Faltou uma coisa
Há
algum tempo, durante uma reunião de estudo da Palavra, minha atenção
foi despertada para as tristes circunstâncias da morte de Jônatas no
Monte Gilboa. Israel fugiu diante do inimigo, e foi vencido. Saul foi
morto, e seus três filhos foram mortos juntamente com ele.
Foi
a completa derrota do reino de Saul. Que triste cena - o corpo de Saul e
os corpos de seus três filhos pregados no muro de Bete-Sã! Acaso não
seria esse um final triste para qualquer homem que terminasse assim?
Imagine então o que foi para Jônatas chegar a um tão vergonhoso fim! E
como foi que isso aconteceu? Por que aconteceu? E que lição Deus quer
que aprendamos desta história inspirada, nestes últimos dias em que
vivemos?
O
ponto decisivo na história de Jônatas está em 1 Samuel 18, e ilustra
também o ponto decisivo na história de toda alma que é nascida do alto. É
verdade que encontramos Jônatas, antes disso, como um homem poderoso da
casa de Saul. "E Jônatas feriu a guarnição dos filisteus que estava em
Gibeá, o que os filisteus ouviram: pelo que Saul tocou a trombeta por
toda a terra, dizendo: Ouçam os hebreus!" (1 Sm 13:3). Nós o encontramos
outra vez como um homem valente na passagem de Micmas. Alguém pôde
dizer, dez séculos mais tarde, "E eu, nalgum tempo, vivia sem lei." (Rm
7:9). "Se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu...
hebreu de hebreus." (Fp 3:4-5). Assim, o ponto decisivo na vida de
Jônatas foi, em figura, muito parecido com o ponto decisivo na vida de
Paulo a caminho de Damasco.
O PODEROSO ADVERSÁRIO
É
iniciado o assunto. Que estudo temos aqui! Israel estava reunido em
ordem de batalha no vale de Elá. Do outro lado do vale estava o
adversário da casa de Saul, o desafiador dos exércitos de Israel. E não
havia um libertador na casa de Saul. Naquele dia, Deus enviou um
rei-salvador - aquele desprezado pastor um rapazinho. Ah, aquele
desprezado era o ungido de Deus, o rei de Israel. O poderoso inimigo foi
morto naquele dia pelo filho mais novo de Jessé. "E disse-lhe Saul: De
quem és filho, mancebo? E disse Davi: Filho de teu servo Jessé,
belemita." "E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de
Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como à sua
própria alma." (1 Sm 17:58; 18:1).
Ah,
Jônatas tinha olhado para o outro lado do vale de Elá e, vendo aquele
terrível adversário, Golias de Gate, cuja altura era de seis côvados,
ficou com muito medo. E não foi só por um dia ou dois que Golias se
apresentou, mas por quarenta dias, e com ele todos os exércitos da
Filístia. Quão grande a graça de Deus em enviar ao acampamento aquele
Davi salvador, o rei desconhecido! Ali permaneceu ele, tendo terminado a
obra que Deus lhe havia dado para cumprir. A vitória fora completa; o
campeão estava morto, e os filisteus fugiram. Olhe para Davi agora.
Porventura não é uma figura daquela maior vitória do maior Filho de
Davi?
A UM PASSO DA ETERNIDADE
Como
Jônatas olhou para o outro lado daquele vale de Elá, assim também uma
alma é, às vezes, levada a olhar para além do vale da morte. E, oh, quão
terrível será o horror se o grande adversário estiver ali, e se todos
os pecados da vida passada estiverem ali também, tudo disposto em uma
terrível ordem, como as hostes dos filisteus! Permita-me que lhe peça
que olhe para o outro lado desse estreito e profundo vale, e responda:
Porventura o Salvador Jesus já foi revelado à sua alma, como foi o
salvador Davi ali revelado a Jôtanas? Evidentemente, este último é
apenas uma figura do primeiro. Mas havia realidade e certeza para
Jônatas, e aquilo, de uma vez para sempre, ligou seu coração a Davi.
