domingo, 21 de outubro de 2012

Humilhando-se para Crescer - J. I. Packer



- A VIDA DE ARREPENDIMENTO -

Agora, me alegro não porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para arrependimento; pois fostes contristados segundo Deus, para que, de nossa parte, nenhum dano sofrêsseis. Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte. Porque quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que, segundo Deus, fostes contristados! Que defesa, que indignação, que temor, que sau¬dades, que zelo, que vindita! Em tudo destes prova de estardes ino¬centes neste assunto. 2Co 7.9-11

Eu repreendo e disciplino a quantos amo. Se, pois, zeloso e arrepen¬de-te. Ap3.19

CRESCENDO PARA CIMA E PARA BAIXO

De vez em quando, durante os anos de adolescência do meu filho, pedía¬mos para ele ficar em pé, com as costas apoiadas na parede da sala de jantar, para que marcássemos com um lápis sua altura na parede de madeira branca. Ele estava crescendo fisicamente, ficando mais alto a cada mês que passava, e aquilo o deixava animado. O mesmo acontecia conosco. Afinal de contas, é realmente emocionante observar o crescimento de seu filho. Algo estaria er¬rado conosco se não estivéssemos interessados no modo como ele crescia. Mas este capítulo não fala de crescimento ele fala de crescer para baixo, algo que todo cristão precisa aprender.

A expressão "crescerpara baixo'7 é, sem dúvida, estranha em uma cultura como a nossa. Comemoramos o crescimento físico e exortamos aqueles que escorregaram e caíram na petulância infantil de crescer emocionalmente. Além disso, temos o hábito de falar em crescimento espiritual, e as nossas versões bíblicas fazem o mesmo. Em geral, elas traduzem um verbo grego, que nada tem a ver com a idéia de "crescer para cima" com esta conotação, como podemos ver em Efésios 4.15: "Cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo", e em 1 Pedro 2.2: "Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação".

Concordo que falar em crescer para baixo tendo este plano de fundo parece inusitado. No entanto, o objetivo de minha colocação é chamar a atenção e fazer uma consideração. O que temos de perceber é que só crescemos em direção a Cristo quando diminuímos (humildade, do latim humilis, que significa "baixo"). Os cristãos, podemos dizer, crescem mais quando ficam pequenos.

Sobre seu próprio ministério, em relação ao do Senhor Jesus, João Batista declarou: "Convém que ele cresça e que eu diminua" (Jo 3.30). Algo similar a estas palavras tem de ser dito em relação à nossa vida como cristãos. O orgulho nos infla como balões, mas a graça perfura a nossa vaidade e faz com que o ar quente do orgulho saia de nosso sistema. O resultado (muito saudável) é que diminuímos e passamos a nos ver menores - menos agradáveis, menos capazes, menos inteligentes, menos competentes, menos fortes, menos preparados, menos comprometidos e assim por diante - do que imaginávamos ser. Paramos de falar para nós mesmos que somos pessoas de grande importância para o mundo e para Deus. Aceitamos o fato de que somos dispensáveis e insignificantes.

Ao nos esvaziarmos de nossas fantasias de total competência, começamos a tentar ser confiantes, obedientes, dependentes, pacientes e abertos em nosso rela¬cionamento com Deus. Abrimos mão do sonho de sermos admirados por fazer tudo maravilhosamente bem. Começamos a nos ensinar, impassível e praticamen¬te, a reconhecer que, de acordo com os padrões do mundo, não temos probabilida¬de de parecer, ou, na verdade, ser, bem-sucedidos. Nós nos submetemos a situa¬ções que esfregam nossas fraquezas no nosso próprio nariz, e nos voltamos para Deus na tentativa de conseguir forças para vencê-las. Isto é parte, no mínimo, do que significa responder ao chamado do Senhor para sermos como crianças.
James Denney, um estudioso escocês, disse certa vez que é impossível deixar, ao mesmo tempo, a impressão de que sou um grande pregador e Jesus Cristo, um grande Salvador. Da mesma forma, é impossível deixar, ao mesmo tempo, a im¬pressão de que sou um grande cristão e Jesus Cristo, um grande Mestre. Portanto, o cristão deve fazer de sua atitude de diminuição uma prática, de modo que, nele e por meio dele, o Salvador possa mostrar-se grande. Isto é o que quero dizer com crescer para baixo.

