Por João Calvino
A fim de entendermos o que significa "tristeza de, ou segundo Deus" (2Co 7.10), precisamos observar como Paulo contrasta isto com o seu oposto - "a tristeza do mundo". Devemos considerar também o mesmo contraste entre duas espécies de alegria. Há a alegria do mundo, na qual os homens, em seus desatinos e sem qualquer reverência para com Deus, se deleitam nas coisas ilusórias deste mundo e se embriagam com os seus deleites transitórios, de tal maneira que de nada mais cuidam senão das coisas terrenas. Por outro lado, há a alegria segundo Deus, alegria esta na qual os homens buscam em Deus toda a sua felicidade, se deleitam em sua graça; e ao menosprezarem o mundo, realçam o fato de que ao desfrutarem das prosperidades terrenas é como se delas não desfrutassem, e mesmo na adversidade têm o seu coração iluminado.
Da mesma forma, a tristeza deste mundo existe quando o coração humano se perturba em meio às aflições terrenas e é submerso em pranto; mas a tristeza segundo Deus existe quando os homens elevam seus olhos para Deus e consideram que a sua miséria consiste em serem eles privados da graça divina, e, temendo o seu juízo, choram seus pecados.
Paulo afirma que este tipo de tristeza é a causa e a origem do arrependimento. Isto precisa ser cuidadosamente observado porque, a menos que o pecador se aborreça de si mesmo, de tal modo que odeie sua própria vida e, em profunda tristeza, confesse seu pecado, ele jamais se converterá ao Senhor. Mas uma pessoa não pode sentir este tipo de tristeza sem que experimente uma mudança de coração. Assim, o arrependimento tem início com a tristeza, porque, como já disse, ninguém pode tomar o caminho certo sem que primeiro odeie seu pecado, e onde não existe ódio ao pecado também não pode haver auto-recriminação e tristeza.
Paulo nos apresenta uma belíssima descrição de arrependimento quando diz que esse arrependimento não traz nenhum pesar. Porque, por mais amargo possa ele ser no primeiro teste, os resultados benéficos que fluem dele o fazem desejável. A frase pode ser tomada como referindo-se à salvação antes que ao arrependimento; porém, em minha opinião, ela se ajusta melhor ao arrependimento, como se dissesse: "O resultado final nos ensina que esse tipo de tristeza não nos deve ser penoso nem humilhante, porque, por mais amargo que seja o arrependimento que nos domine, ele é denominado como sendo algo que não nos traz nenhum pesar, em virtude do precioso e agradável fruto que ele produz."
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Por João Calvino (1509-1564)
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