O pecado, como demonstrado, não é apenas uma atividade, um ato de agressão à dignidade e santidade de Deus, mas é tudo o que não se conforma com a Lei Moral de Deus, e isso inclui o estado em que o homem se encontra, bem como a culpa judicial que carrega.
Assim, notamos que a Natureza Pecaminosa do homem, o estado em que se encontra, tem grande importância no estudo teológico, e, nessa altura, nasce uma pergunta: “Qual é a abrangência dessa Natureza Pecaminosa?”. Para responder a essa pergunta, devemos, primeiramente, demonstrar o termo teológico que sugere essa abrangência: Depravação. Dessa forma, em outras palavras poderíamos perguntar: “Essa depravação, é total ou parcial?”.
A. Depravação Total
A pergunta em pauta exige certa explicação, pois é possível que exista uma má compreensão dos termos empregados, fazendo com que a conclusão seja errônea. Com Depravação afirma-se a falta de retidão original, por um lado, e, por outro lado, a corrupção moral ou inclinação para o mal. Assim, essa Depravação pode corromper parte do homem ou o homem como um todo, o que seria a Depravação Parcial ou Depravação Total, respectivamente.
Diante do relato bíblico, seria incorreto afirmar que um aspecto da constituição imaterial do homem seja maculado pelo pecado, enquanto outro não. Dessa forma, se pode afirmar que a Depravação do Homem é total, ou seja, todos os aspectos do homem foram corrompidos pelo pecado. Entretanto é válido demonstrar que afirmar que todos os aspectos do homem são corrompidos, não significa que eles são aniquilados, ou seja, eles ainda existem, mas estão estragados, decompostos. Assim o homem é totalmente depravado. Contudo, muitas vezes esta frase é mal compreendida, e, portanto requer cuidadosa interpretação. As considerações abaixo são de Louis Berkhof (cf. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho, p.229-30)
Negativamente não implica
(1) que todo homem é tão completamente depravado como poderia chegar a ser;
(2) que o pecador não tem nenhum conhecimento inato de Deus, nem tampouco tem uma consciência que discerne entre o bem e o mal;
(3) que o homem pecador raramente admira o caráter e os atos virtuosos dos outros, ou que é incapaz de afetos e atos desinteressados em suas relações com o semelhante;
(4) que todos os homens não regenerados, em virtude da sua pecaminosidade inerente, se entregarão a todas as formas de pecado: muitas vezes acontece que uma forma de pecado exclui a outra.
(5) que o pecador seja destituído de consciência;
(6) que o pecador seja desprovido de todas as qualidades agradáveis e úteis aos olhos do homem;
Positivamente indica
(1) que a corrupção inerente abrange todas as partes da natureza do homem, todas as faculdades e poderes da alma e do corpo;
(2) que absolutamente não há no pecador bem espiritual algum com relação a Deus, mas somente perversão. (Rm.7.18; 2Tm.3.2-4).
(3) totalmente destituído daquele amor a Deus (Jo.5.42).
(4) carregado de desejo que ultrapassa a consideração por Deus e sua Lei (2Tm.3.4).
(5) supremamente determinado em sua preferência do “eu” (egoísta) em relação a Deus, interna ou externamente ((2Tm.3.2).
(6) possuído de aversão a Deus (Rm.8.7).
(7) desordenado e corrompido em cada faculdade (Ef.4.18; Tt.1.15; 2Co.7.1; Hb.3.12).
B. Incapacidade Total
Com respeito ao seu efeito sobre os poderes espirituais do homem, a Depravação Total tem como conseqüência lógica a Incapacidade Total, ou seja, diante de Deus o homem é incapaz de agradá-lo.
Aqui, de novo, é necessário fazer adequada distinção. Na atribuição da incapacidade total à natureza do homem, não queremos dizer que é impossível fazer o bem em todo e qualquer sentido da palavra. Os teólogos Reformados geralmente dizem que ele ainda é capaz de realizar:
(1) o bem natural;
(2) o bem civil ou a justiça civil;
(3) externamente, o bem religioso.
Admite-se que mesmo o não regenerado possui alguma virtude, a qual se revela nas relações da vida social, em muitos atos e sentimentos que merecem a sincera aprovação e gratidão dos seus semelhantes. Ao mesmo tempo, afirma-se que esse mesmo ato e sentimentos, quando considerados em relação a Deus, são radicalmente defeituosos. Seu defeito fatal é que não são motivados pelo amor a Deus, nem pela consideração de que a vontade de Deus os exige, e muito menos, orientados para conceder ou atribuir Glória a Deus.
