sexta-feira, 19 de outubro de 2012




Jonathan Edwards começa sua investigação definindo a vontade como "a mente que escolhe", "...a vontade (sem qualquer refinamento metafísico) é simplesmente aquilo pelo qual a mente escolhe qualquer coisa", ele escreve. "A faculdade da vontade é aquela faculdade ou poder ou princípio da mente pelo qual ela é capaz de escolher: um ato de vontade é o mesmo que um ato de escolher ou escolha".

Mesmo quando uma pessoa não escolhe uma opção dada, a mente está escolhendo "a ausência do algo recusado". Edwards chamou essas escolhas voluntárias de ações "eleitas".

John Locke afirmou que "a vontade é perfeitamente diferenciada do desejo". Edwards argumenta que a vontade e o desejo não são "tão inteiramente distintos a ponto de sempre poder ser dito propriamente que estão em oposição um ao outro. Um homem nunca, em nenhum momento, quer algo contrário ao seus desejos ou deseja algo contrário à sua vontade".

Essa breve afirmação é crítica para o entendimento da visão de Edwards sobre a vontade. Ele sustenta que um homem nunca escolhe de forma contrária à sua vontade. Isso significa que o homem sempre age de acordo com o seu desejo. Edwards indica que o fator determinante em cada escolha é o "motivo mais forte" presente no momento. Em resumo, nós sempre escolhemos de acordo com o motivo mais forte ou desejo do momento.

As pessoas podem debater esse ponto com Edwards, recordando momentos quando escolheram algo que realmente não queriam escolher. Para entender Edwards, devemos considerar as complexidades envolvidas no fazer escolhas. Nossos desejos são freqüentemente complexos e até mesmo em conflito uns com os outros. Até mesmo o apóstolo Paulo experimentou desejos conflitantes, alegando que o que ele queria fazer, falhava em fazer e o que ele não queria fazer, ele realmente fazia (ver Rm 7.15). O apóstolo, aqui, frustra o ponto de Edwards? Acho que não. Paulo expressa a luta que enfrenta entre os desejos em conflito. Quando ele escolhe o que."não quer escolher", está experimentando o que chamo de dimensão "todas as coisas sendo idênticas".

Por exemplo, cada cristão tem em seu coração algum desejo de ser justo. Todas as coisas sendo idênticas, queremos sempre ser justos. Mesmo assim, uma guerra está ocorrendo dentro de nós porque nós também queremos continuar a ter desejos maus. Quando escolhemos o mal sobre o curso de ação justo, naquele momento desejamos o pecado mais do que a obediência a Deus. Isso foi verdadeiro para Paulo e é para nós. Cada vez que pecamos, desejamos mais fazer aquilo do que obedecer a Cristo. Caso contrário, simplesmente não pecaríamos.

Os desejos não são apenas não-monolíticos, mas também não são constantes em sua força ou intensidade. Nossos níveis de desejo flutuam de momento a momento. Por exemplo, a pessoa que faz regime deseja perder peso. Depois de uma refeição completa, é fácil dizer não aos doces. O apetite foi saciado e o desejo por mais comida diminuiu. No entanto, quando o tempo passa e o espírito de renúncia conduz a um aumento na fome, o desejo por comida se intensifica. O desejo de perder peso permanece. Mas quando o desejo de empanturrar-se se torna mais forte do que o desejo de perder peso, a determinação da pessoa em dieta enfraquece e ela sucumbe à tentação. As coisas não permanecem sempre num estado de igualdade.

Outro exemplo é o de uma pessoa sendo roubada. O ladrão aponta uma arma para a pessoa e diz, "Seu dinheiro ou sua vida!" (Lembramo-nos da sátira tornada famosa por Jack Benny. Quando colocado diante dessa opção, Benny hesitou por um tempo prolongado. Frustrado, o ladrão disse, "O que você está esperando?" Benny respondeu, "Estou refletindo sobre o assunto"). Ser roubado sob a mira de um revólver é experimentar uma forma de coerção externa. A coerção reduz para duas as opções da pessoa. Todas as coisas sendo idênticas, a pessoa não tem o desejo de doar o conteúdo de sua carteira para o ladrão. Mas com apenas duas opções, a pessoa responderá de acordo com o seu motivo mais forte no momento. Ela pode concluir que se recusar entregar a carteira, o ladrão irá matá-la e roubá-la. A maioria das pessoas irá optar por entregar o dinheiro porque deseja mais viver do que manter sua carteira. No entanto, é possível que uma pessoa tenha uma aversão tal por assalto armado que prefira morrer do que entregar "de bom grado" a sua carteira.

Porque esse exemplo contém uma dimensão coerciva, eu coloco a expressão de bom grado entre parênteses. Devemos perguntar se mediante essas circunstâncias a ação é realmente voluntária. Ela será se a virmos no contexto de apenas duas opções. Embora haja forte coerção externa envolvida, ainda permanece uma escolha. Mesmo aqui, Edwards diria, a pessoa irá escolher a alternativa para a qual ele ou ela tem o motivo mais forte.