Este assunto é tão oportuno - o vale que nos separa da eternidade é tão
estreito. Outro suspiro - não, talvez, nem chegue a outro suspiro e já
poderá ser, após a morte, a vez do seu julgamento! Se assim for, você
certamente tem um motivo ainda maior para ficar aterrorizado, do que o
que teve Israel naquele dia. Você pode ter sido, até hoje, um príncipe
tão poderoso quanto Jônatas; a trombeta de Saul pode ter propagado o seu
louvor; mas será que Deus revelou Jesus à sua alma - Aquele que foi
enviado por Deus - Aquele que foi desprezado e rejeitado? Você pode
vê-Lo? Então diga-me: O que são aquelas cicatrizes nas Suas mãos e no
Seu lado? Elas falam docemente ao coração: "Tendo consumado a obra que
Me deste a fazer" (Jo 17:4). Olhe para o poderoso Conquistador, o
Unigênito enviado por Deus. "Eis o Cordeiro de Deus!" (Jo 1:29).
Oh,
quão maravilhoso é o efeito da fé simples em Jesus, Aquele que
completou a obra da redenção! Quarenta dias esse adversário, Golias,
desafiou Israel; mas por quarenta séculos Satanás desafiou o homem e
desonrou a Deus. Quem mais além do santo Substituto poderia sair ao
encontro do adversário e preservar a glória de Deus? Pois assim como
Davi abateu Golias no vale de Elá, também Jesus encontrou todo o poder
de Satanás no vale da morte. Minha alma, faz bem meditar nisto. Cada
pecado que o acusador poderia trazer contra mim foi carregado por Jesus.
AMAR E DESPOJAR-SE
Duas
coisas foram produzidas em Jônatas por essa, por assim dizer, primeira
revelação de Davi: Jônatas o amou como à sua própria alma, e se
despojou. Evidentemente, isso foi algo simples e natural. De que maneira
singular ele olhou para a face daquele jovem pastor que, com o risco da
própria vida, munido apenas de sua funda e de sua pedra consumara tão
grande livramento! E será que você pode também olhar para Jesus, Aquele
que deu Sua vida tão preciosa, Aquele que suportou a ira pelos pecados
que você cometeu, Aquele que mostra Suas mãos e Seu lado e, com doçura,
lhe diz: "Paz seja convosco" (Jo 20:19). Ao tomar conhecimento disto,
pode você ainda ficar sem amar Aquele que tanto amou você primeiro?
Portanto,
como se pode ver, a fé deve produzir amor. Quão belo e simples é tudo
isso! Então vem o despojar-se. Por que foi que Jônatas se despojou? Bem,
Paulo, aquele outro hebreu de hebreus, nos conta por que ele se
despojou; e acho que ao fazê-lo explica também por que razão Jônatas
também se despojou. Menciono estes dois por terem sido, cada um deles,
dos mais puros hebreus de sua época. Saulo de Tarso, do qual Jônatas é
um tipo ou figura, foi um perfeito judeu; um dos mais conceituados
fariseus que já pôde se firmar em sua própria justiça. Leia Filipenses 3
e você verá o registro honesto que ele dá de si próprio. Paulo diz:
"Segundo a justiça que há na lei, irrepreensível" (Fp 3:6). Era isto o
que aquele hebreu de hebreus podia dizer, e, oh, quantos pobres fariseus
de nossa época gostariam de poder dizer o mesmo!
DEIXANDO TUDO POR CRISTO
Mas
vamos agora aplicar a Paulo a questão relativa a Jônatas. Por que Paulo
se despojou a si mesmo? Quão clara e simples é a resposta: "Mas o que
para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho
também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de
Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas,
e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo. E seja
achado nEle, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas... a justiça
que vem de Deus" (Fp 3:7-9).
Sem
dúvida alguma, quão belo e apropriado, é este despojamento! O Jesus
despojado, que morreu na cruz pelos pecados de Paulo, aparecia agora
àquele hebreu de hebreus, fariseu de fariseus, em uma glória que
sobrepujava o sol em seu esplendor: "Eu sou Jesus, a Quem tu persegues"
(At 9:5). Que mudança aquelas palavras produziram! Nos anos que se
seguiram, o mesmo Paulo escreveria dAquele glorioso Ser que foi entregue
por nossas ofensas, e ressuscitou de entre os mortos para nossa
justificação, para ser nossa justiça permanente, sim, que Deus O
ressuscitou de entre os mortos, o Santo e Justo, nossa perfeita e eterna
justiça diante de Deus e de todo o universo (Rm 4:25; 5:18; 1 Co 1:30;
Fp 3:9-10). E, oh, quão grande a paz de Deus que enche a alma que assim
conhece a Ele, e ao poder da Sua ressurreição!