Quando falamos da corrupção do homem em termos de incapacidade total, queremos dizer duas coisas:
(1) que o pecador não regenerado não pode praticar nenhum ato, por insignificante que seja, que fundamentalmente obtenha a aprovação de Deus e corresponda às exigências da lei Santa de Deus;
(2) que ele não pode mudar sua preferência fundamental pelo pecado e por si mesmo, trocando-a pelo amor a Deus; não pode sequer fazer algo que se aproxime de tal mudança. Numa palavra, ele é incapaz de fazer qualquer bem espiritual. Há abundante suporte bíblico para essa doutrina: Jo.1.13; 3.5; 6.44; 8.34; 15.5; Rm.7.18, 24; 8.7,8; 1Co.2.14; 2Co.3.5; Ef.2.1, 8-10; Hb.11.6.
É válido demonstrar que a incapacidade do homem não tange apenas à sua moralidade, mas à sua insuficiência e insignificância diante da Majestade e Soberania de Deus. Qualquer atividade que tenha por foco distinto da Glória de Deus, não agrada a Deus. Não interessa qual seja essa atividade. Por mais que se reconheça a possibilidade da consecução de um bem natural, cívico, sem fé é impossível agradar a Deus (Hb.11.6).
C. Depravação, Incapacidade e a Liberdade Humana
No que diz respeito a toda essa discussão sobre o pecado, é inevitável que uma questão seja lançada: “Teria o homem o livre-arbítrio?”. Essa questão deve ser respondida tanto positiva como negativamente.
Pode-se dizer que o homem inevitavelmente possua liberdade para realizar algo, ou deixar de realizar; adquirir ou não conhecimento; vestir essa ou aquela camisa; decidir o que lhe agrada e o que não lhe agrada; o que lhe é bonito ou não é bonito; neste sentido pode-se aplicar o termo livre-arbítrio.
Entretanto, por definição, o livre arbítrio é impossível, pois se refere principalmente às ações e à vontade humana, e pretende significar que o homem é dotado do poder de, em determinadas circunstâncias, agir sem motivos ou finalidades diferentes da própria ação. Ou seja, livre arbítrio é a habilidade de mover-se em direção a consecução de um ato almejado dentre algumas possibilidades, sem consideração de motivos ou circunstâncias, a ponto de não sofrer qualquer inclinação distinta do interesse de realizar este ato. Contudo, todo ato exige motivo ou interesse. Não existe ato absolutamente livre de qualquer inclinação, interesse ou motivo. Se as decisões para executar ou realizar algo não exigem pressupostos racionais, são espontâneas, e por conseqüência as decisões não são tomadas, elas acontecem. Segue-se que o livre arbítrio por definição é impossível.
Observe o exemplo sugerido por Rc. Sproul:
“A mula não tinha desejos anteriores, ou desejos iguais em duas direções diferentes. Seu proprietário pôs uma cesta de aveia à sua esquerda e uma cesta de trigo à sua direita. Se a mula não tivesse nenhum desejo (…) ela não escolheria nenhuma e passaria fome. Se ela tivesse uma disposição exatamente igual para a aveia e o trigo, ainda passaria fome. Sua disposição igual a deixaria paralisada. Não haveria motivo. Sem motivo, não haveria escolhas. Sem escolhas, não haveria comida. Sem comida, logo não haveria mula”.
Por mais que o homem tenha liberdade de escolhas, em algumas situações, como é reconhecido aqui, ele “perdeu a sua liberdade material, insto é, o poder racional de determinar o procedimento, rumo ao bem supremo, que esteja em harmonia com a constituição moral original da sua natureza. O homem tem, por natureza, uma irresistível inclinação para o mal. Ele não é capaz de compreender e de amar a excelência espiritual, de procurar realizar coisas espirituais, as coisas de Deus, que pertencem a salvação[1]“.
Sobre esse tópico, a Confissão de Westminster afirma:
“O homem, devido à sua queda num estado de pecado, perdeu completamente toda capacidade para querer algum bem espiritual que acompanhe a salvação. É assim que, como homem natural que está inteiramente oposto ao bem e morto no pecado, não pode, por sua própria força converter-se ou preparar-se para isso”.
[1] BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática. pp.231
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