Esse texto pode ser polêmico. Infelizmente.
Eu
desprezo a polêmica gratuita. Certamente há temas pelos quais devemos
lutar até a morte, se preciso. A história da Igreja é prova disso. Mas
normalmente a melhor abordagem não é o conflito público, que tanto
inflama os egos e sentimentos, criando indisposições para todos os
lados.
Ainda
assim, devido ao ambiente de erros ou dúvidas, algumas questões
polêmicas precisam ser tratadas. Não pretendo ter a palavra final sobre o
assunto discutido, e estou aberto à reflexão e diálogo. Acredito,
porém, que existe uma compreensão muito perniciosa e um revisionismo que
nos prende negativamente ao passado, e por isso trago a questão à tona.
Nestes
dias as agendas se misturam. A páscoa e o calendário cristão tentam
resgatar algo da paz promovida pelo sacrifício e vitória de Jesus na
cruz e ressurreição. Mas, especialmente no Brasil, outro tema se
levanta: os eventos do fim de Março e início de Abril, relacionados à
ditadura militar e à ação revolucionária em nosso país.
Os
pólos são claros: de um lado, militantes esquerdistas recontam a
história do país culpando a ditadura pelas mazelas existentes em nossa
sociedade e resistem a ela tão intensamente como se os militares ainda
estivessem no poder. No outro extremo, direitistas exaltam a honra dos
militares e agradecem pelo que fizeram, livrando o Brasil de se tornar
um país comunista. Há evangélicos nos dois lados desta história, o que
complica ainda mais o debate.
Como, então, podemos ser responsáveis e agir no meio deste contexto?
Correndo
o risco de passar por simplista, mas não desejando escrever um tratado
sobre o tema, apresento breves teses que direcionam uma postura
equilibrada. Obviamente isso não significa que você não possa adotar um
partido – apenas clama por uma visão menos maniqueísta da história, e,
portanto, melhor abastecida para compreender a complexidade da questão, e
para tratá-la quando necessário. Às teses:
1. Nenhum cristão pode ser a favor da ditadura. O
ensino bíblico a respeito do papel do Estado não permite uma atuação
ditatorial e restritiva das liberdades individuais de modo opressivo. A
ditadura, seja qual for, viola a dignidade do ser humano criado à imagem
e semelhança de Deus, e cria marcas profundas na história de um povo.
Fragiliza uma organização política saudável e violenta a consciência
popular. A ditadura é um excesso, e leva a excessos de várias ordens.
Por causa da maldade do coração humano, não é ridículo acreditar que
muitos militares se excederam profundamente no trato com pessoas,
utilizando, inclusive, a prática de tortura.
2. Nenhum cristão pode ser a favor da revolução.
A ditadura do proletariado também é uma ditadura, e assim se encaixa no
aspecto anterior. A revolução também rompe com o ensino bíblico sobre
as autoridades terem sido instituídas por Deus. Subverter a ordem a fim
de instaurar um regime contrário às liberdades individuais é tão
repulsivo quanto instaurar uma ditadura. Por causa da maldade no coração
humano, não é ridículo acreditar no treinamento que as milícias
revolucionárias receberam de Cuba, nem nos roubos, torturas, sequestros e
assassinatos que tais grupos realizaram, além de estimular um clima de
vandalismo desordeiro. Desonrar as autoridades é desonrar a autoridade
final que institui todas as demais – o próprio Deus.
3. A história “oficial” do regime militar é contada pelas esquerdas.
Precisamos levar em consideração que nossa compreensão do evento de
1964 e seus desdobramentos se desenvolve a partir dos livros de história
escritos por marxistas, e a apresentação do assunto se dá normalmente
de maneira revanchista. Embora possamos entender o senso de indignação
diante das atrocidades cometidas, devemos ser inteligentes o suficiente
para perceber alguns pontos importantes, como: (1) quem conta a história
com senso de vingança retrata os fatos de modo a lhe fazer parecer a
vítima justiçada e fazer o outro parecer o vilão destruidor; (2) Não é
de hoje que movimentos de esquerda desejam transformar a opinião popular
mediante o envolvimento com a produção cultural que distorce –
levemente ou brutalmente – os fatos em seu favor (é nessa linha que
vemos o absurdo número de teses, filmes, livros, revistas, que tratam a
questão).
Richard Wurmbrand conheceu na pele o que o comunismo faz com cristãos. A história que demonstra os comunistas como apenas “vítimas” precisa ser questionada. |
4. Existem versões do outro lado que caminham no mesmo erro das esquerdas.
Simplesmente transformar os militares em heróis parece simplista
demais. Personagens históricos reais possuem traços de heroísmo e
covardia, ações louváveis e outras detestáveis. Deste modo, mesmo que a
história “oficial” não seja contada pelos militares, existem os seus
registros, que também devem ser observados com cautela.
Talvez
o mais responsável seja perceber o relato dos dois lados e montar o
quebra-cabeças da história com estes componentes. Os livros esquerdistas
estão em todas as salas de aulas e livrarias – são o padrão. Devem ser
contrastados com materiais que revelam o que eles escondem. “A ditadura
escancarada” deveria ser contrastado com “A verdade sufocada”, “Ditadura
e repressão” com “O Guia politicamente incorreto da História do Brasil”
(e o da América Latina também), entre outros.
Acredito
que essa postura nos livrará de simplificações irresponsáveis, e até
levianas, que mais prejudicam do que ajudam qualquer pessoa.
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- Sobre o autor: Allen Porto
é pastor da Igreja Presbiteriana do Renascença (MA), está plantando a
Igreja Presbiteriana do Araçagy, também em São Luís (MA), e estuda
teologia no Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (SP).
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