O conceito do motivo mais forte pode estar perdido para nós quando consideramos as diversas decisões que tomamos todos os dias sem considerarmos completamente as opções disponíveis. Entramos numa sala de aula onde vários lugares estão vagos ou caminhamos para um banco de praça desocupado e nos assentamos. Raramente listamos os prós e contras antes de selecionar um lugar ou uma parte do banco. Na superfície, parece que essas escolhas são inteiramente arbitrárias. Nós as escolhemos sem pensar. Se for assim, isso frustra a tese de Edwards de que a vontade é a "mente que escolhe".

Essas escolhas parecem ser insensatas mas se as analisarmos de perto, descobriremos que algumas preferências ou motivos estão em ação, embora de forma sutil. Os fatores motivadores podem ser tão insignificantes que escapam à nossa observação. Alguns experimentos têm sido feitos nos quais as pessoas escolhem um assento num banco desocupado de um parque. Algumas pessoas sempre se sentam no meio do banco. Algumas são sociáveis e desejam companhia e, assim, escolhem o meio do banco na esperança de que alguém apareça e sente-se ao seu lado. Outras pessoas preferem a solidão e, assim, sentam-se no meio na esperança de que ninguém mais sente-se no banco.
Da mesma forma, algumas pessoas preferem sentar-se na frente ou no fundo numa sala de aula, por várias razões. A decisão de selecionar um certo lugar não é uma ação involuntária como o bater do coração. Ela é uma ação voluntária que procede de algum motivo, por mais insignificante ou obscuro que seja. Numa palavra, há uma razão pela qual escolhemos os lugares que escolhemos,


O que Determina as Nossas Escolhas?


Em sua análise das escolhas, Edwards discute a determinação da vontade. Ele escreve: "Por 'determinar a vontade', se a frase for usada com algum significado, deve se entender fazer com que o ato de vontade ou escolha seja assim, e não o contrário: e se diz que a vontade é determinada, quando, em conseqüência de alguma ação ou influência, sua escolha é designada e determinada por um objeto particular".
Edwards não está falando do que é comumente chamado determinismo, a idéia de que as ações humanas são determinadas por alguma forma de coerção exterior como sorte ou destino manifesto. Antes, ele está falando de autodeterminação, que é a essência da volição humana.

Edwards considera totalmente irracional a idéia de que uma "vontade indiferente" faz escolhas. "Falar da determinação da vontade supõe um efeito que deve ter uma causa", diz ele. "Se a vontade for determinada, há um determinante. Isso deve ser suposto como tendo sido pretendido, mesmo por aqueles que dizem que a vontade se determina. Se for assim, a vontade é tanto determinada quanto determinante. Ela é uma causa que age e produz efeitos em si mesma, e é o objeto da sua própria influência e ação".

A essa altura, Edwards argumenta a partir do ponto de vantagem da lei da causa e efeito. A casualidade é pressuposta durante todo o seu argumento. A lei da causa e efeito declara que para cada efeito, há uma causa antecedente. Cada efeito deve ter uma causa e cada causa, a fim de ser uma causa, deve produzir um efeito. A lei da casualidade é um princípio formal que ninguém pode negar sem abraçar a irracionalidade. A famosa crítica de David Hume da casualidade não aniquilou a lei mas a nossa habilidade de perceber as relações causais particulares.
A lei da casualidade com a qual Edwards opera é "formal" no sentido de que não tem conteúdo material em si mesma e é expressa de tal forma a ser analiticamente verdadeira. Isto é, ela é verdadeira pela análise dos seus termos ou "por definição". Nessa consideração, a lei da casualidade é meramente uma extensão da lei da não-contradição. Um efeito, por definição, é aquilo que tem uma causa antecedente. Se não tiver uma causa, então não é um efeito. Da mesma forma, uma causa, por definição, é aquilo que produz um efeito. Se nenhum efeito for produzido, então não é uma causa.


Uma vez fui criticado num artigo de jornal por um estudioso que queixava-se, "O problema com Sproul é que ele não considera um efeito sem causa". Eu me declarei culpado da acusação, mas vejo isso como uma virtude em vez de defeito. As pessoas que consideram efeitos sem causas estão considerando declarações absurdas e irracionais como sendo verdadeiras. Se Sproul é culpado aqui, Edwards é ainda mais. Edwards é muito mais convincente em sua análise crítica das complexidades da casualidade do que Sproul jamais será nesta vida.

Quando Edwards declara que a vontade é tanto determinada quanto determinante, ele não está se entregando a uma contradição. A vontade não é determinada e determinante ao mesmo tempo e na mesma relação. A vontade é o determinante num sentido e determinada em outro. Ela é o determinante no sentido em que produz os efeitos das escolhas reais. É determinada no sentido em que essas escolhas são causadas pelo motivo mais forte da mente no momento da escolha.

John H. Gerstner, talvez o maior especialista do século 20 em Edwards, escreve:

Edwards entendia que a alma é composta de duas partes: entendimento e vontade. Não é apenas Freedom of the Will que se baseia nessa dicotomia; essa dicotomia fundamenta também Religions Affections.

