ARBÍTRIO. A liberdade do ser humano para tomar decisões. Alguns teólogos e filósofos consideram que para que haja liberdade basta que não haja coação. Assim, por exemplo, mesmo que por natureza um cachorro faminto coma quando sua comida é oferecida, sua decisão de comer é livre, porque ele não é obrigado a isso.
Para outros, a verdadeira liberdade existe unicamente quando a vontade é sua própria causa. Segundo essa definição, quem faz algo simplesmente porque é de sua natureza fazê-lo, não age em liberdade verdadeira. A verdadeira liberdade requer opções e a capacidade de decidir entre alternativas.
O livre-arbítrio interessa aos teólogos por duas razões. Em primeiro lugar, os teólogos afirmam, quase unanimemente, que a liberdade é necessária como requisito para a responsabilidade. Nesse sentido, a liberdade se opõe ao determinismo, segundo o qual todas as coisas e todos os acontecimentos têm sido determinados de antemão. Em segundo lugar, os teólogos repetidamente têm discutido a relação entre a liberdade humana e a predestinação.
Nesse contexto, já não se trata de que tudo está predeterminado, mas unicamente da incapacidade por parte da vontade humana para aceitar a salvação por sua própria iniciativa, além da graça. O tratamento clássico do livre-arbítrio no campo da teologia foi produzido por Agostinho (354-430) em seu primeiro debate contra os maniqueístas e depois contra os pelagianos. Contra o determinismo dos maniqueístas,
Agostinho defendeu a liberdade humana como dom de Deus; mas é um dom que, por sua própria natureza, pode ser empregado para o mal. A controvérsia pelagiana o forçou a esclarecer em que sentido a vontade humana é livre, e para responder a essa questão distinguiu entre quatro condições diferentes, cada uma das quais implica certos limites quanto à liberdade. Na primeira condição, que existia no Éden antes da queda, os seres humanos tinham liberdade tanto para pecar como para não pecar (posse peccare e posse non peccare).
Contudo, como resultado da queda, perdemos a liberdade de não pecar, e só nos resta a liberdade para pecar (posse peccare, mas posse non peccare). Isso não significa que não tenhamos liberdade; quer dizer, ao contrário, que nossas alternativas estão limitadas, de tal modo que todas são pecaminosas em alguma medida. A redenção e a santificação restauram no crente a liberdade de não pecar (posse non peccare), enquanto que a possibilidade de pecar (posse peccare) permanece.
Por último, na vida futura, todavia, teremos liberdade, mas unicamente para não pecar (posse non peccare, mas non posse peccare). O ponto em que tudo isso levou a sérios debates é a questão de como se passa do segundo estágio ao terceiro, ou seja, o que comumente se chama conversão. Segundo Agostinho, a vontade humana por si mesma não tem a liberdade para dar esse passo, pois o ser humano em sua condição de pecado somente pode escolher entre opções pecaminosas, e a conversão não é uma dessas opções.
É aqui que intervém a graça irresistível e a predestinação, visto que é a graça de Deus que move o pecador de sua condição de pecado para a de redenção, e essa graça é dada; não com base em algo que a pessoa faça ou decida, mas como resultado do decreto de eleição por parte de Deus, que determinou quem há de receber a graça irresistível.
Esta posição, que se origina em Agostinho, é também a do calvinismo ortodoxo. Frente a ela, o arminianismo, ao mesmo tempo em que concorda que os pecadores não têm em si mesmos a capacidade de aceitar o dom da graça salvadora, evita as consequências predestinistas desse fato, e defende o papel da liberdade humana na salvação declarando que há uma “graça preveniente” que nos é dada livremente a todos, e que dá a capacidade, se assim decidirmos, de aceitar a graça salvadora.
Fonte: Justo L. González - Breve Dicionário de Teologia
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