quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Seu Amor Remove nosso Ódio - R. McCheyne (1813 - 1843)





O amor de Cristo para com os homens
constrange o crente a viver uma vida santa,
pois essa verdade remove todo o seu ódio e
pavor de Deus. (2Co 5.14).

Enquanto Adão ainda não havia pecado, Deus era tudo para sua alma e tudo era bom e desejável para ele, somente até onde tivesse a ver com Deus. Cada veia do seu corpo, tão tremenda e maravi­lhosamente feita, cada folha farfalhante do Paraíso, cada novo sol que nascia, regozijando-se como um homem forte numa corrida, traziam-lhe diaria­mente novos assuntos para pensamentos santos e louvores de admiração. Somente por essa razão ele poderia deleitar-se em olhar para essas coisas. As flores que se desabrochavam sobre a terra, o canto dos pássaros, a voz da rola ouvida em toda a terra feliz, a figueira produzindo seus verdes figos e as vinhas com suas uvas tenras exalando um bom aro­ma, todas essas coisas combinavam para trazer-lhe ao íntimo uma rica e variada oferenda de agradabilidade.

 E por que? Justamente porque elas tra­ziam à alma ricas e variadas comunicações da multiforme graça do Senhor. Pois, como você pode ter visto uma criança devotada ao seu pai terreno, sem­pre alegre quando ele está presente, e dando valor a cada dádiva, na medida em que demonstra cada vez mais o terno coração daquele pai, assim era com aquele genuíno filho de Deus. Em Deus ele viveu, se moveu e existiu; e a remoção daquela luz natural, tão agradável aos olhos, devido o desapa­recimento do sol nos céus, não seria mais certo do que a desaparição da luz de sua alma se Deus escon­desse dele a Sua face.
Mas quando Adão caiu, o ouro fino tornou-se ofuscado, a ordem de seus pensamentos e gostos foi invertida. Em vez de alegrar-se em Deus em tudo, e por tudo, agora tudo se tornara odioso e desagradável para ele, na medida em que tivesse vinculo com Deus.

Quando o homem pecou então ele temeu e odiou Aquele a quem temia; fugiu para todo tipo de pe­cado na tentativa de escapar d'Aquele a quem odia­va. Assim como você pode ter visto uma criança que "transgrediu gravemente contra um pai amável fazer tudo que puder para esconder-se dele, fugindo de sua presença e mergulhando-se em outros pen­samentos e ocupações, tentando livrar-se a todo custo da realidade desse pai ofendido com razão; seme­lhantemente, quando o desobediente Adão ouviu a voz do Senhor Deus presente no jardim na viração do dia — aquela voz que anteriormente era música celestial aos seus ouvidos — ele e sua mulher "esconderam-se da presença do Senhor Deus entre as árvores do jardim". E da mesma forma todo homem natural foge da voz e da presença do Senhor, não para esconder-se debaixo da densa copagem do Pa­raíso, mas para se meter em cuidados e negócios, prazeres e divertimentos. Qualquer refúgio é agra­dável, contanto que Deus ali não esteja; qualquer ocupação é tolerável se Deus não estiver nos pensa­mentos.

Estou bem certo de que muitos de vocês podem ouvir esta acusação contra o homem natural com incrédula indiferença, até mesmo com indignação. Não sentem que odeiam a Deus ou que temem a Sua presença, portanto, dizem que isto não pode ser verdade. Mas quando Deus diz que seus cora­ções são desesperadamente corruptos; quando Ele reivindica para Si mesmo o privilégio de conhecer e provar o coração, não é presunçoso que seres igno­rantes como nós, digamos que isso não é verdadeiro com relação aos nossos corações, aquilo que Deus afirma ser verdade, simplesmente porque não esta­mos cônscios disso? Deus diz que a mente carnal é inimizade contra Deus", que a natureza e a subs­tância da mente inconversa é ódio contra Deus, absoluto e implacável ódio contra Ele, no qual vi­vemos, nos movemos e existimos. É bem verdade que não sentimos esse ódio dentro de nós; mas isso é somente um agravamento de nosso pecado e de nosso perigo.

Temos obstruído de tal maneira as veredas do exame próprio, existem tantos retornos e labirintos antes que possamos chegar aos verda­deiros motivos de nossas ações, que nosso medo e ódio a Deus — aquilo que originalmente conduziu o homem a pecar e que são ainda as grandes forças propulsoras pelas quais Satanás atiça os filhos da desobediência — estão tão escondidas de nossa vista que é impossível persuadir um homem natural de que elas realmente estão aí. Todavia, a Bíblia testi­fica que dessas duas raízes mortíferas (horror e ódio a Deus) nasce a espessa floresta de pecados com a qual o mundo está enegrecido e coberto. E se existe alguém entre vocês, já despertado por Deus para conhecer o que há em seu coração, chamo esse homem, hoje, para testemunhar que o seu amargo clamor, diante de todos os seus pecados, sempre tem sido: "Contra ti, contra ti somente pequei". (Salmo 51:4).