Edwards concordava com o puritano inglês, John Preston, de que a mente vinha primeiro e o coração ou vontade em segundo. "A natureza do homem é tal que nenhum objeto pode chegar ao coração a não ser pela porta do entendimento...". No jardim, o homem poderia ter rejeitado a tentação da mente para mover a vontade e desobedecer a Deus. Depois da queda, ele não poderia mais, embora arminianos e pelagianos pensem de forma contrária. Sua noção da "liberdade da vontade" fez com que fosse sempre possível para a vontade rejeitar o que a mente apresentava. Essa noção distorcida, disse Edwards no Original Sin, "parece ser um ponto principal preferido dos pelagianos e arminianos e de todos os teólogos de caráter semelhante, nas suas controvérsias com os ortodoxos". Para Edwards, os atos da vontade não são livres no sentido de que não têm causa.

Para Edwards, um motivo é "algo existente na visão ou compreensão do entendimento ou da faculdade perceptiva". Ele diz;

...Nada pode induzir ou atrair a mente para desejar ou agir qualquer coisa além do que é percebido ou está, de uma forma ou outra, na visão da mente; porque o que é totalmente despercebido e perfeitamente fora da visão da mente, não pode lhe afetar de forma alguma...


...tudo o que é adequadamente chamado de motivo, instigação ou indução para um agente perceptivo desejoso, tem algum tipo e grau de tendência ou predominância para mover ou estimular a vontade, prévia ao efeito, ou para o ato da vontade estimulada. Essa tendência prévia do motivo é o que chamo de "força" do motivo... e aquilo que parece ser mais convidativo e tem, pelo que apresenta-se com respeito a isso ao entendimento ou compreensão, o maior grau de tendência prévia para estimular e induzir a escolha, é o que chamo de "motivo mais forte". Nesse sentido, suponho que a vontade é sempre determinada pelo motivo mais forte.

Edwards ainda argumenta que o motivo mais forte é o que se apresenta como o "melhor" ou mais "agradável" à mente. Aqui ele usa bom não no sentido moral, porque podemos nos agradar fazendo aquilo que não é moralmente bom. Antes, a vontade age de acordo com o que se apresenta mais agradável à pessoa. E aquilo que é mais agradável pode ser considerado como prazer. O que seduz o homem caído para o pecado é o desejo por algum prazer visível.

Edwards volta, então, a sua atenção para os termos necessidade e contingência. Ele diz "que algo é... dito necessário quando deve ser e não pode ser o contrário".22 Ele vai além do uso ordinário da palavra necessário para o uso filosófico. Diz:

A necessidade filosófica é realmente nada mais do que a conexão completa e estabelecida entre as coisas expressas pelo sujeito e predicado de uma proposição, que afirma algo como verdadeiro. Quando há essa conexão, então o algo afirmado na proposição é necessário no sentido filosófico; qualquer oposição ou esforço contrário ou concebível no caso sejam supostos ou não. Quando o sujeito e predicado da proposição, a qual afirma a existência de algo, seja substância, qualidade, ato ou circunstância, tem uma conexão certa e completa, então se diz que a existência ou ser desse algo é necessária num sentido metafísico. E, nesse sentido, uso a palavra necessidade, no seguinte discurso, quando esforço-me para provar que a necessidade não é inconsistente com a liberdade.

Edwards discute vários tipos de conexão necessária. Ele observa que um tipo de conexão é consecutivo: "coisas que são perfeitamente ligadas com outras coisas que são necessárias, são, elas mesmas, necessárias por uma necessidade de conseqüência". Isso é o mesmo que dizer que se A é necessário e B é perfeitamente ligado a A , então B também é necessário. Apenas por causa de tais necessidades de conseqüência é que Edwards fala de necessidades futuras. Estas necessidades futuras são necessárias apenas desse modo.

Similarmente, Edwards considera o termo contingente. Há uma diferença entre o modo como a palavra é usada na linguagem comum e o modo como age no discurso filosófico. Ele escreve:

...Qualquer coisa é dita contingente ou acontece por acaso ou acidente, no significado original de tais palavras, quando sua ligação com suas causas ou antecedentes, de acordo com o curso estabelecido das coisas, não é discernido; também é o que nós não temos me
ios de prever, E, especialmente, se diz que algo é contingente ou acidental com respeito a nós, quando qualquer coisa acontece e estamos relacionados, como causas ou objetos, sem a nossa previsão e além do nosso plano e objetivo.
Mas a palavra contingente é abundantemente usada em muitos sentidos diferentes; não para aquele cuja ligação com a série de coisas não podemos discernir, como prever o acontecimento; mas para algo que absolutamente não tem base ou razão prévia com a qual sua existência tem qualquer ligação fixada e certa.

Em linguagem comum, atribuímos ao acidente ou "acaso" qualquer conseqüência involuntária. Num sentido técnico, nada ocorre por acaso, uma vez que o acaso não tem existência e não pode exercer poder. Quando o termo contingente refere-se aos efeitos sem base ou razão, ele retrocede à afirmação de que há efeitos sem causas. Uma coisa é dizer que não sabemos o que causa um determinado efeito; outra completamente diferente é dizer que nada causa o efeito. Nada não pode fazer coisa alguma porque não é alguma coisa.

R. C. Sproul

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