Crescimento para Baixo

A vida de santidade é uma vida de crescimento para baixo o tempo todo. Quando o apóstolo Pedro escreve: "Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2Pe 3.18), e Paulo fala de crescer em Cristo (Ef 4.15) e alegra-se com o crescimento da fé dos tessalonicenses (2Ts 1.3), o alvo de ambos é um progresso na direção da pequenez pessoal, que permi¬te que a grandeza de Cristo apareça. O sinal deste tipo de progresso é que as pessoas se sintam e digam cada vez mais que nada são e que Deus, em Cristo, tornou-se tudo de que precisam para levar a vida adiante. E dentro desta estru¬tura, desta contínua diminuição do nosso ego carnal, como podemos chamá-la, que enquadra-se a tese deste capítulo.
O que pretendo discutir é que os cristãos são chamados a uma vida de contínuo arrependimento, como uma disciplina integral para uma vida santa saudável. A primeira das noventa e cinco teses de Lutero, fixadas na porta da Igre¬ja de Wittenberg em 1517, declarava: "Quando nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo disse: ' Arrependei-vos' (Mt 4.17), ele queria que a vida toda dos cris¬tãos fosse marcada pelo arrependimento". O puritano Philip Henry, que morreu em 1696, respondeu à insinuação de que enfatizara o arrependimento em dema¬sia, afirmando que esperava carregar o seu próprio arrependimento até às portas do céu. Estas duas citações indicam a compreensão que estamos sintonizan¬do no momento.

Aqui onde moro, na província de British Columbia, onde as chuvas são fortes, as estradas onde o sistema de drenagem de água falha logo ficam inundadas e intransitáveis. O arrependimento, como veremos, é a drenagem rotineira da estra¬da da santidade na qual Deus nos chama a todos a trilhar. E o caminho que tomamos na nossa vida que é oposto àquele que mostrou-se cheio de água suja, parada, e cheio de detritos. Esta rotina é uma necessidade vital, pois onde não há o verdadeiro arrependimento, não há o verdadeiro progresso espiritual, e o verda¬deiro crescimento espiritual fica estagnado.

Em falando de contínuo arrependimento, não quero deixar a impressão de que o arrependimento pode tornar-se algo automático e mecânico, como o são nossas regras de etiqueta à mesa e hábitos para dirigir um carro. Isto não pode acontecer.

Cada gesto de arrependimento é uma ação separada e um esforço moral distinto, talvez algo que exija um alto preço. Arrepender-se nunca é agradável. Sempre, de diversas formas, é um gesto que causa dor, e continuará sendo enquanto vivermos. De modo algum, quando falo de arrependimento contínuo, tenho em mente formar e manter um hábito consciente de arrependimento tão freqüente quanto a nossa necessidade - embora isto, sem dúvida, signifique (vamos encarar os fatos) uma prática diária na nossa vida. É a sabedoria de igrejas que usam liturgias de modo a fornecer orações de penitência para serem usadas em todos os cultos. Essas orações sempre caem como uma luva. Em nossos momentos particulares de devoção, as orações de penitência diárias sempre serão uma necessidade também.

Pouco se fala nesses dias sobre a disciplina do arrependimento contínuo. É visível que os escritores sobre as disciplinas espirituais não têm tratado deste assunto, e o Dictionary ofChristian Spirituality (Dicionário da Espiritualidade Cristã) padrão, publicado agora nos Estados Unidos como o Westminster Dictionary (Dicionário de Westminster), não faz menção do assunto. No entanto, trata-se de uma lição básica que deve ser aprendida na escola da santidade de Cristo. Como já foi dito, o tema é vital para a saúde espiritual. Portanto, vamos tentar entendê-lo melhor.

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