Agora
iremos ver que tudo aquilo que exaltava a Saulo, o hebreu de hebreus,
só podia servir para diminuir a Cristo; e, sendo assim, oh, com que
alegria ele se despoja a si próprio para que Cristo possa ser tudo!
Será, leitor, que o seu coração está unido assim a Jesus? E será que
você está assim despojado?
Do
mesmo modo como Paulo se despojou de tudo, também "Jônatas se despojou
da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, bem como os seus vestidos, e
até a sua espada, o seu arco, e o seu cinto" (1 Sm 18:4). Que senso da
dignidade de Davi, o rei-salvador! Sendo ele um nobre militar, despojar
da espada era algo bem significativo. Que rendição! Lemos, acerca dos
vinte e quatro anciãos, que eles "lançavam as suas coroas diante do
trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder"
(Ap 4:10-11).
AS MARCAS DE UM CRISTÃO
Coloco
estas duas coisas como marcas benditas de um cristão, da maneira como
são ilustradas em Jônatas. O senso do valor da redenção por meio do
sangue de Jesus é tamanho, que o coração fica ligado a Ele em amor; e
tamanho é o senso do que Ele é como nossa justiça e justificação,
ressuscitado de entre os mortos, que nos leva ao completo despojamento
da velha capa de justiça-própria, sim, de cada trapo, da espada e do
cinto, de tudo; tudo aquilo que pertence ao ego: sua justiça, seus
esforços, suas lutas e seu andar, tudo entregue a Jesus, a Justiça de
Deus, Cristo em ressurreição.
E
estou certo, querido leitor, de que se Cristo não estiver assim
revelado a você, como Davi foi revelado a Jônatas, nada poderá levá-lo a
abrir mão de sua capa, vestidos, espada e cinto. Se a sua velha capa
não lhe inspirar muita confiança para comparecer na presença de Deus, o
diabo tentará de outra forma, dando-lhe a esperança de que você talvez
possa lutar melhor, ou andar melhor; ou pode ser que ele lhe diga que
conseguirá melhorar indo à missa, guardando a lei e cumprindo ritos e
cerimônias. Satanás fará qualquer coisa para mantê-lo fora da sala de
despojamento de Jônatas; o lugar onde você não é nada e Cristo é tudo.
CONFESSANDO A CRISTO
Vamos
dar uma olhada mais adiante dessa história tão instrutiva (1 Sm 19).
Conhecer verdadeiramente a Cristo não é uma mera emoção passageira, mas
um amoroso vínculo com Jesus, e uma crescente fé na Sua obra consumada -
uma fé tal que o levará a confessá-Lo diante dos homens, custe o que
custar. Com certeza é isto que encontramos em Paulo, e em todos os
membros da Igreja nos seus primórdios; e é de algo assim que lemos neste
capítulo: "Jônatas, filho de Saul, estava mui afeiçoado a Davi" (1 Sm
19:1).
"Mui afeiçoado!" Deveremos notar, a esta altura da história, um surpreendente paralelo.
Naquela época o reino de Israel era, em sua forma visível, governado pela casa de Saul.
Mas
Deus havia rejeitado Saul e sua casa, e Samuel tinha ungido Davi; e a
fé podia reconhecer Davi como o rei ungido que havia de vir. De modo
semelhante, a fé agora reconhece, por meio do registro da Palavra de
Deus, que a glória deste mundo, com seus reinos e seu deus, já está
julgada e a ponto de ser varrida na vinda do Rei de Justiça e Príncipe
da Paz.
O ÓDIO DO MUNDO
Bem,
o mesmo acontecia com Israel naquele tempo. O ódio que é agora
manifestado contra Cristo e contra Seus verdadeiros seguidores foi, de
modo semelhante, manifestado por Saul contra Davi e seu pequeno grupo de
verdadeiros seguidores. Não se esqueça disto, está bem? Pois você irá
descobrir que o ódio do mundo contra Cristo é um verdadeiro teste para o
seu próprio coração. E assim Jônatas foi submetido a esse teste.
"E
falou Saul a Jônatas, seu filho, e a todos os seus servos para que
matassem a Davi." (1 Sm 19:1). E o que faz o amoroso Jônatas? Ele contou
a Davi. Não é maravilhoso? Oh, que eu e você possamos ir e fazer a
mesma coisa!
Acaso
você já não ficou surpreso ao encontrar, em certas ocasiões, ódio
contra Jesus vindo de onde você menos esperava? Talvez você tenha sido
convidado para se encontrar com alguns amigos, todos eles professando
ser crentes - e Saul também professava - para logo descobrir que seus
amigos falam de tudo e de todos, menos de seu tão amado Jesus, em Quem
você tem tanto prazer. E você descobre que, entre eles, não há nem como
falar do glorioso Rei que virá; não estão nem um pouco interessados. Oh,
saia do meio desses hipócritas! Vá antes contar a Jesus, e então fale
por Jesus como Jônatas falou por Davi; pois se não o fizer, lembre-se de
que você estará, ainda que em silêncio, negando a seu Senhor, só por
ficar ali sentado com aqueles que, na prática, dão as boas-vindas a
Barrabás e dizem "Fora com esse Senhor que vai voltar!"
"Então
Jônatas falou bem de Davi a Saul, seu pai, e disse-lhe: Não peque o rei
contra seu servo Davi, porque ele não pecou contra ti, e porque os seus
feitos te são mui bons. Porque pôs a sua alma na mão, e feriu aos
filisteus, e fez o Senhor um grande livramento a todo o Israel; tu mesmo
o viste, e te alegraste: por que, pois, pecarias contra o sangue
inocente, matando a Davi sem causa?" (1 Sm 19:5).
Então, não era essa uma boa confissão? Encontramos Paulo seguindo no mesmo caminho: "Porque
não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor" (2 Co
4:5). E Jesus disse: "Porquanto qualquer que, entre esta geração
adúltera e pecadora, se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, também
o Filho do Homem Se envergonhará dele, quando vier na glória de Seu
Pai, com os santos anjos" (Mc 8:38).
FALAMOS BEM DE JESUS?
E
se Jônatas falou bem de Davi, oh, será que não podemos falar bem de
Jesus? Porventura não trouxe Ele uma maior salvação? Será que existe
algo maior ou melhor fora de Jesus? Acaso houve algum outro que tenha
glorificado a Deus, acerca do pecado, como Ele o fez sobre a cruz? Acaso
alguma outra coisa ou pessoa pode dar vida eterna, além de Jesus
ressuscitado? Existe algo mais que possa dar paz, mesmo para uma
consciência culpada, além do sangue de Jesus? Não conheço nada mais,
seja na história do mundo ou em qualquer nação, que dê forças para o
homem permanecer à beira da sepultura, esse vale de Elá, e, olhando
firmemente para a eternidade, dizer: "Estou confiante". "Mas temos
confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o
Senhor." (2 Co 5:8).
Além
disso, diga-me: Porventura Jesus não trouxe à luz vida e
incorruptibilidade? Sim, vida por meio dAquele que tem existência
própria; dAquele por meio de Quem todas as coisas criadas foram trazidas
à existência. E não foi Ele mesmo que, pela morte, conquistou, para o
homem, um novo lugar que está muito além do pecado e da morte? E, como
primícias dessa nova criação, Ele é agora aquilo que nós, em
ressurreição, seremos para sempre, "quando isto que é corruptível se
revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da
imortalidade" (1 Co 15:54). Ele mui breve Se manifestará; Ele que é Deus
manifestado - inefável centro da adoração universal, cujo sorriso
encherá de gozo todo o universo! Oh, nestes poucos dias finais de Sua
rejeição aqui, será que deveríamos sentir vergonha de Jesus? Assim como
Jônatas confessou o nome de Davi na condenada casa de Saul, possamos nós
assim também, e muito mais, confessar o nome de Jesus diante deste
mundo condenado!
QUANDO VEM A PERSEGUIÇÃO
Venha;
vamos agora seguir nosso Jônatas um pouco mais em 1 Samuel 20. Saul
continua procurando matar Davi. "Mas, como então aquele que era gerado
segundo a carne perseguia o que o era segundo o Espírito, assim também
agora." (Gl 4:29). Mas é a perseguição que revela aqueles que são
verdadeiros seguidores de Jesus: "Vós sois os que tendes permanecido
comigo nas minhas tentações." (Lc 22:28). Isso foi ternamente
expressado, e mostrava também como o coração de Jesus apreciava a
comunhão fiel, ainda que sem brilho, de Seus discípulos, quando a casa
religiosa dominante procurava atentar contra a Sua vida, buscando
ocasião para condená-Lo à morte. Com toda certeza, isso foi
maravilhosamente prefigurado em nosso capítulo. A simpatia do devoto
Jônatas era preciosa para Davi. E quanto isso adoçou a taça amarga!
Aquelas palavras, "Saulo, Saulo, por que Me persegues?" (At 9:4). nos
revelam claramente como o coração de Jesus está afeiçoado a todos os
Seus membros aqui nesta Terra. E será que isto não mostra quão preciosa é
para Ele a simpatia que demonstramos para com aqueles que são odiados e
perseguidos? Oh, que coisa mais estranha foi, e ainda é, o ódio do
homem contra Jesus!
Será
que você não notou que desde aquele dia o ódio do homem é proporcional à
fidelidade do cristão a Cristo? Porventura não é assim que acontece?
Quem mais é tão odiado pela grande casa professante de nossos dias,
senão os poucos que desejam realmente caminhar sobre Suas benditas
pegadas? Existirão outros tão caluniados e odiados como estes? Mas desde
os dias de Paulo, até o presente momento, a pior mentira acerca de
Cristo é esta: que se dermos a Ele a honra de uma salvação completa e
eterna, sem obras de nossa parte, essa doutrina nos levará à
desobediência e ao descuido no andar. Quão completamente é esta mentira
rechaçada por nosso Jônatas - "E disse Jônatas a Davi: O que disser a
tua alma, eu te farei" (1 Sm 20:4). Que preciosa obediência, obediência
de coração, fruto da fé! Posso apontar em qualquer parte do Novo
Testamento e encontrar o mesmo fruto. "Senhor, que queres que faça?" é o
primeiro impulso de Paulo nascido de novo (At 9:6).
FAZER A VONTADE DO SENHOR
Será
que é esta também a linguagem do seu coração para com seu precioso
Senhor? "O que disser a Tua alma, eu Te farei". Isto vai muito além da
lei, boa, santa e justa como era. Trata-se do desejo, implantado pelo
céu, de fazer a vontade do Senhor no que quer que Ele possa desejar que
eu faça. E havia, em Jônatas, esta prontidão para servir Davi na casa de
seu pai, e mostrar a Davi o que seu pai tinha em mente, fosse isso
bondade ou ódio. Creio que podemos dizer que ele era verdadeiramente um
homem de Davi na casa de Saul.
A
julgar pelas aparências exteriores, Davi era o desterrado - o
rejeitado; e, mesmo assim, com que beleza a fé podia ver nele o
escolhido de Jeová! "E Jônatas fez jurar a Davi de novo, porquanto o
amava; porque o amava com todo o amor da sua alma." (1 Sm 20:17).
E
quando chegou a lua nova, e o rei tomou o seu assento, o lugar de Davi
estava vazio; e então, quão plenamente Jônatas confessou o nome de Davi,
apesar de sua confissão atrair sobre si a severa ira de seu pai Saul!
"Então se acendeu a ira de Saul contra Jônatas, e disse-lhe: Filho da
perversa em rebeldia; não sei eu que tens elegido o filho de Jessé para
vergonha tua e para vergonha da nudez de tua mãe? Porque todos os dias
que o filho de Jessé viver sobre a Terra nem tu serás firme, nem o teu
reino: pelo que, envia, e traze-mo nesta hora; porque é digno de morte."
(1 Sm 20:30-31) Ainda assim Jônatas fala em favor de Davi: "Por que há
de ele morrer? Que tem feito?" (1 Sm 20:32). "Se a Mim me perseguiram,
também vos perseguirão a vós." (Jo 15:20). "Então Saul atirou-lhe com a
lança, para o ferir." (1 Sm 20:33). Agora ele bem conhecia o ódio
resoluto que seu pai tinha contra Davi.
O
quanto ele sentiu em seu coração, quando a flecha de aviso foi atirada,
nós podemos deduzir disto: "E, indo-se o moço, levantou-se Davi da
banda do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três
vezes: e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, até que Davi
chorou muito mais. E disse Jônatas a Davi: Vai-te em paz: o que nós
temos jurado ambos em nome do Senhor, dizendo: O Senhor seja entre mim e
ti, e entre minha semente e a tua semente, seja perpetuamente. Então se
levantou Davi, e se foi; e Jônatas entrou na cidade" (1 Sm 20:41-43).
As
tristezas de Davi, o ungido de Deus, não passavam de sombras das
tristezas muito mais profundas do Filho Unigênito de Deus, seja quando
olhamos para os múltiplos sofrimentos pelo qual Ele foi consagrado
Príncipe da nossa salvação, ou no sofrimento da morte, por meio da qual
Ele está agora glorificado à destra de Deus. Sem dúvida, a pressão no
coração de Davi foi usada para dar expressão àqueles sofrimentos futuros
de nosso Jesus.
SEGUIR O REJEITADO
Mas
neste ponto da história de Jônatas - e trata-se de um ponto solene -
devemos nos lembrar de que Davi passava a ser um desterrado da casa de
Saul, e que o Senhor Jesus é, neste exato momento, um desterrado deste
mundo; e assim como Saul odiou Davi, de modo semelhante, e até mais,
este mundo odiou, rejeitou e desterrou - sim, até mesmo assassinou - o
ungido Cristo de Deus; e Ele continua sendo, ainda hoje, o odiado e
rejeitado Jesus.
Mas
há um outro lado nesta figura. Deus havia rejeitado a casa de Saul,
embora a tivesse suportado por um longo tempo - sim, durante todo o
tempo da rejeição de Davi. E Ele havia escolhido e ungido a Davi. E o
Senhor estava com Davi, tanto quanto não estava com Saul. Certamente
Samuel sabia disso, e Davi sabia também, ainda que a fé estivesse sendo
dolorosamente provada. E Jônatas sabia disso, como veremos em seu
próximo, e último, encontro com Davi.
Mas
devo agora falar a você daquela uma só coisa que faltou em nosso
Jônatas. É muito doloroso fazê-lo; devo dizer-lhe por que? Ah, porque
existem tantos Jônatas em nossos dias! Porventura não é algo triste
conhecer Jesus, amar Jesus, confessar o Seu Nome, se deleitar muito em
Jesus, desejar servi-Lo neste mundo mau, e, apesar de tudo, parar de
repente quando só faltava uma coisa!
O
que poderia ser essa coisa? O leitor talvez possa dizer, pela graça de
Deus: "Tudo o que você disse de Jônatas se aplica a mim". Pode, então,
lembrar-se de quando Deus fez com que você visse os seus pecados; de
quando o adversário teve permissão para fustigar sua alma, como Golias
desafiando os exércitos de Israel no vale de Elá? Você não encontrou
libertação, não encontrou paz, até que o Espírito Santo revelasse Jesus à
sua alma; até que lhe fosse revelado Aquele que foi enviado por Deus, e
Ele mostrasse a você como havia completado a grande obra da redenção, e
que, pelo Seu precioso sangue, seus pecados tinham ido embora para
sempre, como os filisteus haviam fugido do vale de Elá. E não foi isso o
que conquistou o seu coração para Jesus, do mesmo modo como Jônatas
teve seu coração unido a Davi? Talvez seu orgulho próprio tenha sido,
desde então, muitas vezes esmagado, mas será que você pode dizer:
"Senhor, Tu sabes que Te amo"? (Jo 21:15).
SÓ FALTOU UMA COISA
Você
já conseguiu se despojar de toda a sua justiça-própria? Será que você
está totalmente sujeito a Jesus? Será que Ele é tudo, e você nada? É Ele
precioso para a sua alma? Pode você dizer: "Tenho nEle o meu prazer?"
Pois estou certo de que pode-se ter muito prazer nEle, à medida que
compreendemos a vaidade de tudo o mais, e a inutilidade de tudo aquilo
que vem do homem. E será que você já confessou o nome de Jesus em seu
círculo social em, digamos, sua própria casa? Você continuou falando bem
de Jesus, mesmo tendo que enfrentar todo o ódio e oposição? Assim como
Jônatas foi testemunha de Davi - foi o homem de Davi na casa de Saul -
têm você sido testemunha de Jesus? Tem sido seu prazer manter comunhão
com Jesus e servi-Lo, como Jônatas teve prazer em falar com Davi e
servi-lo? Se sua resposta for "sim", não seria triste descobrir que,
apesar de tudo, só faltou uma coisa?
Você
reparou quais foram as últimas palavras de nosso Jônatas? (1 Sm 20:42).
"Então se levantou Davi, e se foi; e Jônatas entrou na cidade." (1 Sm
20:43). Para onde foi Davi? No capítulo 22 nós o encontramos na caverna
de Adulão. "Então Davi se retirou dali, e se escapou para a caverna de
Adulão: e ouviram-no seus irmãos e toda a casa de seu pai, e desceram
ali para ele. E ajuntou-se a ele todo o homem que se achava em aperto, e
todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso, e ele
se fez chefe deles: e eram com ele uns quatrocentos homens." (1 Sm
22:1-2). Mas havia um que não estava com ele, e esse era o próprio
Jônatas. Talvez você pergunte: "Como podia ser possível que Jônatas, que
sabia do reino de Davi que estava para vir, não estivesse com ele?"
Bem, vamos ler a última conversa que Jônatas teve com Davi, e não
teremos mais dúvidas sobre isto.
"Então
se levantou Jônatas, filho de Saul, e foi para Davi ao bosque, e
confortou a sua mão em Deus; e disse-lhe: Não temas, que não te achará a
mão de Saul, meu pai; porém tu reinarás sobre Israel, e eu serei
contigo o segundo: o que também Saul meu pai, bem sabe. E ambos fizeram
aliança perante o Senhor: Davi ficou no bosque, e Jônatas voltou para a
sua casa" - a casa, a mesma casa de Saul, o rejeitado por Deus. No
entanto, fica evidente que Jônatas bem sabia do reino vindouro de seu
amado Davi; tanto quanto sabia da rejeição da casa de Saul; e, ainda
assim falhou quando deveria ter saído dela e tomado o seu lugar, o lugar
da fé, com o rei que viria, o escolhido de Deus.
Você
sabe, querido leitor, como terminará a presente era? Você sabe que
"quando disserem: Há paz e segurança; então lhes sobrevirá repentina
destruição"? (1 Ts 5:3); - que "é tempo que comece o julgamento pela
casa de Deus"? (1 Pd 4:17); - que, assim como a casa apóstata de Saul
foi eliminada, o mesmo acontecerá com a cristandade apóstata que será
vomitada da Sua boca? (Ap 3:16). Acaso você não está vendo que há muitas
coisas ao seu redor que refletem um espírito assim? Que dia este de
trombetas soando! Ouçam os hebreus o que estamos fazendo! (1 Sm 13:3).
Nunca antes houve uma época de tantos feitos humanos e de tantas
trombetas alardeando esses feitos. "Como dizes: Rico sou, e estou
enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e
miserável, e pobre, e cego, e nu." (Ap 3:17). Esta é a descrição, dada
pelo próprio Senhor, do último estado da grande e condenada casa
professa (Ap 3:15-20). Saul certamente era grande neste mundo, se
comparado com o desterrado Davi, mas quão desventurado e miserável foi o
seu fim!
REUNIDOS A JESUS
Mas,
querido leitor, acaso você não sabe que esse Jesus, rejeitado no mundo,
encontra-Se neste exato momento à destra da Majestade nas alturas, e
que Ele cedo virá, e com um clamor reunirá os Seus santos para
encontrá-Lo nos ares (1 Ts 4); e que depois disso Ele voltará em juízo
sobre aqueles que não obedeceram ao evangelho (2 Ts 1); e que então o
glorioso reino desse, agora rejeitado, Jesus certamente terá o seu
lugar? Você concorda que todas essas coisas certamente acontecerão? E
será que você sabe que Deus está, pelo Seu Espírito, reunindo uns poucos
dos redimidos do Senhor a esse Jesus, agora rejeitado, como foram
reunidos a Davi aqueles quatrocentos homens na caverna de Adulão? É
verdade, aqueles quatrocentos formavam um grupo bem desprezível, mas era
a Davi que estavam reunidos. Ah, se Jônatas tivesse sido um deles, você
acha que seu corpo teria sido pregado no muro de Bete-Sã?
