segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A OPÇÃO CELIBATÁRIA

A história do cristianismo tem encarado a opção celibatária de dois pontos de vista exclusivistas e quase opostos. De um lado encontra-se a teologia monástica, que vê na vocação celibatária um meio para se alcançar a vida eterna e a perfeição moral, encarando a sexualidade como algo mundano e impuro. A conseqüência dessa linha de pensamento é que alguns fiéis deixaram seu estado matrimonial para entrar no paraíso do mosteiro. Do outro, está o protestantismo ortodoxo, que tem enfatizado, às vezes em demasia, que o matrimônio é um mandamento divino a ser obedecido para que haja procriação e para se prevenir contra a impureza sexual O resultado prático desse raciocínio simplificado foi a morte da vida monástica e a desvalorização quase total da vida solitária.

A ética cristã certamente não pode ignorar as tradições e interpretações históricas, mas sua tarefa primária é inquirir como as Escrituras Sagradas encaram a questão.
O celibato é a opção do homem ou da mulher que, por qualquer motivo, não desejam ou não podem assumir o matrimônio. O estado secular reconhece esta opção como posição jurídica. Daí diferenciarmos legalmente o estado civil como solteiro/a, casado/a, viúvo/a ou divorciado/a.
O verdadeiro problema da questão celibatária não é de dimensão teológica, isto é, averiguar se é ou não uma opção válida, haja vista que Jesus fala abertamente dessa possibilidade (Mt 19.12) e Paulo a recomenda devido à situação escatológica em que a igreja se encontra (1 Co 7.8, 26). O conflito nasce quando alguém deseja assumir o matrimônio mas, por qualquer motivo, não encontra o cônjuge ideal. O fato de uma pessoa não achar um parceiro pode indicar que ela é vocacionada a permanecer só? O celibato é uma opção voluntária ou imposta pelas circunstâncias?
No ensino de Jesus (Mt 19.12), encontramos três tipos de pessoas que podem ser levadas a permanecerem solteiras: a)"eunucos de nascença" (Mt 19.12a), provavelmente uma indicação de deformação física que impede de assumir o matrimônio; b) "outros a quem os homens fizeram tais" (Mt 19.12b), indicando eunucos que foram fisicamente castrados nas cortes do oriente; e c) "outros que a si mesmos se fizeram eunucos, por causa do reino dos céus" (Mt 19.12c) — são os que assumiram voluntariamente o celibato. Jesus apóia a opção celibatária como um dom específico (Mt 19.11). Carisma e aptidão natural são, portanto, duas condições indispensáveis para o sucesso da vida celibatária. A negação da identidade sexual, como acontece com o homossexual, não é uma justificativa bíblica para se ficar solteiro. Somente a dedicação total ao serviço do evangelho justifica o celibato voluntário. O solteiro que não possui carisma nem aptidão para isso deve procurar contrair núpcias dentro da vontade de Deus, porque Ele ordenou o matrimônio como norma natural (Gn 1.28; 2.18; 1 Co 7.2).
Por outro lado, seria trágico se os evangélicos caíssem na armadilha do idealismo filosófico de Fichte, que afirmou que os solteiros não são pessoas plenas. A história das missões e instituições sociais cristãs demonstra justamente o contrário. Muitas mulheres solteiras provam a validade do celibato como opção para servir melhor e com mais dedicação ao Senhor.
Do ponto de vista bíblico, vimos que a vocação celibatária não se impõe; antes, é uma questão de carisma (Mt 19.12; 1 Co 7.7), aptidão natural e direção clara de Deus. É uma opção, e não uma obrigação impossível de ser cumprida. A Bíblia mostra que Deus pode vocacionar para a vida celibatária, conforme Sua soberania.
O profeta Jeremias foi vocacionado, isto é, chamado por Deus para ficar solteiro (Jr 16.2), para ilustrar publicamente a vida solitária do povo de Deus (16.3). Certamente não foi fácil para o profeta chorão permanecer nessa condição. Mas Deus, em Sua soberania, planejou a vida de Jeremias desta maneira, e quando Deus planeja uma coisa para Seus filhos, Ele também lhes dá poder a fim de cumprirem a missão especial para a qual foram chamados (Rm 8.28).
Jesus Cristo viveu uma vida moralmente exemplar e celibatária, sem pecado, embora tenha sido tentado como nós (Hb 4.15). Os filmes populares que retratam Jesus com pensamentos adúlteros em relação a Maria Madalena não têm sustentação escriturística, histórica ou eclesiástica, distorcendo a verdade do evangelho e a boa fé. Além disso, Jesus é um exemplo clássico de celibato por causa do reino dos céus (Mt 19.12). Pelo menos não possuímos provas históricas nem indicações bíblicas nos quatro evangelhos de que Jesus tivesse tido uma namorada ou noiva, fosse casado ou viúvo, ou tivesse uma sogra, como Pedro. Em Seu ensino, Jesus apontou para a temporariedade do matrimônio (Mt 22.30). Seguir a Cristo pode ser mais importante do que os deveres matrimoniais (Lc 14.26; 18.29, 30).
O apóstolo Paulo nos fornece a argumentação mais abrangente a favor da vida celibatária em todo o Novo Testamento. Não resta dúvida de que Paulo foi influenciado pelo sofrimento escatológico da Igreja (1Co 7,26-31). Mas seus argumentos não se baseiam apenas nas tribulações e tentações escatológicas (w. 32-35). Antes, ele insiste que a pessoa solteira é mais livre de preocupações domésticas (v. 32) e, portanto, pode servir ao Senhor desimpedidamente (v. 35).
Essas considerações paulinas de maneira nenhuma desvalorizam o matrimônio. Paulo ensina que não é pecado casar (1 Co 7.28) e reprime quem se atreve a condenar ou proibir o casamento (1 Tm 4.1-3). Ele ainda recomenda que as viúvas jovens contraiam novas núpcias (1 Tm 5.14).
Os propósitos específicos do celibato no contexto bíblico são: dedicar mais tempo para servir o evangelho (Mt 19.12); estar livre das preocupações domésticas normais (1 Co 7.32); não dividir o tempo e os interesses (1 Co 7.33, 34); e servir desimpedidamente ao Senhor (1 Co 7.35). O propósito supremo do celibato cristão é servir ao Senhor. Em nenhuma dessas referências o celibato é visto como algo superior ou mais espiritual do que o casamento, ou como meio para alcançar a perfeição moral neste mundo.

Fonte: Hans Ulrich Reifler – A Ética dos Dez Mandamentos

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