quinta-feira, 27 de junho de 2013

Ditadura, revolução, e responsabilidade



Por Allen Porto


Esse texto pode ser polêmico. Infelizmente.

Eu desprezo a polêmica gratuita. Certamente há temas pelos quais devemos lutar até a morte, se preciso. A história da Igreja é prova disso. Mas normalmente a melhor abordagem não é o conflito público, que tanto inflama os egos e sentimentos, criando indisposições para todos os lados.

Ainda assim, devido ao ambiente de erros ou dúvidas, algumas questões polêmicas precisam ser tratadas. Não pretendo ter a palavra final sobre o assunto discutido, e estou aberto à reflexão e diálogo. Acredito, porém, que existe uma compreensão muito perniciosa e um revisionismo que nos prende negativamente ao passado, e por isso trago a questão à tona.

Nestes dias as agendas se misturam. A páscoa e o calendário cristão tentam resgatar algo da paz promovida pelo sacrifício e vitória de Jesus na cruz e ressurreição. Mas, especialmente no Brasil, outro tema se levanta: os eventos do fim de Março e início de Abril, relacionados à ditadura militar e à ação revolucionária em nosso país.

Os pólos são claros: de um lado, militantes esquerdistas recontam a história do país culpando a ditadura pelas mazelas existentes em nossa sociedade e resistem a ela tão intensamente como se os militares ainda estivessem no poder. No outro extremo, direitistas exaltam a honra dos militares e agradecem pelo que fizeram, livrando o Brasil de se tornar um país comunista. Há evangélicos nos dois lados desta história, o que complica ainda mais o debate.

Como, então, podemos ser responsáveis e agir no meio deste contexto?

Correndo o risco de passar por simplista, mas não desejando escrever um tratado sobre o tema, apresento breves teses que direcionam uma postura equilibrada. Obviamente isso não significa que você não possa adotar um partido – apenas clama por uma visão menos maniqueísta da história, e, portanto, melhor abastecida para compreender a complexidade da questão, e para tratá-la quando necessário. Às teses:

1. Nenhum cristão pode ser a favor da ditadura. O ensino bíblico a respeito do papel do Estado não permite uma atuação ditatorial e restritiva das liberdades individuais de modo opressivo. A ditadura, seja qual for, viola a dignidade do ser humano criado à imagem e semelhança de Deus, e cria marcas profundas na história de um povo. Fragiliza uma organização política saudável e violenta a consciência popular. A ditadura é um excesso, e leva a excessos de várias ordens. Por causa da maldade do coração humano, não é ridículo acreditar que muitos militares se excederam profundamente no trato com pessoas, utilizando, inclusive, a prática de tortura.

2. Nenhum cristão pode ser a favor da revolução. A ditadura do proletariado também é uma ditadura, e assim se encaixa no aspecto anterior. A revolução também rompe com o ensino bíblico sobre as autoridades terem sido instituídas por Deus. Subverter a ordem a fim de instaurar um regime contrário às liberdades individuais é tão repulsivo quanto instaurar uma ditadura. Por causa da maldade no coração humano, não é ridículo acreditar no treinamento que as milícias revolucionárias receberam de Cuba, nem nos roubos, torturas, sequestros e assassinatos que tais grupos realizaram, além de estimular um clima de vandalismo desordeiro. Desonrar as autoridades é desonrar a autoridade final que institui todas as demais – o próprio Deus.

3. A história “oficial” do regime militar é contada pelas esquerdas. Precisamos levar em consideração que nossa compreensão do evento de 1964 e seus desdobramentos se desenvolve a partir dos livros de história escritos por marxistas, e a apresentação do assunto se dá normalmente de maneira revanchista. Embora possamos entender o senso de indignação diante das atrocidades cometidas, devemos ser inteligentes o suficiente para perceber alguns pontos importantes, como: (1) quem conta a história com senso de vingança retrata os fatos de modo a lhe fazer parecer a vítima justiçada e fazer o outro parecer o vilão destruidor; (2) Não é de hoje que movimentos de esquerda desejam transformar a opinião popular mediante o envolvimento com a produção cultural que distorce – levemente ou brutalmente – os fatos em seu favor (é nessa linha que vemos o absurdo número de teses, filmes, livros, revistas, que tratam a questão).

Richard Wurmbrand conheceu na pele o que o comunismo
faz com cristãos. A história que demonstra os comunistas como
apenas “vítimas” precisa ser questionada.
4. Existem versões do outro lado que caminham no mesmo erro das esquerdas. Simplesmente transformar os militares em heróis parece simplista demais. Personagens históricos reais possuem traços de heroísmo e covardia, ações louváveis e outras detestáveis. Deste modo, mesmo que a história “oficial” não seja contada pelos militares, existem os seus registros, que também devem ser observados com cautela.

Talvez o mais responsável seja perceber o relato dos dois lados e montar o quebra-cabeças da história com estes componentes. Os livros esquerdistas estão em todas as salas de aulas e livrarias – são o padrão. Devem ser contrastados com materiais que revelam o que eles escondem. “A ditadura escancarada” deveria ser contrastado com “A verdade sufocada”, “Ditadura e repressão” com “O Guia politicamente incorreto da História do Brasil” (e o da América Latina também), entre outros.

Acredito que essa postura nos livrará de simplificações irresponsáveis, e até levianas, que mais prejudicam do que ajudam qualquer pessoa.

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- Sobre o autor: Allen Porto é pastor da Igreja Presbiteriana do Renascença (MA), está plantando a Igreja Presbiteriana do Araçagy, também em São Luís (MA), e estuda teologia no Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (SP).

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