Está
mais do que na hora de colocar esta questão diante de você: Onde é que
você está? Será que está construindo com madeira, feno e palha na grande
casa de Saul - essa cristandade vistosa de mera profissão exterior -
essa que professa ser a Igreja de Deus, mas que, na realidade, tornou-se
a igreja do mundo? Ou será que você já tomou o seu lugar fora do
arraial com esse Jesus, agora rejeitado, mas que voltará? Ah, penso
estar ouvindo você dizer: "Oh, esses cristãos separados; são pessoas tão
horríveis!" Jônatas deve ter dito o mesmo daqueles quatrocentos homens
que estavam com Davi. Mas o que dizer de Jesus? Será que Ele não é digno
de que você deixe tudo para identificar-se só com Ele? Você encontrará
alguns outros, poucos, mas que por graça encontram-se nesse mesmo
bendito lugar; apesar de o mundo religioso tentar fazer deles uma seita,
e até, como nos dias de Paulo, uma seita da qual em todo lugar se fale
mal. Estou sendo franco; falo sem rodeios. Há uma grande casa de
profissão exterior, como era a casa de Saul; e há uma separação dela, em
identificação com Jesus em Sua rejeição, como os quatrocentos que
estavam com Davi; e se você é um cristão, certamente você está, ou em um
lugar, ou no outro. É provável que você diga: "É neste grande sistema
que ganho o meu pão". Bem, se assim for, admito que trata-se de um
assunto bem sério. Mas o mesmo acontecia com Jônatas, e você pôde ver o
fim dele - os muros de Bete-Sã.
"Mas",
outro poderá dizer, "será que você não consegue ver a influência que
posso ter, permanecendo onde estou? Veja que bela congregação!
Que oportunidades de falar de Jesus! Você acha que eu conseguiria ter as mesmas oportunidades, ou algo parecido, se tomasse meu lugar fora, ao nome de Jesus? E pense só na oposição que encontraria daqueles com quem me relaciono! Por que deixar todo o esplendor e conforto de tudo o que é admirado no mundo, e onde pode-se, ao mesmo tempo, verdadeiramente confessar o nome de Jesus?"
Que oportunidades de falar de Jesus! Você acha que eu conseguiria ter as mesmas oportunidades, ou algo parecido, se tomasse meu lugar fora, ao nome de Jesus? E pense só na oposição que encontraria daqueles com quem me relaciono! Por que deixar todo o esplendor e conforto de tudo o que é admirado no mundo, e onde pode-se, ao mesmo tempo, verdadeiramente confessar o nome de Jesus?"
Ah,
meu amigo, Jônatas pode muito bem ter dito o mesmo, mas por que foi que
ele perdeu o prêmio de seu amor e serviço a Davi? E por que foi ele
acabar vergonhosamente pregado nos muros de Bete-Sã? Acaso não foi por
ele ter agido nos mesmos princípios sobre os quais muitos agem ainda
hoje? Ele uniu-se àquilo que era exterior, aquilo que Deus havia
rejeitado, e falhou ao não tomar o seu lugar junto com os pobres e
desprezados seguidores do ungido de Deus.
Você
sabe muito bem, querido leitor, que Deus não Se associa a esse
comércio, mundanismo e pecado que é tolerado na igreja professa. Se você
tem um grande apreço por Jesus, se você deseja fazer o que quer que Ele
deseje de você, então certamente Sua voz poderá ser ouvida nestas
preciosas passagens que falam dEle. Oh, não é triste ficar perdendo o
seu tempo com aquilo, e para aquilo, que será destruído na vinda do
Senhor? Tem comunhão e encontros ocasionais com Davi e, então, lá vai
você de volta para a casa de Saul. Ah, isso de nada adiantará! Você pode
ter as quatro características que Jônatas teve, de uma verdadeira
conversão a Cristo, e ainda assim perder seu galardão.
1.
Como Jônatas, você pode ter ficado cheio de amor para Jesus,
reconhecendo-O como o Cordeiro de Deus que levou de uma vez para sempre
os seus pecados (1 Sm 18:1);
2. Você pode ter se despojado para Jesus (1 Sm 18:4);
3. Você pode ter feito plena confissão do nome de Jesus, deleitando-se muito nEle (1 Sm 19:1-5);
4. Você pode ter desejado fazer o que quer que Jesus desejasse (1 Sm 20:4).
Mas
será que, como Rebeca que deixou tudo para ir ao encontro de seu
Isaque, você está disposto a deixar tudo e tomar o seu lugar de devota
identificação com Jesus?
C. Stanley
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