quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Sobre o Propósito de Deus


Por Thomas Watson


1. O Propósito de Deus é a Causa da Salvação

A terceira e última coisa no texto, a qual eu hei de mencionar apenas brevemente, é a base e a origem do nosso chamado eficaz, nestas palavras: “segundo o seu propósito” (Efésios 1.11). Anselmo a traduz como “segundo a sua boa vontade”. Pedro Mártir a lê como “segundo o seu decreto”. O propósito, ou decreto de Deus, é a nascente das nossas bênçãos espirituais. É a causa motora da nossa vocação, justificação, glorificação. É o elo mais alto na cadeia de ouro da salvação. Qual é a razão pela qual um homem é chamado, e outro não? É por causa do eterno propósito de Deus. O decreto de Deus dá a última palavra na salvação do homem.

Devemos então atribuir toda a obra da graça à satisfação da vontade de Deus. Deus não nos escolheu porque nós éramos dignos, mas, ao nos escolher, Ele nos tornou dignos. Homens orgulhosos estão prontos a pensar muito de si mesmos, do fato de serem participantes da natureza divina. Apesar de muitos clamarem contra o sacrilégio na igreja, eles se tornam, entretanto, culpados de um sacrilégio ainda maior, ao roubarem Deus de Sua glória, à medida que põem a coroa da salvação sobre suas próprias cabeças. Mas nós devemos resumir tudo ao propósito de Deus. Os sinais da salvação estão nos santos, mas a causa da salvação está em Deus.

Se é o propósito de Deus que salva, então não é o livre-arbítrio. Ao contrário, os pelagianos são vigorosos defensores do livre-arbítrio. Eles nos dizem que o homem tem um poder inato de efetuar a sua própria conversão; mas este texto confunde-os. O nosso chamado é “segundo o propósito de Deus”. A Escritura extirpa o livre-arbítrio pela raiz. “Não depende de quem quer” (Romanos 9.16). Tudo depende do propósito de Deus. Quando o prisioneiro está encarcerado, não há possibilidade de salvação, a menos que o rei tenha o propósito de salvá-lo. O propósito de Deus é Sua prerrogativa real.

Se é o propósito de Deus que salva, então não é o mérito. Belarmino sustenta que as boas obras expiam o pecado e tornam um homem merecedor da glória; mas o texto diz que nós somos chamados segundo o propósito de Deus, e há ainda uma passagem paralela na Escritura: “Que nos salvou e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça” (2Timóteo 1.9, ARC). Não existe tal coisa como mérito. Nossas melhores obras têm em si tanto imperfeições como infecções, e, por isso mesmo, não são outra coisa senão pecados maquiados. Portanto, se nós somos chamados e justificados, é o propósito de Deus que faz tudo acontecer.

Objeção. Mas os papistas usam a Escritura para defender o mérito: “Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Timóteo 4.8). Esta é a força do seu argumento: se Deus recompensa as nossas obras em justiça, então elas têm mérito na salvação.

Réplica. A isso respondo: Deus recompensa como justo Juiz, não segundo a dignidade das nossas obras, mas segundo a dignidade de Cristo. Deus nos recompensa como justo Juiz, não porque nós o merecemos, mas porque Ele o prometeu. Deus possui dois tribunais, um tribunal de misericórdia e um tribunal de justiça: o Senhor condena no tribunal de justiça aquelas obras que Ele coroa no tribunal da misericórdia. Portanto, o braço que sustenta a nossa salvação é o propósito de Deus.

Novamente, se o propósito de Deus é a nascente da felicidade, então nós não somos salvos pela presciência da fé. É absurdo pensar que alguma coisa em nós pudesse ter a menor influência em nossa eleição. Alguns dizem que Deus previu que tais pessoas iriam crer e, assim, Ele as escolheu; assim eles fazem com que toda a salvação dependa de algo em nós. Acontece que Deus não nos escolhe por causa da fé, mas para a fé. “Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos” (Efésios 1.4), não porque nós seríamos santos, mas para que pudéssemos ser santos. Nós somos eleitos para a santidade, não por causa dela. O que Deus poderia antever em nós, senão imundície e rebelião?! Se algum homem há de ser salvo, é segundo o propósito de Deus.

Pergunta. Como podemos saber que Deus tem o propósito de nos salvar?

Resposta. Por meio do chamado eficaz. “Procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição” (2Pedro 1.10). Nós nos certificamos da nossa eleição ao nos certificarmos do nosso chamado. “Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação” (2Tessalonicenses 2.13). Através da correnteza, nós chegamos até a fonte. Se nós encontramos a corrente da santificação fluindo em nossa alma, nós podemos assim chegar à nascente da eleição. Mesmo quando um homem não pode olhar para o firmamento, ainda assim ele pode saber que a lua está lá ao vê-la brilhar sobre as águas. Assim também, embora eu não possa olhar para o segredo do propósito de Deus, ainda assim eu posso saber que sou eleito, ao contemplar o brilho da graça santificadora na minha alma. Se um homem encontra a palavra de Deus transcrita e copiada em seu coração, ele pode de modo inegável concluir a sua eleição.

2. O Propósito de Deus é a Base da Segurança

Eis aqui um elixir poderoso, de indizível conforto para aqueles que são chamados de Deus. A sua salvação descansa sobre o propósito de Deus. “Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo este selo: O Senhor conhece os que lhe pertencem. E mais: Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor” (2Timóteo 2.19). As nossas graças são imperfeitas, nossos confortos vêm e vão, mas o fundamento de Deus permanece firme. Aqueles que são edificados sobre esta pedra do propósito eterno de Deus não precisam ter medo de se desviarem; pois nem o poder do homem nem a violência da tentação jamais poderão derrubá-los.

***
Tradução: voltemosaoevangelho.com

Obs: Este artigo foi extraído do livro "A Divine Cordial", publicado originalmente em 1663 pelo puritano Thomas Watson. O blog Voltemos ao Evangelho disponibilizou a tradução na íntegra de todo o livro, veja aqui.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário