Por Leonardo Dâmaso
2. OBJEÇÕES CONTRA A AUTORIA DE PEDRO
Alguns estudiosos têm certas objeções em afirmar que Pedro é o autor desta primeira carta devido a algumas dificuldades que negam este fato. Senão vejamos as duas principais objeções:
a) Objeção histórica
Se Pedro fosse de fato o autor dessa primeira carta, alegam os críticos, provavelmente ele teria incluído nela relatos de sua vida pessoal, especialmente uma boa parte dos principais momentos em que viveu ao lado de Jesus sendo discipulado durante os quase quatro anos de seu ministério terreno.
Uma segunda objeção histórica a autoria de Pedro é que os sofrimentos descritos nesta primeira carta não têm a ver com o resultado da perseguição do imperador Nero contra os cristãos, pois parece que ela se limitou apenas à cidade de Roma não se espalhando para as províncias onde viviam os destinatários desta carta. De acordo com essa perspectiva, esta carta não foi escrita durante o governo de Nero, mas talvez no governo de Domiciano ou Trajano. Em vista disso, Pedro então não pode ser o autor desta carta porque ele morreu na época em que Nero estava no poder.
Todavia, ainda é dito numa terceira objeção histórica que Pedro não poderia ter escrito uma carta para as igrejas que Paulo já havia fundado nessas províncias – Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1 Pe 1.1).
Réplica à objeção histórica
Apesar de não haver nesta primeira carta nenhum relato de fatos pessoais da vida de Pedro durante o tempo do seu discipulado com Jesus, todavia, subtende-se que através de algumas passagens o apóstolo demonstra ter conhecido Jesus pessoalmente, além de ter um íntimo relacionamento de amizade com ele (veja 1.8; 5.1-2; 2.21-24). Quanto à segunda objeção histórica, são poucas as evidências que provam que houve uma perseguição geral nas províncias romanas durante o governo de Domiciano. Portanto, devido à escassez de informações precisas, seria melhor rejeitarmos essa ideia, mesmo que Domiciano tenha sido um perseguidor implacável dos cristãos. “Além disso, também são insuficientes as evidências para provar que Trajano adotou e executou as medidas recém-declaradas contra os cristãos”; 9 e se a perseguição de Nero se estendeu pelas províncias de Roma. Se analisarmos atentamente o conteúdo desta primeira carta, veremos que os destinatários são os cristãos da primeira geração, e que não há um indício sequer apontando os cristãos da segunda geração como os destinatários. Contudo, as evidências internas desta carta (que veremos posteriormente) provam que Pedro a escreveu na época do governo de Nero.
A despeito de Paulo ter fundado igrejas em todas as regiões do Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia é improvável. No livro de Atos e nas cartas de Paulo, vemos descrito que o apóstolo evangelizou não toda, mas uma parte da Ásia Menor. Não obstante, Paulo tinha o desejo e tentou ir para a Bitínia com os seus companheiros evangelizar aquela região, porém, o Espírito de Jesus o impediu de entrar na Ásia Menor, especificamente na parte norte e oeste (At 16.6-7). Por fim, esta objeção histórica levantada pelos críticos cai por terra “quando levamos em consideração a visita de Pedro à igreja de Corinto – uma igreja fundada por Paulo (veja 1 Cor 1.12; 9.5)”.10
b) Objeção linguística
Os estudiosos que negam Pedro como o autor desta primeira carta, afirmam com veemência que seria impossível ele, como um pescador e
um homem simples que era e com pouco estudo, escrever uma carta em grego tão excelente.
A base que estes estudiosos geralmente usam para provar este argumento é At 4.13, onde os membros do sinédrio vendo o a intrepidez e ousadia com que Pedro e João pregavam a Cristo, ficaram ainda mais admirados quando souberam que eles eram homens iletrados e incultos. John Stott afirma com propriedade que Pedro e João por serem iletrados, não significa que eram analfabetos, mas que não haviam recebido treinamento adequado em teologia rabínica, e incultos, significa que eram leigos ou sem conhecimentos profissionais.11
Segundo Werner Kummel, um teólogo alemão, a linguagem de 1 Pedro é vazada em um grego impecável que usa de vários recursos retóricos: a ordem das palavras (1.23; 3.16), orações paralelas (4.11), uma série de palavras compostas (1.4), etc..., além de várias citações e alusões ao Antigo Testamento e com origem na Septuaginta. Em vista disso, essa características são inconcebíveis para Pedro, o galileu.12
Nos evangelhos, diz Kummel, é dito que Pedro, como era de se esperar, falava aramaico (língua corrente na Palestina naquele tempo), e isso com um inconfundível sotaque galileu (considerado meio “caipira” pelas pessoas mais finas e educadas da Judéia). Poderia esse Pedro ser o mesmo que aqui está escrevendo uma carta em bom e fluente grego, mostrando aqui e ali detalhes retóricos que indicam alguém bastante capaz no uso dessa língua? Em vista disso, Kummel conclui dizendo que não temos condições alguma de saber quem seria o autor dessa carta, e provavelmente ele continuará anônimo.13
Réplica à objeção linguística
É bem provável que Pedro, como Galileu que era, sabia desde a sua infância o grego Koiné, que era um segundo idioma amplamente falado na Palestina além do aramaico, que era a sua língua de origem. Depois que foi liberto da prisão pelo anjo do Senhor (At 12.1-17), Pedro viajou para regiões onde o grego era a língua predominante, o que pode ser uma evidência de que ele dominasse bem o idioma. Se observarmos atentamente os sermões do apóstolo registrados no livro de Atos, iremos perceber que ele se expressava bem; haja vista que Pedro, ao longo dos anos de seu apostolado se aperfeiçoou e desenvolveu tanto o seu conhecimento das Escrituras (veja At 10.9-23, 45; 11.18) quanto de oratória e escrita.