Se, então pavor de Deus e ódio a Deus são a causa de todos os nossos pecados, como seremos curados do amor ao pecado senão pela remoção da causa? Como se mata da maneira mais efetiva a erva daninha? Não é cortando-a pela raiz? No amor de Cristo para com o homem — naquele estranho e inefável dom de Deus, quando Ele entregou Sua vida em favor de Seus inimigos, ao morrer, o justo pelo injusto, para nos levar a Deus — você não vê algo que, se realmente crido pelo pecador, remove todo o seu pavor e ódio contra Deus? A raiz do pecado é separada da planta inteira. Em Sua expiação de todos os nossos pecados, vemos a maldição removida, vemos Deus reconciliado. Por que conti­nuaríamos a ter medo? Não temendo, por que odia­ríamos ainda a Deus? Não odiando a Deus, o que ainda vemos de desejável no pecado?

Sendo reves­tidos com a justiça de Cristo, estamos no lugar em que Adão estava, tendo Deus como nosso amigo. Não temos motivo de permanecer no pecado e, por­tanto, não temos vontade de cometer o pecado.
Nó sexto capítulo de Romanos, Paulo parece fa­lar do crente em pecado, como se a idéia fosse total­mente absurda. "Nós que morremos para o pecado", isto é, que em Cristo já suportamos a penalidade —     "como viveremos ainda nele"? E novamente ele diz com muita confiança: "Porque o pecado não terá domínio sobre vós" — é impossível na própria natureza das coisas — "Pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça"; vocês não estão mais sob a maldição de uma lei transgredida, temendo e odiando a Deus, e sim sob a graça, isto é, sob um sistema de paz e amizade com Deus.

Porventura haverá alguém disposto a fazer obje­ção a mim argüindo que, se essas coisas estão cer­tas e nada mais é necessário para que um homem tenha uma vida santa do que se se colocar em paz com Deus, como se explica então que os crentes ainda pecam? Eu responde que realmente é verda­de que os crentes pecam, mas também é verdade que a causa de seus pecados é a incredulidade. Se você e eu vivêssemos com nossos olhos voltados diretamente para Cristo crucificado, oferecendo gra­tuitamente a todos uma justiça que cobre todos os nossos pecados, e se essa constante visão do amor de Cristo se mantivesse dentro de nós (como segu­ramente o seria se olhássemos com honestidade) a paz de Deus que ultrapassa todo o entendimento —     paz que não depende de nós, e sim da plenitude que está em Cristo — então digo que, frágeis e indefesos como somos, nós não pecaríamos nunca; não teríamos o menor interesse em pecar. Mas isto não é o que acontece conosco.

 Quão freqüentemente durante o dia o amor e Cristo fica completamente fora de vista! Quão freqüentemente é obscurecido para nós! As vezes é escondido de nós, até mesmo por Deus, para nos ensinar o que somos. Quão fre­qüentemente esquecemos a plenitude de Sua oferta, a perfeição de Sua justiça e ficamos sem a vontade e a confiança de reivindicar qualquer participação n'Ele! Quem pode, portanto, estranhar que, onde haja tanta incredulidade, o pavor e ódio contra Deus se insinuasse repetidas vezes e o pecado freqüente­mente erguesse sua cabeça venenosa?

O assunto é muito claro, basta que tenhamos visão espiritual para percebê-lo. Se vivermos uma vida de fé no Filho de Deus, então seguramente viveremos uma vida de santidade. Eu não estou dizendo que deveríamos fazê-lo, e sim que nós faremos isso como conseqüência necessária. Mas até onde não vivermos uma vida de fé, viveremos uma vida de impiedade. É através da fé que Deus purifica o co­ração e não há outro modo.

Haverá entre vocês, então alguém desejoso de se tornar novo e ser libertado da escravidão de hábi­tos e afeições pecaminosas? Não podemos indicar--lhe outra solução, a não ser o amor de Cristo. Contemple como Ele te amou! veja o que Ele pa­deceu por você; coloque teu dedo, por assim dizer, nas marcas dos cravos e lance tua mão no Seu lado e não seja mais incrédulo, mas crente. Sob uma con­vicção de pecado, fuja para o Salvador dos peca­dores.

 Como a pomba temerosa voa para se escon­der entre as fendas da rocha, assim também fuja para te esconder nas feridas de teu Salvador e quan­do você O tiver achado como a sombra de uma grande rocha numa terra deserta, e sentar-se debai­xo da Sua sombra- com grande deleite, perceberá que Ele acabou com toda a inimizade, havendo ter­minado com toda a tua luta. Deus agora está do teu lado. Plantado com Cristo na semelhança de Sua morte, assim você será também na semelhança de Sua ressurreição. Morto para o pecado, você será vivo para Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário