "TodaEscritura é inspirada por Deus e útil..." (grifo do autor).
Quanto ao sujeito dessa oração, pasa graphe há uma questão se a mesma deve ser traduzida: "Toda Escritura" (como kjv, nasb, Williams, Beck, rsv), ou, apesar do artigo inexistente, deveria ser: "Todas as Escrituras". Normalmente, a idéia da inclusão coletiva no grego se comunica pelo artigo definido, em grego (e.g.,"o mundo todo"é pas ho kosmos,sendo ho a sua forma masculina). Então, "toda a cidade" seria pasa hè polis; então pasa polis significaria "todas as cidades". No contexto comentado
"Todas as Escrituras" poderia enquadrar-se bem, porque graphe vem depois de uma clara referência ao at, no versículo 15:" Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras [ta hiera grammata] que são capazes tornar-o sábio para a salvação mediante fé em Cristo Jesus". A seguir, vem o versículo: "Toda Escritura é inspirada por Deus e útil...". 0 importante a observar-se é que em nenhum lugar no nt a palavra graphe (quer se escrevacom o artigo, ou não) é empregada para indicar escritos despidos de autoridade e sem inspiração divina.
É palavra especializada no ntpara significar o Antigo Pacto, com seus trinta e nove livros, como os temos hoje (visto que muitas de suas cópias sobreviveram desde os tempos de Cristo e dos séculos antes dele, de que podemos ter toda certeza), ou os escritos da Nova Aliança como as cartas de Paulo (2 Pe 3.16) — tas loipas graphas) Jamais ocorreria aos recipiendários de fala grega de 2 Timóteo a suposição de que o apóstolo dos gentios estivesse referindo-se a quaisquer outros escritos senão aos livros inspirados, cheios de autoridade, do cânon hebraico. Tampouco existe a mais leve sugestão nos pronunciamentos registrados de Jesus Cristo, ou de seus apóstolos — em suma, nos escritos de quaisquer autores neotestamentários — que poderia haver algumas porções do at que não fossem inspiradas.
Portanto, devemos categoricamente rejeitar a tradução feita por rs e asv, por ser inexata e desorientadora, visto que "Toda a Escritura inspirada por Deus" sugere que há porções da Bíblia que não foram inspiradas — sendo esse um ponto de vista teológico completamente estranho aos escritores do nt. (Quanto auma discussão e evidências mais profundas desse ponto, consulte-se o artigo introdutório deste intitulado "A importância da inerrância bíblica"e sua subseção "Sem a inerrância, as Escrituras não podem ser infalíveis", p. 21.)
Faremos um comentário final a respeito de theopneustos, que se traduz por "inspiradas por Deus", "entregues por inspiração de Deus", ou "vindas do hálito de Deus". Essa última tradução naturalmente é a mais literal. Theopneustos é uma palavra sublime, com o significado de "inspiradas", pois implica que Deus de modo muito pessoal controlou e guiou os autores humanos das Escrituras, de tal maneira que registram exatamente o que Deus tencionou que escrevessem. Ele "assoprou seu hálito" nesses escritores é a figura de linguagem usada, e eles foram impelidos na direção que Deus quis — exatamente como o lemos em 2 Pedro 1.20, que "nenhuma profecia da Escritura [pasaprophèteia graphês] provém de interpretação pessoal" [pode ser interpretada à vontade],"pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens [santos] falaram da parte de Deus, impelidos [pheromenoi sugere um barco a vela conduzido pelo vento] pelo Espírito Santo".
(Eis a tradução literal do texto grego Nestle: "Todas as profecias das Escrituras não são objeto de interpretação pessoal ou particular, pois não foi pela vontade humana que a profecia foi conduzida, mas pelo Espírito Santo homens falaram da parte de Deus"). Tais passagens deixam bem claro que os autores das Escrituras escreveram sob a influência, orientação e controle do próprio Deus. Portanto, não há meio de o erro penetrar nos manuscritos originais das Escrituras Sagradas — a menos que o próprio Deus fosse culpado de alguma falha, ou engano (como de início Satanás afirmou em Gênesis 3.4,5, quando induziu nossos primeiros pais à morte espiritual e desespero). Deus inspirou as Escrituras e deu-lhes seu selo de garantia, fidelidade e integridade.
Fonte: Enciclopédia de Temas Bíblicos – Gleason L. Archer.
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