Pedro que, em Pentecostes, abrirá uma porta para fé dos judeus, agora realiza o mesmo feito em relação aos gentios (veja At 10.34-38).14 Foi através dele que os gentios ouviram o evangelho pela primeira vez.15 Contudo, Pedro informa aos seus leitores que escreveu sua carta com o auxilio de Silvano ou Silas16, que foi o seu secretário ou amanuense (5.12) assim como Tércio também auxiliou Paulo a escrever a carta aos Romanos sendo o seu secretário ou amanuense (Rm 16.22).
3- EVIDÊNCIAS EXTERNAS DA AUTORIA DE PEDRO
Praticamente, há um consenso unânime composto pela maioria esmagadora de eminentes teólogos, que o autor desta carta é Pedro. Assim foi afirmado, indubitavelmente, já nos primórdios da história pelos pais da igreja como Clemente de Roma, Policarpo, Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, o historiador Eusébio e pelos reformadores.
Por volta do ano 95 d.C, Clemente de Roma escreveu uma carta à igreja de Corinto denominada 1 Clemente. Nela encontramos algumas semelhanças com 1 Pedro. Senão vejamos duas dessas semelhanças apenas:
Àqueles chamados e santificados pela vontade de Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. Graça e paz do Deus Todo Poderoso vos sejam multiplicadas em Jesus Cristo.17 Compare com (1.2).
Fixemos nosso olhar no sangue de Cristo, e saibamos que é precioso ao seu Pai.18 Compare com (1.19).
Na metade do segundo século, Policarpo escreveu uma carta à igreja de Filipos com várias citações extraídas de 1 Pedro. Senão vejamos uma das citações:
(Jesus Cristo) a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória (1.3).19 Compare com (1 Pe 1.8).
Apesar de Policarpo não mencionar como fonte de composição de sua carta 1 Pedro, as várias citações contidas nelas são de 1 Pedro.
No final do segundo século, por volta do ano 185 d.C, Irineu cita 1 Pedro 1.8 como também menciona a fonte da citação dizendo: “e Pedro diz em sua carta”.20 No terceiro século, Clemente de Alexandria e Tertuliano citam 1 Pedro e também mencionam o nome do apóstolo como fonte. O historiador Eusébio ressalta que por volta do ano 125 d.C, um bispo na Ásia Menor chamado Papias “usou citações da Primeira carta de João e também da carta de Pedro”.21 Em suma, todas estas evidências externas apontam para a autenticidade de 1 Pedro considerada pela igreja primitiva pós-apostólica.
4- EVIDÊNCIAS INTERNAS DA AUTORIA DE PEDRO
Conforme vimos anteriormente, logo de início, na saudação, Pedro se apresenta como o autor desta primeira carta nestas palavras: Pedro, apóstolo de Jesus Cristo (1.1a). Via de regra, o autor desta carta, que é Pedro, também afirma com autoridade que foi testemunha ocular do sofrimento de Jesus (5.1). Em contrapartida, na segunda carta, há uma evidência imprescindível que confirma Pedro como o autor desta primeira como também da segunda carta. O apóstolo declara no (3.1): Amados, esta é agora, a segunda epístola que vos escrevo; em ambas, procuro despertar com lembranças a vossa mente esclarecida. ARA
Uma terceira evidência interna são os notáveis paralelos entre os sermões de Pedro descritos no livro de Atos com a síntese da sua primeira carta. Edmund Clowney salienta que a maior segurança quanto à autenticidade de 1 Pedro vem da própria carta. Sua mensagem é intimamente ligada aos discursos de Pedro, conforme registrados no livro de Atos.22 Tanto as evidências externas quanto as evidências internas corroboram a favor da autoria de Pedro.
9- Simon Kistemaker. Epístolas de Pedro e Judas, pág 14.
10- Ibid, pág 15.
11- John Stott. A mensagem de Atos, pág 107-108.
12- Werner George Kummel. Introduction to the New Testament, pág 297.
13- Ênio R. Muller citando Werner George Kummel. 1 Pedro: Introdução e comentário, pág 19-20.
14- F.F. Bruce. Estudos do Cristianismo não Paulino. Pedro, Estevão Tiago e João, pág 18.
15- Ibid, pág 19.
16- Silas era um cidadão romano (At 16.37); um profeta (15.32); um líder promissor na igreja (15.22) e foi um amigo e cooperador de Paulo no ministério (15.40). Silas é mencionado por Paulo em (2Cor 1.19; 1 Ts 1.1; 2Ts 1.1).
17- 1 Clemente. Saudação (LCL).
18- 1 Clemente. 7.4 (LCL).19- Citação da carta de Policarpo aos Filipenses: 1.3 – 1 Pe 1.8.
20- Irineu. Contra as Heresias 4.9.2. In The Apostolic Fathers, vol. 1 de The Ante Nicene Fathers, orgs. Alexander Roberts e James Donaldson (1885; Grand Rapids: Eerdmans, 1962), pág 472
21- Eusébio. História Eclesiástica (LCL).
22- Edmund Clowney. The menssage of 1 Peter, pág 20.
Extraído de: http://www.materiasdeteologia.com
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